sábado, 9 de agosto de 2014

João Paulo - Os dois heróis de Suassuna‏

Os dois heróis de Suassuna 
 
João Paulo
Estado de MInas: 09/08/2014


O mestre Ariano Suassuna e o sertão (Edu Simões/IMS/Divulgação)
O mestre Ariano Suassuna e o sertão

Ariano Suassuna foi um grande escritor. E foi um pensador de um tipo muito peculiar. Como acreditava na sabedoria do povo, fez de sua obra uma espécie de súmula poética do que aprendeu com a cultura popular. Pode parecer que é um simples populismo, uma condescendência em favor dos pobres, atitude muito próxima do esnobismo. Nada mais equivocado.

Na linha de criadores como Cervantes, Bach e Guimarães Rosa, Suassuna sabia que a força da inteligência não é atribuição do indivíduo, mas uma espécie de realização coletiva, que vai sendo sedimentada com o tempo. Assim, grandes sinfonias e romances ecoam muitas vezes gerações e gerações de artífices anônimos, filtradas pela capacidade do artista em lhe dar representação bela e elegante. Há um espírito coletivo, que por vezes é atributo do espírito, outra da emoção. Hegel e Jung, razão e inconsciente coletivo.

Essa compreensão da força criadora dos homens em situação não diminui em nada o indivíduo, mas o coloca em perspectiva. Como parte da família humana, muitas vezes precisamos deixar de lado os dois grandes continentes que definem o homem – a liberdade e a igualdade – para defender a terceira margem do rio, a solidariedade. Tanto na vida como na política.

Quem postula a liberdade, com seu alto grau individualista de ação – e potente força civilizadora – aposta em valores dirigidos não apenas pela possibilidade de querer (que levaria ao egoísmo), mas pelo poder de agir, tendo como limite a dignidade humana. Que a liberdade e o liberalismo, em economia e política, tenham levado a ideologias conservadoras é a afirmação d7e um princípio ético e político que precisa ser compreendido.

Por outro lado, os partidários da igualdade devem também ser entendidos como aqueles que, cientes das diferenças humanas, não concordam que elas se traduzam em desigualdades sociais. Que essa diretriz ética tenha gerado projetos políticos mais progressistas é também algo que merece atenção. A boa política, dos dois lados da roda da história, repercute sempre a disposição do homem em viver melhor.

No entanto, nem a liberdade nem a igualdade, por si sós, são capazes da grande síntese dos propósitos humanos em política. Para dar substância a esses dois polos é preciso defender uma terceira inclinação ética: a solidariedade. As lições de história no colégio nos acostumaram com a tripartição dos valores políticos em liberdade, igualdade e fraternidade (que pode ser o outro nome da solidariedade). Das três, a fraternidade é a mais ambiciosa e difícil. E, por seu turno, a menos valorizada.

A solidariedade, como define Fábio Konder Comparato em seu excelente Ética – Direito, moral e religião no mundo moderno (Ed. Companhia das Letras), amplia e complementa a liberdade e a igualdade como um “fecho de abóbada do sistema de princípios éticos”. Quando se seguem as vias da igualdade ou da liberdade, cada qual reivindica o que lhe é próprio. No plano da solidariedade, a convocação universal é para a defesa do que é comum. Há um sentido universal que ultrapassa interesses individuais, de grupos, nações, ideologias, em razão de um patrimônio que é comum a todos.

Como lembrava Montesquieu (1689-1755), se algo é bom para mim, mas ruim para a minha família, deve ser rejeitado; se agrada à minha família, mas confronta com interesses da comunidade, também deve ser posto de lado; se atende aos valores do Estado, mas desafia o gênero humano, se trata de um crime. Com outra retórica, mais irônica e ferina, é o mesmo que afirmava George Bernard Shaw (1856-1950) ao dizer que nada garante a verdade de um princípio pelo simples fato de ser da minha família ou de meu país. A defesa dos “valores da família” e o patriotismo,são, no limite, ações destrutivas da humanidade.

Em outras palavras, a hora de dividir, de guerrear e de competir deixam a cena quando os valores universais se apresentam. Há momentos em que só a solidariedade pode garantir a sobrevivência.

Sertão em Gaza Ariano Suassuna, com sua sabedoria nutrida na sagacidade do povo, chegou às mesmas conclusões. Sua obra, tanto no teatro de Auto da Compadecida como no romance A Pedra do Reino, defende que há dois tipos de heróis a habitar todas as lidas e sagas do mundo. O primeiro herói é aquele típico do romance de cavalaria, um homem nobre, para o qual a honra vale mais que todos os princípios. Um cruzado que não volta atrás à palavra dada, que prefere a morte à desonra. Este tipo de herói, todos sabem, de certa maneira habita nossa alma (somos todos orgulhos de nossos princípios e dispostos, em tese, a morrer por eles), só que parece viver numa escala exacerbada, como se tudo fosse um caso de vida ou morte e cada achaque do dia a dia um enfrentamento contra mil exércitos.

O outro herói, típico do romance picaresco, é o homem que preza sobretudo a vida. Mais que honra, o que conta para ele é a sobrevivência. Enfrentando uma batalha todos os dias, em situação de desvantagem persistente, o herói picaresco de raízes ibéricas apela para o jeitinho, para o adaptável espírito dos expedientes que lhe permitem dar a volta nas incompreensões do destino. É o típico herói de Suassuna, de João Grilo a Quaderna, mas o escritor conhece a cartilha do relativismo e sabe que, no limite, o idealismo exacerbado leva à morte ou à derrota; e a esperteza desmedida pode gerar um canalha satisfeito. É do pêndulo dessas inclinações que a vida é feita.

Há momento para os dois heroísmos na vida, sendo a indicação dada pela gravidade da situação. Em algumas situações, é necessário não transigir, não se curvar aos interesses, defender ações sempre universalmente válidas, como no caso dos direitos humanos, da preservação da natureza, da irreversibilidade dos direitos conquistados. Os heróis da radicalidade fazem o mundo avançar e são necessários. Muitas vezes, precisamos nós mesmos pôr em funcionamento nossa cota de heroísmo cavalheiresco e mirar nos radicais e sua coragem. Os moinhos estão aí para ser derrubados.

No entanto, há também a hora em que a sobrevivência fala mais alto, que é preciso, até para continuar lutando, dar um drible nas circunstâncias e aceitar que a perda é inevitável. Os “amarelos” de Suassuna sabem disso: se submetem ao poder, mas com astúcia para burlá-lo nas horas certas. Por vezes, uma pequena derrota dos dois lados é a única saída possível. É preciso coragem para sobreviver, mesmo que a princípio isso sugira uma derrota circunstancial.

O conflito em Gaza, no Oriente Médio, é um típico jogo em que os dois lados perdem. A se tomar as razões “heroicas” dos dois Estados, a morte será a grande vencedora. Em momentos assim, é preciso que, sem deixar de lado os valores que sustentam as duas nações, cada lado ceda em nome da sobrevivência de todos. Os heróis de Suassuna podem ser entendidos nessa hora, como comparou certa vez o escritor israelense Amós Oz, como representantes de Shakespeare e Tchekhov. Nas tragédias de Shakespeare, muitas vezes o final é um palco cheio de mortos em nome de grandes verdades. Nas histórias melancólicas de Tchekhov, perdedores dos dois lados têm como tarefa recomeçar a vida, mesmo humilhados e ofendidos.

João Grilo sabia das coisas. Venceu a morte e escolheu como prêmio voltar a viver mais um pouco em meio às mesmas demandas das quais tentava se livrar. Entre um momento e outro, viver é tudo que interessa. A política e a literatura vêm depois.

Embriagados pela beleza

Embriagados pela beleza 
 
Numa época cada vez mais marcada pela transformação das pessoas em mercadorias, a cirurgia plástica se torna uma técnica de reconhecimento social, a partir de padrões artificiais e geradores de ansiedade
Inez Lemos
Estado de Minas: 09/08/2014


Cabeça de mulher, um retrato de Dora Maar, de Picasso: a beleza como um desafio à sensibilidade do espectador     (Shoteby%u2019s/Art Digital/AFP)
Cabeça de mulher, um retrato de Dora Maar, de Picasso: a beleza como um desafio à sensibilidade do espectador


A celebrada sociedade do espetáculo, orientada no mercado, no individualismo e no avanço tecnológico, multiplica seus efeitos sobre o corpo, colocando em cena personagens cunhados no estilo publicitário. Como explicar o investimento na perfectibilidade, via ciência estética e biológica? Corpos manipulados por bisturis, corpos simulados, falsificados. A mídia testemunha que o Brasil ultrapassou os EUA e se tornou campeão em cirurgias plásticas. Estamos lidando com um cenário que parece negar tanto o humanismo quanto a transcendência, revertendo valores fundamentais. Mas o que a cirurgia plástica tem a ver com isso?

O corpo ganha primazia, torna-se o lugar de materialização do desejo, revelando a esperança de um futuro melhor: possibilidade de reconhecimento e sucesso. É onde o homem da era tecnológica produz a si mesmo. A trajetória do pensamento encurtou. O percurso da fantasia e da utopia simplificou. Hoje, o endereço dos jovens que seguem a cartilha da vida-espetáculo se resume numa clínica de cirurgia plástica. As notícias apontam para uma reificação do humano. Fashion é escolher um boneco como alter-ego. O meu duplo é um ser midiático, industrial. É nele que vou me espelhar. Os humanos não me interessam. O que eles têm para me oferecer? Prefiro o homem de borracha, que não me frustra, tampouco me decepciona.

Entre as reportagens que apontam mutações nas escolhas entre jovens e adolescentes, regulamentadas pelo espetáculo, via mídia, destaco: “Celso Santebanes, 20, quer ser uma celebridade de verdade. Se diz obcecado por beleza, sempre quis ser reconhecido, aparecer na mídia. Fez quatro cirurgias plásticas para ficar parecido com Ken, o companheiro da Barbie”. A imprensa confirma o deslocamento entre ciência, cultura e corpo. Mundo interno e externo, desejo e política, eu e o outro. Quem está agenciando o desejo humano? Por que a ciência segue os paradigmas da moda atual, produzida por uma indústria truculenta e perversa? Transformar o corpo humano em mercadoria é mais rentável, uma vez que o insere numa rede de consumo de produtos de beleza. Dermatologistas, plásticas, cosméticos, salões de beleza, spas do corpo.

A beleza hoje é normativa, produzida pelos empresários da moda, que ditam os rumos da estética. Eles definem o bonito e o feio. Contudo, importa investigar o que subjaz à busca desenfreada pelo corpo perfeito, à intolerância com a imperfeição e a incompletude. A tentativa de instaurar uma superfície brilhante revela a necessidade de fugir do real. Como suportar o abismo sombrio de uma existência sem sentido? Como enfrentar o feio, significante que nos remete à finitude? A velhice nos coloca lado a lado com o efêmero, estética trágica imposta pelo tempo. O medo da velhice, expresso na corrida incessante à beleza, expõe uma interioridade precária e moldada na superfície da existência humana. Além de deflagrar pobreza simbólica, aponta para um vazio de transcendência – empobrecimento afetivo e laços sociais inconsistentes.

