sábado, 14 de setembro de 2013

João Paulo - Violentos são os outros‏


Estado de Minas: 14/09/2013 


Manifestante com bandeira anarquista e força policial durante o Dia da Independência, no Centro de Belo Horizonte     (João Miranda/Esp. EM/D.A Press)
Manifestante com bandeira anarquista e força policial durante o Dia da Independência, no Centro de Belo Horizonte


Impulsionados pela força das ruas, é possível detectar três momentos da ação do Estado em relação aos movimentos que animam a sociedade: o espanto, a busca de cooptação e o rearranjo conservador

Ninguém é a favor da violência. No entanto, há momentos em que é preciso distinguir as formas de exercício da violência. O Brasil é um país violento. E não é porque as pessoas estão nas ruas do Centro das grandes cidades, mas exatamente porque nunca estiveram nelas, a não ser como figurantes. Nossa violência é, para usar uma palavra da moda, estruturante.

O nosso senso comum, capitaneado pela classe média, gosta de criar genealogias espúrias e autocomiserativas. Assim, a violência urbana teria origem na migração para as cidades de populações sem preparo para a vida social. Sem lugar nas áreas valorizadas da cidade, ergueram nas periferias não apenas sua possibilidade de vida, mas a cultura da marginalidade e da violência urbana que amedronta. Vem daí um dos mitos mais cruéis da sociologia de bolso conservadora: a criminalidade é filha da pobreza.

Na busca dessa falsa pesquisa de origem sempre coube bem a ideologia da paz social, que teria permeado nossa formação como país. Uma nação que se fez sempre de transições alcochoadas para evitar que a elite fosse punida, sem prejuízo para a ordem, com alergia de povo e à custa do silenciamento histórico da vigorosa trajetória de lutas que se espalha ao longo dos séculos. História dos vencedores, silêncio dos vencidos.

Outra hedionda manifestação de nossa violência constitutiva é a injusta distribuição de renda. A absurda miséria na vida da maioria da população, em contrapartida ao núcleo duro da riqueza concentrada na mão de poucos, tem como corolário a dança ridícula dos números da empresas de Eike Batista. Parece que a colocação do empresário nas listas de bilionários é uma questão nacional, e não uma disputa infantil e freudiana de retenção libidinal.

A incipiente distribuição de renda que se observa nos últimos 10 anos, em razão de nossa cultura de injustiças, gerou no primeiro momento mais rancor que comemoração. Algumas pessoas se sentiram agredidas por partilharem do patamar de consumo com extratos menos privilegiados e, sobretudo, em dividir o espaço público. A situação de constrangimento nos aeroportos chegou a ser ridícula.

Na lógica do condomínio e da área VIP, o importante não é ter, mas negar que todos tenham. A posse não é um sentimento pessoal, mas trasicional: é fundamental que o outro não tenha. O que alimenta o consumidor não é o gozo, mas a inveja. O consumidor conspícuo nunca é autônomo. Ele precisa do outro para ter prazer.

De tal forma a violência está corporificada na sociedade brasileira que mal damos conta dela em todos os momentos e ações. É violência, por exemplo, preservar o mandato de um deputado condenado pela Justiça em última instância. Atenta-se, de uma só vez, contra os poderes republicanos – contra o Judiciário, por escárnio com a lei e seus agentes; contra o Legislativo, que perde legitimidade por abrigar entre seus pares um criminoso com as mesmas prerrogativas – e contra a soberania popular, que não se sente representada.

Como Marilena Chauí explica no texto “O homem cordial, um mito destruído à força”, em termos filosóficos há violência quando o outro é reduzido à condição de objeto. Ser violento é negar a realização do homem como sujeito da história. Por isso, quando se fala em cidadania, mais que respeito às leis o que está em jogo é a expansão de direitos. As leis, em si mesmas, não são garantia de ampliação da cidadania, elas espelham um jogo de forças do momento, que pode e deve ser contraposto à dinâmica da história e à capacidade de mobilização da forças sociais. O Brasil é um país de leis, não é ainda uma nação de direitos.

Polícia e política

A violência, por isso, está presente em diferentes momentos de nossa realidade: na falta de serviços públicos de qualidade; no combate aos programas de saúde para áreas carentes em nome de privilégios corporativos; na educação baseada nos interesses de mercado; nas diferentes formas de se pensar a segurança (entre a proteção do patrimônio nas áreas nobres e a desconfiança permanente do cidadão das regiões pobres); no autoritarismo político que vem dispensando todas as formas de participação direta; na criminalização dos movimentos sociais.

Para todos esses problemas, a solução é política. No entanto, mais um reforço de nossa ideologia autoritária, violência é tida quase sempre como um escape não planejado das estratégias de funcionamento social. Há violência, defendem os cultores da ordem restritiva de direitos, quando as pessoas não conhecem seu lugar. O que se realiza como crítica, oposição, confronto de projetos, alargamento de possibilidades, contradição – tudo isso é visto como momento de disfuncionalidade e, por isso, objeto da ação policial. Num país que respira violência como o ar que lhe dá vida, a polícia substitui a política.

E, com todo esse entulho, ainda há quem se espante com o que aconteceu no Brasil de uns meses para cá. Para muita gente, é até aceitável que as pessoas ocupem as ruas, desde que sigam o jogo educado do protesto que é mais estético que político. Passeatas limpas, com crianças brincando e faixas catitas. Um arremedo de protesto que se traduz por mensagens genéricas e pré-políticas, “contra tudo que está aí”. Na vida real, a história é outra.

Impulsionados pela força das ruas, é possível detectar três momentos da ação do Estado em relação aos movimentos. No primeiro, foi o espanto. Incapaz de ler a dimensão política – e até a novidade tecnológica do movimento organizado à margem dos instrumentos convencionais de agitação social –, a força repressiva foi acionada com seu arsenal típico de brutalidade e criminalização do social.

No segundo momento, em razão do crescimento da onda de protestos e da participação de insatisfeitos de todos os matizes, houve um recuo estratégico da repressão e a busca de negociação. Os manifestantes foram convidados a apresentar propostas, ocuparam a mídia, foram objeto de tentativas frustradas de cooptação. A onda alcançou outras dimensões da vida social e bandeiras históricas dos movimentos sociais, como a luta contra a discriminação sexual.

O terceiro e mais recente momento parece conviver com outra lógica. A mobilização é latente, como uma chama-piloto, e pode pegar fogo a qualquer momento, desde que a faísca seja provocada. Ao mesmo tempo, surgiu como escape para as forças repressivas a figura dos mascarados, como infiltrados minoritários, que merecem o tratamento de criminosos. Logo as leis restritivas foram criadas e o julgamento dos meios de comunicação perdeu a falsa condescendência. Como um mantra, todos se voltaram de forma orquestrada para impedir a participação de determinados grupos e o pau voltou a comer solto, com rearranjo dos setores mais conservadores.

Disjunções e insurgências


Esse vaivém faz parte do jogo. O que parece ser universal em todos os momentos – e deve atingir em cheio a corrida eleitoral do ano que vem – é a constatação de que há uma demanda de cidadania a ser tornada realidade. Um livro lançado recentemente, Cidadania insurgente – Disjunções da democracia e da modernidade no Brasil, do brasilianista James Holston (Companhia das Letras), mostra que a história não é nova. A dívida e a insatisfação são antigas, as reações também.

O autor, como sintetiza o título de seu estudo, mostra, a partir de exemplos da luta por moradia em São Paulo, que a democracia brasileira – efetiva em termos de política eleitoral e de outros mecanismos formais – não se traduz na prática da cidadania. Somos modernos em política oficial e jurássicos na sociedade real. O que Holston chama de “cidadania insurgente” é exatamente a luta contra a violência da sociedade brasileira no seu dia a dia. Há injustiça social, má distribuição de renda, privilégios, impunidade, criminalização dos movimentos sociais, pouca qualidade de vida nas cidades (o transporte foi apenas a ponta do iceberg). Tudo isso é outro nome da violência.

Os protestos, que não vão acabar tão cedo, dizem respeito a isto: a cidadania não completou seu ciclo na sociedade brasileira, ela não está acabada. O foco das mobilizações é o que o sociólogo chama de disjunções. Mas é preciso acrescentar um dado. Ainda que tenha alto grau de mobilização, sobretudo pela utilização de ferramentas da rede, o movimento das ruas precisa se chocar com as formas de representação política. Não basta criticar o poder, é preciso conquistá-lo. A nova política, certamente, vai ser herdeira deste curto-circuito: demandas imediatas que buscam alguma forma de efetividade social. Os movimentos precisam aprender com os partidos (até para evitar seus erros), os partidos precisam seguir as lições das ruas (até mesmo para ampliar seus acertos).

