quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Marina Colasanti - A moça de nariz vermelho‏

Nunca sei o que fazer quando alguém que me é estranho chora na minha frente 

Marina Colasanti

Estado de Minas: 10/10/2013





Passava distraída diante da vitrine, quando um item, um item pequeno e discreto, só aquele, me chamou. Dei mais dois passos à frente, o chamamento me trouxe de volta, parei, demorei alguns minutos analisando do lado de cá do vidro. É provável que ela tenha visto minha hesitação. Se viu, certamente desejou que eu fosse embora, preferia perder a venda a ter que me atender. Mas entrei.

Reparei que ela estava com o nariz vermelho. Bonita moça, mas de nariz vermelho. Resfriado, pensei. E ela pareceu confirmar, esfregando-o de leve com o dorso da mão. Pedi o item que havia me interessado, experimentei. Ela, atrás do balcão, cabeça baixa, ausente. Só ao dizer que sim, que levaria aquilo que me havia atraído, vi que chorava.


Nunca sei o que fazer quando alguém que me é estranho chora na minha frente. Ignorar me parece desumano. Fazer perguntas é certamente indiscreto. Oferecer ajuda pode soar ridículo, pois como se ajuda quem não se conhece e sofre?
Ela ali, fazendo o embrulho, lágrimas escorrendo, ela sem saber se as enxugava, se fazia conta de nada, e ainda por cima com medo de manchar o delicado papel do embrulho. Para evitar o desastre, puxou a cabeça para trás.


Sofre por amor, pensei. E tentar adivinhar a razão daquele pranto era minha maneira calada de ajudar ou de ser, pelo menos, solidária. Ele a deixou ou a traiu, pensei ainda, e ela que havia posto tanta esperança, tanto empenho nesse encontro, nesse amor, agora se vê desamparada, seu Titanic afundou, deixando-a sem colete salva-vidas. Adiante, certamente, há uma costa, mas com esses olhos cheios d’água e na escuridão em que se encontra, não há como vê-la, não há nem como pensar que bastará nadar.


Quando sair levando meu embrulho, pensei enquanto digitava a senha do cartão de crédito, esta moça de nariz vermelho pegará o celular e, na loja vazia, na loja felizmente vazia, ligará para sua amiga e aos prantos repetirá tudo o que já lhe disse de manhã ao chegar, ou ontem, quando o mar começou a entrar pelas escotilhas. Depois ligará para outra e dirá as mesmas coisas novamente, com as mesmas palavras, aquelas que não lhe permitem ficar calada. E dirá como foi duro vir hoje para o trabalho, enfrentar a condução, abrir a loja, e que sorte que é dia de pouco movimento no shopping, tomara que não entre mais ninguém, como aquela senhora que saiu agora e a viu chorando porque não deu para segurar. Que ninguém mais lhe peça nada hoje, porque hoje ela não tem condições de dar nada a ninguém, tudo o que tinha de importante lhe foi tomado e ela quer de volta o que é seu ou que pensou fosse seu, o quer desesperadamente de volta.


Me despeço, ela murmura alguma coisa, mais de alívio pela minha partida do que de agradecimento, e sem ter-lhe estendido a mão, sem ter-lhe deixado nem sequer perceber meu carinho, eu a abandono.


Mas algo desse choro ficou em mim, e chegando em casa conto tudo ao meu marido, o nariz vermelho da moça, as lágrimas, o medo dela de manchar o embrulho. “Vai ver tinha sido despedida”, diz ele, mudando com um sorriso e uma única frase todo o quadro romântico que eu havia construído. “Estava chorando e tratando-a com desatenção porque era o último dia de trabalho dela e uma venda a mais ou a menos não faria a menor diferença.”

Tv Paga

Estado de Minas: 10/10/2013 



 (Multishow/Divulgação)

Uns vão, outros voltam


O Multishow vem com novidades às pencas. Às 21h30, André Fran, Felipe UFO e o novo parceiro Michel Souza abrem mais uma temporada de Não conta lá em casa (foto), viajando até o Oriente Médio para verificar in loco os motivos do conflito na região da Palestina. Às 22h, é a vez da estreia da terceira temporada de Papo de Mallandro, com Narcisa Tamborindeguy, Amin Khader, Smigol e Pietra Príncipe como os novos companheiros de Sérgio Mallandro na atração. E às 23h, Maria Flor retorna da Alemanha para o Rio de Janeiro na segunda temporada de Do amor, com um afilhado, um novo amor e a descoberta de uma ocupação artística na comunidade do Vidigal.

Canal GNT também tem
suas receitas de sucesso


No canal GNT, a novidade é a estreia da segunda temporada de Tempero de família, às 20h. Gravada no sítio de Rodrigo Hilbert, em Teresópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, a série passa a receber familiares e amigos do apresentador para preparar novas receitas. Outra atração bacana é a série As brasileiras, aquela mesma baseada na obra de Sérgio Porto e exibida com sucesso pela Globo e que a partir de hoje passa a ser reprisada na faixa das 23h30, com um total de 13 episódios estrelados pelas atrizes Juliana Paes, Ísis Valverde, Giovana Antonelli, Mariana Ximenes e Fernanda Montenegro.

