Rodrigo Craveiro
Estado de Minas: 10/10/2013
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Segundo Martin Karplus, ele e seus colegas desmontaram as moléculas |
As
reações químicas ocorrem à velocidade da luz. Em frações de
milissegundos, os elétrons pulam de um núcleo atômico para outro. Não
fosse o trabalho do austro-americano Martin Karplus, do
britânico-americano Michael Levitt e do israelense-americano Arieh
Warshel, seria impossível mapear cada passo desse processo e
potencializar o uso dele em benefício da humanidade. O trio de
cientistas lançou os fundamentos para que poderosos softwares ajudassem
na compreensão e na antecipação dessas reações. A Real Academia de
Ciências da Suécia reconheceu o impacto desses estudos e lhes concedeu o
Prêmio Nobel de Química.
“Os modelos de computadores que espelham a
vida real se tornaram cruciais para a maior parte dos avanços da
química”, destacou a academia, por meio de um comunicado à imprensa. Os
estudos dos laureados permitiram decifrar, por exemplo, a purificação de
gases em catalisadores e a fotossíntese na natureza, mas também
serviram de base para o desenvolvimento de drogas mais eficientes e para
a otimização de painéis solares.
Ao preverem reações químicas
complexas, sofisticados programas de computador agilizaram o trabalho de
engenheiros farmacêuticos e de químicos industriais. Karplus, Levitt e
Warshel conseguiram aliar a física newtoniana (clássica) à física
quântica — antes, era preciso escolher entre uma e outra. Se a física
clássica possibilita cálculos mais simples e modela grandes moléculas,
sua fraqueza está no fato de ela não permitir acompanhar as reações. Por
sua vez, a física quântica demanda um enorme poder computacional, que
somente pode ser feito em moléculas minúsculas. “Em simulações sobre
como uma droga se acopla à proteína-alvo no corpo, o computador realiza
os cálculos de teoria quântica sobre esses átomos. O restante da
proteína é simulado pela física clássica”, explica o comunicado da
academia.
Ainda de acordo com a instituição, no passado, os químicos
criavam modelos de moléculas recorrendo a bolas de plástico e varetas.
Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford, Levitt,
66 anos, admitiu que o Nobel foi possível graças ao avanço na área da
computação (leia entrevista abaixo). “A força dos métodos que Martin
Karplus, Michael Levitt e Arieh Warshel desenvolveram está no fato de
eles serem universais”, observa a academia, que comparou a importância
dos computadores ao tubo de proveta para a química. As pesquisas dos
três foram determinantes para que Brian Kobilka, colega de Levitt na
mesma faculdade, ganhasse o Nobel de Química em 2012 pela descoberta dos
receptores acoplados às proteínas G — espécies de “fechaduras” que
permitem a ação de hormônios e neurotransmissores sobre as células. “Foi
um prêmio bem merecido”, assegurou Kobilka ao Estado de Minas, por
e-mail. “No meu campo de pesquisa, os três tornaram possível simular o
comportamento dinâmico dos receptores acoplados às proteínas G, gerar
modelos homólogos precisos de receptores dos quais as estruturas de
cristal são obtidas e realizar testes de drogas em sílica.”
“O que
fizemos foi criar um método que requer um computador para pegar a
estrutura de uma proteína e, eventualmente, entender como exatamente ela
faz o que faz”, afirmou Warshel, 72 anos, especialista da University of
Southern California. Aos 83 anos, Karplus — professor da Universidade
de Estrasburgo (França) e da Universidade de Harvard (Cambridge, EUA) —
recebeu um telefonema do Comitê Nobel às 5h30 (hora local) e brincou:
“Você só recebe ligações às 5h quando é notícia ruim”. “Eu sabia que era
um dos candidatos havia alguns anos”, acrescentou, antes de explicar
seu estudo. “Se você gosta de como a máquina funciona, você a desmonta.
Fizemos isso com moléculas”, disse.
Paulo Anselmo Ziani Suarez,
professor do Instituto de Química da Universidade de Brasília (UnB),
explicou que o legado dos três laureados foi a redução no tempo de
experimentos em laboratório. “O que eles fazem é a química teórica.
Modelam no computador reações e interações entre uma droga e uma
proteína, entre outras coisas. Isso ajuda a eliminar muita parte da
validação experimental”, admite. Segundo ele, a adoção unicamente da
mecânica quântica daria resultado exatos, mas seria impossível, por não
existir uma capacidade computacional. “Eles inseriram na mecânica
quântica simplificações usando a mecânica clássica e conseguiram fazer
cálculos num tempo mais real”, concluiu.
Polêmica no campo da física
O
Prêmio Nobel de Física, atribuído a dois cientistas pela formulação
teórica do bóson de Higgs, deveria ter sido concedido ao Centro Europeu
de Pesquisas Nucleares (Cern), que confirmou a descoberta, declarou
ontem um membro do júri. “Penso que (a decisão) foi errada”, indicou à
agência France-Presse Anders Barany, membro da Real Academia de Ciências
da Suécia, em referência à decisão anunciada anteontem. “Estes
pesquisadores experimentais fizeram um fantástico trabalho e deveriam
ser recompensados”, acrescentou. O britânico Peter Higgs e o belga
François Engler ganharam o Prêmio Nobel de Física 2013 pelos trabalhos
teóricos sobre a partícula elementar que explica a origem da massa. A
confirmação da teoria foi feita pelo Grande Colisor de Hádrons, do Cern,
em 4 de julho de 2012.