Por isso é sempre bom ler o movimento das ruas pelas vias certas. Eles não são violentos. Violenta é a sociedade brasileira. Na vida social, como na existência individual, no entanto, quase sempre o inferno e os violentos são os outros. Anjos pacíficos, recusamos o espelho como quem afirma a identidade vicária construída em torno de silêncios. Como Jean-Paul Sartre, para ficar na mesma inspiração, disse certa vez: o burguês aceita que lhe retirem tudo, até a honra, menos a condição de burguês.


   jpaulocunha.mg@diariosassociados.com.br

Perto do coração - João Paulo

Livro de Affonso Romano de Sant'Anna e Marina Colasanti dá testemunho da amizade por Clarice Lispector, com direito a transcrição de entrevista histórica 


João Paulo

Estado de Minas: 14/09/2013 


Para Clarice, a amizade ia muito além da convenções: era uma espécie de simpatia entre almas (Badaró Braga/ Arquivo EM - 23/9/55 )
Para Clarice, a amizade ia muito além da convenções: era uma espécie de simpatia entre almas


Que mistérios tem Clarice? Quem mergulha na obra, na vida ou nas tentativas de compreensão do universo da criadora de A paixão segundo GH sai de lá ainda mais atordoado. Clarice Lispector não se explica. As categorias racionais não dão conta, o puro recurso à emoção não a esgota. Nem mesmo a importante biografia de Benjamin Moser (Clarice), a mais completa, ou as centenas de estudos em todo o mundo são capazes de decifrar Clarice.

Talvez por isso o livro Com Clarice, de Affonso Romano de Sant’Anna e Marina Colasanti seja tão especial. Ele não busca esgotar o tema, mas apresentar mais uma inflexão. Nele, percorrem-se vários caminhos – da entrevista biográfica aos estudos acadêmicos –, mas sempre a partir de uma chave única e quase exclusiva: a amizade. Affonso e Marina foram próximos de Clarice, uma amizade que percorreu os caminhos da literatura e da vida.

Ainda jovem estudante de letras, Affonso publica livro com ensaio dedicado à escritora. Marina confessa que, pouco mais que adolescente, “trombou” com ela nas páginas da revista Senhor e nunca mais foi a mesma, em razão de “um tranco na alma”. O casal depois se ligaria a Clarice e seria testemunho de vários momentos marcantes de sua vida. Foram também Affonso e Marina dos últimos amigos a se despedir da escritora no hospital, antes que ela dissesse à enfermeira, frente à decadência irreversível do corpo: “Você matou minha personagem”.

O livro é dividido em três partes e um anexo precioso, a transcrição completa da entrevista de Clarice ao casal para registro do Museu da Imagem e do Som (MIS), em 1976, um ano antes de sua morte. A escolha dos entrevistadores foi da própria escritora e, distante da reticência que sempre marcou seu contato com a imprensa, ela se abre em lembranças e pequenas confissões, numa atmosfera de conversa amena entre íntimos.

Cada uma das partes é dividida em dois capítulos, um para Marina e outro para Affonso, que ao final se reúnem na entrevista. A voz de cada um é percebida não apenas no tom das recordações, mas também no estilo: o poeta é mais rigoroso, analítico, acadêmico; a jornalista, mais amena, íntima, lírica. Com isso, ganha o leitor, que acaba tendo de Clarice olhares diferentes, mas que parecem se somar numa multiplicidade de imagens, num caleidoscópio colorido em que ela é o ponto de luz em torno do qual vibram as cores e formas.

A primeira seção, “Com Clarice”, é dedicada a textos mais recentes e que levam o nome de “Lembrando Clarice”. São, de certa forma, uma apresentação do material que virá em seguida. Affonso faz um pequeno balanço pessoal de sua aproximação com a escritora, revelando alguns momentos menos conhecidos. Ele conta que Clarice tinha uma única conferência preparada que ela, a cada oportunidade, adaptava ao público e à circunstância. Lembra de seu primeiro encontro com a escritora, em 1963, em Belo Horizonte, e de seus últimos momentos, no Hospital da Lagoa.

Marina Colasanti começa recordando a entrevista no MIS, atentando para a elegância das roupas de Clarice; recorda seu primeiro encontro, apresentada à escritora pelo jornalista Yllen Kerr; tem um lampejo da beleza das mãos da escritora. Marina retoma ainda a memória das relações com Clarice cronista no mesmo jornal em que ela era subeditora e cuidava da leitura e preservação dos textos (Clarice não fazia cópias e se atrapalhava com o carbono) e fala de sua participação em um congresso na França, onde dividiu a palavra com especialistas internacionais na obra da amiga. Por fim, num episódio clariciano, conta que foram ela e Affonso que levaram a escritora à cartomante Nadir, que depois apareceria recriada no último romance de Clarice Lispector, A hora da estrela.

Delicadeza A segunda parte de Com Clarice se chama “De Marina para Clarice”. Em vez de buscar explicações, Marina Colasanti escolhe a via da literatura para retratar a amiga em um conto, “Porque a pena”, e numa crônica lírica e evocativa, “Clarice perto do coração”. São textos delicados. O primeiro se parece um conto da própria Clarice, pela aura de mistério composto apenas de palavras simples e situações corriqueiras, em que se revela a entrega do dom. Na crônica, Marina fala da amiga que se vai, no momento em que parece perceber a força material da pintura e do corpo na vida de Clarice. “O corpo de Clarice não aguentava Clarice”.

Seguindo a matriz binária do livro, a terceira parte é “De Affonso para Clarice”, a mais extensa do volume. Aqui o registro é erudito. São três ensaios do escritor sobre a obra da criadora de Água viva. No primeiro, “Clarice Lispector: linguagem”, de 1962, o escritor analisa A maçã no escuro a partir dos temas que eram dominantes no momento, a questão da linguagem e das vanguardas. O segundo ensaio, retirado do livro Análise estrutural de romances brasileiros, analisa os livros Laços de família e A legião estrangeira, com direito a diagramas e estatísticas próprios da moda estruturalista. A tese de Romano é que a epifania era o elemento fundamental da narrativa da escritora. O que será aprofundado no ensaio que fecha a seção, “O ritual epifânico do texto”, que analisa, entre outros aspectos, o uso de oxímoros, a errância e a deseroização dos personagens de Clarice.

Affonso, no entanto, não fica apenas no registro acadêmico e também reúne escritos pessoais sobre Clarice dedicados a diferentes aspectos de sua vida. Como o episódio em que recebe um cacho de cabelos da escritora para guarda da Biblioteca Nacional, que então dirigia; ou sobre a sensação de se sentir encalhado numa palavra e perder anos de vida por não saber se libertar dela; e ainda sobre a solidão da escritora ao participar de um evento literário.

O apêndice, com a transcrição da entrevista, com quase 50 páginas, devolve a palavra a Clarice. Mas uma palavra mediada pelo encontro, pela amizade, pela sensação de se sentir acolhida. O que permite que, em vez de se fechar, como era habitual em entrevistas, ela tenha momentos encantados, intercalados por outros em que fala do passado, de bruxaria, do trabalho como tradutora, da crítica, da vida cotidiana e de literatura. Clarice conta do livro em que andava trabalhando (que seria seu último romance, A hora da estrela), de bichos e de suas leituras. Ao final, num momento de descontração, fica feliz em ser comparada a uma gata. O mistério de Clarice.

Com Clarice
• De Affonso Romano de Sant’Anna e Marina Colasanti
• Editora Unesp
• 256 páginas R$ 38

ENTREVISTA/MAURÍCIO MURAD » Arena da impunidade‏

Especialista defende a criação de um grande plano estratégico envolvendo múltiplas instituições para combater a violência das torcidas organizadas no futebol brasileiro



Severino Francisco

Estado de Minas:
14/09/2013 


Briga das torcidas organizadas do Corinthians e Vasco, em jogo no Estádio Mané Garrincha, em 25 de   agosto, em Brasília, penalizou o torcedor ordeiro e vai contribuir para afastar as famílias dos estádios (Ed Alves/CB/D.A Press)
Briga das torcidas organizadas do Corinthians e Vasco, em jogo no Estádio Mané Garrincha, em 25 de agosto, em Brasília, penalizou o torcedor ordeiro e vai contribuir para afastar as famílias dos estádios

A violência nos estádios de futebol parece ser uma tragédia sem solução. As torcidas organizadas têm protagonizado cenas de selvageria nas arquibancadas, não se intimidando sequer diante da ação da polícia. O sociólogo carioca Mauricio Murad, formado pela UFRJ e professor do mestrado na Universo, pesquisa o tema há mais de 30 anos. Ele é autor do livro A violência no futebol (Ed. Benvirá).     “Impunidade e corrupção, os males do Brasil são”. O título de um dos capítulos do livro sintetiza o diagnóstico que ele faz do problema a partir de suas pesquisas, elaboradas em um entrelaçamento de estatísticas, análises e reflexões. Segundo Murad, o aumento da escalada da violência nos estádios está conectado diretamente ao envolvimento de integrantes das torcidas organizadas com o crime organizado. Em entrevista ao Pensar, concedida por e-mail, Murad fala da impunidade, da omissão das autoridades , do despreparo da polícia, da responsabilidade dos clubes, da importância da presença de famílias para pacificar os estádios e da necessidade urgente de ações do poder público para conter a violência no futebol.

O senhor pesquisa a violência no futebol brasileiro há mais de 30 anos. Em síntese, o que descobriu ou constatou de essencial para se entender a truculência nos estádios? Há uma escalada da violência?
Sim, há uma escalada da violência nos estádios de futebol e mais ainda fora deles, uma escalada preocupante e inaceitável. Há um conjunto de causas que ajudam a explicar o fenômeno, mas a principal delas, depois de tantos anos de estudos e pesquisas, nos locais inclusive, não tenho dúvida em afirmar, é a impunidade, que, lamentavelmente, é estrutural e histórica em nosso país.