Canal Brasil estreia série
sobre o som no cinema


Felipe S., do grupo Mombojó, é o convidado de Paulinho Moska hoje no programa Zoombido, às 21h30, no Canal Brasil. Às 23h30, estreia Em alto e bom som, série apresentada pela jornalista Simone Zuccolotto narrando a trajetória do áudio no cinema brasileiro, da criação de trilhas sonoras à evolução das técnicas de captação. Mudando de canal e de arte, a série Coleções, às 21h30, no SescTV, continua desenvolvendo o tema “danças”, hoje com o maculelê, mostrando passos, significações e histórias da tradição afro-brasileira e indígena em cidades de São Paulo e em Salvador.

Cinemax pega carona na
polêmica House of lies


Sucesso no canal HBO, a série House of lies passa a ser reprisada hoje pelo Cinemax na faixa das 21h. E obviamente começa pela primeira temporada, apresentando os personagens principais, que trabalham em uma empresa de consultoria. O líder do grupo é Marty Kaan (Don Cheadle), um especialista em usar duvidosas técnicas de convencimento para fechar grandes acordos e conseguir ganhar uma fortuna pelos seus serviços. Ele e sua equipe distorcem os fatos, adulteram os números e usam discursos repletos de jargões para impressionar os clientes.

Programação de filmes
tem para todos os gostos


O novo filme da Nickelodeon, Nicky deuce, que fez sua estreia nos Estados Unidos em maio, chega ao canal brasileiro hoje, às 19h30, mostrando o verão mais louco de todos os tempos com as aventuras de Nicholas Borelli. Mais tarde, às 22h, a Cultura exibe o longa Pasolini e a morte. Na mesma faixa das 22h, o assinante tem mais 10 opções: Caramuru – A invenção do Brasil, no Canal Brasil; Jogos Vorazes, na HBO HD; O resgate, na HBO 2; A vida durante a guerra, no Max; Quero matar meu chefe, no Max Prime; Procura-se um amigo para o fim do mundo, no Telecine Pipoca; Alien Vs. Predador, no Telecine Action; Doce lar, no Telecine Touch; Correndo contra o tempo, na MGM; e Eclipse mortal, no TCM. Outras atrações da programação: Encurralada, às 20h, no Universal; e Quase irmãos, às 23h, no Comedy Central.

Caras & Bocas

CARAS & BOCAS » Joia rara do cabaré

Simone Castro

Estado de Minas: 10/10/2013


Aurora (Mariana Ximenes) chega de Paris para abalar a vida noturna do Rio de Janeiro (João Cotta/TV Globo)
Aurora (Mariana Ximenes) chega de Paris para abalar a vida noturna do Rio de Janeiro

Lola (Letícia Spiller) que se cuide, pois o seu reinado está ameaçado como primeira vedete de cabaré, no Rio de Janeiro, em Joia rara (Globo). É que uma forte concorrente está a caminho. Trata-se de Aurora Lincoln, personagem de Mariana Ximenes. Só para se ter uma ideia do poder da moça, ela surgirá em cena na banheira de um quarto de hotel em Paris, na França, ao som de La vie en rose, bebericando champanhe enquanto lê a carta de despedida de seu amante, Décio (Miguel Rômulo). Indignada, ela tem um faniquito ao saber que ele voltou para o Brasil sem pagar o que lhe deve e resolve ir atrás do rapaz, para desespero de seu partner, Joel (Marcelo Médici). Sem dar ouvidos a ninguém, Aurora, determinada, faz as malas, seguida de Joel, que chama o Rio de “selva calorenta” e “fim de mundo”, mas, resignado, acompanha a amiga. No Brasil, ela procura Valter (Leopoldo Pacheco), pai de Décio, para cobrar a dívida, mas ele se nega a pagar. Rosarinho (Suely Franco) reconhece Aurora e a convida para ser estrela do Pacheco Leão, de Arlindo (Marcos Caruso), que fica embasbacado com a musa, que tem no currículo apresentações no famoso Moulin Rouge. Lola e as outras artistas não gostam nem um pouco da “forasteira”. Na reestreia do cabaré, Aurora deixa o público fascinado e estarrecido com sua performance moderna e sensual. Sorte de Arlindo, que vê o seu estabelecimento voltar a ser o preferido do público e um dos mais concorridos da Lapa. Manfred (Carmo Dalla Vecchia) se encanta por Aurora, para desespero da amante Lola, mas a vedete se apaixona mesmo é por Davi (Leandro Lima), irmão de Dália (Tânia Khalill), que volta da guerra em uma cadeira de rodas e descobre que não voltará a andar.

SEPULTURA LANÇA ÁLBUM
NO PROGRAMA METRÓPOLIS


The mediator between head and hands must be the heart (O mediador entre a cabeça e as mãos deve ser o coração), título do 13º álbum da banda Sepultura, será lançado hoje no Metrópolis, às 23h, na Cultura (TV paga). Durante o programa, além de falar sobre esse novo trabalho, cujo título foi inspirado no filme Metrópolis (1927), do cineasta austríaco Fritz Lang, o grupo formado por Andreas Kisser (guitarra), Paulo Jr. (baixo), Derrick Green (vocal) e Eloy Casagrande (bateria) apresenta músicas que inclusive ainda não foram tocadas no exterior. Com mais de 20 milhões de discos vendidos, o Sepultura surgiu em Belo Horizonte em 1984, criado pelos irmãos Max Cavalera e Igor Cavalera e é uma das principais bandas de metal no mundo.