Entrevista/ Michael Levitt, Químico
‘A ciência é como ouvir música”
“Que
maravilhoso!”, respondeu Michael Levitt, 66 anos, ao ser informado que a
ligação partia do Brasil. O telefone tocou por volta das 3h15 (7h15 em
Brasília) na residência do cientista, em Stanford (Califórnia). Do outro
lado da linha, o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de
Stanford ainda parecia incrédulo com a notícia recebida menos de uma
hora antes: a de que acabava de ingressar no seleto grupo de 104
laureados com o Prêmio Nobel de Química desde 1901. “Eu estive na
América do Sul uma única vez… É incrível receber um telefonema do
Brasil”, afirmou. Em entrevista exclusiva ao Estado de Minas, Levitt
descreveu a emoção com a escolha de seu nome (“meu coração está batendo
feito louco”), disse não esperar grandes mudanças na “vida muito boa” e
creditou a honraria à evolução dos computadores. “As coisas eram
inimaginavelmente difíceis 45 anos atrás”, lembra. De acordo com ele, os
softwares modernos permitiram que as máquinas decifrassem processos
químicos complexos e ajudassem na fabricação de medicamentos.
Que significado pessoal tem o rêmio Nobel? O senhor sperava ser um dos laureados?
Eu
ainda não tenho certeza sobre isso. Eu acho que, certamente, é um
grande choque. De repente, meu coração está batendo feito louco. Eu
espero que minha vida não mude. Minha vida é muito boa. Eu tenho uma
carreira bastante longa. Tenho uma esposa, que tem ficado ao meu lado
por mais de 45 anos. Eu tenho três filhos, três netos e um cachorro.
Então, basicamente, minha vida é uma vida normal. Eu gosto de esportes.
Eu gosto de fazer excursões. Eu gosto de beber. E eu amo fazer ciência.
Eu espero que essas coisas permaneçam. Eu certamente não estava
acostumado a dar entrevistas. Eu ainda estou assustado sobre o que vai
acontecer hoje (ontem), sei que não será um dia normal. Mas eu quero que
minha vida prossiga da mesma forma. Eu tenho uma paixão pela ciência e
eu quero que ela continue. Por outro lado, eu preciso falar com pessoas
como você. Levar uma mensagem para fora é uma coisa maravilhosa.
Como o senhor fundou as ases para que programas e computador contribuam
para decifrar processos uímicos complexos?
De
certa forma, o mais interessante de toda a história foi o começo da
pesquisa. Ela começou em 1967. Eu tinha 20 anos. Trabalhava com um
cientista bastante destacado em medicina, chamado Schnail Lasson. Eu
devo dizer que não tinha nenhuma ideia de que o que eu estava fazendo
era importante. Nunca fiz coisas que julgasse serem importantes. Sempre
fiz coisas das quais eu gostava. A ciência é como ouvir música ou curtir
uma dança. Você apenas gosta de fazer isso. Eu acho que o que realmente
fez esse trabalho tão importante foi o fato de que os computadores se
tornaram tão mais poderosos nos últimos 45 anos. Eu comecei essa
pesquisa há 46 anos. Os computadores tornaram-se, provavelmente, bilhões
de vezes mais poderosos. As coisas eram inimaginavelmente difíceis 45
anos atrás. A história da medicina mudou…
De que modo sua pesquisa nfluenciou na produção de edicamentos mais eficientes?
Uma
coisa que as pessoas não entendem é que o corpo está dentro de uma
“sopa”, dentro de um líquido de sangue. De certa forma, o corpo é como
uma máquina dentro de um relógio, com todas as suas peças. Quando uma
molécula de uma droga faz efeito, ela surte efeito sobre a forma dessa
máquina. É como se tivesse o exato formato de uma peça faltando em um
sistema. Então… É como se tivéssemos um quebra-cabeça gigantesco e a
molécula da droga se encaixasse perfeitamente nele. Envolve encaixe e
complementaridade da forma. A máquina da vida é altamente ordenada e os
computadores são muito importantes em definir as possibilidades.
Em todos esses anos de ciência, quais as principais dificuldades que o senhor enfrentou?
As
principais dificuldades estavam no fato de que ninguém tinha feito isso
antes. A necessidade era muito nova. Eu tive que aprender como aprender
a desenvolver os programas de computador certos. Eu gostava das
dificuldades, pois era muito jovem e não tinha medos. Na década de 1960,
os computadores tinham memórias muito pequenas. As moléculas
importantes para os medicamentos são bem grandes. Por esse motivo, a
memória é muito importante nos novos computadores. Os grandes
computadores de hoje são minúsculos. No começo, não havia megabytes ou
gigabytes, apenas algumas centenas de kilobytes de memória. Essa foi uma
das principais dificuldades. Muita da honra (do Nobel) pertence ao
incrível avanço no poder dos computadores, que tornou mais fácil o que
era muito difícil.
Que mensagem o senhor enviaria aos jovens cientistas que sonham em fazer grandes descobertas e em ajudar a humanidade?
Sejam
apaixonados. Sigam suas paixões. A ciência é algo que você tem que
amar. É algo que requer manter o desejo ardente. Eu acho que você nunca
sabe para onde vai. Apenas sinta uma paixão e faça o que deseja fazer. É
a mesma paixão que se sente pela comida, pela dança, pela música, pelo
jornalismo. É preciso sentir o que se faz e fazer com paixão. (RC)