O futebol ou a torcida de futebol se sustenta em uma relação baseada menos no amor ao clube de coração do que no ódio aos adversários? Virou uma torcida do ódio?
A identidade de um coletivo se define e se afirma também na oposição a outras coletividades. Contudo, isso não autoriza ninguém a confundir adversário com inimigo, competição com agressão e a praticar delitos, transgressões e violências. Há muito ódio, sim, e este é um dado de irracionalidade, o qual ajuda a entender a questão. Entretanto, é bom que se diga que a imensa maioria dos torcedores não é movida por esse combustível, mas pela festa, pela alegria e pela competição minimamente civilizada. O ódio e a violência são práticas de minorias.

Na Inglaterra, o problema foi sanado. Que lições tirar da experiência inglesa?
Nenhuma sociedade conseguiu resolver 100% a violência, em qualquer âmbito social. A Inglaterra não solucionou tudo, mas conseguiu colocar a violência dos torcedores em níveis aceitáveis e sob o controle das instituições. O preparo da polícia para lidar com multidões — que têm uma psicologia e uma sociologia distintas daquelas dos indivíduos e dos pequenos grupos —, e a redução drástica da impunidade são lições que podemos e devemos aprender. Além disso, na Inglaterra, o governo assumiu o controle e a pacificação dos estádios e de suas áreas próximas, como uma estratégia nacional, prioridade de governo, e envolveu clubes e federações, inclusive nas punições.

Parece que há um jogo de empurra quando a violência explode nos estádios. Afinal de contas, de quem é a responsabilidade? Até quando o Estado brasileiro será omisso em relação a tão grave problema?
Para um conjunto de causas haverá, claro, um conjunto de responsabilidades. Esse "jogo de empurra" não é exclusivo com os problemas do futebol. Governos, federações, clubes, dirigentes, torcedores, jogadores, treinadores, polícias, enfim, todos os envolvidos com o espetáculo do futebol. Afinal, nesses casos de violência, o futebol, como cultura popular e entretenimento coletivo, é a principal vítima desses vândalos, desses delinquentes. E a vítima, muitas vezes, sai como vilão. É preciso uma grande articulação entre variados grupos e setores sociais para construir um plano estratégico nacional. O futebol exige, a sociedade brasileira merece e a história cobrará.

Qual a responsabilidade dos clubes na violência nos estádios?

A responsabilidade dos clubes está, principalmente, na doação de ingressos para as torcidas organizadas, que usam isso como moeda de troca de favores e instrumento de poder. Esses ingressos, muitas vezes, vão parar nãos mãos de cambistas, verdadeiras quadrilhas que envolvem policiais e funcionários corruptos, além de grupos de torcedores violentos.

Como se explica a impunidade dos que cometem delitos nos estádios?

A impunidade é o pior de nossos problemas, porque além de ser um problema em si é fator multiplicador de outros problemas sociais, como a corrupção e a violência. Leis há, o que não há é a aplicação efetiva delas. Como disse um de nossos historiadores clássicos, o professor e escritor Capistrano de Abreu: "Se a mim fosse dado o direito de escrever a Constituição Brasileira, esta teria apenas um artigo — cumpram-se todas as leis existentes." Um delegado de Brasília reclamou que a polícia prende os que praticam atos de selvageria nos estádios e, no dia seguinte, os responsáveis são soltos porque há respaldo na legislação. Ser punido com uma cesta básica pela violência não é uma piada?

Falta uma legislação específica para punir ou falta usar a legislação que já existe?
Não é falta de legislação, mas falta de punição efetiva, de aplicação severa das leis, e o que falta também é a justiça levar os processos até as últimas consequências. Temos o Estatuto de Defesa do Torcedor, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei do Crime Organizado e a própria Constituição brasileira, que são instrumentos jurídicos para punir e prevenir esses grupos do crime organizado que se infiltram nas torcidas de futebol.

Os preços dos ingressos das novas arenas são salgadíssimos. O senhor acha que a elitização econômica do futebol banirá a violência dos estádios?
Os preços de fato são altíssimos e isso não banirá a violência dos estádios. Infelizmente, as nossas pesquisas provam que as práticas de violência são feitas por gente de todas as classes sociais, de renda e de escolaridade. Portanto, está perigosamente disseminada. Além disso, na atualidade, os crimes mais graves, os homicídios, acontecem fora dos estádios e não dentro das arenas esportivas. Só em 2013, até julho, já contabilizamos 13 mortes comprovadas de torcedores em consequência de conflitos entre esses grupos radicais das torcidas organizadas.

O estádio passou a ser um lugar ameaçador para as crianças, para as mulheres e para as famílias. O senhor acha que é importante a presença das famílias no sentido de uma luta pela pacificação dos estádios?
A presença das famílias é fundamental para repacificar os estádios e voltarmos, mais ou menos, como era antigamente. Está comprovado que a maior presença de mulheres, crianças e idosos ajuda a neutralizar os vândalos. Agora, é preciso que a polícia dê segurança às famílias, reprimindo e prevenindo os excessos e as transgressões.

Qual a importância da pacificação dos estádios no sentido de uma educação para a cidadania no Brasil?
O futebol é uma de nossas identidades coletivas e, por isso, tem um impacto simbólico imenso para a sociedade brasileira. A pacificação dos estádios e de suas áreas adjacentes pode ser um exemplo significativo para aquilo que é direito dos cidadãos e dever dos governos: a paz social. 

"O problema está em casa" [Mary del Priore] - Ângela Faria

Em seu novo livro de ensaios, Mary del Priore convida mulheres e homens para uma boa conversa e defende que está mais do que na hora de aprender com a história e deixar de lado o machismo 



Ângela Faria


Estado de Minas: 14/09/2013 


Mary não quer saber de
Mary não quer saber de "coitadismo" nem de mulheres que educam os homens como pequenos coronéis

a imperatriz Leopoldina à cantora paraense Gaby Amarantos, do torturante espartilho à ditadura da magreza. Nada escapa a Mary del Priore. A dor e a delícia de ser brasileira são temas do último livro da historiadora, que põe seu ofício no centro de uma franca – e oportuna – conversa não só com as mulheres, mas com homens, GLTBs, simpatizantes e afins.
Com seu texto inteligente, descontraído e acessível, Mary mostra o caminho percorrido pela imbecilitas sexus do Brasil colonial – equiparada pelas leis ibéricas às crianças e aos doentes – rumo ao pós-feminismo do século 21. São 513 anos de história.

Mary del Priore chacoalha zonas de conforto. Lança mão de uma prosa ancorada em muitos anos de pesquisa, simpaticamente embalada em certo quê de revista Cláudia. Ela mesma admite: aprendeu a escrever ao publicar artigos no caderno feminino do jornal O Estado de S. Paulo.

Liberação sexual, pílula, feminismo, conquista do mercado de trabalho e de postos de comando na política, sem dúvida, representam avanço emblemático. Mas há controvérsias: onde, mesmo, foi parar a tão decantada revolução do batom?.

O Brasil bate a marca dos 200 milhões de cidadãos. Desde 2010, o censo demográfico registra que o ex-sexo frágil é maioria no país. Mary del Priore adverte: “Nos últimos 20 anos, um nó de contradições marcou o papel das mulheres na sociedade brasileira. Assim como as desigualdades sociais, as disparidades entre os sexos se acumulam, multiplicando os benefícios deles em detrimento das carências delas”. Em casa, tarefas continuam compartilhadas desigualmente, “embora surjam zonas de negociação como o fogão e as compras”, registra ela.

A historiadora está convicta de que, em tempos de crise, a ameaça de desemprego é maior para as trabalhadoras. “A superioridade feminina é apenas numérica: mais mulheres chefiam famílias monoparentais, aceitam situações de subordinação e correm atrás do modelo de perfeição estética imposto pela mídia”, constata.

É aí que entra Gaby Amarantos e sua crítica ao “coitadismo”. Reclamar, dar-se à melancolia (que tanto atormentou nossa deprimida imperatriz Leopoldina) e pôr sempre a culpa “neles” são hábitos que podem muito bem servir para encobrir contradições. “O problema está em casa”, provoca a historiadora. Mães e esposas reforçam a hierarquização dos sexos em pequenos atos do cotidiano. Não são poucas as que mal disfarçam sentimentos masculinizados, agridem outras mulheres.

Que garoto arruma a sua cama ou lava a louça do almoço? A famosa toalha molhada em cima da cama transcende os maus hábitos. Que, aliás, não são monopólio deles. Mary puxa a orelha de mulheres que incentivam estereótipos sobre a ‘burrice feminina’, daquelas coniventes com a propaganda sexista e com a vulgaridade da mídia. “E não se incomodam que esse modelo encha a cabeça das filhas”, repreende. O “título” de cachorra virou elogio...

