segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Os direitos humanos e a democracia - Renato Janine Ribeiro


Valor Econômico - 07/01/2013

A tensão entre voto popular e decisão judicial

Já faz uns anos, escrevi um artigo, "Os direitos humanos ameaçam a democracia?", indagando se o inegável avanço dos direitos do homem em nosso tempo não poria em risco o regime democrático. Criticava o senso comum atual, que reza que só há democracia com pleno respeito aos direitos humanos. Mas a questão continua sendo pertinente. Isso porque os direitos humanos são em boa medida proteções do indivíduo, ou de grupos, diante do Estado ou mesmo contra ele - ao passo que a democracia, em seu cerne, é a atribuição do poder, no Estado, pela decisão majoritária do povo. Assim, governos eleitos pelo povo, hoje, acabam sendo mais limitados, em nome dos direitos humanos, do que governos autoritários. Direitos particulares podem refrear a vontade da maioria. Idealmente falando, a voz do povo e os direitos do homem deveriam convergir. Mas isso nem sempre sucede. E então?

Comecemos pelo conceito. A democracia nos vem dos gregos. Democracia não é só a eleição do governo pelo povo, e sim a atribuição, pelo povo, do poder - que inclui mais que o mero governo. Inclui o direito de fazer leis. Na democracia antiga, direta, isso cabia ao povo reunido na praça pública. Um grande êxito dos atenienses, se comparados com os modernos, era o amor à política. Moses Finley, um dos maiores conhecedores do tema, conta que em Atenas a assembleia popular se reunia umas quarenta vezes ao ano. Pelo menos mil pessoas costumavam comparecer, às vezes dez mil, de um total de quarenta mil possíveis (a presença não era obrigatória). Comparo esse empenho ao nosso. Quantos não resmungam, para votar uma só vez cada dois anos? Nesse período, o ateniense teria passado oitenta tardes na praça, ouvindo, votando.

Mas a "falha" dos atenienses era a inexistência de direitos humanos. Não havia proteção contra as decisões da assembleia soberana. Ela podia decretar o banimento de quem quisesse, sem se justificar: assim Temístocles foi sentenciado, pelo mesmo povo que ele salvara dos persas, ao ostracismo. Ora, desde a era moderna os direitos do homem, protegendo-o do Estado, se tornam cruciais. Estes são os grandes legados das três revoluções modernas, a inglesa, a americana e a francesa. Somos protegidos não só dos desmandos do monarca absoluto, contra os quais o melhor antídoto seria a soberania popular, mas também da tirania do próprio povo e de seus eleitos.

Desde os gregos, se alerta que o povo pode ser tirânico, tal um mau rei. Na Revolução Francesa, os jacobinos abusam do poder extraordinário. Mesmo nos Estados Unidos, mais moderados em política, isso sucede. No "Vermelho e o Negro" (1830), Stendhal já critica o controle exercido pela opinião: "Devido a essa feia palavra [despotismo], morar nas cidades pequenas é insuportável para quem viveu nessa grande república que se chama Paris. A tirania da opinião, e de que opinião! é tão idiota nas cidadezinhas francesas quanto nos Estados Unidos da América".

Ainda pior que o despotismo da opinião popular, é a tirania expressa no voto. Daí que, quando surgem Estados democráticos, se pense em proteger o indivíduo dos excessos do povo. Mas aqui há um problema adicional, porque para aplicar os direitos humanos são necessários juízes e tribunais. Estes têm poder. Mas por que um poder não eleito terá maior poder que os eleitos pelo povo? Um problema dos franceses e ingleses com a União Europeia é que esta subordina seus poderes eleitos a cortes constitucionais, inclusive supranacionais. Resumindo esse ponto, os direitos humanos são aplicados por tribunais que, ou são eleitos pelo povo e se partidarizam, ou não o são e então constituem o elemento aristocrático, não-democrático, na Constituição.