SÉRIE BONES PODE FICAR SEM
UM DE SEUS PROTAGONISTAS


David Boreanaz, um dos protagonistas da série Bones, em que interpreta o detetive Seeley Booth, pode deixar o elenco da atração depois do nono ano. Há algum tempo ele já havia expressado o desejo de se afastar, mas decidiu cumprir o contrato e participar da atual temporada. Agora, segundo o site Radar on-line, o ator afirma a amigos próximos que este será seu último ano no seriado policial. A trama gira em torno do detetive e da antropologista forense doutora Temperance “Bones” Brennan, vivida por Emily Deschanel, que investigam casos a partir da análise dos ossos das vítimas. No Brasil, a atração é exibida pela Fox (TV paga).

CANAL GLOOB ESTREIA SUA
PRIMEIRA NOVELA INFANTIL


Na segunda-feira, estreia a primeira novela do canal infantil Gloob (TV paga). Gaby Estrella, protagonizada pela atriz Maitê Padilha, conta a história da garota moradora de uma cidade grande que vê seu mundo mudar bruscamente ao ter que se mudar para a fazenda da avó no interior. Mas, no lugar ela encontra seu talento para a música ao descobrir detalhes sobre a história de sua família. A trama contará com produtos multiplataformas como jogos e aplicativos, além de CD com a trilha sonora. As músicas serão cantadas pela própria protagonista.

A SUBSTITUTA

Alinne Moraes está fora da novela Em família, que vai suceder a Amor à vida (Globo) em janeiro do ano que vem. A atriz está grávida do primeiro filho, fruto do casamento com o diretor Mauro Lima. Assim, ela não poderá viver uma das personagens principais da história de Manoel Carlos, uma mulher que vai manter um relacionamento com a personagem de Giovanna Antonelli. Entre as especulações para o papel estão as atrizes Camila Morgado, que está longe da TV desde uma participação neste ano em um dos episódios de A grande família, e Andreia Horta, atualmente como a Simone, irmã de Amora (Sophie Charlotte), em Sangue bom. Ainda não foi batido o martelo, mas as gravações começarão em breve.

VIVA
O seriado Pé na cova (Globo), às terças-feiras, voltou com tudo e ainda melhor em sua segunda temporada.

VAIA
Só um babão como César (Antônio Fagundes) para cair no papo de Aline (Vanessa Giácomo) em Amor à vida. 

SAUDADE » A estrela sobe - Carolina Braga

SAUDADE » A estrela sobe 

Morre a atriz Norma Bengell. Ícone do Cinema Novo, protagonista do primeiro nu frontal nas telas brasileiras, ela foi também diretora e há seis meses tratava um câncer de pulmão 

Carolina Braga

Estado de Minas: 10/10/2013


O último trabalho de Norma foi em Toma lá, dá cá, da Globo (Thiago Prado Neris/Globo)
O último trabalho de Norma foi em Toma lá, dá cá, da Globo


Quando se pensa nas grandes atrizes do cinema brasileiro é inevitável citar Norma Bengell. A musa do Cinema Novo, protagonista do primeiro nu frontal das telas nacionais, morreu ontem, no Rio de Janeiro, aos 78 anos. O corpo será cremado hoje, às 14h, no Cemitério do Caju, na Zona Portuária da capital fluminense. As cinzas serão jogadas na Pedra do Arpoador, local escolhido pela própria Norma, que estava internada no Centro de Tratamento Intensivo do Hospital Rio-Laranjeiras para tratamento de um câncer de pulmão diagnosticado há cerca de seis meses.

Norma Aparecida Almeida Pinto Guimarães d’Áurea Bengell nasceu no Rio de Janeiro, em 1935. Filha única de um imigrante alemão, ela iniciou carreira como modelo nos anos 1950. Tornou-se vedete dos shows de Carlos Machado na casa noturna Night & Day e em 1959 gravou o primeiro disco, com canções de Tom Jobim e João Gilberto. Naquele mesmo ano foi descoberta por Ruy Guerra e convidada a contracenar com Oscarito em O homem do Sputnik. Foi quando fez sucesso parodiando a atriz francesa Brigitte Bardot.

Estrela “É com certeza uma das cinco maiores atrizes da nossa história”, afirma o pesquisador e jornalista Adilson Marcelino, idealizador do site Mulheres do cinema brasileiro. “Não só pela capacidade como atriz, mas ela conseguia ir do drama à comédia, clássica e debochada, mas também porque passou por vários ciclos.” Foram 64 filmes, quase um por ano. Foi figura central em produções que marcaram a história do cinema nacional, como O pagador de promessas (1962), de Anselmo Duarte; A casa assassinada (1971), de Paulo César Saraceni; A idade da Terra (1980), de Glauber Rocha; e Rio Babilônia (1982), de Neville d’Almeida.