O feio em nossa cultura torna-se insuportável quando revela uma conexão com o dentro, o sentir. Na verdade, o que não suportamos é a dimensão do humano. Ao eleger a aparência, o externo como campo privilegiado do brilho e do belo, estamos interessados em afastar as perturbações, os ruídos que a existência nos coloca. Ser humano é ser apaixonado, é se atormentar pela positividade da ilusão. Quão difícil seria atender as demandas internas, os urros da alma que não cessam de nos incomodar, exigir? Mais fácil é eleger falsos brilhantes, falsas esculturas, falsas ideias de felicidade, representações simuladas de hedonismo. A hedoné moderna trilha na tecnocultura.

Condição mortal


A rejeição do feio é um dos sintomas das sociedades midiáticas, que cultuam a imagem e a colocam acima de outros valores. O feio provoca conexão intensa com o sensível, por expor a vida como ela é. O belo convoca o brilho externo – luz, imagem, aparência, show, espetáculo. O feio convoca o dentro, por fora, ele não produz sedução alguma, apenas a repulsa. Talvez o apaziguamento esteja na aceitação do feio, uma vez que ele nos ajuda a enfrentar a frustração, a fazer as pazes com a falta. A feiura nos humaniza ao desvelar nossa condição de mortal e avisar que o tempo não é benevolente. A morte é esse outro que nos invade e confunde os sentidos. Ela exige que sejamos realistas, que cultivemos  mais os sentimentos, nos ocupemos com a intimidade, as vozes do coração. Para que trabalhar tanto, acumular riquezas, se amanhã morreremos?

O feio na era tecnológica, dos sorrisos espalhados no Facebook, é o espontâneo, o que escapa à produção, o que não foi elaborado, maquiado. Quase tudo merece intervenção: o rosto limpo, natural e imperfeito expõe o fantasma da falta – angústia ao enfrentar o real. O corpo como tributo de um novo tempo é o corpo-mercadoria, o corpo-máquina. As inovações tecnológicas trouxeram grandes transformações no campo da subjetividade.

Entre elas, destaco a percepção humana e o novo estatuto imaginário corporal. Entram em cena novos personagens, corpos portando objetos estranhos, desenhos, marcas simbólicas: aparelho nos dentes, unhas e cabelos postiços, fios de ouro nas rugas, silicone nos quadris, dentes encapados. A ciranda dos objetos se sobrepõe ao sujeito, que se apaga entre dietas e salões de beleza. O registro identitário é cunhado pela estética da transformação. Corpos mutantes, sujeitos opacos, desejos suspensos.

“A Junta Comercial do Rio de Janeiro revela que os salões de beleza cresceram 142% entre 2000 e 2013. Enquanto cresce a procura por tratamentos de beleza, diminui a demanda por livrarias, que recuaram 57%.” O corpo é o sintoma do homem. O que equivale dizer que a nossa sociedade prioriza o culto à estética e à aparência, em detrimento da essência, do conhecimento e do saber. Os holofotes estão direcionados para o externo, as luzes do Olimpo miram os belos penteados. As belas palavras definham no obscurantismo, nos templos de Salomão, entre dourados imitando ouro. Simulacro de beleza oca. Vivemos a derrocada do pensamento, e se o pensamento é uma forma de resistência, significa que estamos condenados ao fundamentalismo midiático, na estética ou nas religiões.

Prazer on-line


“A mãe jogou o filho de 2 anos na parede, matando-o. Alegou que a criança estava brincando com o seu celular, sem sua permissão.” O celular, nesse caso, corresponde ao objeto de desejo do filho, é ele que foi internalizado como parte do corpo da mãe. Desejá-lo é desejar uma parte da mãe que lhe faltou – mãe abandônica, ausente. Mães envolvidas entre tablets e smartphones, os novos objetos que fascinam. Brilhantes, sedutores, cobiçados. A internet é o ópio contemporâneo, age como substância tóxica, deixando a humanidade embriagada, viciada. Delírios provocados por uma caixinha, nada de fantasias ao vivo, o prazer é on-line. Precisa mais?

O eu não existe sem a alteridade. O outro da pós-modernidade é um objeto. Na nova dimensão psíquica, a criança, ao ser marcada nas relações parentais – mais por objetos que por carinho ou contato corporal –, segue uma orientação funcional. As relações são pautadas por agendas previamente estabelecidas. Os sentimentos devem seguir um plano de metas, que se traduz pelo imperativo de viver todas as formas de prazer em um só tempo. Se somos regulamentados por uma organização externa, é de se esperar que os desejos próprios sejam desviados. Se não fomos marcados por referências familiares sólidas, se não construímos laços sociais consistentes, sequer adquirimos uma mínima proteção afetiva e emocional. Um estofo básico que sustenta o sujeito diante das agonias da vida.

Ao privilegiar o externo, perdemos a conexão com o subterrâneo, lugar onde cochilam as perturbações humanas. Ser humano é se debater entre o trágico, o cômico, o belo e o feio. Todos são elementos fundantes da loucura humana. E não há nada mais sedutor que uma dose de loucura. É ela que introduz a paixão nas relações. Ao intervirmos no corpo em função de um modelo, retiramos dele as insígnias, os traços familiares. Desprovido do simbólico, o corpo-expressão se apaga. Abandona a memória viva, desejante, para encarnar a imagem fria de um cadáver. Corpo sem persona. O mundo do pastiche é desumano. Beleza confinada em corpo morto.

O filósofo Sócrates, exemplo de feiura, conduzia os discípulos ao paraíso, ao reino do saber, a sabedoria metaforizando o divino exercício do pensamento. A percepção da beleza que rege a existência exige tocar entranhas, desvendar os mistérios da aventura humana. O feio, ao mesmo tempo que provoca repulsa, fascina. Sedução, uma multidão de sentimentos, muito mais que obra de arte, escultura em praça vazia.

Inez Lemos é psicanalista.
E-mail: inezlemoss@gmail.com

Orelha

Orelha

Estado de Minas: 09/08/2014


Medo e indiferença

Zygmunt Bauman coloca em foco a insensibilidade moral do homem contemporâneo (Eloy Alonso/Reuters)
Zygmunt Bauman coloca em foco a insensibilidade moral do homem contemporâneo


No cenário sempre caótico do mundo contemporâneo, um novo livro do sociólogo Zygmunt Bauman sempre merece atenção. A Zahar está lançando esta semana o 34º título do autor no Brasil, Cegueira moral, um longo diálogo com o cientista político e filósofo Leonidas Donskis. O ponto de partida é a sensação de que, hoje, o mal não se restringe apenas às guerras e aos contextos extremos, estando presente de forma quase natural na vida das pessoas. A consequência é insensibilidade moral que parece tomar conta das consciências, traduzida na incapacidade de compreensão do sofrimento do outro e o desejo de controlar a privacidade alheia. O livro é dividido em cinco partes: “Do diabo a pessoas assustadoramente normais e sensatas”; “A crise política e a busca de uma linguagem da sensibildidade”; “Entre o medo e a indiferença: a perda da insensibilidade”; “Universidade do consumo: o novo senso de insignificância e a perda de critérios”; e “Repensando A decadência do Ocidente”.


Linguística

Últimas aulas no Collège de France – 1968 e 1969, de Émile Benveniste será lançado ainda este mês pela Editora Unesp. Esta é a primeira edição brasileira da compilação das últimas aulas do linguista e gramático francês. O livro foi editado na França há apenas dois anos. Últimas aulas insere-se entre os trabalhos do autor que permaneceram à sombra de seus textos mais consagrados, entre os quais o clássico Problemas de linguística em geral. O livro também carrega a marca intelectual de Benveniste, uma aguda capacidade de polemizar. Organizado e apresentado pelos linguistas Jean-Claude Coquet e Irène Fenoglio, com prefácio de Julia Kristeva e posfácio de Tzvetan Todorov, esta edição inclui textos inéditos, além de fotografias de notas preparatórias das palestras do pensador.


Mistério

 (AP/Files)


Os crimes do monograma é o título do novo romance de Agatha Christie (foto). Na verdade, trata-se obra escrita por Sophie Hannah, com autorização da família da dama do crime. A história de Os crimes do monograma começa em um café em Londres, onde Hercule Poirot é surpreendido por uma mulher que confessa que está prestes a ser assassinada. No Brasil, o livro sai pela Nova Fronteira.


Filosofia

A Editora UFMG lança a segunda edição do livro A ontologia da realidade, de Humberto Maturana. Os artigos que compõem a coletânea apresentam os fundamentos epistemológicos da obra do autor e alguns desdobramentos de seu mecanismo explicativo, explorando temas como a linguagem, a cognição, os fenômenos sociais, a mente e a autoconsciência. A organização é de Cristina Magor, Miriam Graciano e Nelson Vaz.


Silêncio

 (TV Brasil/Divulgação  )


Mais um volume da série Mutações, dirigida por Adauto Novaes, chega às livrarias, em edição do Sesc São Paulo. O silêncio e a prosa do mundo reúne 25 ensaios sobre o tema do discurso, em sua dimensão social, política, filosófica e estética. Entre os autores estão Francis Wolf, Renato Lessa, Vadimir Safatle, Jorge Coli, Francisco Bosco e Eugênio Bucci (foto), que escreve sobre o que chama de “rumor da mídia”.


Tesouro

Malba Tahan está de volta. O escritor brasileiro Júlio César de Melo e Souza, que encantou várias gerações com sus livros que mesclam aventuras exóticas e matemática, entre eles o clássico O homem que calculava, começa a ter sua obra reeditada. O selo infantil Galerinha, da Editora Record, está lançando O tesouro de Bresa, conto do autor que se torna livro independente, com ilustrações de Rafael Nobre.


Lançamentos

A economia como sistema da representação em Karl Marx, de Édil Guedes, será lançado hoje, as 11h às 14h, na Quixote Livraria (Rua Fernandes Tourinho. 274, Savassi, (31) 3227-3077). O livro é resultado da tese de doutorado em filosofia do autor. Édil Guedes é professor de economia e filosofia na PUC Minas e na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), onde atualmente conduz pesquisa sobre os fundamentos filosóficos das relações entre ética e economia.

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Adriano Bitarães Netto lança hoje, das 11h às 15h, o livro Poesia dos pés à cabeça. Na Livraria Mineiriana, Rua Paraíba, 1.419, Savassi. A edição é das Paulinas e o livro é ilustrado por Rubem Filho.


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Terça-feira, às 19h30, na sala Juvenal Dias do Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro), Lilia Schwartz, André Botelho e Heloísa Starling participam de debate e lançamento da coletânea Agenda brasileira. No livro, estudiosos de diversas áreas reúnem ensaios com temas fundamentais para o Brasil, como a desigualdade social, a segurança pública, a luta contra o racismo, o reconhecimento da diversidade sexual, entre outros.