Resumindo: as próprias mulheres contribuem – e muito – para a desvalorização grosseira das conquistas femininas. Podem até ser maioria no censo, “mas falta-lhes um projeto, uma agenda que as tire da mesmice e as arranque da apatia”, alerta a autora de Histórias e conversas.... Ela não se furta a esmiuçar as armadilhas do pós-feminismo: “E se, por trás das aparências das liberdades conquistadas, muitas delas graças ao feminismo, novas formas de servidão tenham se imposto?”. Lembra a submissão das liberadas e independentes a regimes drásticos para caber no modelito nº 38, a desfiguração intencional das cirurgias plásticas, que alimenta o lucrativo “body business”, e a recusa em envelhecer.

O “cárcere” – simbólico ou não – ainda está aí. No Brasil colônia, sinhás trancadas na casa-grande e escravas na senzala, quando não na cama do patrão. No século 21, “as ocidentais têm outra prisão: a imagem”, defende a historiadora. “Os homens olham as mulheres. E as mulheres se olham ser olhadas”, alerta Mary, citando a escritora e feminista americana Naomi Wolf, que associa o culto da magreza à perpetuação da obediência feminina.

Cabeça branca A autora de Histórias e conversas de mulher dedica parte de suas páginas ao envelhecimento e denuncia a invisibilidade das idosas. O país das cabeças brancas – cuja população envelhece cada vez mais – não tem política para as avós. Mas elas estão lá: mão de obra preciosa, boa parte encarregada de cuidar e até de criar netos, filhos de pais trabalhadores ou ausentes.
Mary del Priore não joga conversa fora. É do ramo. Autora de 37 livros, publicou História das crianças no Brasil, História das mulheres no Brasil, História do corpo no Brasil, Histórias íntimas (fascinante ensaio sobre nossa sexualidade, de 1500 ao século 21). Estudou figuras importantes como a condessa de Barral, a avançada amante de dom Pedro II, e a marquesa de Santos, o (até hoje) execrado amor de dom Pedro I. Pôs preconceitos no seu devido lugar diante da história, assim como fez com Dilermando de Assis, pivô do trágico triângulo envolvendo o escritor Euclides da Cunha e Ana, sua esposa adúltera.

Atenta observadora tanto do Brasil das alcovas, sobradões e senzalas quanto das academias de ginástica e consultórios de cirurgia plástica, Mary põe a história a serviço das mulheres. Cabe a elas optar entre o “coitadismo” e a independência – de verdade.


HISTÓRIAS E CONVERSAS DE MULHER
• De Mary del Priore
• Editora Planeta
• 312 páginas, R$ 34,90




Vez dos  homens

Mary Del Priori e Marcia Amantino Ao lado de Marcia Amantino, Mary del Priore lança em breve História dos homens, pela Editora Unesp. A obra recria a trajetória do sexo masculino no Brasil a partir de vários ângulos, desde a masculinidade em si até seus estereótipos. As autoras procuram trazer à tona as variações da ideia que se tem do homem brasileiro, como as mudanças frente ao seu papel na família, no trabalho, na paternidade e sexualidade.

Epidemia da indiferença - Mozahir Salomão Bruck

Jovens negros e pobres vêm sendo dizimados no Brasil, com participação crescente nas estatísticas do mapa da violência. A sociedade brasileira é insensível a esse genocídio 


Mozahir Salomão Bruck


Estado de Minas: 14/09/2013 


Manifestantes denunciam assassinatos em favela do Rio de Janeiro     (Vanderlei Almeida/AFP)
Manifestantes denunciam assassinatos em favela do Rio de Janeiro


O diálogo, de tão nonsense, bem poderia ser a cena de um filme de David Lynch ou ter brotado de um sonho de Glauber Rocha. Mas não. Era real e transmitido pelo rádio. Com toda a rudeza do real com que o real, nessas situações, é construído. Um repórter policial, conhecido por sua postura inquisidora e tribunalista, entrevista dois adolescentes, de 13 e 14 anos. Ambos foram apreendidos depois de uma troca de tiros com outro jovem, que ficou gravemente ferido na disputa, ao que tudo indica, por um ponto de venda de drogas. Depois de fazer várias perguntas aos garotos sobre como eles conseguiram a arma para atirar no outro rapaz, o jornalista dispara:

Repórter – Qual a necessidade de um garoto de 13 anos comprar arma?
Menor 1 – Pra mim mesmo, né...
Repórter – Pra sua defesa?
Menor 1 – Pra minha legítima defesa, né...
Repórter – Você tá em guerra, tá jurado de morte?
Menor 2 – Tem nada a ver, não...                             

O repórter segue em sua entrevista. Ao final, pergunta para o adolescente de 13 anos o que ele espera da vida, depois de ter sido apreendido pela tentativa de assassinato. A resposta do garoto é instigantemente reveladora. Mesmo mergulhado em sua vida violenta e incerta, o menor tem a noção de que para jovens como ele o risco de não chegar à idade adulta é enorme.

Repórter – Você, que tem 13 anos, espera o que da vida?     
Menor – Ah, espero crescer, né... Ainda tô fazendo curso de informática aí... Ficar estudando aí, ficar de boa, né?

A leitura deste artigo, certamente, pode levar a percepções e reações bem distintas. E não é para menos. Se se fala, por um lado, sobre uma situação que deveria envergonhar a sociedade brasileira - o que poderia se chamar de genocídio de jovens negros no Brasil -, por outro lado refere-se a crueldades e tragédias que tomaram conta do cotidiano e vitimizaram milhares de pessoas em todo o país, com perdas de familiares em assaltos, arrombamentos, agressões desmotivadas. Violência cruel e descontrolada. Gratuita e sem arrependimento. Muitas vezes, impune. Ruptura de pactos de toda ordem. Banalização da vida. Banalização do mal que a ceifa.

A despeito dessas mazelas e crueldades tão reais e desmanteladoras de destinos, quando pensamos em termos coletivos no conjunto da sociedade, há uma tragédia se desenhando social e historicamente - sobre a qual a sociedade brasileira prefere silenciar: na guerrilha urbana do tráfico e dos crimes em geral, o país está perdendo gerações de jovens negros que não chegaram ou não chegarão à idade adulta. São dezenas de milhares. Chama a atenção o comparativo entre o número de jovens brancos e o de negros mortos em situação de violência. As estatísticas, reunidas no Mapa da Violência de 2013, organizado por Julio Jacobo Waiselfisz, chocam pelo abismo em que a sociedade brasileira é lançada quando se faz esse tipo de comparação.

México

Inicialmente, é importante destacar: o Brasil se tornou um país extremamente violento. Por ano, cerca de 50 mil pessoas morrem assassinadas. Com sua taxa de 27,4 homicídios por 100 mil habitantes, supera amplamente índices dos 12 países mais populosos do mundo. Só o México se aproxima: sua taxa foi de 22,1 homicídios por 100 mil pessoas. Nos 10 anos de estudos pelo Brasil, a equipe de Waiselfisz calcula em quase meio milhão os cidadãos vítimas de homicídio. A participação de jovens supera 60% (307.629). Tomando como referência 2011, na estratificação dessa vitimização por etnia, 71,4% dos mortos eram negros e 28,2% brancos - quase três para um. Essa proporção abismal vem se ampliando. Em 2002, a composição era de 41% de brancos para 58,6% de negros, dados válidos para todo o Brasil.    

Os dados acerca dos jovens assassinados são tão horríveis quanto os dados gerais, se não mais. Em 2002, a participação de jovens brancos no total de mortos era de 41%, o de negros chegava a 58,5%. Dez anos depois, essa diferença era de 33,8% para 65,8%. Se as setas demográficas apontam para um Brasil de faixas etárias prevalentes cada vez mais adultas, outro processo em curso preocupa: nossos adolescentes, especialmente os negros, estão ficando pelo caminho. Não se tornam adultos. Morrem brutalmente no trânsito ou em conflitos armados.

Como já se mostrou amplamente, a expectativa de vida dos adolescentes envolvidos com o tráfico e outros crimes é incrivelmente baixa. No xadrez da guerrilha urbana, são os peões da linha de frente, disponíveis para serem martirizados na guerra interna das drogas ou contra a polícia. Tanto faz. Não é à toa que o garoto de 13 anos tem como meta principal “crescer”, chegar à idade adulta. Não “cair” é vitória ímpar.

Recentemente, Átila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional no Brasil, alertou para o que chamou de “epidemia da indiferença” em relação à matança étnica de jovens negros no Brasil. O depoimento está no próprio Mapa. Em alguns estados, a desproporção no comparativo entre mortes de jovens brancos e negros é assustadora, revelando o abismo social em que pessoas brancas e negras vivem no país.

Alagoas

No Nordeste, os números são gravíssimos. Tome-se como exemplo Alagoas. A taxa de homicídios de jovens negros chega a 201,2 por grupos de 100 mil. Já a taxa de jovens brancos está em 15,5 por 100 mil (cerca de 13 vezes menor). Na Paraíba, a taxa de jovens negros por 100 mil assassinados (134,1) é cerca de 22 vezes maior que a de jovens brancos (6,3). A lógica dessa vetorização é facilmente perceptível. Quanto mais pobres as regiões, mais elevada a taxa de homicídios de jovens negros.    