Norma Bengell estreou como diretora com o longa Eternamente Pagu (1988), sobre a escritora modernista. Também preparou a adaptação do clássico O guarani, de José de Alencar, projeto de 1997. Por causa dele, foi acusada de desvio de verbas e investigada pelo Ministério Público por problemas na prestação de contas. Na televisão, participou de novelas como Partido alto e Sexo dos anjos, ambas na Globo. O último trabalho como atriz foi como Deise Coturno, em 2009, no programa humorístico Toma lá, dá cá. Como diretora, fez o documentário Infinitamente Guiomar Novaes (2003).
Jece Valadão contracena com Norma Bengell em Os cafajestes (O Cruzeiro/Arquivo EM-1º/7/62 )
Jece Valadão contracena com Norma Bengell em Os cafajestes


Polêmicas Por causa de sua postura de vanguarda, em 1966, Norma Bengell foi banida de Belo Horizonte pela Associação das Donas de Casa de Minas Gerais. O nu frontal em Os cafajestes (1962), de Ruy Guerra, escandalizou a tradicional sociedade mineira. Como afirmou Jece Valadão, Norma foi a mulher mais desejada do Brasil nos anos 1960.

No livro Adeus, cinema, Anselmo Duarte afirmou ter mantido relações sexuais com a atriz para ela “não ir embora” de O pagador de promessas, longa-metragem vencedor do Festival de Cannes em 1962 e que abriu os caminhos dela para a carreira internacional. Norma não deixou barato: rebateu dizendo que “preferiu se apaixonar por Alain Delon”, ator francês que ela conheceu naquele mesmo festival de cinema.

Em 1964, Norma Bengell contou com um altar improvisado por Walter Hugo Khouri no estúdio da Vera Cruz para se casar com o ator Gabriele Tinti, com quem viveu por seis anos. Em 1984, a atriz afirmou ter feito 16 abortos por ser “um saltimbanco por escolha”. No mesmo ano, participou do videoclipe She’s the boss, de Mick Jagger, fazendo o papel de “fazendeira decadente e autoritária”. O último relacionamento, durante 25 anos, foi com a fotógrafa e produtora Sonia Nercessian.

O cineasta carioca Luiz Carlos Lacerda fez uma homenagem à atriz em sua página do Facebook dizendo-se triste com a forma como o Brasil trata suas estrelas. “Visitei-a em Paris (1972), tinha me tornado amigo do símbolo sexual da minha adolescência e me tornado fã daquela atriz visceral e grande intérprete de um dos maiores personagens da nossa literatura, a Nina de Crônica da casa assassinada, do romance de Lúcio Cardoso, filmado por Paulo César Saraceni. Sua trajetória é conhecida de todos, e o seu linchamento institucional também. Sobreviveu os últimos anos graças a amigos como Ney Latorraca, Miguel Falabella e Silvio Tendler”, desabafou.


Depoimentos


Domingos de Oliveira
cineasta, que dirigiu Norma Bengell em Edu, coração de ouro (1968)

“Faz parte daquele pequeno e nobre bando de mulherões que representam o sexo feminino em uma certa hora da humanidade. Todo mundo foi apaixonado pela Norma Bengell. Eu também. Não a conheci bem, mas fui apaixonado. São mulheres como outras poucas, que representam uma forma, um mundo. São tão bonitas, tão charmosas, que é como se o mundo tivesse devido a elas uma vida melhor. (...) No caso da Norma, tenho certeza de que com todas essas dores e dificuldades, com seu sorriso amargo e com sua vida revolucionária ela foi uma pessoa muito feliz.”


Marília Pêra

atriz, em depoimento ao canal Globo News

“Grande atriz, grande cantora, grande diretora, uma pessoa muito importante para o nosso país. (...) A Norma foi ficando... não abandonada, porque muitos amigos continuaram com ela, mas foi se sentindo abandonada, desprotegida, doente. Uma mulher muito talentosa, muito intensa. (...) Não cheguei a trabalhar com a Norma – uma época até ela queria que eu fizesse um filme dela, mas não tivemos agenda para isso. Eu fazia uma peça em 1971, A vida escrachada de Joana Martini e Baby Stompanatto, do Bráulio Pedroso, e havia um momento em que a gente brincava de briga com uma pessoa da plateia, era uma coisa combinada... E a Norma estava na plateia nesse dia e acreditou que o ator na plateia estava me desrespeitando. Ela tirou o sapato e jogou nele, pegou ele pelo colarinho e queria bater nele. Depois a gente teve de explicar a ela que aquilo era parte do espetáculo. Ela era muito intensa, não admitia que alguém desrespeitasse um colega.” 

Artistas na berlinda - Ana Clara Brant

Artistas na berlinda 

Movimento a favor da censura a biografias publicadas no Brasil causa polêmica na Feira do Livro de Frankfurt. Laurentino Gomes critica a postura de Caetano Veloso e Chico Buarque



Ana Clara Brant

Estado de Minas: 10/10/2013 


Visitantes admiram totens instalados no pavilhão brasileiro na Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, que será encerrada no domingo (Daniel Roland/AFP)
Visitantes admiram totens instalados no pavilhão brasileiro na Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, que será encerrada no domingo

Frankfurt – A Feira do Livro de Frankfurt começou debaixo de muita polêmica envolvendo a censura no Brasil, o homenageado desta edição do evento literário. Ontem, um assunto fervilhava no pavilhão verde-amarelo: a articulação de artistas brasileiros para impedir a publicação de biografias não autorizadas no país.

