sábado, 28 de junho de 2014

O livro perdido - João Paulo

O livro perdido
João Paulo
Estado de Minas: 28/06/2014

Estátua de James Joyce numa rua de Dublin: presença ainda viva no imaginário da Irlanda     (Cathal McNaughton/Reuters  )
Estátua de James Joyce numa rua de Dublin: presença ainda viva no imaginário da Irlanda


James Joyce (1882-1941) é autor de um dos maiores romances de todos os tempos, Ulysses, publicado em 1922, exatamente no dia que o autor completava 40 anos. Foi um marco. Dele decorrem centenas de outros livros, que se inspiram na linguagem, no experimentalismo, na busca do sentido da vida por meio da criação. Obra que foi uma sementeira. O que impressiona ainda hoje em Ulysses, ao ponto de se celebrar todo ano o 16 de junho (dia em que se passa a ação do romance) como uma data mítica, é sua capacidade de dialogar com toda a cultura do Ocidente e abrir novos caminhos, além de contar de forma magistral a história de um homem. Por mais que os especialistas se esforcem, Ulysses é uma obra que se lê com extremo prazer.

O mesmo não se pode dizer do romance seguinte de Joyce, Finnegans wake, lançado em 1940, sob vários aspectos uma obra tão difícil que se torna praticamente vetada aos não iniciados. É romance feito de sofisticados experimentos linguísticos, que parece se colocar o desafio de desconstruir toda a velha linguagem em nome de um novo modo de operar os signos, fazendo com que a ficção surja da própria linguagem. Para o especialista em literatura do modernismo Malcolm Bradbury, “livro algum foi concebido de modo mais ambicioso. A ideia era realizar uma história do mundo, o livro de todo o mundo; construir uma metalinguagem moderna, um esperanto para a ficção”.

No meio do caminho, no entanto, havia Finn’s Hotel, um manuscrito aparecido nos anos 1990 que causou rebuliço nos meios literários. Curto, direto e compreensível, foi considerado uma espécie de esboço de Finnegans wake, um germe dos temas e da linguagem que depois explodiriam no romance-universo de Joyce. Tudo que era excesso, jogo de linguagem, exagero, inventividade audaz e caudalosa da obra final do escritor, poderia ser absorvido nos enxutos manuscritos. Foram mais de 20 anos até que as querelas jurídicas fossem superadas. Finn’s Hotel acaba de chegar ao Brasil, em tradução de Caetano W. Galindo (Companhia das Letras), que verteu recentemente o Ulysses, na terceira e mais legível das traduções da obra-prima no Brasil.

O livro é composto de 10 pequenos capítulos, na verdade contos curtos que têm como tema momentos da história irlandesa. Dez épicos ou mitos, que atravessam 1.500 anos de história, com heróis lendários e episódios graves e cômicos. Os conhecedores do Finnegans wake poderão avaliar se de fato Humphrey Chimpden Earwicker e Anna Lívia Plurabelle são os mesmos nos dois livros, entre outras pistas espalhadas aqui e ali. Na verdade, mais que uma coleção de contos, Finn’s Hotel vale como um jogo literário e intelectual. O leitor tem em mãos dois livros, pelo menos: o próprio Finn’s Hotel e a história sobre seu sentido na compreensão da obra do escritor irlandês. A elegância do pequeno volume ajuda a dar materialidade à dupla tarefa.

Filologia e história

Por isso, a edição acerta em cercar o texto de prefácio do tradutor, que ao falar de seu trabalho dá várias indicações sobre a obra joyciana (com bom humor, se orgulha em escrever apenas uma nota à tradução, logo na primeira página, deixando para o leitor o prazer que parece ter tido com o trabalho) e os estudos de Danis Rose e Seamus Deane, que se aprofundam em temas filológicos e históricos. Danis Rose é um dos maiores especialistas na obra de James Joyce, sendo responsável pela fixação crítica do texto de Finnegans wake. Sua argumentação sobre a ligação entre Finn’s e Finnegans, por isso mesmo, deve ser levada a sério. O poeta Seamus Deane mergulha no que há de mais profundamente irlandês no livrinho.