Para o diretor executivo da Anistia Internacional, pode-se falar em “quase cumplicidade de grande parcela da sociedade com uma situação que deveria ser tratada como uma verdadeira calamidade social”. Ele aponta a “naturalização da violência” e o grau assustador de complacência do Estado em relação a essa tragédia: “É como se estivéssemos dizendo, como sociedade e governo, que o destino desses jovens já estava traçado”.

Mozahir Salomão Bruck é professor de jornalismo da PUC Minas e pesquisa os efeitos do crack na sociedade brasileira

“Quando você for convidado pra subir no adro
Da Fundação
Casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados,
quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos
e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros
quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos
pobres como pretos
Como é que pretos,
pobres e mulatos
E quase brancos
quase pretos
de tão pobres são tratados”

Haiti, de Caetano Veloso e Gilberto Gil
    

O HAITI É AQUI


50 mil
pessoas assassinadas por ano no Brasil

65,8%
dos jovens assassinados em 2012 eram negros

33,8%
dos jovens assassinados em 2012 eram brancos

Das imoralidades da alma - André di Bernardi Batista Mendes

Carlos de Brito e Mello mostra com seu novo romance, A cidade, o inquisidor e os ordinários, que é um dos mais instigantes escritores brasileiros contemporâneos 


André di Bernardi Batista Mendes

Estado de Minas: 14/09/2013 


Revelado com o livro de contos O cadáver ri dos seus despojos, Carlos de Brito e Mello estreou no romance com o premiado A passagem tensa dos corpos       (Cristina Horta/EM/D.A Press)
Revelado com o livro de contos O cadáver ri dos seus despojos, Carlos de Brito e Mello estreou no romance com o premiado A passagem tensa dos corpos


A Companhia das Letras acaba de lançar A cidade, o inquisidor e os ordinários, do mineiro Carlos de Brito e Mello. Depois de ganhar um dos mais importantes prêmios literários do país, Carlos volta ao romance e prova que é um dos mais interessantes escritores da atualidade. Existe um cinismo imoral, arbitrário, que ampara, que acompanha a urgência do discurso de A cidade, o inquisidor e os ordinários. Todos, do Bobo ao Decoroso, do Olheirento ao Versificador, são cínicos. Eles às vezes sabem, às vezes não sabem de sua escolhas, dessa condição peculiar, perigosa para todas as instâncias e patentes. Carlos de Brito coloca uma pequena pedra, quase invisível, mas relevante, na boa consciência e nos modos.

O livro de Carlos nos leva a pensar, mas, melhor do que isso, ele incomoda. O escritor, delicadamente, aponta um dedo inconveniente. A sua fala é imprópria e chega a ser indecorosa, pois fulmina, atiça um vespeiro. Carlos aponta sua metralhadora e atira em Deus, nas patrulhas, nos carrascos, nas vítimas. Carlos monta uma rede de intrigas que revela o óbvio: somos todos, sem remissão, carrascos e vítimas.

O autor de A cidade, o inquisidor e os ordinários não propõe nenhuma espécie de dissolução, pois ele sabe que é apenas uma questão de tempo. Ocaso não é uma palavra fútil, muito menos de fácil aceitação. Carlos de Brito apenas escreve sobre o cotidiano, sobre o que acontece nos bares, nos lares, nas praças. Carlos de Brito é um daqueles raros escritores que escrevem sem máscaras. Ele é apenas ele, que revela um todo feito de nós e sombras.

As ideias de Carlos evoluem numa gangorra que produz vertigem. Sua montanha-russa não acaba, até o fim das quase 500 páginas do livro. O problema é que o leitor embarca num processo de identificação, numa ciranda, numa engrenagem suja de desconcertos. Sou a vizinha, sou a amada, sou o esposo e os filhos da amada, sou o impostor, sou o olheirento e o apregoador. Somos, quase sempre, como os andarilhos do romance:

“Levantemos?
E comecemos a andar.
Para tentar, de novo, sair desta cidade.
Você acha que vamos conseguir?
Nunca achei outra coisa.
Se não conseguirmos desta vez, que seja da próxima.
O quanto antes, o quanto antes.”

Tendência ao precário

Carlos de Brito é o melhor espião, é o mais qualificado soldado. O escritor planta com suas ideias, com suas tramas de espinhos, uma espécie de constrangimento. Não é por acaso que construímos prédios com paredes tão finas. Não é por acaso que confabulamos, trocamos ideias, serelepes e faceiros. Por isso somos, antes de tudo, curiosos. A grama do vizinho cresce na mesma proporção de todos os jardins? O fluxo do pensamento de Carlos de Brito segue um rumo feito de turbilhão e lucidez. Não existem limites quando corre um rio de águas livres. Carlos de Brito não tira leite, não floreia de flores; ele, apenas, fala das pedras. Carlos, em seu livro, mostra que é preciso corrigir as almas. Mas é preciso (será possível) corrigir o que não tem remédio? Não é possível corrigir a imperfeita trajetória dos galhos de uma árvore. Cada aresta, cada canto tem um propósito. Vem da nossa breve natureza esse gosto, esta nossa tendência para o precário. Todas as contendas, todo litígio merece atenção especial.

Decoro é uma palavra cheia de sombras. A dignidade de um cão é e não é a mesma que rege a nossa conduta humana. A postura de um homem revela, ou muito esconde? A moral é uma espécie de barco que possui uma bússola estranha, quase indecifrável. “Eu rezaria mais frequentemente e com mais crédito por um Deus ora colérico ora bondoso que nos servisse como certeira medida do bem, cujo Verbo fosse ainda capaz de gerar o espaço, de calcular o tempo, de ordenar a matéria, de fecundar as santíssimas, de inspirar os profetas, de castigar os patetas. Mas vejam só o que temos: cômodos com paredes rebocadas, ruas estreitas; relógios atrasados; nuvens gastas e amarelas, lagoa parada, minério pobre; santas carentes, profetas descrentes, patetas à larga. Rogaram-nos praga? Somos a praga”, disse o Decoroso.

A redenção pode vir, se é que virá, dos lugares mais insuspeitos. A natureza, neutra, cumpre suas trajetórias de sol e lua, de lua e sol, de acordo com meras contingências sempre naturalmente naturais. Sabem os bichos, sabem de cor alguns poucos viventes, talvez os mais apalermados viventes. Os homens constroem engrenagens e esse mesmo mecanismo edifica o próprio homem. Esse processo é feito de azáfama e atropelo. Montamos e desmontamos, de acordo com eventualidades, uma ciranda, um carrossel feito de remorso, medo e incerteza. Carlos tenta, com redobrada atenção e talento, revelar esta dinâmica ao embarcar nesse movimento circular.

A cidade do título pode ser qualquer cidade. Os ordinários existem na China, na Síria, em Nova York. “No que se agarra o condenado? Agarra-se à sua própria culpa. É ela que o mantém dependurado, dolorido e sofrente. Mas é por concordar em senti-la que o bobo se resguarda de desaparecer na queda, salvando-se a todo e cada instante em que continuar agarrado à sua pena”, disse o Apregoador. “É sempre surpreendente ver como se acalma um homem cuja soberania foi suprimida por um regulamento”, sintetiza o Olheirento. Mas, “para viver junto, vale mais o embuste ou franqueza?”, questiona a Impostora, e continua: “Quem, obcecado, procura pela verdade não é com uma impostora que vai encontrá-la, donde se tira que não existe melhor disfarce para o verdadeiro que a impostura”. Carlos de Brito articula um jogo de palavras que induz, que joga uns contra os outros. No livro, a cada condenação corresponde uma aventura peculiar, a cada susto desanda um ciclo de coisas.

Bem e mal

Quais são as normas do bem viver? Um padre diria enormidades de um paraíso; um delegado indicaria a lei; uma criança comeria chocolates. Carlos Brito fala de tristezas, de apatias, de boçalidades, de penas e juízos. Maus e bons, o bem e o mal, Carlos de Brito divaga sobre códigos e nomes. “A voz da lei ecoa pela cidade.” E mais: “Um condenado por bobeira não deve mais usar o seu nome próprio. Um condenado por bobeira fica reduzido a bobo”. É preciso manter o prumo, é preciso altas doses de entendimento e paciência. É preciso, acima de tudo, combater a apatia, a perda de ânimo, o embotamento intelectual. “A bobeira guarda parentesco com o antigo pecado da acídia”, que é preguiça, ou melancolia profunda.

É, e não é, como diz O Apregoador: “Os velhos pecados perderam a graça, e nós, os desgraçados, fomos obrigados a abaixar os olhos do céu. Agora, em nossos horizontes nada belos, a aurora e o poente ficam encobertos pela pachorra do vizinho”.

Carlos de Brito é, mal comparando, aquele louco da aldeia. Suas parábolas, suas analogias, seu discurso, solene e prolongado, despreza público e assistência. Carlos de Brito, num processo de colagem, monta um prisma, um calidoscópio feito de raiva e sarcasmo. Carlos de Brito não é casto, não se abstém dos prazeres, pois escreve, também, com ironia, uma das melhores facas. Carlos deixa pistas sobre as táticas usadas pelo inimigo. Algo risível: é impossível identificá-lo. Carlos Brito nos empresta uma espécie de mandato de busca e apreensão. Mas não há crime (quem é o vilão da história?), pois tudo prescreve, no tempo e na hora incerta. Carlos de Brito tece um ponto sem nó.