Espanta vivermos hoje uma situação desse tipo no Brasil? Desde a Ficha Limpa à cassação dos mandatos no mensalão, há uma tensão entre um braço democrático de nosso regime, a Câmara, e o mais aristocrático, o STF. O Supremo tem sido feliz, a meu ver, na questão dos direitos humanos. Foram ampliados para além da letra da lei. Se dependesse dos poderes eleitos, dificilmente os homossexuais teriam conseguido o que obtiveram. Esse é o maior mérito de nosso Supremo. Mas com a democracia ele tem certas dificuldades. Deve tutelar o eleitor, barrando a candidatura de pessoas com o nome sujo? Devem algumas sentenças condenatórias ter efeito eterno, tornando inelegíveis para sempre quem cometeu certos crimes, como o de corrupção? Devem pessoas que ninguém elegeu decidir em última instância sobre assuntos que cabem ao povo e seus representantes? Quando o presidente do STF diz que a pior tirania é a do grande número, quem distinguirá a expressão legítima e a "tirânica" da vontade popular?

Faz parte da cultura aristocrática, que é a do nosso Judiciário, a aposta no certo, na verdade, no melhor. Um tribunal tem o dever de condenar o culpado e de absolver o inocente. Já o povo pode e deve, votando, fazer escolhas na área do que não é certo nem errado. Queremos boa educação, boa saúde, mas são tantos os meios de chegar a elas; e mesmo o que entendemos por elas. Pois, afinal, na democracia o importante é acertar ou é decidir? Há questões, como o confronto liberalismo-socialismo, que não são assunto de certo ou errado, mas de preferência. Podemos substituir o direito do povo a decidir, pela missão do tribunal de acertar? Penso que não, mas não devemos esquecer que a discussão atual em nosso país não é nova nem só nossa, é um debate que constitui a democracia moderna e constitui sua contradição fundamental, talvez insuperável.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. 
E-mail: rjanine@usp.br