História dá samba

Livro de Maria Lucia Rangel e Tino Freitas mostra como a música popular apresenta personagens e reconta fatos marcantes do passado brasileiro


Ângela Faria
Estado de Minas: 09/08/2014


Ilustração de Ziraldo para o samba Heróis da liberdade, de Mano Décio, Silas de Oliveira e Manoel Ferreira     (Ziraldo/Reprodução)
Ilustração de Ziraldo para o samba Heróis da liberdade, de Mano Décio, Silas de Oliveira e Manoel Ferreira


Ele foi escrito para crianças, mas os adultos vão adorar a novidade. Aula de samba, assinado por Maria Lucia Rangel e Tino Freitas, com ilustrações de Ziraldo, rememora fatos e personagens de nossa história por meio de versos que empolgaram desfiles de carnaval cariocas. É o tipo de livro que papais, mamães e titios terão prazer em “filar” dos baixinhos.

Onze sambas-enredo celebram a abolição da escravatura, a Inconfidência Mineira, a Guerra de Canudos, o Dia do Fico, o fim da monarquia e a Batalha de Guararapes, entre outros fatos históricos, além de personagens como Tiradentes, Getúlio Vargas, dom Pedro I, José Bonifácio, Castro Alves, Aleijadinho e José do Patrocínio. Dona Beja, uma espécie de “protofeminista” que virou lenda em Minas Gerais, ganhou um capítulo só para ela. Em 1968, muito antes de Maitê Proença conquistar o Brasil naquela série da TV Manchete, um samba composto por Aurinho da Vila empolgou o Salgueiro. Ana Jacinta, a musa de Araxá que não se dobrou ao machismo, brilhou na avenida.

Xica da Silva, outra mineira boa de folia, ficou de fora do livro. Uma pena: ela reinou na passarela em 1963, quando o mesmo Salgueiro mudou a história do carnaval carioca. O povo viu um desfile inovador – o primeiro realizado na Avenida Presidente Vargas. O cineasta Cacá Diegues estava lá. E se inspirou ali para fazer seu famoso filme, estrelado por Zezé Motta e Walmor Chagas.

Aula de samba não é daqueles livrinhos tatibitates para crianças. Bem avisa Martinho Filho, herdeiro de Martinho da Vila, no prefácio: ele e as irmãs davam show em história e geografia nos boletins graças ao LP organizado pelo pai, uma coletânea de clássicos carnavalescos povoada de heróis, datas e fatos históricos. Batucada sempre foi melhor do que decoreba...

O CD que acompanha Aula de samba traz regravações nas vozes de Chico Buarque, Dona Ivone Lara, Simone, Lenine e Maria Rita, entre outros. Coube a Chico interpretar Exaltação a Tiradentes (Estanislau Silva/Mano Décio/Penteado) – aquele do “foi traído e não traiu jamais/ a inconfidência de Minas Gerais” –, enquanto o livro traz informações e curiosidades sobre o mártir e seu cantor. Você sabia que Chico Buarque recebeu a Medalha Tiradentes, concedida pela Assembleia Legislativa fluminense, durante um torneio de futebol doméstico? E que Tiradentes foi enforcado com cabelos e barba raspados, porque assim se evitava o ataque de piolhos aos presos?

Samba-enredo defendido em 1953 pela Cartolinhas de Caxias, Benfeitores do universo (Hélio Cabral) é praticamente uma apostila de história do Brasil. A letra fala de Carlos Gomes, Rui Barbosa, Oswaldo Cruz, Santos Dumont, Castro Alves e João Caetano, entre outros. Atualmente, a Cartolinhas faz parte da Acadêmicos do Grande Rio. Em 1956, o polêmico Getúlio Vargas, ditador e pai dos pobres, que ainda desperta paixão e ódio, ganhou samba composto por Padeirinho para a Mangueira. Quase dois anos depois de se matar, Gegê deixou a vida para entrar no carnaval como estadista, idealista e realizador.

Fico


A garotada vai adorar saber que dom Pedro I não era um mauricinho bocó. O príncipe, na verdade, estava mais para pivete. Brincava na rua com as outras crianças e os escravos, adorava boemia e música, compôs o Hino da Independência. Em 1962, Sua Alteza ganhou de Cabana Dia do Fico, cuja letra exaltava a data da “marcante vitória deste povo varonil”. Detalhe: Pedro, o pivete, nasceu em pleno Dia das Crianças.

Aquarela brasileira, o clássico de Silas de Oliveira que fez o Império Serrano levantar a avenida em 1964, canta as maravilhas dos cenários da Amazônia, do Rio de Janeiro, de Pernambuco, de Brasília, do Ceará, da Bahia e até da Ilha do Marajó. Ziraldo não podia mesmo deixar passar batido: no capítulo dedicado a Silas, desenhou um capiau desconfiado, que reclama: “Uai... Num tem Minas...”. Detalhe: aquela beleza de samba era homenagem à Aquarela do Brasil (1939) composta por Ary Barroso, mineiro de Ubá!

Ao lado do cantor Tony Garrido, dona Ivone Lara gravou Os cinco bailes da história do Rio. Em 1965, a carioca simpática quebrou um tabu: foi a primeira mulher a ingressar na ala de compositores de uma escola de samba. Coube à Império Serrano defender a parceria dela com Silas de Oliveira e Bacalhau. O trio se inspirou em festas que marcaram a trajetória da Cidade Maravilhosa – da fundação ao Baile da Ilha Fiscal, o canto de cisne da monarquia.

“Faz escuro/ mas eu canto”, diz o verso de Thiago de Mello. E está aí a lição mais tocante de Aula de samba à moçada. Durante os 21 anos da ditadura civil-militar imposta em 1964, o carnaval deu voz ao povo. Pouco depois da decretação do Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968, chegou a hora da folia. Em 1969, a Império Serrano decidiu celebrar o fim da escravidão e a ousadia dos inconfidentes com Heróis da liberdade (Mano Décio/Silas de Oliveira/Manoel Ferreira). A letra dizia assim: “Já raiou a liberdade/ A liberdade já raiou/ Essa brisa que a juventude afaga/ Essa chama que o ódio não apaga pelo universo/ É a evolução em sua legítima razão”.

Acuada, a Império foi obrigada por censores a trocar a palavra revolução por evolução. Teve de desfilar sob o voo rasante – em plena avenida! – de um avião da Força Aérea Brasileira (FAB). A escola de Madureira ficou em quarto lugar, mas ninguém se lembra disso. Fato é que a corajosa verde-branco entrou para a história. E deu uma aula de samba.

AULA DE SAMBA – A história do Brasil em grandes sambas-enredo
. De Maria Lucia Rangel, Tino Freitas e Ziraldo (ilustrações)
. Edições de Janeiro, 78 páginas, R$ 48,90

Foco na alma‏

Foco na alma
Mostra de fotografias de Pedro David, em cartaz no Museu Mineiro, equilibra a beleza das obras com uma reflexão crítica, atenta e emocionada sobre o sentido das imagens no mundo atual

Gracie Santos
Estado de Minas: 09/08/2014

Instalação Última morada, integrante da mostra Fase catarse: a peça delicada de roupa como tela para projeção de imagens (Pedro David/Divulgação)
Instalação Última morada, integrante da mostra Fase catarse: a peça delicada de roupa como tela para projeção de imagens

Certas imagens ficam para sempre. Não apenas pelo impacto que possam trazer ou pela beleza que porventura se apodere delas e nos envolva por inteiro, mas pela capacidade que têm de contar uma história. E, depois de tudo isso, transportar o admirador para dentro de si mesmo, jogá-lo em seu próprio mundo, remexendo seus guardados mais profundos. É o que se vê na exposição Fase catarse, que o fotógrafo mineiro Pedro David, de 36 anos, mostra até dia 31 no Museu Mineiro, em Belo Horizonte. A mostra reúne três séries (Aluga-se, Coisas caem do céu e Última morada), momentos de introspeção, autoanálise e superação vividos pelo artista diante de acontecimentos difíceis. A trilogia começa pela busca de um lugar para morar, esbarra em problemas com vizinhos e se encerra com a morte da mãe de Pedro.

Nas duas primeiras sequências de Fase catarse, o fotógrafo encontra soluções surpreendentes para problemas que se tornam aparentemente pequenos, principalmente diante da perda do ente querido que fecha a trilogia. Ele transforma, por exemplo, a tarefa tediosa de procurar apartamento para alugar em imagens que utilizam as janelas como câmera fotográfica, que emitem, sem foco, raios de luz do dia que corre alheio às pesquisas no mercado de imóveis. Pelas lentes de Pedro David, paredes de apês vazios são quase pinturas, de textura e coloridos especiais. Ele chega a registrar o azul do céu em uma das mais belas imagens.

Coisas caem do céu é reflexo do estado de espírito do fotógrafo, alguém que, de bem com o mundo, a vida e humor ácido, não se deixa exasperar pela falta de educação dos vizinhos que atiram lixo na sua até então “adorável” área externa de apartamento térreo. Pedro recolhe e coleciona os objetos que aterrissam em sua casa e que, sob seu olhar macro, tornam-se esculturas curiosas. Caso de um pedaço de sabão que mais se parece pedra preciosa e um papel de bombom amassado com brilho e forma interessantes.

Mas é em Última morada que Pedro David supera todas as expectativas. A instalação, montada para revelar preciosas lembranças de sua mãe (com quem dividia a moradia), é simples e profundamente verdadeira. Integram o espaço (que bem poderia ser uma salinha de visitas) o sofá de um acento (onde o admirador vai se aconchegar para assistir à obra em vagaroso slide show); um tapete de pele de vaca (presente que ela ganhou de um amigo); um vaso com a planta morta, que nunca mais foi regada; um pequeno porta-retrato vazio, pendurado na parede; e prateleiras com delicados objetos de vidro, heranças que escolheu guardar e mostrar.

Anágua De rara delicadeza é a peça criada para absorver as imagens que se alternam entre um cobertor de oncinha, um livro cheio de marcações, plantas e variados objetos de sua mãe. Pedro David transformou parte de uma anágua (em cetim branco com barrado de renda) em tela de projeção. A peça está pendurada em um cabide, em frente ao sofá. Ao fundo, o projetor instalado em um totem de madeira exibe as fotografias, enquanto ao fundo, bem ao fundo, ouve-se a leve respiração ofegante de quem se despedia da vida.

Transformar dor em poesia é lugar-comum. O que Pedro David fez de seu luto foi criar uma possibilidade de encontro real e verdadeiro com quem se ama e não se tem mais. Ainda que o trabalho possa levar a acreditar que filho e mãe vieram uma relação especial, o que está em questão é a capacidade de transformação do simples em potente material, que não apenas emociona, mas permite ao espectador fazer sua própria viagem, viver seus próprios lutos.