Carlos é dono de uma inteligência propícia. Contra interdições, sua literatura desconcerta, desconecta, questiona, com sabor e perspicácia, todos os elementos variáveis que entram na elaboração do conjunto de tramas sociais. Daria um bom filme o livro de Carlos de Brito. No entanto, um pouco Almodóvar, um pouco Fellini, ainda não nasceu um diretor que dê conta de um estilo tão estranho, ainda não surgiu uma alma capaz de traduzir em imagens um roteiro tão bem montado feito de descalabros, quedas e ruínas. Não existem parâmetros, mas tem, também, muito do teatro a estrutura do romance de Carlos de Brito.

Carlos de Brito aponta: é preciso atenção, é preciso respeitar as medidas. Vamos às compras, ficamos bonitos, esperamos, na feira, no mercado, fuxicamos e, solícitos, esperamos, sóbrios, por aquele bode que virá. Carlos de Brito e Mello tem uma cabeça boa. Que continue, então, o seu périplo de percalços.

O escritor nasceu em Belo Horizonte, é mestre em comunicação social, professor e psicanalista. Estreou em 2007 com os contos de O cadáver ri dos seus despojos (Scriptum). Foi vencedor, em 2008, do Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura, na categoria jovem escritor mineiro. A passagem tensa dos corpos (Companhia das Letras, 2009) foi um dos romances finalistas dos prêmios São Paulo de Literatura, Portugal Telecom e Jabuti.



A cidade, o inquisidor e os ordinários

De Carlos de Brito e Mello
Editora Companhia das Letras, 472, R$ 49,50

Tv Paga


Estado de Minas: 14/09/2013 



 (Disney/Pixar/Divulgação)

Menina superpoderosa


Kate Hudson é uma graça, Ginnifer Goodwin não fica atrás e John Krasinski tem lá suas qualidades, mas o triângulo amoroso que eles formam em O noivo da minha melhor amiga, em cartaz na HBO, não deve fazer frente à estreia de Valente, no Telecine Premium. Os dois filmes vão ao ar às 22h, mas com vantagem para este último pela sua originalidade, um longa de animação muito benfeito, narrando a aventura da destemida princesa Merida (foto), que desafia os antigos costumes ao traçar seu próprio destino.

Ação, drama e humor
no pacotão de cinema


Passada a sexta-feira 13 sem maiores sobressaltos, a hora é de relaxar. O Telecine Fun faz a sua parte com uma sessão especial que vai ao ar às 15h15, emendando os filmes Querida, encolhi as crianças; Querida, estiquei o bebê (16h55), e Querida, encolhi a gente (18h30). O Megapix prefere algo com mais ação, começando com Código de conduta (19h55) e seguindo adiante com 12 rounds (22h) e O fim da escuridão (0h05). O Cine conhecimento do Futura reservou para hoje, às 22h, o filme O preço da paz, de Paulo Morelli, com Herson Capri e Lima Duarte, contando a história do barão do Serro Azul. Também às 22h, o Canal Brasil exibe Se nada mais der certo, de José Eduardo Belmonte, com Leandra leal e Cauã Reymond. Na mesma faixa das 22h, o assinante tem mais seis opções: No olho da rua, na HBO Signature; A mulher de preto, no Max Prime; Tráfico de órgãos, no Telecine Action; A última noite, no Telecine Cult; 10.000 a.C., no Space; e Idas e vindas do amor, na Warner. Outras atrações da programação: Desventuras em série, às 20h, no Universal, e O clube dos corações, às 21h, no Comedy Central.

Michael Vartan estrela
nova minissérie do A&E


Estreia hoje, às 20h, no canal A&E, a minissérie Ring of fire, e com um detalhe importante: serão exibidos em sequência os dois primeiro episódios da trama, que narra o drama de um geólogo cujo trabalho pode colocar milhares de vidas em risco. No elenco, Michael Vartan, da série Alias e de A sogra, longa com Jennifer Lopez e Jane Fonda, e Terry O´Quinn, de Lost.

Documentário do GNT
mostra ação nas favelas


O canal GNT reprisa hoje, às 22h, o documentário UPP: favela e polícia face a face, de Sérgio Bloch. A produção registra a criação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), que têm como objetivo proporcionar uma nova perspectiva às favelas do Rio de Janeiro, mesmo tendo virado alvo de desconfiança por parte da população. O filme apresenta policiais e moradores que trabalham juntos em projetos sociais para reestruturar os morros cariocas.

Muitas alternativas na
programação musical


No pacotão musical, o destaque é obviamente a transmissão ao vivo do Rock in Rio pelo canal Multishow, a partir das 14h30. Na Cultura, mais três atrações bacanas: o veterano rapper Tio Fresh no programa Manos e minas, às 17h; a banda Vanguart em Censura livre, às 18h; e Marcelo Camelo no Ensaio, às 22h45. No Viva, o seriado Antônia começa a ser reprisado na faixa das 22h30.

Inhotim - Cenário em mutação‏ - Sérgio Rodrigo Reis

Inhotim começa processo de substituição temporária de obras de seu acervo em várias galerias do espaço. Os destaques são novos trabalhos de Marcius Galan e Luiz Zerbini 


Sérgio Rodrigo Reis

Estado de Minas: 14/09/2013 


Pinturas de grandes dimensões de Luiz Zerbini jogam com cores fortes, efeitos óticos e grafismos (Beto Novaes/EM/D.A Press)
Pinturas de grandes dimensões de Luiz Zerbini jogam com cores fortes, efeitos óticos e grafismos

O artista plástico paulista Marcius Galan usou um artifício aparentemente simples para criar uma das instalações mais instigantes de Inhotim, em Brumadinho. Ao entrar numa sala, o espectador tem a sensação de olhar diante de um vidro e ver a imagem ao fundo. Só que, neste caso, não há vidro. O que existe é um jogo entre pintura e iluminação. O novo trabalho que ele acaba de instalar numa das galerias do centro de arte também lança mão de recursos capazes de intrigar o espectador. A instalação é uma das novidades preparadas para renovar, em outubro, o espaço dedicado à arte contemporânea no interior de Minas.

A obra de Marcius Galan integra a maior troca de exposições temporárias do Inhotim, que vai ocorrer nas galerias Mata, Praça, Lago e Fonte a partir deste mês, estendendo-se até 24 de outubro. Ao contrário dos anos anteriores, desta vez não haverá inauguração de novos pavilhões, mas ocupação dos já existentes com novas obras que integram o acervo do Inhotim. A situação só deve voltar a ocorrer daqui a um ano, com a abertura ao público de espaços dedicados à site specifcs – instalações feitas exclusivas para o lugar –, de artistas plásticos de trajetória internacional, como o indiano Anish Kapoor, a suíça radicada no Brasil Cláudia Andujar, e o dinamarquês Olafur Eliasson.

Mesmo com impacto menor em relação às inaugurações anteriores – por não ter ocorrido construção de pavilhões, mas reaproveitamento dos existentes –, a visita ao lugar continua impressionando pela capacidade de mutação do espaço. Logo na entrada, o visitante acostumado a ir ao museu em Brumadinho vai se deparar com a ampliação dos jardins e, em seguida, encontrará a emblemática Imóvel/Instável, obra que Marcius Galan se dedica a remontar em Minas.

Apresentada originalmente na galeria paulistana Luisa Strina, a instalação foi adquirida há algum tempo e, no início do ano, iniciaram as conversações para ser finalmente remontada. “O mais legal de estar aqui é saber que o trabalho será visto todo dia por um número grande de pessoas”, comemora.

O artista Marcius Galan monta seu novo trabalho no museu. Imóvel/Instável, É um móbile que trabalha com equilíbrio de pesos variados (Beto Novaes/EM/D.A Press)
O artista Marcius Galan monta seu novo trabalho no museu. Imóvel/Instável, É um móbile que trabalha com equilíbrio de pesos variados

MÓBILES A instalação do artista, nascido nos Estados Unidos e residente desde a infância no Brasil, em Bauru, interior de São Paulo, segundo ele, é “menos midiática” em comparação a outra assinada por ele em Inhotim. A ideia surgiu inspirada nos móbiles do americano Alexander Calder (1898-1976), criador de esculturas que se movimentam no ar.

Na versão de Galan ocorre o inverso: aparece estática, sustentando tocos de madeiras suspensos, presos por fios do teto ao chão graças a um complexo jogo de pesos que partem de 300 quilos e terminam se equilibrando a uma moeda de R$ 0,10. “São pesos, cabos e ripas de madeira que vão dobrando de tamanho na mesma proporção, dando forma a uma estrutura arquitetônica estável. A função da estrutura é equilibrar a última peça, que é a moeda”, explica.

O trabalho permite leituras para além do aspecto visual. Para o artista, a obra é metáfora de momento de plena crise econômica que assolou os mercados mundiais, quando o Brasil parecia viver movimento favorável de desenvolvimento, ao mesmo tempo em que mantinha a estrutura social e econômica bastante desigual.