Diário da Dilma - Quem não dança balalaica que cuide do samovar


Revista Piauí 

Edição 76 > _ Janeiro de 2013


1º DE DEZEMBRO_Sentei ao lado do José Maria Marin no sorteio da Copa das Confederações. Não consegui tirar os olhos daquele acaju. Não sabia que aquilo era possível.
O cozinheiro errou no sorteio. No sorteio! Nem para tirar a bolinha da cuia certa nós prestamos! Que são Pedro Canísio nos proteja em 2014.
2 DE DEZEMBRO_Nada de caças franceses, americanos ou suecos. Vou comprar esses aviões da Webjet que estão em promoção.
3 DE DEZEMBRO_Fui ao Maranhão inaugurar um porto e adivinha quem estava lá. Him! E ainda levou a filha governadora a tiracolo. Fizeram questão de me entregar a Ordem dos Timbiras, achei simpático. Como não dão ponto sem nó, já pedi para liberarem uns dois ou três cargos comissionados.
Aprendi: quem mora em São Luís é ludovicense. Vou jogar na cara do Patriota.
4 DE DEZEMBRO_Ideli ficou irritadíssima quando soube que a princesa está grávida. “É uma arrivista!”, gritava pelos corredores do Planalto, de dedo espetado no ar.Nem contra o caseiro do Palocci ela destilou tanto veneno.
Nem dei trela, pois estou me sentindo avó de novo. Pedi para o Patriota mandar uma caixa de tamarindo para a Kate. É ótimo para enjoo de gravidez! Ele fez cara de pouco caso e eu tive de recorrer a um “Meu querido”. Ele disse que ia mandar. Quero ver!
5 DE DEZEMBRO_Gleisi me soprou que a tendência do verão é o cabelo quente: strawberry blonde e rose blonde. Imagina se o Palocci me daria uma informação dessas! Santa hora em que estourou aquele escândalo da consultoria.
Apesar da friagem desse palácio, fiquei triste com a morte do Niemeyer.
6 DE DEZEMBRO_Facada pelas costas. Sei. De tantas que diz ter levado, se ainda está de pé é porque já deixou o gênero humano e entrou para a categoria dos queijos suíços.
7 DE DEZEMBRO_Depois de mais um Pibinho, tive vontade de mandar o Mantega de volta para a Itália. É sempre a mesma cantilena: “Mês que vem vamos bombar mais que a China.” Baita tró-ló-ló. Crescemos menos que o Peru! O Peru! E agora não dá nem para mandar embora. Aquela revista inglesa – como é o nome mesmo? – veio fazendo um estardalhaço, querendo ensinar o Pai-Nosso ao vigário. Terei de engolir o Guido mais um tempo em nome da soberania nacional.
8 DE DEZEMBRO_Vou ter uma conversa delicada com a Ideli. Sei que ela não estudou em colégio de freira, foi gorda, é de Santa Catarina, casada com um PM, mas precisa moderar a linguagem! De onde foi que ela tirou que dei “chapuletada” no Aécio?! Isso é linguagem? Eu lá sou mulher de dar chapuletada? Que coisa maisdisgusting! Imagina minha cara diante do Patriota!
9 DE DEZEMBRO_Aquela Regina Casé é uma bola! Morri de rir com ela! Esqueci o nome do programa. A Helena me mandou uma cópia e achei ótimo. O horário é que é ruim.
10 DE DEZEMBRO_Eu aqui na Cidade Luz, em pleno Le Bristol, e tendo que almoçar com o Lula! O homem falou três horas seguidas! Até cochilei entre a salada e os queijos. Não pude nem dar uma chegadinha no Bon Marché, o magazine das elegantes, sem aquele monte de brasileiro das Galeries Lafayette. Na verdade, meu plano mesmo era dar um pulo no La Vallée, aquele outlet maravilhoso!! Queria comprar uma gravata para o Lobão e um casaco melhor, para levar para a Rússia. Fica para a próxima.
Ai, que saia justa! Encontrei a Marisa Letícia! Só faltei perguntar receita de cuscuz paulista. Falei pelos cotovelos sobre o nada, fugindo do assunto. Senti que ela está uma arara! São Bernardo deve estar uma Síria.
11 DE DEZEMBRO_Aproveitei que o Lula largou do meu pé um instante e mandei comprar o último exemplar do Canard Enchaîné. O jornal continua engraçado, mas falem o que quiserem, nunca mais foi o mesmo desde que pararam de publicar o Diário de Carla Bruni. Que classe, que elegância! Somos muito parecidas, tanto assim que tirei dali minha inspiração.
Menina, que sucesso eu fiz em Paris! Estava ótima, solta, firme, elegante!
12 DE DEZEMBRO_Ai que vontade de demitir o Lula. Isso aEconomist (lembrei) não sugere!
13 de DEZEMBRO_A gente não tem sossego nem para viajar. Esse vai e vem dos royalties me encheu o pacová. Falei que ia vetar, vetei, mas se querem derrubar o veto, me diz, o que eu posso fazer? Ah, vão lamber sabão!
Enquanto escrevo isso, o presidente da República é José Sarney. Os maias sabiam de tudo. (Os índios, não a família do livro.)
14 DE DEZEMBRO_Fiz 65 anos! Quem diria! Presidenta do Brasil, avó, festejando na Rússia meu aniversário. Confesso que senti um pouquinho de dor no peito pela falta dele. É uma pena que o Moreno não aguente tanto frio. Aliás, que friaca! A gente fica com aquele nariz vermelho, a orelha gelando...
No túmulo do Lênin, me voltou tudo. De pé, ó vítimas da fome! / De pé, famélicos da terra! Me deu vontade de ir para Jersey e roubar o cofre do Maluf.
O Putin é bem legal, apesar do que di-zem dele. Vamos ver se fechamos uma parceria. Ah, o comunismo é tão elegante!
Que dificuldade colocar um gorro com esse cabelo armado.
15 DE DEZEMBRO_Para lavar a égua, anunciei 800 novos aeroportos de uma vez só. Em cada biboca do país vai ter um. A senhora mora em Ouricuri e quer ir para Bodocó? Pois não, basta tocar o jegue para o aeroporto no fim da rua. Quero ver alguém falar em caos aéreo. Como me disse o Vladimir, quem não dança balalaica que fique cuidando do samovar.
16 DE DEZEMBRO_Haddad me ligou para dizer que Maluf não tem nem nunca teve cofre em Jersey.
17 DE DEZEMBRO_Lembrete: não despedir o Patriota. As viagens estão melhorando.
18 DE DEZEMBRO_Quanto mais eu rezo, mais assombração me aparece. O Marcos Valério abriu a boca de novo, o Freud reviveu das catacumbas, o fantasma do Celso Daniel está assombrando mais uma vez, annus horribilis, diria a rainha da Inglaterra.
19 DE DEZEMBRO_Finalmente! Soube que na terceira temporada deThe Killing, Sarah Lund largou aquele sué-ter de matar!
21 DE DEZEMBRO_Vetei o Fim do Mundo.
23 DE DEZEMBRO_Em Paris, comprei uma bela água de colônia para o Lobão. Vamos ver se ele para de encharcar o rosto com Aqua Velva. Eu diria que é o único defeito dele, a imperfeição que o torna humano.
25 DE DEZEMBRO_Gabrielzinho ganhou presentes demais neste Natal: o Sarney lhe deu duas concessões de tevê, um pessoal louro mandou entregar três miniaturas de caça sueco e o Temer enviou um embrulhinho fofo com um emprego público vitalício dentro. Esse menino vai ficar muito mimado. Mas é tão bochechudinho!
29 DE DEZEMBRO_Impressionante como minhas manhãs rendem quando o Merval tira férias. Aquelas colunas me tomam 40 minutos. No mínimo.
A casquinha do pão engorda tanto quanto o miolo!
30 DE DEZEMBRO_Mamãe e titia pensam que a história da Rose é novela. Como não gostam de Salve Jorge, transformaram o bafafá em seriado. Acompanham todos os jornais e ainda querem detalhes. Conto o mínimo possível porque minha tia é íntima da manicure, conta tudo para ela.
31 DE DEZEMBRO_Festa boa de Réveillon tem que tocar Tim Maia. Depois do segundo frozen de abacaxi, fico agitadíssima. Fux arrasou cantando Vale Tudo e Um Dia de Domingo. Só não engatou Acenda o Farol porque o Dirceu e o Rui Falcão apareceram de machadinha na mão e ele teve que sair pelos fundos.