Fase catarse é a catarse do autor capaz de levar o espectador à sua própria catarse. Ao final da série de 46 imagens, que invocam demorada apreciação, fica a certeza de que a arte é realmente transformadora. Fica para sempre e traz reflexões.

Antes de nascer
A fotografia vive momento ímpar, que começou a se desenhar há tempos. Já há muito um exército de fotógrafos “autodidatas” invade o planeta, poderosos autores de instantâneos que caminham pela rede. Recorrentes são cenas de coberturas de shows em que artista e palco desaparecem para dar lugar a milhares de minúsculas telinhas, que registram para as redes sociais o tão importante: “estou aqui agora”. (E nada mais interessa?) Selfies e mais selfies desafiam a capacidade de discernir pose e verdade. Até o ponto de um ultrassom de altíssima definição, colorido, distribuído em e-mail familiar, fazer alguns acreditarem que o bebê havia nascido de sete meses. Antes de nascer, ele foi fotografado e, claro, postado. No futuro, poderá dizer que veio ao mundo (redes sociais) antes de nascer.

E o que será dos profissionais da fotografia diante dessa vulgarização da imagem?, perguntam-se muitos temendo o pior, a saturação que engolirá o bom profissional. As respostas são muitas e estão trafegando no espaço para quem quiser vê-las por aí. Por exemplo, para além do registro “amador” de fatos importantes postados na hora agá, no espírito do “publiquei primeiro”, haverá sempre imagens que dirão mais que muitos textos, obras de qualidade realizadas por fotojornalistas profissionais. Para além dos pinguins gelados de Sebastião Salgado, traços de óbvia perfeição (nada contra, nem a favor), haverá Pedros Davids dispostos a encarar a vida, buscar caminhos diferenciados e emocionar com franqueza e sensibilidade.



Foto da série Coisas que caem do céu: força da ironia  (Pedro David/Divulgação)
Foto da série Coisas que caem do céu: força da ironia 

O poder da escrita

O poder da escrita

Livro de minicontos de Maria Lúcia Simões se destaca pela sensibilidade apurada e pela qualidade da linguagem na expressão dos estados de alma


Fábio Lucas
Estado de Minas: 09/08/2014




Maria Lucia Simões instiga o leitor com enredos fragmentários, que desafiam a interpretação     (Arquivo pessoal)
Maria Lucia Simões instiga o leitor com enredos fragmentários, que desafiam a interpretação


O primeiro atributo dos relatos enfeixados em Contos de passagem, de Maria Lúcia Simões, constitui a criação de um vasto panorama de lembranças, evocações e fantasias regidas pela atmosfera poética.

Os conteúdos se sucedem desordenadamente. Compreendem desde a mais remota e tenra infância até a experiência amorosa.

E a forma transcende o modelo narrativo, marca a presença de uma escrita de quem o escrever é prática de todos os dias, é conquista da arte e da reflexão. Enfim, é criação literária, fruto obtido do estudo e do saber, perpassado pela acurada sensibilidade.

Nos Contos de passagem distribuem-se emoções passadas, tangidas pela nostalgia dos dias felizes. Mais agudos são os gritos dos desejos sufocados, sob o impulso da aventura. Mais aquecidas, ainda, são as fúlgidas aparições do inconsciente, libertas afinal dos controles do universo das relações. O súbito apelo do amor, sob mil disfarces.

O mais importante vem a ser a linguagem, produto de alta qualificação. Destila significados plurais, é polissêmica. Conduz o medo e a esperança que se ocultam na harmonia das palavras.

O tema do trecho “Acontece” conclui-se ao jeito de Maria Lúcia Simões: “Agora sei que tudo, assim como as pessoas e as esquinas, pode resvalar para o inesperado” (p. 55).

Há três janelas no conjunto de Contos de passagem. Uma permite a leitura, pela autora, do mundo e de seus valores. A outra dá acesso ao mundo interior, pleno de sugestões rememorativas. A terceira pertence ao leitor, apto a desvendar o inconsciente que, por exemplo, intervém no capítulo “Natureza” e introduz a desgarrada mensagem final: “Amor nunca foi fácil” (p. 125).

Esse e os outros fragmentos ficam à disposição do intérprete, campo livre, desafiador. A atmosfera lírica constitui um mar sem praias. A obra constitui um primor gráfico, enriquecido com imagens ilustrativas de Marcelo Drummond e Marconi Drummond. Confessional, a obra ajuda a dar sentido à vida da autora e estimula a intenção investigativa do leitor.


Três contos


A pensão
A pensão é antiga. Parece ter nascido do chão como nasce capim. Existe há tanto tempo que do começo não se tem notícia. Na fachada, sete janelas e uma porta pintada de azul. Depois do jantar, as cadeiras descem para a calçada com as almofadas de algodão alvejado. A mãe assenta-se entre as vizinhas, e confere, com a ponta do olho, as 12 filhas e os hóspedes. As criadinhas espiam escondidas atrás das vidraças. Esperam o sinal: servir café e esquentar a conversa. Aos sábados, a pensão é o baile. Comparece a cidade. A mãe preside a dança das filhas, o rosto severo. Sob a saia engomada, a biqueira do sapato desmente, ligeira, marcando o passo. A música é a única delicadeza.

Madrugada
Meu avô Romualdo Prados tinha olhos azuis e, no peito, uma fogueira que se acendia assim em meio ao silêncio da prosa. Então ficava inquieto, achava de inventar viagem, um desejo sem freio do galope, saía à caça sem pedir licença. Mas voltava. Debaixo do paletó de brim, da camisa e da pele suada, pulsavam-se as histórias; ainda hoje, às vezes, quando acordo e a manhã é uma festa de cantos e de galos, e sei que há vento sobre as copas das árvores, cavalos encilhados e sol pelos quintais, seu nome reverdece em mim.

A louca
A louca franze a cara, careteia, penteia sobre os olhos os noturnos cabelos, canta de madrugada uma cantiga simples e pensa que com ela pode acordar o mundo. Perde o olhar em distâncias, o riso vazio, cumpre a pena de existir. Ontem, dormiu na calçada entre as pedras. Hoje, deitou-se em lençóis de água e nuvens. Amanhã, sentada no trono da loucura, será rainha. Sombria e só.

Contos de passagem

De Maria Lúcia Simões
Editora Baobá, 154 páginas

. Fábio Lucas é escritor e crítico de literatura.

A graça do ferro‏

Estudo sobre grades ornamentais em Belo Horizonte dá origem a livro que será lançado hoje. Artista e pesquisadora Fernanda Goulart destaca a importância do recurso para a arquitetura


Walter Sebastião
Estado de Minas: 09/08/2014


Grades de ferro em casas de Belo Horizonte, uma paisagem que pode ficar apenas na memória (Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
Grades de ferro em casas de Belo Horizonte, uma paisagem que pode ficar apenas na memória

Vai ser lançado hoje em Belo Horizonte um livro surpreendente: Urbano ornamento – Inventário de grades ornamentais em Belo Horizonte (e outras belezas), de Fernanda Goulart, de 37 anos. Artista plástica e pesquisadora, ela encontrou em meio aos escombros ou na solidão altiva das casas antigas de Belo Horizonte uma joia: as grades ornamentadas. Peça hoje praticamente em desuso (foram substituídas por antipáticos muros cegos), revela extraordinária fantasia gráfica, produto de caprichoso entrelaçamento dos saberes da arte, design e arquitetura.

Ver este livro pronto me traz sentimento de sonho realizado e tarefa cumprida. Olhando para trás, fico assustada de pensar em como fui perseverante, encarando empreitada que ficou gigante, com a campanha de financiamento coletivo que possibilitou o livro”, conta Fernanda Goulart. Palavras que são agradecimento à equipe que realizou o projeto e aos que, antes de a obra ficar pronta, adquiriram 800 volumes, permitindo que o trabalho fosse editado. “Deu-me alegria descobrir que esses objetos são amados por tanta gente”, brinca. A página do projeto no Facebook tem mais de 3 mil admiradores, conta.

“Gosto de pensar que por meio do livro essas formas, que estão sendo pouco a pouco subtraídas da paisagem urbana, serão devolvidas à cidade, poderão ser recriadas também em outros suportes. No livro elas estão guardadas, protegidas, mas não escondidas, pois por meio dele conquistaram, ambiguamente, uma incrível mobilidade”, observa Fernanda. A pesquisadora não se esquece de artesãos e operários anônimos que confeccionaram as grades. “O ofício de serralheiro, sob mais risco de extinção que as próprias grades, merecia estar nos livros destinados ao registro dos bens culturais de natureza imaterial”, defende.

O estudo das grades ornamentadas foi feito para doutorado, apresentado na Faculdade de Arquitetura da UFMG, voltada para a serralheria artística e a presença do ornamento na cidade. Fernanda destaca no processo a concessão de bolsa de pesquisa e os “excelentes interlocutores” na Espanha, onde há tradição na forja artística. “Escolhi objeto de estudo que é paixão coletiva, como fui descobrir”, observa. E por isso, explica, o resultado do trabalho não é dela, “pertence a todos”. Gentileza traduzida em ato: o inventário é copyleft, isto é, pode ser utilizado por qualquer um e para quaisquer fins, sem direitos autorais. “Essas grades, essas linhas, são patrimônio mundial”, diz.

Fernanda Goulart é formada em artes visuais, com especialização em gravura pela UFMG. O mestrado teve como título Entre a comunicação e a arte: experiência estética e vida ordinária em Sophie Calle, Maurício Dias & Walter Riedweg. “Gosto de habitar as fronteiras, pensar como um campo de conhecimento pode conversar com o outro. Naquela época, interessaram-me as relações entre arte e comunicação social, tentava entender em que medida as experiências da vida cotidiana podem ser ressignificadas pela arte e, mais do que isso, como podem injetar riqueza nas formas artísticas”, explica.

Fernanda destaca dois aspectos que mais chamaram sua atenção no estudo das grades ornamentais. Em primeiro lugar, a diversidade dos desenhos, a partir de um repertório reduzido de motivos – por exemplo a voluta, que se desdobra em infinitas formas. “Mas também a simplicidade das linhas e sua capacidade de gerar formas ricas, complexas. São desenhos que remetem a um repertório ancestral e que se mantêm atualíssimos”, explica. A outra coisa que a impressionou foi a transposição dos desenhos para o ferro, “um material marcado por supostas dureza e tenacidade pode ser transformado em linhas leves, fluidas, dançantes”, descreve.

Urbano ornamento – Inventário de grades ornamentais em Belo Horizonte (e outras belezas)

Lançamento do livro de Fernanda Goulart. Hoje, das 16h às 19h, no foyer do Sesc Palladium, Avenida Augusto de Lima, 420, Centro. Entrada franca. A publicação custa R$ 70 e traz DVD com 3 mil desenhos editáveis.