“A obra e a reflexão vieram juntas”, explica. Mas não é nada que se perceba de imediato. “Quando idealizo um trabalho, ele acaba trazendo indícios do que pensei. Mas não espero do público a minha leitura. Na realidade, a obra possibilita variadas percepções.” A estratégia é algo que, como espectador, Galan busca em exposições. “Ao entrar em contato com algum trabalho plástico que me intriga, começo a ler mais sobre o artista e depois passo a ver as criações anteriores”, conclui.

INHOTIM


O museu de arte contemporânea de Brumadinho oferece conjunto de obras de arte  expostas a céu aberto ou em galerias temporárias e permanentes, situadas dentro de um jardim botânico. Abre de terça a sexta-feira, das 9h30 às 16h30. Aos sábados, domingos e feriados, das 9h30 às 17h30. Ingressos (inteira) de R$ 20 a R$ 28. Informações: (31) 3571-9700 e info@inhotim.org.br.


Hora da mudança

Seção diagonal, obra de Galan exposta em Inhotim: desafio à percepção (Edouard Fraipont/Divulgação)
Seção diagonal, obra de Galan exposta em Inhotim: desafio à percepção



Inhotim inaugura até 24 de outubro, com a presença de críticos, jornalistas e convidados, as novas exposições temporárias. A Galeria Fonte será renovada com obras de Alexandre da Cunha, Gabriel Orozco, Geraldo de Barros, Jiro Takamatsu, Jorge Macchi, Tacita Dean, Mauro Restiffe, Damián Ortega, Sara Ramo, Robert Morris, Hitoshi Nomura, Rivane Neuenschwander, João Maria Gusmão e Pedro Paiva.

Já a Galeria Praça será ocupada pela instalação de Marcius Galan e pelas pinturas de Luiz Zerbini, um dos pontos fortes desse processo de renovação. Suas pinturas, inspiram-se ora em grafismos e seus efeitos óticos, ora em pinturas realistas de paisagens naturais. Há ainda, na Galeria Mata, trabalhos de Juan Araújo e Babette Mangolfe e, por fim, na Galeria Lago, criações assinadas por Marepe. 

Mais crédito para Darwin - Vilhena Soares

Estudo australiano conclui que teoria da evolução é compatível com a explosão de vida ocorrida no Período Cambriano, há 530 milhões de anos 



Vilhena Soares


Estado de Minas: 14/09/2013




Caranguejo, um exemplo de artrópode, grupo animal que mais cresceu durante a chamada explosão cambriana (Jorge Silva/Reuters)
Caranguejo, um exemplo de artrópode, grupo animal que mais cresceu durante a chamada explosão cambriana

A teoria da evolução, elaborada por Charles Darwin no fim do século 19, defende que os animais encontrados hoje na Terra são resultado de um processo gradual de mudanças ocorridas em espécies mais antigas — alterações que ajudaram os seres a se adaptar às novas condições que foram surgindo, permitindo que seus grupos continuassem a existir. Apesar de amplamente aceitas, as ideias de Darwin pareciam, de acordo com alguns especialistas, ameaçadas por um período conhecido como explosão cambriana, ocorrido entre 490 milhões e 543 milhões de anos atrás e no qual um número muito grande de espécies surgiu no planeta.

O processo lento e gradual de evolução elaborado pelo naturalista britânico não parecia compatível com essa espécie de big bang da vida do Período Cambriano. Agora, no entanto, um estudo australiano afirma que a evolução como pensada por Darwin pode sim levar a momentos em que muitas formas de vida surgem de uma vez. No artigo, publicado na edição desta semana da revista especializada Current Biology, os cientistas analisam espécies de artrópodes e as mudanças que elas sofreram durante ao longo do tempo. A conclusão é de que a morfologia e os genes desses bichos evoluíram cinco vezes mais durante a explosão cambriana, velocidade considerada rápida, mas ainda assim compatível com a teoria.


Com a ajuda de registros fósseis e métodos de análise molecular, a equipe do biólogo evolucionista da Universidade de Adelaide Michael Lee analisou as diferenças anatômicas e genéticas de artrópodes vivos para determinar as taxas evolutivas do passado. “Os artrópodes são animais com exoesqueletos rígidos e pernas articuladas, tais como insetos, caranguejos, escorpiões e aranhas. Eles foram o grupo mais diverso durante a explosão cambriana e ainda são o grupo dominante atualmente”, explica Lee. “Por conta disso, os padrões evolutivos encontrados em artrópodes, muito provavelmente, se aplicam a todos os animais”, justifica.


Segundo Lee, os resultados tiram o argumento de quem prega que a evolução há cerca de 530 milhões de anos foi demasiadamente acelerada. “Nossos resultados mostram que a evolução aconteceu de modo moderadamente acelerado, que sustentado ao longo de algumas dezenas de milhões de anos, poderia ter produzido esse padrão”, destaca Lee.

Validação A professora do Laboratório de Biologia Evolutiva da Universidade de Brasília (UnB) Rosana Tidon, que não participou do estudo, diz que a pesquisa ajuda a validar ainda mais a teoria de Darwin. “Os mecanismos evolutivos que promoveram a explosão cambriana são os mesmos mecanismos darwinistas atuantes nos outros períodos (seleção natural atuando sobre variação biológica). A diferença é que essas mudanças foram intensificadas durante o Período Cambriano”, destaca a pesquisadora. “ Dessa forma, podemos explicar a explosão cambriana sob uma perspectiva darwinista. Não precisamos mais predizer que essa explosão foi o cume de um processo que se iniciou muito antes nem precisamos acionar mecanismos evolutivos desconhecidos para explicar a explosão. Esse trabalho suporta a teoria evolutiva de Darwin”, afirma a especialista. 


Lee acredita que o estudo fornece uma nova visão a uma teoria antiga, sem se basear unicamente nos registros fósseis. “Essa descoberta representa uma nova forma de compreender a história e a evolução da vida na Terra, que usa informações bastante independentes do registro fóssil”, detalha. Para Tidon, da UnB, a aceleração constatada pelos cientistas deverá ser o foco de próximos estudos. “Fiquei pensando sobre possíveis razões que pudessem explicar essa aceleração nas taxas de mudanças. Os autores não falam sobre isso, mas certamente essa questão será objeto de pesquisas futuras”, acrescenta.

Migração prevista

Pesquisadores da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, acreditam ser possível usar a temperatura dos oceanos para prever os locais para onde os animais marinhos migrarão, o que pode ajudar a melhorar as políticas de preservação. Em um estudo publicado na revista Science, os especialistas observaram o comportamento de diversas espécies durante mudanças de temperatura ocorridas nas últimas décadas no litoral da América do Norte. Constatou-se, então, que os bichos mantiveram-se fieis a suas temperaturas preferenciais.
O biólogo Malin Pinsky, um dos autores do artigo, conta que o trabalho analisou o maior número possível de variações climáticas ao longo de quatro décadas. “Nós comparamos os movimentos de animais marinhos em 360 variações de temperatura. Descobrimos que as espécies responderam às mudanças de uma forma surpreendentemente previsível: eles seguiram suas temperaturas ‘preferidas’, cruzando o espaço marinho”, destaca o pesquisador. 


De acordo com Pinsky, o trabalho mostra que pequenas mudanças climáticas, em locais distintos dentro de um grande território, também interferem na migração dos animais. “Nossa descoberta também sugere que as principais populações de peixes que alimentam o mundo estão deixando as águas tradicionais do oceano. Isso significa que tanto podem ser necessárias medidas de conservação como reservas marinhas em novos lugares. E que as reservas existentes podem, no futuro, proteger diferentes tipos de peixe do que tínhamos inicialmente previsto”, destaca. 


Igor Schneider, biólogo e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), explica a importância da descoberta. “O aparentemente aleatório padrão de migração das espécies pode ser explicado e, portanto, previsto quando se leva em consideração a variação da velocidade da mudança climática em diferentes áreas”, diz. “Isso é importante, pois nos permite algo impossível anteriormente: prever o comportamento migratório de espécies de interesse para conservação ou de importância comercial dada uma mudança climática”, complementa. (VS)

GIRO » Científico‏


Estado de Minas: 14/09/2013 

Tesouro bizantino em Jerusalém

Arqueólogos israelenses descobriram um tesouro bizantino na cidade velha de Jerusalém. Foram encontradas 36 peças de ouro, um medalhão em ouro com um candelabro judaico entallhado, além de várias joias em ouro e prata. “É uma descoberta impressionante que só acontece uma vez na vida”, resumiu Eilat Mazar, que coordenou as escavações. O tesouro foi localizado a 50 metros do muro sul da Esplanada das Mesquitas, que muitos judeus chamam de Monte do Templo e veneram como local de templos judaicos dos reis Salomão e Herodes. Eilat Mazar acredita que as peças tenham sido “abandonadas no contexto da conquista persa de Jerusalém em 614”. Segundo ela, as escavações naquela área tornaram possível encontrar vários objetos da época do templo de Salomão, destruído pelos babilônios em 586 antes de Cristo, segundo a tradição judaica. Mas descobertas que datam do século VII depois de Cristo são completamente inesperadas.


O que faz um bom pai?