Quadrinhos

FOLHA DE SÃO PAULO

CHICLETE COM BANANA      ANGELI

ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO

CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI

ADÃO ITURRUSGARAI
BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER

ALLAN SIEBER
MALVADOS      ANDRÉ DAHMER

ANDRÉ DAHMER
HAGAR      DIK BROWNE

DIK BROWNE

Salve o compositor popular - Ailton Magioli‏

Maria Bethânia resgata show de comemoração dos 35 anos de carreira, gravado em 2001 no Canecão. DVD tem participações especiais de Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil 


Ailton Magioli
Estado de Minas: 07/01/2013 
Maria Bethânia recebe Adriana Calcanhotto para cantar com ela a canção Depois de ter você


O aniversário – 35 anos de carreira, celebrados em 2001 – era de Maria Bethânia, mas em Noite luzidia, o DVD que a cantora baiana está lançando agora, o grande presenteado, mais uma vez, foi o compositor brasileiro. Afinal, em toda a sua brilhante trajetória o que ela mais fez foi reverenciar a obra de autores de canções, seja de que gênero for, muitas vezes se responsabilizando por dar a elas a interpretação definitiva.

Que o diga Lenine, o pernambucano de quem Bethânia canta, no DVD, Nem o sol, nem a lua, nem eu, da parceria com Dudu Falcão. “Sou um fazedor de canções, e como tal, meu objetivo é ouvi-las com intérpretes como Bethânia”, diz Lenine. Gravado ao vivo, em setembro de 2001, no célebre Canecão carioca, que já nem existe mais, Noite luzidia, vale lembrar, não tem nada a ver com Carta de amor, o mais recente show que Bethânia trouxe à capital, apesar de estar sendo lançado somente agora. 