ENTREVISTA/FERNANDA GOULART » As texturas da cidade


Para Fernanda Goulart, a política patrimonial deveria promover um freio nas relações desregradas entre o poder público e as empreiteiras (Alexandre Rezende/Divulgação)
Para Fernanda Goulart, a política patrimonial deveria promover um freio nas relações desregradas entre o poder público e as empreiteiras

Em entrevista ao Pensar, Fernanda Goulart mostra como o estudo das grades ornamentais permite juntar na mesma reflexão elementos da arte, design e arquitetura. Ela avalia ainda o papel da universidade no estímulo aos projetos na área. A pesquisadora chama ainda a atenção para a tarefa de preservação, que leve em conta o desejo dos moradores, mas que seja dirigida por uma política de patrimônio capaz de fazer frente aos interesses estritamente econômicos.

Que tipo de questões as grades oranamentadas colocaram para você?
Elas me fazem pensar sobretudo na transparência que viabilizam entre o fora e o dentro – em contraposição aos muros, que escondem as casas –, muito diferentes da frieza dos atuais muros de vidro, mas de modo poroso, ventilado. Ao mesmo tempo, permitem à arquitetura (e consequentemente à cidade) incorporar suas texturas e desenhos, em uma dinâmica plástica que não é apenas tridimensional. As grades comumente remetem à violência urbana, mas hoje parecem inocentes em relação a outros dispositivos de segurança, que transformam as casas em prisões. A riqueza desses desenhos me faz pensar também que o ornamento deveria estar presente com mais força nos cursos de design, arte e arquitetura, e, consequentemente, no mundo, de uma maneira mais inventiva.


Que abordagem você usou para analisar a produção que entrelaça arte, design e arquitetura?
A pesquisa que investe em uma comunhão desses três saberes, e que nela são indissociáveis. Foi, por isso, uma abordagem híbrida, entre a ciência e a arte. A primeira estratégia metodológica é mais científica, e consistiu em delimitar as regiões mais representativas a serem percorridas, quando optamos pelos bairros dentro e nas adjacências da Contorno, ou seja, uma Belo Horizonte mais antiga, onde eu suspeitava que pudesse haver um maior número de grades. Uma abordagem mais estética (que diz respeito à arte e ao design) guiou a confecção e a organização do inventário gráfico, quando foi preciso desterritorializá-las, descontextualizá-las, o que significa que elas perdem seu lugar geográfico e seu contexto individual (aquela casa, aquela cor, aquele serralheiro, aquela escolha) para que possam habitar um catálogo de ornamentos, uma gramática ornamental, à espera de serem reutilizadas como formas artísticas, mais fragmentadas, independentemente de serem de ferro.

Qual foi o passo seguinte?
Um terceiro momento foi o de reterritorializá-las, ressignificá-las: entrevistar moradores e tentar compreender como essas formas reverberam em seu imaginário, que importância elas têm para eles. Aqui está o campo da arquitetura, em toda a sua força, mais do que plástica, uma força vivencial. Mas neste tipo de abordagem também estou eu, como artista que sou, imprimindo no livro (e na tese) o meu olhar para esses objetos, um olhar às vezes nostálgico e sempre poético, que me permitiu ignorar certas exigências da ciência, da academia. Mas talvez a melhor maneira de interpretar, nesta pesquisa, o diálogo entre arte, design e arquitetura seja silenciosa: olhar para essas formas e perceber o modo como elas fazem acontecer, com tanta vibração, e de modo concomitante, esses saberes.

O que a academia oferece e o que, pela sua vivência, ainda pode ser aprimorado?
Mesmo sendo artista, a academia é minha profissão, sou acadêmica. Ela me permite ser, ao mesmo tempo, artista, designer, pensadora, pesquisadora e escritora, sem as amarras do mercado. Das amarras da ciência eu também tentei me libertar, sem perder o rigor, e na academia encontrei interlocutores que acreditam, como eu, que os saberes não são autossuficientes nem estanques, que devem dialogar, bem como deve haver um espaço para uma pesquisa que respeite aquilo que, sendo arte, não se enquadra nos modelos científicos. Nos últimos anos, a universidade pública tem nos demandado excessivamente, em função de uma política de ampliação do ensino superior que não se concretiza nem de longe em uma logística adequada. É impossível formar com qualidade um número maior de alunos sem ter as condições mínimas para a pesquisa. É ela quem nos leva adiante, que faz o ensino deixar de ser meramente técnico para ser criativo, abrangente.

O que diria para os moradores de casas em que ainda se veem grades ornamentadas?
Que não retirem as grades dali. Se pudesse dizer, mas não posso. A conversa com eles – sobre o bairro, a cidade, o patrimônio, o ornamento, a infância, a vida doméstica, a vizinhança, a família, a morte – me convidou a tentar compreender, a despeito de minha nostalgia e amor pessoal por esses objetos, sua necessidade de mudanças e o quanto é complicado desejar que o outro não a promova. Ainda assim, resiste em mim o desejo de que uma parte maior dessas casas (que estão sendo demolidas num ritmo acelerado) possa ser preservada, na contramão da intensidade assombrosa da especulação imobiliária, movida por uma arquitetura seriada que padroniza gostos e usos. Talvez a melhor política patrimonial, neste caso, não seja o tombamento, mas um certo freio nas relações desregradas entre o poder público e as empreiteiras.

TeVê

TV PAGA » Sessão pipoca

Estado de Minas: 09/08/2014



 (Fox Filmes/Divulgação)


Ben Affleck e Justin Timberlake (foto) estrelam o suspense Aposta máxima, que estreia hoje, às 22h, no Telecine Premium. Na HBO, a ação continua com Invasão à Casa Branca, com Gerard Butler e Aaron Eckhart, também às 22h. Mas juntando os dois não dá uma Lili Marlene, clássico do cineasta alemão R. W. Fassbinder que vai ao ar mais uma vez às 22h, no Cine conhecimento do canal Futura.


Van Damme em jornada  dupla hoje no canal A&E
Apenas como curiosidade, fica o registro de uma sessão dupla com Jean-Claude van Damme no canal A&E, que emenda os filmes Operação Fronteira, às 20h, e Soldado universal 3: Regeneração, às 22h. Na mesma faixa das 22h o assinante tem mais oito opções: A Casa Elétrica, no Canal Brasil; Traição, no Max; Click, no Universal Channel; O procurado, no MGM; O talentoso Ripley, no Sony; Guerra mundial Z, no Telecine Pipoca; Um método perigoso, no Telecine Cult; e Invasão de privacidade, no TCM. Outras dicas da programação: O encouraçado Potemkin, às 20h30, no Arte 1; O maior amor do mundo, às 21h, no AXN; O resgate, às 22h10, no Max Prime; Eu sou a lenda, às 22h30, no FX; O ritual, também às 22h30, no Space; e A guerra dos vizinhos, às 23h, na Cultura.

Dobradinha também de Alienígenas do passado


O canal History reservou para hoje dois episódios da série Alienígenas do passado que relacionam suicídios em massa e rituais antigos com extraterrestres. O primeiro episódio, às 22h, “Alienígenas e seitas mortais”, investiga sacrifícios humanos e rituais profanos ao longo da história. Já “Rituais misteriosos”, às 23h, mostra que ao redor do mundo há os que acreditam que alguns ritos conectam os seres humanos com
outras dimensões.

Montanhista vai escalar três picos em 24 horas
Estreia hoje, às 22h, no Discovery, a série Sucesso interrompido, que a cada semana vai contar a história de jovens talentosos que foram vítimas de crimes brutais, começando com o drama de uma família de classe média que vivia em uma pequena cidade da Pensilvânia que teve o filho Roger “Butch” Pratt assassinado por um colega de faculdade. No NatGeo, às 20h, Desafiando os limites acompanha o alpinista Alex Honnold em sua tentativa de estabelecer um recorde ao escalar sozinho um trio de rochedos, sem cordas de segurança, no prazo de 24 horas.

Você conhece o som do  pernambucano Caçapa?

O instrumentista, compositor, arranjador e produtor pernambucano Rodrigo Caçapa é o artista da vez hoje no Cultura livre, apresentado por Roberta Martinelli, às 18h, na Cultura. Na mesma emissora, às 21h30, será transmitido o concerto de encerramento do Festival de Campos do Jordão, com a Orquestra do Festival regida pelo maestro Giancarlo Guerrero, diretamente do Auditório Claudio Santoro. No programa, peças de Roberto Sierra, Aaron Copland, Cláudio Santoro e Leonard Bernstein.


Maquiador das estrelas



Eliana vai se transformar em uma senhora de 80 anos pelas mãos de Jim Ojala, que veio de Hollywood (Lourival Ribeiro/SBT)
Eliana vai se transformar em uma senhora de 80 anos pelas mãos de Jim Ojala, que veio de Hollywood


O Programa Eliana deste domingo, às 15h, no SBT/Alterosa, traz uma entrevista exclusiva com Jim Ojala, o maquiador de Hollywood. Ele vai mostrar como transforma as estrelas dos filmes com sua maquiagem de efeitos especiais. E Eliana irá surgir como uma senhora de 80 anos. O processo para transformação demorou mais de três horas e além do rosto, a apresentadora também teve o envelhecimento das mãos e do pescoço. O personal stylist Arlindo Grund, parceiro de Isabella Fiorentino no Esquadrão da moda, aponta quais as roupas do inverno que continuam valendo na próxima estação. Ele faz combinações ótimas e diz como não errar quando a temperatura subir. A dupla Rionegro e Solimões estará no quadro “Nó na língua” e no “Entrega pra você”, uma moça levará uma recordação muito especial para seu pai, que não vê há 14 anos. Uma história emocionante que unirá os dois no Dia dos Pais.

CONFIRA DEBATE SOBRE A RODADA DO BRASILEIRÃO

No Bola na área deste sábado, às 12h30, na Alterosa, Péricles de Souza comanda os debates sobre a rodada do Brasileirão. Na mesa, participação de jornalistas do Estado de Minas, da Rádio Itatiaia, da TV Alterosa, além de convidados. Mais: a opinião dos torcedores, ao vivo, no quadro “Seu nome, seu bairro”.

ROBERTÃO CAIRÁ NAS  GARRAS DA LOUCA CORA

Ardilosa e desatinada como sempre, Cora (Drica Moraes) armará um escândalo ao ser rejeitada por Robertão (Rômulo Neto), nos próximos capítulos de Império (Globo). Quando se conhecerem, ela ficará encantada pelo rapaz e conseguirá que fiquem a sós em sua casa. Lá, a vilã vai se insinuar para Robertão, agarrá-lo e pedir um beijo. Ele não só não a atenderá, como sairá correndo. Com ódio pela rejeição, Cora vai rasgar as próprias roupas, se arranhar e fazer o maior barraco, acusando o filho de Magnólia (Zezé Polessa) de tentativa de estupro. Aos gritos, Cora dirá que é virgem. “Peguem o tarado”, pedirá a Xana (Aílton Graça) e companhia que aparecerão no local.