Para completar, a edição traz em anexo outro texto de James Joyce que surgiu do mesmo empenho em descobrir genealogias. Trata-se de Giacomo Joyce, um manuscrito de apenas oito páginas datilografadas em frente e verso, que foi considerado, à época de seu descobrimento, um rascunho de Ulysses. Ou seja, estaria para a saga de Bloom, como o Finn’s Hotel para o Finnegans. O texto já é conhecido do leitor brasileiro, em tradução feita por Paulo Leminski. Ao fim, o leitor tem uma pequena joia nas mãos: criação literária, especulação filológica, estudo histórico e pesquisa genética. Para quem gosta de literatura, é um quebra-cabeça sofisticado e divertido. Se sentir vontade de ler mais Joyce, a tarefa estará paga e o caminho aberto.


 jpaulocunha.mg@diariosassociados.com.br

Orelha

Estado de Minas: 28/06/2014 


Portrait de Jane Austen, do pintor inglês Ozias Humphry: a maior escritora inglesa (Stan Honda/Reuters)
Portrait de Jane Austen, do pintor inglês Ozias Humphry: a maior escritora inglesa


Jane quando jovem

Se você acha que já leu tudo de Jane Austen, a Editora Landmark chega com um presente: uma edição bilíngue do pouco conhecido Lady Susan, escrito entre 1793 e 1794, quando a escritora era uma jovem promissora. Como sempre, a personagem da novela está em busca de um casamento vantajoso. Desta vez, a protagonista Susan, de 30 anos, espera encontrar um marido para si e, ao mesmo tempo, para a filha. Para isso, ela preenche sua agenda de compromissos com convites para visitas estendidas a parentes de seu falecido marido e conhecidos, por meio de uma série de manobras astuciosas. Utilizando a forma do romance espistolar, Jane Austen já mostra domínio da linguagem, inteligência para revelar as maquinações sociais e o humor elegante que caracterizariam a escritora na maturidade. Ainda inédita no cinema, Lady Susan já ganhou adaptações para a TV e para os palcos britânicos. Para quem se interessar ainda mais pela jovem Jane Austen, vale a pena procurar Juvenília, recém-lançado pela Penguin/Companhia, que reúne textos das moças Austen e Charlotte Brontë.


Ponto e vírgula

   (Ana Ruth/Divulgação)


Compositor e escritor, o gaúcho Vitor Ramil (foto) está lançando seu terceiro romance, A primavera da pontuação. Os personagens são elementos do mundo da língua portuguesa, que interagem numa trama meio pop, meio farsesca: uma palavra-caminhão trafega carregada de letras garrafais, atropela um ponto numa esquina de frases e foge sem ser identificada. Um romance sobre a linguagem. A edição da Cosac Naify mimetiza a ação, com projeto gráfico que destaca os pontos, vírgulas e outro sinais.


Abba está vivo


A primeira letra dos nomes de Agnetha, Bjorn, Benny e Anni-Frid formam o nome de uma das mais conhecidas bandas da história do pop, o quarteto sueco Abba, que vive na memória do público 30 anos depois da separação. E é a trajetória do grupo que chega agora aos leitores com Abba – A biografia, de Carl Magnus Palm, que está sendo lançada no Brasil pela Editora Best Seller. A narrativa começa em 2005, na noite de estreia do musical Mamma mia! em Estocolmo, voltando no tempo para mostrar as várias fases do quarteto, com direito a brigas e conflitos, além da tentativa de carreira solo de cada integrante.


Crime brutal

Mais um título policial do selo Vestígio chega às livrarias. Seguindo a tradição violenta da literatura nórdica contemporânea, Indesejadas, de Kristina Ohlsson, narra um caso de sequestro ocorrido num trem lotado na Suécia. A menina desaparecida é encontrada morta com a palavra “indesejada” escrita na testa, num caso que será investigado por Frederika Bergman. A autora é cientista policial e trabalha como agente contra o terrorismo na polícia sueca.