Outro que deixa registrada no DVD a admiração pela cantora é o baiano Roberto Mendes (Noite de estrelas, com Ana Basbaum), que assume-se compositor estimulado por ela. “Todo o meu estilo de composição é influenciado por Maria Bethânia”, revela. De Adriana Calcanhotto (Depois de ter você) a Dorival Caymmi (Maricotinha), passando por Zé Keti (Opinião e Diz que fui por aí, esta em parceria com H. Rocha), por Dominguinhos (Lamento sertanejo, com Gilberto Gil), Roberto e Erasmo Carlos (As canções que você fez para mim), Renato Texeira (Juntar o que sentir), Chico César (Dona do dom) e Ana Carolina (Pra rua me levar, com Antonio Villeroy), entre outros, a intérprete faz do canto a tradução perfeita da obra do compositor brasileiro. Muitas das vezes em canções feitas especialmente para ela.
Noite luzidia - DVD de Maria Bethânia com convidados - Lançamento Biscoito Fino, preço médio: R$ 39,90

O irmão Caetano Veloso (Maria Bethânia, em versão instrumental, além de De manhã e a citação de Adeus, meu Santo Amaro), Gilberto Gil (Expresso 2222, Viramundo, com Capinam, e Se eu morresse de saudade) e Chico Buarque (Sem fantasia e A moça do sonho, com Edu Lobo, além da versão O sonho impossível, com Ruy Guerra), claro, estão no DVD, em que Maria Bethânia visita gerações variadas de autores. 

Os irmãos Dory e Nana Caymmi cantando com ela Maricotinha, de autoria do pai, com direito à participação de Moreno Veloso na percussão, é momento antológico. Assim como os números finais, oportunamente dedicados a Gonzaguinha (Começaria tudo outra vez, com direito à citação da Travessia, de Milton Nascimento, e O que é, o que é?).

Palavras e canções Na época ainda sob a direção musical de Jaime Alem (também no violão e arranjos) – agora substituído pelo mineiro Wagner Tiso –, Bethânia cantou acompanhada de banda formada por João Carlos Coutinho (teclados), Marcio Mallard e Ricardo Amado (cordas), Rômulo Gomes (baixo), Daniel Garcia (sopros), João Castilho (guitarra), Reginaldo Vargas (percussão) e Carlos Bala (bateria). 

Nos extras, além dos depoimentos de muitos dos convidados, Edu Lobo (Beatriz) e Milton Nascimento (Canções e momentos, que, segundo diz, foi composta em Belo Horizonte, em homenagem à intérprete) vêm de bônus. A direção artística do show é de Bibi Ferreira, que confessa nunca ter visto “coisa” mais deslumbrante em cena do que a cantora baiana.

Bem à vontade - Eduardo Tristão Girão‏

DVD Alma lírica brasileira, com direção de Walter Carvalho, mostra o entrosamento entre Mônica Salmaso, o pianista Nelson Ayres e o flautista e saxofonista Teco Cardoso 

Eduardo Tristão Girão
Estado de Minas: 07/01/2013 
Curiosamente, da mesma forma inesperada como surgiu o CD Alma lírica brasileira, o recém-lançado DVD homônimo da cantora paulistana Mônica Salmaso com Teco Cardoso (flauta e saxofone) e Nelson Ayres (piano) foi obra do acaso. O ciclo de shows do trio pelo país já havia sido encerrado quando a gravadora Biscoito Fino firmou parceria com o Canal Brasil, o que originou convite para montar novamente o espetáculo e registrar em vídeo o belíssimo entrosamento dos três.

Gravado em janeiro do ano passado, no Teatro Alfa, em São Paulo, o DVD exibe o trio em performance sem público, apenas diante das câmeras e cercado por algumas peças de artesãos brasileiros. “Com plateia, vejo que os diretores de DVD ficam muito amarrados em relação ao posicionamento das câmeras, luz e tudo mais. Não poderia deixar de aproveitar ao máximo as possibilidades desse show e do diretor. Gosto tanto de estúdio quanto de cantar ao vivo, e não me senti tensa nem fria”, conta ela.

A direção, no caso, foi de Walter Carvalho, que a cantora convidou para a tarefa por meio da esposa dele, Lia Gandelman. Já a escolha do local para acolher o espetáculo, conta Mônica, deve-se ao piano: “Precisávamos de um superpiano, já que somos só nós três no palco. O do Teatro Alfa é um, de cauda inteira, escolhido pelo Nelson Freire”. Foram dois intensos dias de gravação, com os artistas e a equipe inteira trabalhando das 8h às 20h.