MÃE DE PROTAGONISTA  VAI RETORNAR À SÉRIE

A atriz Kate Burton vai aparecer novamente em Grey’s anatomy, em sua 11ª temporada, no papel de Ellis Grey, mãe de Meredith (Ellen Pompeo). As cenas farão parte de flahsbacks da médica, segundo o Hollywood Reporter. O motivo é a revelação, no final da 10ª temporada, de que Ellis e Richard Webber (James T. Pickens) tiveram uma filha juntos, Margaret Pierce (Kelly McCreary). É a 17ª vez que Kate interpreta Ellis. A personagem já lhe rendeu duas indicações ao Emmy. Atualmente, a atriz está indicada ao prêmio, mas por sua ótima atuação na série Scandal, exibida no Brasil no canal Sony (TV paga), assim como Grey’s anatomy.

TRAIÇÃO ASSUMIDA

 (GNT/Divulgação  )


O ator Bruno Gagliasso ao comentar sobre sua vida pessoal admitiu já ter traído, no bate-papo do Marília Gabriela entrevista (foto), que vai ao ar amanhã, às 22h, no GNT (TV paga). Casado com a atriz Giovanna Ewbank há quatro anos, em 2012 Bruno viu seu nome envolvido nas especulações sobre a paternidade do filho de uma modelo com quem teve um caso. “Não foi uma suposição. Foi um fato, aconteceu.” Na ocasião, Bruno e Giovanna se separaram. Segundo ele, ainda sobre o assunto, o erro serviu de lição: “Acho que errei. Acho, não, tenho certeza! Mas esse erro serviu de lição. Eu ter errado me fez acertar, porque hoje eu tenho uma relação maravilhosa com a minha mulher.” Em breve, Bruno voltará à cena como protagonista da série policial Dupla identidade, de Glória Perez, em que vai interpretar um serial killer.

VIVA

Susy Rego como Beatriz, esposa de Cláudio (José Mayer), em Império (Globo). A atriz arrasou no diálogo com o marido em que deixa claro que sabe de sua bissexualidade e o apoia.

VAIA

É recorrente nas novelas de Aguinaldo Silva e já ficou chata a mania irritante do personagem José Alfredo (Alexandre Nero, ótimo) falar em inglês e traduzir as palavras. 

Kikito em busca de prestígio‏

Kikito em busca de prestígio
Festival de Gramado vai até dia 16 com produções brasileiras e estrangeiras na disputa. Helvécio Ratton participa da mostra competitiva com o filme O segredo dos diamantes

Estado de Minas: 09/08/2014


O cantor e compositor Alceu Valença mostra seu lado de cineasta na direção do musical A luneta do tempo, que estreia no Festival de Gramado (Yane Montenegro/Divulgação)
O cantor e compositor Alceu Valença mostra seu lado de cineasta na direção do musical A luneta do tempo, que estreia no Festival de Gramado


Recuperar a importância entre os eventos do gênero é a principal premissa da 42ª edição do Festival de Cinema de Gramado, que começou ontem e segue até o dia 16, com a exibição de 44 filmes na mostra competitiva, entre curtas e longas, nacionais e estrangeiros. O primeiro ponto a favor é, sem dúvida, a decisão de destinar R$ 275 mil para premiar os vencedores, que levarão também os tradicionais Kikitos. A ideia é de que os recursos distribuídos sejam um incentivo à produção cinematográfica no Brasil. O festival, que tem curadoria do crítico e jornalista Rubens Ewald Filho, de Marcos Santuário e da diretora e atriz argentina Eva Piwowarski, tem orçamento de R$ 3,1 milhões.

O evento tem quatro mostras em disputa: longas brasileiros (oito), longas estrangeiros (cinco), curtas nacionais (14) e curtas gaúchos (17). Todos os filmes da mostra competitiva de longas serão exibidos no telão do Palácio dos Festivais, com capacidade para acomodar 950 pessoas. Leonardo Machado, Daniela Escobar e Renata Boldrini formam o trio que comanda a apresentação. A atriz Daniela Escobar, de 45 anos, é gaúcha e tem longa trajetória no cinema e na televisão.

Pelo tapete vermelho passarão artistas com filmes em exibição, caso de Juliana Paes e Nelson Xavier, que atuam em A despedida, de Mauro Galvão. O cineasta saiu premiado da 40ª edição, em 2012, com Colegas, estrelado por um trio de atores com síndrome de Down. Protagonista do longa gaúcho Os senhores da guerra, de Tabajara Ruas, André Arteche também marca presença. Quem também deverá passar pelo festival é Daniel de Oliveira, atualmente no ar como Bruno na novela O rebu, da Rede Globo, que faz parte do elenco de A estrada 47, ao lado do colega de folhetim Júlio Andrade. Fernanda Montenegro e Paulo Betti, que atuam em Infância, de Domingos de Oliveira, também poderão dar o ar da graça, ainda que não tenham confirmado presença. São esperados o músico Alceu Valença e o ator Caco Ciocler, que este ano estreiam atrás das câmeras.

Os longas brasileiros em competição são: A despedida, de Marcelo Galvão (SP); A estrada 47, de Vicente Ferraz (RJ); A luneta do tempo (2014), de Alceu Valença (PE), que tem assistência de direção do mineiro Luiz Felipe; Esse viver ninguém me tira, de Caco Ciocler (DF); Infância, de Domingos Oliveira (RJ); Os senhores da guerra, de Tabajara Ruas (RS); Sinfonia da necrópole, de Juliana Rojas (SP); e O segredo dos diamantes (MG), de Helvécio Ratton.

Mineiros

O cineasta Helvécio Ratton já antecipou que aproveitará a exibição de O segredo dos diamantes (que chega aos cinemas em 18 de dezembro e faz sua estreia nacional neste domingo, às 19h, em Gramado) para prestar homenagem à atriz mineira Manoelita Lustosa (que morreu recentemente), em seu último trabalho. Não é a primeira vez que Ratton compete no festival. O cineasta já esteve presente com Em nome da razão (1979), A dança dos bonecos (de 1986, “muito bem recebido”) e Uma onda no ar (2002). “O evento é muito bom, a cidade respira cinema e este ano o festival foi revitalizado. Ano passado, Rubens Ewald Filho e José Wilker (curadores) já haviam feito trabalho de renovação.

Outro representante de Minas, só que na mostra competitiva de curtas, é André Amparo, conhecido artista plástico que trabalha com instalações. E Max Uber, como explica o diretor, é um filme que aproxima o cinema das artes plásticas. “O curta fala sobre o que vemos hoje na arte contemporânea, a mercantilização. Você não sabe o que é bom ou ruim, belo ou feio. Então, é sinal de que alguma coisa está estranha”, afirma.

Confira os outros concorrentes e a programação completa em www.festivaldegramado.net.



Homenagens

 (Formiga Filmes/Divulgação)


Exibição hors-concours do longa Isolados, de Tomas Portella, último e até então inédito trabalho de José Wilker no cinema (foto), foi programada para a noite de abertura do festival. O ator morreu de enfarto do miocárdio, aos 67 anos, em 5 de abril. Isolados tem estreia prevista para 18 de setembro. O troféu Oscarito, um dos mais importantes e destinado a grandes nomes do cinema brasileiro, será entregue a Flávio Migliaccio. O cineasta Walter Carvalho receberá o troféu Eduardo Abelin e o ator franco-argentino Jean Pierre Noher será homenageado com o Kikito de Cristal. Já o troféu Cidade de Gramado será dado ao ator brasileiro Rodrigo Santoro.


Musicais em alta

Júlio Cavani
Publicação: 09/08/2014


O segredo dos diamantes, de Helvécio Ratton, foi filmado no Serro     (Estevam Avellar/Divulgação)
O segredo dos diamantes, de Helvécio Ratton, foi filmado no Serro


Apesar de ser um país sempre associado à música, o Brasil não tem uma produção cinematográfica constante no gênero musical. Filmes surgem esporadicamente com longos intervalos. Um fenômeno raro, portanto, será visto no Festival de Gramado, onde há dois longas na mostra competitiva com diálogos cantados: Sinfonia da necrópole, da paulista Juliana Rojas, e A luneta do tempo, do pernambucano Alceu Valença.

A luneta do tempo é um caso raro no cinema brasileiro. Trata-se de um longa musical com todos os diálogos cantados ou, pelo menos, rimados. O trabalho de roteirista, nesses casos, se confunde com o de compositor. Todas as palavras mencionadas pelos personagens foram escritas por Alceu, que pré-gravou as músicas com sua voz e as entregou ao elenco antes das filmagens.

Os atores não podiam errar uma sílaba e precisavam sincronizar as vozes com a melodia original. O resultado equivale a um novo disco, inédito, com 97min de duração – acompanhado de imagens e vozes dos intérpretes Irandhir Santos, Hermila Guedes, Servílio Holanda, Hélder Vasconcelos, Ary de Arimatéia, Charles Teony e Khrystal – 32 atores participaram. A musicalidade é baseada nas tradições do folclore nordestino, com a presença de instrumentos como a rabeca e a sanfona, mas com a liberdade experimental típica do cantor.

Vencedor do prêmio de melhor trilha sonora no Paulínia Film Fest, Sinfonia da necrópole promove a improvável combinação entre musical, comédia e suspense. A diretora Juliana Rojas já havia experimentado o terror em curtas e no longa Trabalhar cansa (dirigido com Marco Dutra), mas consegue desconstruir gêneros com o novo filme, que se passa em um cemitério. Com letras escritas pela diretora e roteirista, as canções foram produzidas e compostas por Marco Dutra e Ramiro Murilo.
Poeta da negritude
 
Há 10 anos morria o escritor mineiro Adão Ventura, autor de A cor da pele, um marco na literatura brasileira


Carlos Herculano Lopes
Estado de  Minas: 09/08/2014


Escritor e professor de literatura terá o clássico A cor da pele e outros poemas negros relançado em formato digital (Arquivo EM. Brasil - 10/12/71)
Escritor e professor de literatura terá o clássico A cor da pele e outros poemas negros relançado em formato digital

Um dos maiores poetas brasileiros do século 20. Esta é a avaliação do escritor e editor Tião Nunes sobre Adão Ventura, mineiro nascido em 1939, em Santo Antônio do Itambé, autor do já clássico A cor da pele, importante conjunto de poemas sobre o tema da negritude e do racismo. Ao lado do romancista Jaime Prado Gouvêa e de Beth Guimarães, Tião vem cuidando do legado literário do escritor, que morreu há 10 anos de câncer, em Belo Horizonte, aos 65 anos.

De acordo com Nunes, que em 2006, dois anos depois da morte do poeta, lançou a antologia Costura de nuvens, pela Editora Dubolsinho – no volume estão reunidos alguns dos melhores poemas de Adão Ventura –, a ideia que deve se concretizar até o fim do ano é a publicação de toda a obra do escritor. “O primeiro passo será o relançamento de A cor da pele e outros poemas negros em formato digital”, adianta o editor.