História vegetal

Usos e circulação de plantas no Brasil, séculos XVI a XIX, volume coletivo organizado por Lorelai Kury reúne ensaios sobre a história do Brasil, tendo as plantas por protagonistas. Os historiadores que participam do projeto voltaram seus olhares para o reino das plantas, tão complexo quanto o império dos homens. Os capítulos abordam a troca de vegetais no império português, as grandes rotas marítimas do Renascimento, o uso das plantas medicinais pelos padres da Companhia de Jesus e o universo da medicina holística dos séculos 17 e 18, entre outros temas. O lançamento é da Estúdio Editorial.


Cortázar de volta


 (Antonio Conceza/EM/D. A Press)


Dois livros de Julio Cortázar (foto) que estavam fora de catálogo no Brasil ganham novas edições pela Civilização Brasileira. Final de jogo é uma coletânea de 18 contos, divididos em três níveis de dificuldade, medidos pelo esforço que o leitor deve fazer para entender as histórias. O outro livro, Um tal Lucas, reúne contos surrealistas em torno de um mesmo personagem. Entre o fim de agosto e começo de setembro, será relançado A fascinação das palavras, obra escrita a quatro mãos por Cortázar e o uruguaio Omar Prego, que desvenda o mundo íntimo do escritor. O centenário de Cortázar será celebrado em agosto.


Real em HQ

Tungstênio é o nome do novo álbum de Marcelo Quintanilha, que sai pela Editora Veneta. Um recorte da vida do subúrbio das grandes cidades, narrado de forma cinematográfica, que revela as mazelas sociais do país. Nascido em Niterói e radicado em Barcelona, Quintanilha teve seu primeiro trabalho publicado em 1988 e desde então colaborou nas revistas General e Heavy Metal, além dos jornais espanhóis La Vanguardia e El País.

ENTREVISTA/ALBERTO MUSSA » "O passado me povoa"‏

Romancista carioca lança terceiro livro de uma série dedicada aos mitos de formação do Rio de Janeiro


Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 28/06/2014



 (Cristina Lacerda/Divulgação)


Alberto Mussa é um carioca típico: boa-praça de ótima conversa, que pode entrar dia adentro. Mas é, principalmente, um excelente escritor. Sua obra está traduzida em diversas línguas e é motivo de estudo em universidades ao redor do planeta. Com o recém-lançado A primeira história do mundo, ele dá sequência ao ambicioso projeto de elaborar um compêndio mítico do Rio de Janeiro por meio de cinco romances policiais, um para cada século da vida da cidade. A primeira história do mundo, no qual ele conta, misturando realidade e fantasia, como foi o primeiro assassinato ocorrido no Rio, em 1567, é o terceiro da série, que se iniciou com O trono da rainha Jinga, cuja ação se passa em 1626, e O senhor do lado esquerdo, no qual fala de um crime ocorrido em 1913. Baseado em documentos, mas sem ter “feito uma pesquisa exaustiva”, neste belo romance, que leva o leitor a querer saber desde o início quem foi o assassino do serralheiro Francisco da Costa, Alberto Mussa mescla erudição com um talento nato para a narrativa. Em entrevista ao Pensar, o romancista fala de sua relação com a cidade e garante: “Não vivo no Brasil. Vivo no Rio de Janeiro”.

A primeira história do mundo é o terceiro livro no qual você reconta a história mítica do Rio. No caso, o primeiro crime de morte ocorrido na cidade. Como surgiu o livro?

Pensei no projeto desse livro porque ele me permitia unir três coisas com que me identifico: história, mitologia e narrativa policial. Escolhi o Rio de Janeiro por motivos um tanto óbvios: é a minha cidade, a cidade que conheço melhor. Posso, inclusive, ir aos lugares que descrevo. Acredito que isso seja uma grande vantagem na hora de escrever. Quando decidi escrever sobre o século 16, comecei a ler livros que tratam dessa época. Então, casualmente, li um chamado Conquistadores e povoadores do Rio de Janeiro, que vem a ser um dicionário biográfico escrito por Elysio Belchior. Nele é que estão referidas algumas circunstâncias desse primeiro homicídio, que acabou sendo o fio condutor do romance.