O escritor e jornalista Laurentino Gomes, um dos palestrantes do dia, criticou severamente o grupo Procure Saber, comandado pela produtora Paula Lavigne, ex-mulher e empresária de Caetano Veloso. “Fiquei espantado em saber que artistas que admiro tanto e que sempre lutaram contra a ditadura, como Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil, são favoráveis à exigência de autorização prévia para a comercialização de livros. Achava que todos eles fossem a favor da liberdade de expressão. A coisa está tão séria que o Ruy Castro chegou a declarar que nem quer mais escrever biografias por conta disso”, afirmou Laurentino, autor da trilogia 1808, 1822 e 1889 – best-sellers sobre a história do Brasil.

O jornalista afirmou entender o direito dos biografados à privacidade e à intimidade, mas destacou que a riqueza da história depende da pluralidade de visões a respeito de personagens e acontecimentos. “Proibir a produção de biografias é engessar a história. Um país que incentiva a biografia chapa-branca está condenado a não se reconhecer no espelho do futuro”, resumiu.

Outro convidado da feira de Frankfurt é o mineiro Fernando Morais, autor de best-sellers sobre as trajetórias de Olga Benário, Paulo Coelho e de Assis Chateaubriand, fundador dos Diários Associados. “Estou fazendo lobby para que não mudem a legislação. Tenho ligado para os deputados e senadores que conheço. Vida de personalidade pública é pública. Se você não quer ter sua intimidade exposta, então não se torne artista. A questão é simples, resolvida pelo Código Penal. Se publicar fatos mentirosas, aí sim, estarei cometendo infração penal”, reagiu Morais.

Familiares e herdeiros têm conseguido inviabilizar biografias de figuras importantes para a cultura brasileira, como Mário de Andrade, Guimarães Rosa, Cecília Meireles e Lupicínio Rodrigues. Autores que se arriscam a escrever sobre eles recuam diante da ameaça de processo. O elogiado livro sobre Noel Rosa lançado por João Máximo e Carlos Didier, em 1990, não foi reeditado devido à ação de herdeiros do compositor. Em 2007, Roberto Carlos, parceiro do Procure Saber, foi vitorioso em ação judicial para impedir a venda de sua biografia, escrita por Paulo César Araújo.

Carta aberta Ontem, o americano Benjamin Moser, autor de elogiado livro sobre Clarice Lispector, veio a público criticar a postura de Caetano Veloso e de Paula Lavigne. A empresária defendeu também a remuneração para os biografados, acusando escritores de vasculhar a vida alheia por amor ao lucro. Em carta aberta ao compositor baiano, publicada no jornal Folha de S. Paulo, Moser escreveu: “Você já parou para pensar em quantas biografias o Brasil não tem? Só para falarmos da área literária, as biografias de Mário de Andrade, de João Guimarães Rosa, de Cecília Meirelles, cadê? Onde é que ficou Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz, Gilberto Freyre? Você nunca se perguntou por que nunca foram feitas?”.

De acordo com Moser, há leis contra a difamação no Brasil. “Um biógrafo, quando cita uma obra ainda com copyright, tem obrigação de pagar para tal uso. Não é diferente de você cantar uma música de Roberto Carlos. Essas proteções já existem, podem ser melhoradas, talvez. Mas estamos falando de uma coisa bem diferente da que você está defendendo”, escreveu.

De acordo com o biógrafo da autora de Laços de família, não se trata de discussão sobre dinheiro nem de fortunas amealhadas por biógrafos. “A questão é: que tipo de país você quer deixar para os seus filhos?. Minha biografia foi elogiosa, porque acredito na grandeza de Clarice. Mas liberdade de expressão não existe para proteger elogios”, advertiu Benjamin Moser, para concluir: “Não seja um velho coronel, Caetano. Volte para o lado do bem. Um abraçaço do seu amigo”.

A repórter viajou a convite do Governo de Minas


Nas malhas da lei

• A Constituição Federal considera livre e independente de censura a expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. Por sua vez, o Código Civil brasileiro determina que a divulgação de escritos e o uso da imagem de alguém necessita de autorização prévia se atingir a honra do biografado ou se a destinação da obra for comercial. Considera também a vida privada inviolável, cabendo ao juiz impedir a ofensa.

• No Congresso, tramita o Projeto de Lei 393/11, do deputado Newton Lima (PT-SP), aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Ele altera o Código Civil e permite a publicação de filmes e livros biográficos sem a necessidade de aprovação da pessoa focalizada ou de seus herdeiros.

• Ação Direta de Inconstitucionalidade foi apresentada no Supremo Tribunal Federal (STF) pela Associação Nacional de Editores de Livros (Anel) em defesa da liberdade de expressão e direito de informação.