Num ensaio publicado por ocasião do lançamento do seu livro mais conhecido, em 1980, em edição independente, o professor de literatura e crítico Silviano Santiago escreveu: “A originalidade da poesia de Adão Ventura advém do sentimento da cor da pele. A cor da pele: algo de pessoal e intransferível, e ao mesmo tempo algo de coletivo e histórico. O homem se descobre negro na tessitura da pele, e nesta vê as marcas da escravidão e do degredo, e sente os sofrimentos e a Mãe-África. Adão Ventura filia-se ao que se poderia chamar – insistindo ao máximo no paradoxo – a tradição ocidental da poesia negra, tradição esta elevada à condição soberana por Cruz e Souza em pleno movimento simbolista”.

Neto de escravos trabalhadores em fazendas e minas, Adão Ventura Ferreira Reis nasceu em Santo Antônio do Itambé, no Vale do Jequitinhonha, em 5 de julho de 1939. Naquela cidade, que marcaria para sempre sua vida e poesia, ele viveu até o início da juventude, quando então, sonhando com dias melhores – impossíveis de serem conseguidos por lá –, mudou-se com a cara e a coragem para a cidade, vizinha do Serro.

Pouco tempo depois, ainda na sua busca pessoal, veio para Belo Horizonte, onde se formou em direito pela UFMG, na turma de 1971. Adão, em seguida, traria sua família para a capital, para a qual comprou uma casa na Região de Venda Nova. Seus irmãos e sobrinhos ainda vivem por lá. Foi em BH que a sua mãe, dona Sebastiana, aprendeu a escrever o próprio nome. No poema “Alfabetização”, que integra Costura de nuvens, Ventura registrou o fato: “Papai levava tempo para redigir uma carta./ Já mamãe, Sebastiana de José Teodoro/ teve a emoção de assinar seu nome completo/ já quase aos setenta anos”.

SUPLEMENTO E SURREALISMO
Ligado à literatura desde a adolescência, quando lia o que lhe caía nas mãos, como declarou em entrevista a Jeferson de Andrade, em Belo Horizonte, Adão Ventura juntou-se a um grupo de jovens escritores que gravitava em torno do Suplemento Literário do Minas Gerais, cuja sede ficava no prédio da Imprensa Oficial, na Avenida Augusto de Lima, no Centro da cidade.

Criado por Murilo Rubião em 1966, em plena ditadura militar, o suplemento foi uma das mais importantes publicações brasileiras da época, editando textos de alto nível nas áreas de literatura, cinema, teatro e artes plásticas. Da chamada “geração suplemento”, fizeram parte Jaime Prado Gouvea, Luiz Vilela, Duílio Gomes, Luciene Samôr, Angelo Oswaldo, Humberto Werneck, Márcio Sampaio, Sérgio Sant’Anna, Sérgio Tross, Tião Nunes e tantos mais.

No Suplemento Literário, do qual chegou a ser revisor por um tempo, Adão Ventura publicou os primeiros poemas e foi também a partir dali, incentivado pelos amigos, que lançou por conta própria seu primeiro livro de prosa poética, com o extenso nome de Como abrir-se um abutre ou mesmo depois de deduzir dele o azul. Texto surrealista, bem em voga na época, mas no qual já dava para se perceber o que viria pela frente. Seis anos depois, sairia o segundo livro, As musculaturas do Arco do Triunfo.


Consciência racial e política


Em 1973, depois de ter sido apresentado pelo poeta e amigo Affonso Ávila ao professor de literatura Heitor Martins, este o convidou para lecionar literatura brasileira na Universidade do Novo México, nos Estados Unidos, onde era um dos coordenadores do Departamento de Língua Portuguesa. O convite dava ainda a Adão Ventura a oportunidade de participar do Congresso de Escritores Internacionais, que então era patrocinado pela Universidade de Iowa.

Essas duas experiências, como ele próprio reconheceria mais tarde, seriam fundamentais não só para a sua carreira de escritor, como para seu amadurecimento poético e humano. “Agarrei a chance com as duas mãos e procurei tirar o máximo proveito”, disse Adão Ventura à época.

Quando retornou dos Estados Unidos, onde conheceu e teve contato direto com a luta pelos direitos civis dos negros, movimento que mobilizava o país, o poeta mineiro, cuja criação literária até então estava voltada para textos surrealistas, deu uma guinada definitiva na sua escrita. Começou a se assumir como afrodescendente e a mostrar esse sentimento na poesia. Escreveu então A cor da pele. Num dos poemas mais emblemáticos, “Para um negro”, compôs: “Para um negro/ a cor da pele/ é uma sombra/ muitas vezes mais forte/ que um soco./ Para um negro/ a cor da pele/ é uma faca/ que atinge/muito mais em cheio o coração”.

Ainda de acordo com Silviano Santiago, no ensaio escrito por ocasião do lançamento do livro, a cor da pele é marca indelével que não se apaga com os bons sentimentos humanitários ou patrióticos, nem com a política paternalista dos governantes ou populistas de oposição. “Por isso é que o elemento negro não é relíquia ou simples vocábulo para Adão. É algo de presente e premente”, escreveu.

ANTOLOGIA Um dos poemas do livro, Negro forro, seria ainda selecionado pelo professor Ítalo Moriconi para fazer parte da antologia Os cem melhores poemas brasileiros do século, lançado em 2001 pela Editora Objetiva. “Minha carta de alforria/ não me deu fazendas/ nem dinheiro no banco/ nem bigodes retorcidos./ Minha carta de alforria/ costurou meus passos/ aos corredores da noite/ de minha pele”.

Adão Ventura, que foi ainda presidente da Fundação Palmares, em Brasília. Seus escritos, objetos, biblioteca e originais foram doados pela família ao Acervo dos Escritores Mineiros da UFMG, logo depois de sua morte, onde está aberto à consulta pública. Adão Ventura publicou ainda os livros Jequitinhonha, em 1980; o infantojuvenil Pó-de-mico, macaco de circo, em 1985; Texturafro, em 1992; e Litanias de cão, em 2000.


LINHA DO TEMPO

1939 – Adão, filho de Sebastiana Ventura e de José Ferreira dos Reis, nasce em Santo Antônio do Itambé, no Vale do Jequitinhonha. Na época, a cidade era distrito do Serro.

1966 – Publica os seus primeiros poemas no Suplemento Literário do Minas Gerais, que havia sido criado pelo escritor Murilo Rubião, em torno do qual girava uma geração de novos autores.

1973 – Muda-se para os Estados Unidos, onde dá aulas de literatura brasileira na Universidade do Novo México. A experiência foi fundamental para sua carreira como escritor.

1980 – Publica A cor da pele. Aclamado pelo público e pela crítica, hoje o livro é considerado um dos clássicos da poesia brasileira contemporânea.

2004 – Em 12 de junho, depois de lutar durante meses contra um câncer, Adão Ventura morre em Belo Horizonte, cidade que havia adotado como sua.

Arnaldo Viana - Entre bichos e homens‏

Entre bichos e homens 
 
Arnaldo Viana - arnaldoviana.mg@diariosassociados.com.br
Estado de Minas: 09/08/2014


A conversa dos últimos dias girou em torno do incidente no zoológico de Cascavel, no Paraná. O tigre Hu dilacerou o braço de um menino de 11 anos. Imediatamente, iniciou-se a caça aos culpados. O pai, que teria sido omisso; o garoto, pela brincadeira imprudente; os demais visitantes que testemunharam a cena e nada fizeram, a não ser pedir à criança que parasse de provocar o felino; os administradores do zoo, por questões de segurança; e o próprio tigre, que passou dias isolado em uma espécie de solitária. Não se sabe se o animal se sentiu provocado no seu instinto de caçador ou de defesa, se estava retribuindo uma brincadeira, um afago, sem a noção da força da pata e do risco que as garras afiadas oferecem. Por fome e ódio, com certeza não foi.

Logo pipocou na internet notícia falsa de que Hu seria sacrificado. Sem justificativa, a não ser aquela bobagem de “ah, ele provou a carne humana”. É lógico que escondidos na vastidão da rede havia aqueles interessados realmente na morte do felino enclausurado. Então veio a reação do garoto: “Não matem o tigre”. Crianças entendem melhor os animais que os adultos, porque elas ainda não desenvolveram o pior dos sentimentos tipicamente humanoides: o ódio, que pode vir da incompreensão, da intolerância ou mesmo da ignorância. Se fosse um homem, enjaulado desde a infância, como aquele tigre, como reagiria se visse alguém correndo de um lado para o outro, atiçando-o, com o inocente objetivo de atraí-lo a uma brincadeira? Pensemos nisso.

O filme O planeta dos macacos: o confronto, sequência de O planeta dos macacos: a origem, tirando as cenas desnecessárias – sempre as há na maioria das fitas –, oferece ótimo campo para reflexão. Mostra em quais circunstâncias os humanos e os outros seres do reino animal podem parecer iguais ou diferentes. Não se trata apenas de, simplesmente, separar a natureza de cada um. Mas também de convivência, de espaço, de sentimentos, de reação a atos e ações. O filme deixa entender quem desenvolveu o ódio em quem. Quem tem a melhor percepção da inutilidade de conflitos violentos se há meios de evitá-los.

A questão do espaço é interessante levando em conta que o animal tido como não racional usa seu hábitat para procriar, caçar, para se esconder e se defender de predadores. Como o macaco na mata. O homem também tem florestas, mas os interesses são outros. Um dos modernos hábitats humanos, só para citar um, é a internet, e ele a usa muito, mas muito mesmo, para atacar, ofender, sob a sombra do anonimato. Para fins escusos. Estudo recente mostra que entre 2010 e 2013, com a proliferação de aplicativos, o número de páginas de conteúdo de intolerância religiosa saltou de nove para 409. Neonazismo, de duas para 236. Racismo, de 49 para 6.911. Xenofobia, de 38 para 335. Apologia ao racismo e a outros crimes, de 33 para 2.398. Homofobia, de 12 para 815. Isso sem falar em outras práticas, em outros tipos de ataque, cara a cara, como se vê no trânsito, nas filas, no transporte coletivo, nas esquinas.

E ainda queriam matar o tigre!

Recado do Negão: As eleições estão chegando. Já pensaram no Congresso, nas cadeiras legislativas estaduais? Já pensaram nas bancadas representativas de grupos econômicos? Perguntem ao seu candidato, sem se vexar, se ele vai integrar um desses grupos ou se vai trabalhar para as causas populares. Dizem, há séculos, que perguntar não ofende.

Eduardo Almeida Reis - Desacordo‏

Desacordo
 
Alemães são conhecidos por sua sede de ótimas cervejas e vinhos da Francônia envasados em garrafa bojuda


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 09/08/2014

Neste caderno Gerais, edição de 7 de julho, a seguinte manchete: “Alemães com sede de Copa”. Pronto: mais uma do Acordo Ortográfico para fazer companhia ao para, do verbo parar, sem acento no primeiro a. Alemães são conhecidos por sua sede de ótimas cervejas e vinhos da Francônia envasados em garrafa bojuda, a Bocksbeutel (testículos de bode), como eram transportados os vinhos antes da invenção do vidro. Que mal havia no circunflexo de sêde, vontade de beber (ou de ganhar a Copa), para distinguir de sede, substantivo feminino com seus diversos significados e verbo sediar, servir de sede a, acolher.