Alguns episódios do livro foram baseados em fatos reais. Até onde a realidade e a ficção se misturam na história?
Se eu revelar onde fica essa fronteira, vou tirar o prazer da leitura, que se baseia precisamente nessa confusão. Aliás, todo autor de romance policial não fala sobre a própria história. É uma convenção do gênero. Para escrever A primeira história do mundo não fiz uma pesquisa exaustiva, daquelas próprias dos cientistas. Fiz, e faço sempre, uma espécie de imersão na época onde situo a narrativa. Leio livros que lançam luz naquele passado. No caso do romance em questão, li também as cartas dos jesuítas, os relatos de viagens de aventureiros, cronistas e historiadores contemporâneos que tratam daquele século. A partir dessas leituras o passado “entra” na minha cabeça, povoa minha imaginação. Acho que é um processo diferente da pesquisa propriamente dita.

Em um dos seus livros, Meu destino é ser onça, você se volta para as mitologias indígenas, tema que retoma em A primeira leitura do mundo, no qual mostra também ter um bom conhecimento do tupi-guarani. Chegou a estudar essa língua?
Estudei tupi antigo – nome mais apropriado – também de forma autodidata, quando comecei a estudar linguística, durante meu mestrado, que foi feito na área de língua, não de literatura, como seria mais natural. A linguística foi – e ainda é, num certo sentido –, uma das minhas paixões intelectuais. Foi uma grande descoberta. Aprender línguas, particularmente aquelas muito diferentes do nosso idioma materno, abre um espectro de símbolos e conceito impensáveis. Acho que o tupi tinha que ser ensinado nas escolas. Pode não ter utilidade, prática; mas (como ocorre com a matemática) aumenta consideravelmente o poder de abstração dos alunos.

Você também estudou o árabe como autodidata ou aprendeu com seu pai, que era filho de libaneses? Você costumava explorar a biblioteca de seu pai?
Meu pai, David Mussa, que era de Campos de Goytacazes, foi um homem extremamente culto, sabia inúmeras línguas, conhecia todos os clássicos. Embora ele reprovasse minha aproximação com a cultura popular, me incentivou a ler e a não ter medo de ler. Com 15 anos, já tinha lido vários desses clássicos: Cervantes, Machado de Assis, Eça de Queirós, Tolstói, Dostoiévski, Oscar Wilde e especialmente os poetas Camões, Cruz e Souza, Castro Alves, Augusto dos Anjos. Meu pai gostava de poesia, queria imitá-los. Os poetas, mais que os romancistas, foram decisivos na minha adolescência.

E quanto ao estudo do árabe?
Nas famílias árabes de origem cristã, é muito raro a língua árabe sobreviver além da primeira geração. Na minha família, entre os nascidos no Brasil, ninguém falava árabe, nem meu pai nem meus tios. Era uma vergonha, havia um preconceito muito grande contra os “turcos”. Comecei a estudar árabe já com mais de 30 anos, quando meu pai e meus avós libaneses já tinham morrido. Aprendi sozinho, como autodidata. Porque tinha também conhecimentos teóricos de linguística, o que facilita muito. Por isso, por ter estudado sozinho, não sei falar, só ler e escrever. Meu propósito era apenas o de poder traduzir Os poemas suspensos, clássico da literatura árabe pré-islâmica. Foi uma grande aventura, que me tomou 10 anos. Agora, a tendência é ir esquecendo aos poucos.

Embora tenha nascido numa família de classe média abastada, você sempre foi ligado à cultura popular, tendo inclusive sido coautor do ensaio Samba de enredo: história e arte. Como nasceu esse interesse?
Da minha mãe Marlene, que tem origens muito brasileiras, de Minas e de Alagoas, herdei o gosto pela literatura policial e pelo samba. Ela sempre leu Agatha Christie e Conan Doyle e ouvia samba no rádio. Pouco tempo depois descobri que meu tio Didi, irmão dela, era compositor de escola de samba. Foi ele quem me levou numa quadra pela primeira vez, na União da Ilha, quando eu tinha 14 anos. Essa foi outra experiência fundadora. Sou até hoje completamente fascinado pelas escolas de samba.