O repertório, formado por 18 músicas, é um verdadeiro passeio pela música brasileira. De Villa-Lobos (Melodia sentimental) a Adoniran Barbosa (Véspera de Natal e Trem das onze), os três interpretam também Cuitelinho (Antônio Xandó e Paulo Vanzolini), Mortal loucura (José Miguel Wisnik sobre poema de Gregório de Matos), Meu rádio e meu mulato (Herivelto Martins) e Ciranda da bailarina (Edu Lobo e Chico Buarque), entre outras canções.
“Trabalho fundamentalmente com instrumentos acústicos e nesse tipo de encontro vale mais o músico do que o instrumento que ele toca. Não era para ser piano, mas era para ser o Nelson, por exemplo. Preciso da capacidade dele e isso é claro para mim”, analisa Mônica. A afinidade entre ela, Nelson e Teco (com quem é casada), explícita nesse trabalho, tem origem na parceria estabelecida pela cantora com o grupo Pau Brasil, do qual os dois músicos fazem parte – assim nasceu o primeiro DVD de Mônica.

Conforto Alma lírica brasileira é o segundo registro do gênero na carreira da artista. “O disco não teve truque e o DVD não teve edição, cenário nem Auto-Tune. É só o encontro entre nós três. Simples. O show já estava bem azeitado”, orgulha-se ela. Longe de ser arrogante, Mônica afirma que a realização desse projeto lhe trouxe uma sensação muito boa, a de saber fazer bem o que gosta. Imediatamente, lembra-se do início da carreira, ao lado de ninguém menos que o violonista Paulo Bellinati em Afro-sambas (1995).

“Meu começo foi muito bonito. Tinha uns 20 e poucos anos e o Bellinati já tinha um caminho lindo na música. Por ter tido essa sorte, eu pensava que tinha de fazer por merecer. Havia uma tensão interna. Não podia errar, tinha de ser perfeita. Entendia dessa maneira. Alma lírica brasileira me mostra que não preciso ter mais essa sensação. Estou na música há quase 20 anos e já me sinto fazendo parte dessas pessoas. Isso é mais conforto que outra coisa, pois sempre tive liberdade para fazer o que quisesse. Só mudou a maneira de realizar”, diz ela.

Vazão Esse tal conforto é um dos motivos pelos quais ela se sente cada vez mais à vontade para trabalhar paralelamente com os artistas que quiser. Entre eles, o quinteto de clarinete Sujeito a Guincho e o quinteto de sopro Vento em Madeira (do qual seu marido, Teco, é integrante). “É difícil dar vazão em disco a todos esses projetos de que participo”, confessa. Outro trabalho em parceria tem sido desenvolvido com o pianista André Mehmari, com quem ainda não tem disco, apesar de já ter formado repertório.

A propósito, os dois embarcam esta semana para a Colômbia, onde farão duas apresentações no Festival Internacional de Música de Cartagena. Com discos lançados fora do Brasil, Mônica tem feito apresentações constantes na Europa e, com menos frequência nos últimos anos, nos Estados Unidos. “Meu público lá fora fica entre brasileiros e apreciadores de jazz e world music, incluindo muita gente que está aprendendo português”, comenta.

Vem aí 

Para este ano, Mônica quer lançar disco em que cantará exclusivamente músicas de uma única parceria, entre Paulo César Pinheiro e Guinga. A cantora já foi presenteada pela dupla com algumas canções. A previsão é entrar em estúdio este semestre para lançar o álbum até o fim do ano.

O QUE MÔNICA ESTÁ OUVINDO:

» Rhaissa Bittar – “É uma cantora que fica muito na dela e não faz parte de clubinhos. Ouço direto o disco dela, Voilà, que é bem tocado, benfeito, brasileiro e inteligente.”

» Conversa Ribeira – “Esse trio do interior de São Paulo é bem legal, com harmonias novas sobre músicas caipiras. Faz isso sem desestruturá-las, mas com liberdade autoral.”