Alemães com sede de Copa pode ser entendido como “ficar com a sede da Copa de 2018, ou de 2022”, quando comprovada a venda pela Fifa ao Catar da Copa de 2022. Desde sempre, a Fifa é uma ladroeira só. Gangue riquíssima, que fatura bilhões de dólares para realizar torneios impondo condições espantosas, que os países bobos aceitam. E ficam achando grande coisa sediar uma Copa, quando, evidentemente, há muitas coisas mais importantes para fazer num país decente: hospitais, creches, escolas, transportes públicos, estradas e companhia ilimitada.

O legado turístico da Copa, com estádios construídos para a elite branca endinheirada, foi original: filtrados nas fronteiras pelas polícias federais da Argentina e do Brasil, ilustres turistas portenhos com raros tostões nos bolsos trouxeram suas barraquinhas para acampar por aqui, ficaram encantados com o povo brasileiro e prometem voltar sempre com as barracas. Gastaram todo o seu dinheirinho nos postos de gasolina pagando pelo combustível subsidiado, com imenso prejuízo para a engenheira Maria das Graças Foster e a Petrobras. Resumindo: sucesso extra ordinário.


Perguntas
Sabe aquela advogada casada com um publicitário, que também se apresenta como engenheiro, casal gordo e feio que mata porteiros e ex-companheiros? Sabe aquele cirurgião casado com linda enfermeira, amiga que uma assistente social, trinca especializada em matar filho, enteado e amiguinho de 11 anos? Só aí temos cinco brasileiros, dois homens e três mulheres alfabetizados. Se forem condenados, quantos anos devem passar da cadeia?

Admitamos que, condenados, passem meia dúzia de anos presos, ou uma dúzia. Em termos sociais adiantará alguma coisa? Você, caro e preclaro leitor, acredita que algum dos cincos tenha cura?


Consultoria

O que tem de consultor por aí não está no gibi. Passa das 22h e estou com sono. Vou dormir. Amanhã retorno ao palpitante assunto, falou? Pronto: dormi, acordei, tomei café, ouvi 10 minutos do noticiário radiofônico, acompanhei 20 minutos do noticiário televisivo, manhã nublada aqui e em São Paulo, frio suportável, charuto aceso, cuidemos da Consulpone, minha empresa de consultoria. Nome inspirado em aspone, indivíduo que exerce um cargo sem função real ou útil, redução de assessor de porra nenhuma.

Diacronismo antigo datado de 1209, clava com ponta redonda e reforço de ferro, possivelmente de porro, vegetal de talo largo e um bulbo num dos extremos (Allium ampeloprasum), alho-porro \ô\ ou alho-macho, alho-poró, alho-porró, alho-porrô, poró, porro, porró, porrô, porro-bravo, porro-hortense, resultou num substantivo feminino e numa interjeição que ainda me chocam, porque sou cavalheiro educadíssimo.

Mudam-se os tempos, os textos e as vontades, tanto assim que merda, outra palavra que me choca, tem largo curso em nossa imprensa atual através das penas de ricos e famosos. O mundo gira em função dos ricos e famosos, uma porrada de celebridades, grande quantidade de pessoas célebres citadas e admiradas por uma porrada de idiotas.

Neste contexto, a Consulpone fará grande sucesso e me permitirá circular por aí num carro de luxo, com chofer, para fingir que trabalho na biblioteca de um escritório de advocacia ganhando R$ 2.200 por mês, das 8h às 18h, com duas horas de almoço. O país sempre foi pouco sério, mas estava dispensado de exagerar.


O mundo é uma bola
Em 9 de agosto de 48 a.C., Júlio César, homônimo do quíper da Seleção, derrota Pompeu na Batalha de Farsalos. Pompeu foge para o Egito, onde será assassinado. Farsalos, Tessália, na Grécia, deve ter enterrado até 1.200 homens de César contra até 15.000 de Pompeu, o Grande.

Em 378, Batalha de Adrianópolis, que opôs um exército romano comandado pelo imperador Valente às tribos germânicas lideradas por Fritigerno, rei dos Visigodos, um dos mais proeminentes reis-guerreiros germânicos, cujas vitórias levaram finalmente à queda da metade ocidental do Império Romano.

Em 1483, inauguração da Capela Sistina, 531 anos antes da inauguração do Templo de Salomão do bispo Edir Macedo, em São Paulo, SP. Em 1822, dom João VI nomeia o militar português João José da Cunha Fidié para o comando das armas em Oeiras, então capital do Piauí. Em 1902, coroação do rei Eduardo VII (1841-1910), do Reino Unido. Filho da rainha Vitória e do príncipe Alberto de Saxe-Coburgo-Gota, Eduardo foi príncipe de Gales durante muitos anos. Viajou pela América do Norte em 1860 e pela Índia em 1875 com grande sucesso e a reputação de príncipe libertino corroeu sua relação com a rainha Vitória. Hoje é o Dia Internacional dos Povos Indígenas.


Ruminanças

“Os homens nascem iguais, mas no dia seguinte já são diferentes” (Barão de Itararé, 1895-1971).

Mosquito encurralado

Detergente biológico produzido por bactérias encontradas em solo contaminado por petróleo, e patenteado por pesquisadores da Unesp, funciona como três em um contra o Aedes aegypti


Flávia Ayer
Estado de Minas: 09/08/2014


Matar as larvas, exterminar o inseto adulto e ainda funcionar como repelente para o Aedes aegypti. Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, no interior de São Paulo, descobriram substância “três em um” no combate ao mosquito transmissor da dengue, que já contaminou 638,4 mil brasileiros este ano. Trata-se de um detergente biológico, produzido por bactérias encontradas em solo contaminado por petróleo. Além de todas essas atribuições, o biossurfactante é atóxico e biodegradável. O produto está sendo patenteado pelos biólogos, mas, por enquanto, sua chegada ao mercado esbarra no alto custo de produção.

Desde 1997, os cientistas estudam o biossurfactante produzido pela bactéria Pseudomonas aeruginosa LBI. O micro-organismo foi encontrado no terreno onde funcionava um posto de gasolina e levado para o laboratório. A bactéria consome material oleoso e açúcar e sintetiza o detergente biológico. A substância já tem aplicação na indústria petrolífera para a limpeza de tanques e na remediação de contaminações. O emprego no combate à dengue, entretanto, é inédito.

“Constatamos que pode ser usado como inseticida, larvicida e repelente. A dengue não conta ainda com vacina e, por isso, é importante atuar nas três frentes”, afirma o mestre em microbiologia Vinícius Luiz Silva, que desenvolveu o estudo junto dos pesquisadores Jonas Contiero, Cláudio José Von Zuben e Roberta Barros Lovaglio. O desafio agora é tornar o custo de produção da substância mais baixo. “Nossas pesquisas agora estão voltadas para que a matéria-prima fique mais barata”, reforça. Apesar do preço, um produto nunca havia se mostrado tão eficaz e versátil contra o mosquito da dengue, cada vez mais resistente a inseticidas.

No primeiro teste, uma solução com a substância foi aplicada em recipiente com água cheio de larvas do inseto. Para respirar e garantir sobrevivência, as larvas precisam se manter na superfície. “O produto, no entanto, reduz a interação entre as moléculas da água e quebra a tensão superficial do líquido, impedindo que as larvas fiquem na superfície”, explica Vinícius. A ação do produto começa a ser percebida 18 horas depois da sua aplicação.

O segundo teste consistiu no combate aos mosquitos adultos e o biossurfactante se mostrou mais uma vez eficiente. O produto foi borrifado nos insetos, que morreram imediatamente. Uma terceira frente de trabalho comprovou a eficácia da substância como repelente. Os pesquisadores passaram o produto em ratos previamente anestesiados e, por 40 minutos, nenhum inseto se aproximou dos mamíferos. Segundo o biológo, não há problema em relação ao uso do biossurfactante na pele.

INTERNACIONAL Parceria entre os laboratórios de Microbiologia Industrial e de Entomologia do Instituto de Biociências da Unesp Rio Claro e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o estudo foi apresentado no mês passado em congresso nos Estados Unidos. E o coordenador do Laboratório de Entomologia I do Departamento de Zoologia do Instituto de Biocências, Cláudio José Von Zuben, destaca ainda mais uma faceta do biossurfactante. “Ele tem a vantagem de não afetar outros grupos de insetos”, aponta.

Segundo Von Zuben, a importância do novo método do combate ao mosquito da dengue cresce diante do aumento da resistência do Aedes aegypti. “A maior parte dos produtos acaba induzindo resistência ao inseto com o passar do tempo. Estamos percebendo a existência de gerações cada vez mais resistentes”, afirma. As larvas do inseto já conseguem se reproduzir em água não muito limpa e os adultos vêm se adaptando a temperaturas mais baixas.

“Toda estratégia que visa controlar a densidade populacional do vetor causa interferência direta na epidemiologia de uma doença transmitida por ele”, reforça o biólogo. De acordo com o Ministério da Saúde, este ano, a dengue matou 213 pessoas no Brasil. No total, 638.404 pessoas foram infectadas pelo vírus. Enquanto o biossurfactante não começa a ser usado, Von Zuben alerta para os cuidados para o combate à doença. “A maior parte dos criadouros está dentro de casa”, ressalta. A principal orientação é não deixar acumular água em nenhum tipo de recipiente.

Ação eficaz

O biossurfactante, produzido pelas bactérias Pseudomonas aeruginosa LBI, atua em três frentes no combate ao mosquito da dengue:


» A substância diminui a tensão do líquido presente nos criadouros do Aedes aegypti, fazendo com que as larvas afundem. Sem conseguir se manter na superfície para respirar, elas morrem

» O biossurfactante é usado em borrifadores no combate aos mosquitos adultos. Ao entrar em contato com a substância, há a quebra da cutícula dos insetos, que morrem imediatamente

» Usado como repelente, o biossurfactante afasta os mosquitos por 40 minutos


COMO COMBATER A DENGUE

» Pneus velhos: entregue-os ao serviço de limpeza urbana. Caso você precise realmente mantê-los, guarde-os em local coberto.

» Piscinas: trate a água com cloro e limpe-a uma vez por semana. Se não for usá-la, cubra-a bem. Se estiver vazia, coloque um quilo de sal no ponto mais raso.

» Lixeiras dentro e fora de casa: feche bem o saco plástico e mantenha a lixeira tampada.

» Caixas-d’água, cisternas e poços: mantenha-os bem fechados e tampe aqueles que não tiverem tampa própria

» Garrafas PET e de vidro: embale para recolhimento todas as que não for usar. Se for guardá-las, ponha sempre a boca para baixo.

» Pratinhos de vasos de plantas e xaxins dentro e fora de casa: elimine-os.

FONTE: SES