O fato de sido criado no Grajaú, na Zona Norte do Rio, deve também ter ajudado. O que ficou daqueles tempos da infância?

Tudo. Nós somos do nosso lugar. A verdadeira pátria de um indivíduo é a cidade onde ele nasce e passa a viver. O país é algo muito abstrato. Sou brasileiro, mas não vivo no Brasil. Vivo no Rio de Janeiro. As pessoas são do lugar onde podem vigiar a vida dos outros. Onde compram o jornal. Onde seu sotaque se confunde com o dos outros. O Grajaú e a Zona Norte do Rio estão tão entranhados em mim que, hoje, mesmo morando a duas quadras da praia, não vou ao mar, a não ser no fim do ano, na festa de Iemanjá.

A vida na Zona Norte e o convívio com seu povo também influenciaram o escritor?

Creio que sim. Foi a experiência fundamental da minha vida. Foi o meu rito de passagem. Foi no morro que me tornei homem. Onde se constituiu o meu caráter. Aprendi coisas que os livros não me ensinaram, porque os livros não ensinam tudo. Foi no morro que fiz meus primeiros amigos, foi no morro que amei pela primeira vez. Particularmente no que se refere ao futuro ofício do escritor, creio que meu contato com a cultura popular me fez perceber intuitivamente como opera o pensamento mítico, que depois viria a explorar nos meus textos.

. A primeira história do mundo
• De Alberto Mussa
• Editora Record
• 236 páginas

Do football ao futebol - Livro de Mario Filho

Livro de Mario Filho, o irmão de Nelson Rodrigues, revela como o esporte mais praticado no Brasil driblou espetacularmente o racismo das elites brancas e se consagrou como arte popular brasileira


Severino Francisco
Estado de Minas: 28/06/2014



O elegante Didi, um dos maiores craques de todos os tempos, criador da folha seca e defensor do
O elegante Didi, um dos maiores craques de todos os tempos, criador da folha seca e defensor do "jogo bonito"

O negro no futebol brasileiro, de Mario Filho, merece ser chamado de clássico, com todas as letras, por vários motivos. O livro é um trailer do Brasil, lança luzes esclarecedoras sobre as principais forças de nossa formação de país escravocrata durante mais de três séculos de sua história de 514 anos: o racismo, o espírito de sabotagem e a covardia das elites brancas; a astúcia dos negros e mestiços; a intuição em inventar bolas de meia e em driblar a discriminação. O livro ganhou inesperada atualidade neste momento em que o nazismo jeca volta a se manifestar nos campos de futebol do Brasil e da Europa. É um clássico, ainda, pelo estilo impecável de Mario Filho, que narra essa saga com histórias saborosas, evocadas com a graça e a elegância de uma folha seca do meio-campo Didi.

Recuemos no tempo até o início do século 20, mais precisamente em 1904, quando a capital era o Rio de Janeiro e os engenheiros ingleses trouxeram para o Brasil uma grande novidade: o football. Sim, o primeiro time era o The Bangu Atletic Club. Goleiro era goalkeeper; lateral direito, fullbackrigth; beque central, center-half; centroavante, center-forward. Só podia jogar quem falasse ou gritasse em inglês; para avisar que havia ladrão de bola era preciso berrar: “Man on you!”. Quando precisava chamar os atacantes para voltar e ajudar na marcação, a ordem era: Come back forwards. O campo era chamado pelos cronistas esportivos de fields.

As comemorações também eram em inglês. Avançavam pela noite com muita bebedeira. When more we drink together (Quando nós bebemos muito juntos) virava, na boca dos raros brasileiros, “onde mora o Pinto Guedes”. E For he is a jolly good-felow se transformava em “a baliza é bola de ferro”. Só respeitáveis técnicos ingleses de bigodes imperavam. Os clubes eram fechados para ingleses e filhos de ingleses. “O Paissandu e o Rio Cricket eram pedaços da Inglaterra transplantados para o Brasil”, comenta Mario Filho. “Nos domingos claros de sol, a bandeira inglesa se esticava ao vento, bem no alto dos mastros, um na rua Paissandu, outro em Icaraí.”