Marta rebate Ruffato

Publicação: 10/10/2013 04:00
A ministra da Cultura, Marta Suplicy, declarou ontem que faltou o aspecto “literário e mágico” do Brasil à fala do mineiro Luiz Ruffato, que discursou para 2 mil pessoas na abertura da Feira do Livro de Frankfurt, na terça-feira. O escritor disse que o país é palco de genocídio, impunidade, intolerância e de alta taxa de analfabetismo. Segundo ele, a democracia racial brasileira foi feita com estupros.

“Faltou mostrar uma parte do país que transcende isso”, defendeu Marta Suplicy. “O Brasil hoje tem programas sociais extraordinários e o autor escolheu fazer uma reflexão por outro ângulo, o que lhe é de direito”, completou. “Tenho dois princípios. Não falo mal do meu país fora das fronteiras brasileiras. E não critico meus colegas”, reagiu Nélida Piñon, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, que está em Frankfurt.

Ruffato ganhou muitos aplausos da plateia, enquanto o vice-presidente da República, Michel Temer, foi vaiado ao discursar. Ontem, Marta minimizou a saia justa, afirmando que as “poucas” vaias a Temer partiram só de um grupo.

Outro bafafá repercutiu nos bastidores do pavilhão brasileiro. Manifesto de escritores, encabeçado por João Paulo Cuenca, Paulo Lins e Luiz Ruffatto em apoio à greve de professores no Rio de Janeiro, repudia a violência dos agentes de segurança e pede “amplo debate sobre a atuação da polícia no país”. Os autores colhem assinaturas e pretendem distribuir o documento no fim da Feira do Livro de Frankfurt.

Nobel contempla a química computacional‏

Nobel contempla a química computacional Cientistas desenvolveram programas capazes de simular reações complexas da vida real. Graças a eles, foi possível, por exemplo, desvendar a fotossíntese e criar remédios mais eficazes 

Rodrigo Craveiro

Estado de Minas: 10/10/2013



Segundo Martin Karplus, ele e seus colegas desmontaram as moléculas (Dominick Reuter/Reuters)
Segundo Martin Karplus, ele e seus colegas desmontaram as moléculas

As reações químicas ocorrem à velocidade da luz. Em frações de milissegundos, os elétrons pulam de um núcleo atômico para outro. Não fosse o trabalho do austro-americano Martin Karplus, do britânico-americano Michael Levitt e do israelense-americano Arieh Warshel, seria impossível mapear cada passo desse processo e potencializar o uso dele em benefício da humanidade. O trio de cientistas lançou os fundamentos para que poderosos softwares ajudassem na compreensão e na antecipação dessas reações. A Real Academia de Ciências da Suécia reconheceu o impacto desses estudos e lhes concedeu o Prêmio Nobel de Química. 

“Os modelos de computadores que espelham a vida real se tornaram cruciais para a maior parte dos avanços da química”, destacou a academia, por meio de um comunicado à imprensa. Os estudos dos laureados permitiram decifrar, por exemplo, a purificação de gases em catalisadores e a fotossíntese na natureza, mas também serviram de base para o desenvolvimento de drogas mais eficientes e para a otimização de painéis solares.  

Ao preverem reações químicas complexas, sofisticados programas de computador agilizaram o trabalho de engenheiros farmacêuticos e de químicos industriais. Karplus, Levitt e Warshel conseguiram aliar a física newtoniana (clássica) à física quântica — antes, era preciso escolher entre uma e outra. Se a física clássica possibilita cálculos mais simples e modela grandes moléculas, sua fraqueza está no fato de ela não permitir acompanhar as reações. Por sua vez, a física quântica demanda um enorme poder computacional, que somente pode ser feito em moléculas minúsculas. “Em simulações sobre como uma droga se acopla à proteína-alvo no corpo, o computador realiza os cálculos de teoria quântica sobre esses átomos. O restante da proteína é simulado pela física clássica”, explica o comunicado da academia.

Ainda de acordo com a instituição, no passado, os químicos criavam modelos de moléculas recorrendo a bolas de plástico e varetas. Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford, Levitt, 66 anos, admitiu que o Nobel foi possível graças ao avanço na área da computação (leia entrevista abaixo). “A força dos métodos que Martin Karplus, Michael Levitt e Arieh Warshel desenvolveram está no fato de eles serem universais”, observa a academia, que comparou a importância dos computadores ao tubo de proveta para a química. As pesquisas dos três foram determinantes para que Brian Kobilka, colega de Levitt na mesma faculdade, ganhasse o Nobel de Química em 2012 pela descoberta dos receptores acoplados às proteínas G — espécies de “fechaduras” que permitem a ação de hormônios e neurotransmissores sobre as células. “Foi um prêmio bem merecido”, assegurou Kobilka ao Estado de Minas, por e-mail. “No meu campo de pesquisa, os três tornaram possível simular o comportamento dinâmico dos receptores acoplados às proteínas G, gerar modelos homólogos precisos de receptores dos quais as estruturas de cristal são obtidas e realizar testes de drogas em sílica.”