Homens com testículos menores seriam mais paternais, mostrando-se mais atenciosos e participativos nos cuidados com os filhos pequenos do que os dotados de glândulas sexuais mais volumosas, afirmaram antropólogos americanos em um estudo publicado na revista Pnas. Os cientistas ressaltaram, contudo, que vários fatores econômicos, sociais e culturais também podem influenciar o engajamento dos homens. A pesquisa foi feita com 70 pais biológicos com idades entre 21 e 55 anos, que tinham um filho entre 1 e 2 anos e viviam com a mãe da criança. O casal respondeu separadamente a um questionário sobre o envolvimento do pai nos cuidados da criança. Os cientistas também determinaram os níveis de testosterona dos participantes e os submeteram a exames de ressonância magnética para medir sua atividade cerebral enquanto viam fotos do próprio filho. Enfim, eles mediram o volume testicular dos pais também por ressonância magnética. “Nosso estudo é o primeiro dedicado a saber se a anatomia humana e as funções do cérebro podem explicar a variação de instinto paternal”, disse Jennifer Mascaro, principal autora.

Teia de aranha super- resistente

Cientistas dos Estados Unidos cobriram uma teia de aranha com nanotubos de carbono, criando uma fibra que não apenas é superforte, mas também conduz eletricidade. A nova linha é três vezes mais forte do que a teia de aranha sem tratamento, que já é uma das substâncias mais resistentes da natureza, indicaram. A primeira aplicação possível seria para dispositivos médicos em nanoescala. Em testes, os protótipos foram usados como um monitor cardíaco ou um êmbolo capaz de erguer uma carga relativamente grande, de 35mg, usando corrente elétrica e umidade para fazer o fio se contrair como um músculo. O estudo, publicado na revista científica Nature Communications, foi conduzido por Eden Steven, do Laboratório Nacional de Alto Campo Magnético em Tallahassee, Flórida.

O túmulo da poderosa chinesa

Durante escavações nas proximidades do aeroporto de Xianyang, no norte da província de Shaanxi, arqueólogos descobriram a tumba de Shangguan Wan'er, considerada uma das mulheres mais poderosas da história da China clássica. Shangguan Wan'er viveu entre 664 e 710, durante a dinastia Tang. Ela era casada com o filho da primeira imperatriz chinesa, Wu Zetian, de quem também foi uma das conselheiras mais próximas. Ao mesmo tempo, mantinha um romance com o amante e o sobrinho de Wu Zetian. O marido de Shangguan Wan'er, o príncipe Li Xian, chegou a ser imperador por um breve período, mas acabou assassinado pela primeira mulher, Li Longji, que se apoderou do trono e mandou executá-lo, bem como a rival. Li Longji governou a China durante 43 anos sob o nome de Tang Xuanzong. Na tumba não foi encontrado nenhum objeto de ouro ou prata, nem ossos completos.

Japão quer entender tremores

Numa nova tentativa de determinar a origem dos terremotos, um equipe de sismólogos iniciou ontem uma missão de quatro meses na costa do Japão. Cientistas embarcaram no navio especializado Chikyu (Terra, em português), levando equipamentos de satélites e uma torre de perfuração de 121 metros que pode escavar 7 mil metros abaixo do fundo do mar. O barco zarpou do porto de Shimizu, no centro do país, e retomará, a 80km da costa japonesa. O trabalho de perfuração foi iniciado em 2007 e prossegue regularmente desde então sob o Oceano Pacífico. O objetivo é alcançar a Falha de Nankai, também chamada de Falha do Mar do Sul. A intensa atividade geológica nessa área pode provocar a longo prazo um terremoto potencialmente devastador, maior que o de magnitude 9 registrado em 11 de março de 2011. O Japão é alvo de 20% dos principais terremotos mundiais.

EDUARDO ALMEIDA REIS-Jornais‏

Mexendo com veículos impressos há quase meio século, tenho ideias que me permito dividir com o caro e preclaro leitor 


Estado de Mnas: 14/09/2013 

Warren Edward Buffett nasceu em Omaha, Nebraska, Estados Unidos, em 30 de agosto de 1930, tem 1,78 m, três filhos, está no segundo casamento, dirige seu carro e mora há muitos anos na mesma casa, considerada modesta pelos padrões dos americanos ricos. Oitentão, continua lúcido e bem-humorado.

Já foi a 2ª maior fortuna do mundo, mas hoje caiu para o 4º lugar com educados 53,5 bilhões de dólares, atrás de Carlos Slim Helú, Bill Gates e do espanhol Amancio Ortega. Em 5º lugar, com 43 bilhões de dólares, vem o americano Larry Ellison, dono da Oracle Corporation, empresa que achou alto o preço que pedi para fazer palestra num almoço que promoveu em Belo Horizonte. Fiquei sem os cobres e a Oracle sem a minha verve. Acabo de ver no Google a foto colorida de Larry Ellison: impressiona muito mal.

Warren Edward Buffett (tinha de ser Edward...) desandou a comprar jornais pelos Estados Unidos, já adquiriu uma porção e ainda não investiu 400 milhões dos seus 53,5 bilhões de dólares. Acredita no futuro do jornal impresso cobrindo fatos regionais, de mesmo passo em que julga problemático o futuro dos jornais de abrangência nacional, como o New York Times. Depois dele, Jeff Bezos, da Amazon, um dos 20 mais ricos do mundo, comprou The Washington Post.

Mexendo com veículos impressos há quase meio século, tenho ideias que me permito dividir com o caro e preclaro leitor. Realmente, jornal de abrangência nacional só em Belize ou em Brunei, pouco maiores que o Haiti e Vanuatu. Qualquer jornal que pretenda cobrir países inteiros terá problemas seriíssimos de circulação, mesmo que rode as edições em diversos pontos do território. Que interesse tem para o sul-rio-grandense saber de uma cheia na Ilha de Marajó? E o interesse para o amazonense, lutando para salvar das águas os seus pertences, pelo noticiário da maior seca dos últimos 50 anos no Nordeste?

Além disso, como “noticiar” algo que todo mundo já soube pela internet, pela tevê, pelo rádio? No meu modesto entendimento de philosopho, que nunca foi tão modesto assim, entendo que o futuro do jornal impresso está no leque de opiniões, na interpretação dos fatos por uma equipe que tenha algo para dizer e saiba como dizê-lo: equipe própria, sem essa de ficar comprando colunas de cronistas e articulistas de outros jornais. Morando em BH, assinei cinco jornais e três deles traziam os mesmos colunistas.

Acontece tanta coisa, que o sujeito fica maluco antes de entender a milionésima parte daquilo que é veiculado diariamente. O noticiário da televisão não dispõe de tempo para opinar sobre tantos assuntos, análise que também não congemina com a “filosofia” das rádios. Portanto, compete ao jornal impresso opinar, palpitar, philosophar, esmiuçar, comparar diversos assuntos, tendo o cuidado, sempre que possível, de abranger o tema pelas ópticas mais divertidas, menos carrancudas. Em matéria de caras feias, já nos bastam as senhoras que fazem política nesta república assaz tropical.

Turismo
Não sei se também acontece com o leitor, mas me imagino exercendo certas funções, como por exemplo: repórter de um caderno de turismo, a começar pelo fato de não gostar de viajar. Viajei muito a trabalho e num caderno de turismo estaria trabalhando. Se viajasse a convite voltaria mudo, porque seria difícil que tudo corresse a contento e não seria educado meter o pau na empresa e no “destino” para o qual fui convidado. Gosto muito do substantivo “destino” na acepção, usada pelos turismólogos, de local aonde alguém vai. Não deixa de ser curiosa outra acepção de destino, regionalismo brasileiro, sinônimo de desatino.

Minhas filhas vivem fazendo desatinos turísticos do tipo andar de balão na Capadócia, com a temperatura em voo de 15 graus negativos, e passar o Natal na costa oeste dos EUA, fronteira com o Canadá, em cabanas de troncos de madeira, sem banheiros, com centenas de ursos negros passeando pela neve do entorno.

Implico solenemente com as viagens turísticas em que tudo é maravilhoso. Tais viagens existem ou são os repórteres que adoram viajar? Há escritores que viajam e aprontam livros notáveis, como Axel Munthe em O livro de San Michele, Eça de Queirós em De Port-Said ao Suez e Peter Mayle em Um ano da Provence, mas é difícil encontrar textos e talentos como o de Mayle, do psiquiatra Munthe e do Eça. Enquanto ao mais, sugiro que o Alfredo Durães descole poltrona de primeira classe para o seu amigo passar um mês em Paris com diárias de 700 dólares e hotel cinco estrelas: prometo elogiar a estada.

O mundo é uma bola
14 de setembro de 1752: o Império Britânico adota o calendário gregoriano saltando 11 dias – o dia anterior foi 2 de setembro. Em 1812, as tropas de Napoleão invadem Moscou. Em 1917, a Rússia é oficialmente declarada uma República. Em 1956, Marilyn Monroe tem sua saia levantada pelo vento do metrô no filme O pecado mora ao lado. Em 1974, com a Linha Azul, São Paulo tem o lançamento de sua primeira linha de metrô. Em 2003, os suecos dizem não à adoção do euro.

Ruminanças
“O tempo não passa para os que trabalham, eles o condensam e incorporam nos produtos de sua indústria” (Marquês de Maricá, 1773–1848).