“O que fizemos foi criar um método que requer um computador para pegar a estrutura de uma proteína e, eventualmente, entender como exatamente ela faz o que faz”, afirmou Warshel, 72 anos, especialista da University of Southern California. Aos 83 anos, Karplus — professor da Universidade de Estrasburgo (França) e da Universidade de Harvard (Cambridge, EUA) — recebeu um telefonema do Comitê Nobel às 5h30 (hora local) e brincou: “Você só recebe ligações às 5h quando é notícia ruim”. “Eu sabia que era um dos candidatos havia alguns anos”, acrescentou, antes de explicar seu estudo. “Se você gosta de como a máquina funciona, você a desmonta. Fizemos isso com moléculas”, disse. 

Paulo Anselmo Ziani Suarez, professor do Instituto de Química da Universidade de Brasília (UnB), explicou que o legado dos três laureados foi a redução no tempo de experimentos em laboratório. “O que eles fazem é a química teórica. Modelam no computador reações e interações entre uma droga e uma proteína, entre outras coisas. Isso ajuda a eliminar muita parte da validação experimental”, admite. Segundo ele, a adoção unicamente da mecânica quântica daria resultado exatos, mas seria impossível, por não existir uma capacidade computacional. “Eles inseriram na mecânica quântica simplificações usando a mecânica clássica e conseguiram fazer cálculos num tempo mais real”, concluiu.


Polêmica no campo da física

O Prêmio Nobel de Física, atribuído a dois cientistas pela formulação teórica do bóson de Higgs, deveria ter sido concedido ao Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern), que confirmou a descoberta, declarou ontem um membro do júri. “Penso que (a decisão) foi errada”, indicou à agência France-Presse Anders Barany, membro da Real Academia de Ciências da Suécia, em referência à decisão anunciada anteontem. “Estes pesquisadores experimentais fizeram um fantástico trabalho e deveriam ser recompensados”, acrescentou. O britânico Peter Higgs e o belga François Engler ganharam o Prêmio Nobel de Física 2013 pelos trabalhos teóricos sobre a partícula elementar que explica a origem da massa. A confirmação da teoria foi feita pelo Grande Colisor de Hádrons, do Cern, em 4 de julho de 2012.

Entrevista/ Michael Levitt, Químico


‘A ciência é como ouvir música”

“Que maravilhoso!”, respondeu Michael Levitt, 66 anos, ao ser informado que a ligação partia do Brasil. O telefone tocou por volta das 3h15 (7h15 em Brasília) na residência do cientista, em Stanford (Califórnia). Do outro lado da linha, o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford ainda parecia incrédulo com a notícia recebida menos de uma hora antes: a de que acabava de ingressar no seleto grupo de 104 laureados com o Prêmio Nobel de Química desde 1901. “Eu estive na América do Sul uma única vez… É incrível receber um telefonema do Brasil”, afirmou. Em entrevista exclusiva ao Estado de Minas, Levitt descreveu a emoção com a escolha de seu nome (“meu coração está batendo feito louco”), disse não esperar grandes mudanças na “vida muito boa” e creditou a honraria à evolução dos computadores. “As coisas eram inimaginavelmente difíceis 45 anos atrás”, lembra. De acordo com ele, os softwares modernos permitiram que as máquinas decifrassem processos químicos complexos e ajudassem na fabricação de medicamentos.

Que significado pessoal tem o rêmio Nobel? O senhor sperava ser um dos laureados?
Eu ainda não tenho certeza sobre isso. Eu acho que, certamente, é um grande choque. De repente, meu coração está batendo feito louco. Eu espero que minha vida não mude. Minha vida é muito boa. Eu tenho uma carreira bastante longa. Tenho uma esposa, que tem ficado ao meu lado por mais de 45 anos. Eu tenho três filhos, três netos e um cachorro. Então, basicamente, minha vida é uma vida normal. Eu gosto de esportes. Eu gosto de fazer excursões. Eu gosto de beber. E eu amo fazer ciência. Eu espero que essas coisas permaneçam. Eu certamente não estava acostumado a dar entrevistas. Eu ainda estou assustado sobre o que vai acontecer hoje (ontem), sei que não será um dia normal. Mas eu quero que minha vida prossiga da mesma forma. Eu tenho uma paixão pela ciência e eu quero que ela continue. Por outro lado, eu preciso falar com pessoas como você. Levar uma mensagem para fora é uma coisa maravilhosa.

Como o senhor fundou as ases para que programas e computador contribuam
para decifrar processos uímicos complexos?

De certa forma, o mais interessante de toda a história foi o começo da pesquisa. Ela começou em 1967. Eu tinha 20 anos. Trabalhava com um cientista bastante destacado em medicina, chamado Schnail Lasson. Eu devo dizer que não tinha nenhuma ideia de que o que eu estava fazendo era importante. Nunca fiz coisas que julgasse serem importantes. Sempre fiz coisas das quais eu gostava. A ciência é como ouvir música ou curtir uma dança. Você apenas gosta de fazer isso. Eu acho que o que realmente fez esse trabalho tão importante foi o fato de que os computadores se tornaram tão mais poderosos nos últimos 45 anos. Eu comecei essa pesquisa há 46 anos. Os computadores tornaram-se, provavelmente, bilhões de vezes mais poderosos. As coisas eram inimaginavelmente difíceis 45 anos atrás. A história da medicina mudou…

De que modo sua pesquisa nfluenciou na produção de edicamentos mais eficientes?
Uma coisa que as pessoas não entendem é que o corpo está dentro de uma “sopa”, dentro de um líquido de sangue. De certa forma, o corpo é como uma máquina dentro de um relógio, com todas as suas peças. Quando uma molécula de uma droga faz efeito, ela surte efeito sobre a forma dessa máquina. É como se tivesse o exato formato de uma peça faltando em um sistema. Então… É como se tivéssemos um quebra-cabeça gigantesco e a molécula da droga se encaixasse perfeitamente nele. Envolve encaixe e complementaridade da forma. A máquina da vida é altamente ordenada e os computadores são muito importantes em definir as possibilidades.

Em todos esses anos de ciência, quais as principais dificuldades que o senhor enfrentou?
As principais dificuldades estavam no fato de que ninguém tinha feito isso antes. A necessidade era muito nova. Eu tive que aprender como aprender a desenvolver os programas de computador certos. Eu gostava das dificuldades, pois era muito jovem e não tinha medos. Na década de 1960, os computadores tinham memórias muito pequenas. As moléculas importantes para os medicamentos são bem grandes. Por esse motivo, a memória é muito importante nos novos computadores. Os grandes computadores de hoje são minúsculos. No começo, não havia megabytes ou gigabytes, apenas algumas centenas de kilobytes de memória. Essa foi uma das principais dificuldades. Muita da honra (do Nobel) pertence ao incrível avanço no poder dos computadores, que tornou mais fácil o que era muito difícil.

Que mensagem o senhor enviaria aos jovens cientistas que sonham em fazer grandes descobertas e em ajudar a humanidade?
Sejam apaixonados. Sigam suas paixões. A ciência é algo que você tem que amar. É algo que requer manter o desejo ardente. Eu acho que você nunca sabe para onde vai. Apenas sinta uma paixão e faça o que deseja fazer. É a mesma paixão que se sente pela comida, pela dança, pela música, pelo jornalismo. É preciso sentir o que se faz e fazer com paixão. (RC)

Nova lei da filantropia - Renato Dolabella‏

Entidades como casas de apoio a doentes são as mais prejudicadas


Renato Dolabella

Advogado especialista em propriedade intelectual e terceiro setor

Estado de Minas: 10/10/2013 



O Senado aprovou em 17 de setembro a multifacetada Medida Provisória (MP) 620. Essa norma, que, inicialmente, foi elaborada pela presidente da República para tratar do programa Minha casa, minha vida, recebeu diversos acréscimos no Congresso e agora versa também sobre vários outros temas, como defesa do consumidor e entidades desportivas. No meio de tais inserções, foram propostas mudanças sensíveis na legislação de filantropia, especialmente a Lei 12.101/09 e as regras para a concessão do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas).

Quando foi promulgada, em 2009, a Lei 12.101 trouxe profundas alterações no campo da assistência – que alcança atividades de educação, saúde e assistência social propriamente dita. Essa norma tem sido constantemente criticada pelas entidades do terceiro setor, pois diversas exigências impostas pela Lei 12.101/09 são de difícil alcance, quando não absolutamente inviáveis.

Exemplo claro de tal situação são as casas de apoio a doentes, que prestam assessoramento a enfermos acometidos por doenças como Aids ou câncer. Apesar de não se configurarem como hospitais, tais entidades prestam um serviço relevante, na medida em que oferecem aos doentes e seus familiares atividades importantes, como atendimento psicológico e hospedagem para enfermos que precisam se deslocar do interior para exames na capital. Porém, pela legislação atual, as casas de apoio não são formalmente consideradas prestadoras de serviços de assistência social. Também não podem requerer o certificado na área da saúde, pois a lei exige que haja atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o que escapa ao objeto de atuação dessas organizações não governamentais (ONGs). Dessa forma, a Lei 12.101/09 colocou tais entidades em um limbo jurídico, pois formalmente não podem obter o Cebas, apesar de suas atividades serem evidentemente de caráter social e imprescindíveis para o público assistido. A Lei de Filantropia também gera problemas atualmente na gestão das entidades, pois proíbe a remuneração dos dirigentes das instituições. Entendemos que essa é uma situação injustificável, que vai contra o atual movimento de profissionalização do terceiro setor.

Parte dos problemas que a Lei 12.101/09 hoje gera podem ser solucionados caso a versão final da MP 620 seja efetivamente convertida em lei, o que depende de sanção pela presidente da República. Entre outras questões, o texto determina expressamente que certas entidades que tinham dificuldade no reconhecimento de suas atividades como filantrópicas (como as casas de apoio a doentes) podem obter o Cebas e também acaba com a proibição de remuneração de dirigentes. São avanços, mas não é possível ignorar que, mesmo se tais mudanças forem efetivadas, a legislação de filantropia ainda será problemática e juridicamente questionável em diversos outros aspectos, o que pode ser comprovado pelas Ações Diretas de Inconstitucionalidade que já foram ajuizadas contra a Lei 12.101/09. Assim, é fundamental que as entidades do terceiro setor permaneçam lutando pela alteração desse tipo de norma, pois sua modificação beneficia toda a sociedade.