Um Fla-Flu só merecia míseras 10 linhas burocráticas de registro nos jornais. Esporte popular era o remo, daí o fato de os clubes se chamarem até hoje Clube de Regatas Flamengo ou Clube de Regatas Vasco da Gama. É claro que, a princípio, os negros e mulatos não podiam praticar esse esporte tão sofisticado, caro e cheio de rituais inacessíveis. A princípio, os brancos reinaram absolutos, pois os estudantes filhos da elite carioca tinham tempo de sobra para treinar. Era um problema de cultivo, cultura, proteínas, treino e disponibilidade de tempo: “O jogador de boa família tinha muito mais tempo para treinar. Era, quase sempre, um estudante. Estudava e jogava futebol. Jogando até mais futebol do que estudando”. Com isso, o jogador branco tinha de ser, durante bastante tempo, superior ao preto, observa Mario Filho. “Quando o preto começou a querer aprender a jogar, o branco já estava formado em futebol. O grande clube sendo uma espécie de universidade. Tudo quanto era professor de futebol ia para lá. Ingleses e brasileiros que tinham estudado na Europa, todos com o seu curso de futebol. Foram eles que trouxeram o futebol para o Brasil, que o passaram adiante, formando clubes. Quem começou antes levando vantagem acentuada. O caso do Fluminense. Quando se fez uma liga, o campeonato foi conquistado pelo Fluminense.”

Improviso A molecada negra e mulata ficava nas imediações dos estádios à espera de que algum beque mais grosso desse um chutão e jogasse a bola fora para roubá-la. Logo a febre do novo esporte se alastrou pelas ruas dos subúrbios, em infinitas peladas com bolas de meia, onde se reinventou a previsibilidade do football inglês, acrescentando-lhe o balanço do samba e a ginga da capoeira; o football virou futebol, expressão cultural brasileira, dança improvisada e imprevisível. Os primeiros negros e mulatos começaram a despontar, timidamente, nos times da elite: “O futebol se vulgarizava, se alastrava como uma praga”, lembra Mario Filho. “No meio das ruas, nos terrenos baldios, onde se atirava lixo, nos capinzais. Bastava arranjar uma bola de meia, de borracha, de couro. E fabricar um gol, com duas maletas de colégio, dois paletós bem dobrados, dois paralelepípedos, dois pedaços de pau. O remo era para os privilegiados, para os seres superiores. Não para qualquer um, como o futebol.”

Os primeiros negros e mulatos começaram a despontar, timidamente, nos times da elite. Havia distinções entre o Bangu, o Botafogo e o Fluminense: “O Bangu, clube de fábrica, botava operários no time em pé de igualdade com os mestres ingleses. O Botafogo e o Fluminense  não, nem brincando, só gente fina. Foi a primeira distinção que se fez entre clube grande e pequeno, um, o clube dos grandes, o outro, o clube dos pequenos.” O futuro da exclusão no futebol não era nada alentador: “Como acabaria aquilo? Bastava olhar para o Bangu. Os ingleses ficando de fora, pouco a pouco. Mais operários no time, menos mestres. Preto barrando branco. Não seria o destino do futebol? O futebol se tornando brasileiro demais”.

Mas não se imagine que a inclusão dos negros e dos mestiços no futebol profissional foi automática. Ela só ocorreu de maneira dramática, com sabotagens, alianças e lances de segregação e humilhação. É significativo o depoimento de um atacante de que “já havia sido negro um dia”. O jogador Carlos Alberto passou pó de arroz no rosto para embranquecer a pele e jogar no aristocrático Fluminense. Tinha de entrar em campo, correr para o lugar mais cheio de moças na arquibancada, parar um instante, levantar o braço e abrir a boca num hip, hip, hurra. “Era o momento que Carlos Alberto mais temia. Preparava-se ele, por isso mesmo, cuidadosamente, enchendo a cara de pó de arroz, ficando quase cinzento. Não podia enganar ninguém, chamava até mais a atenção. Quando o Fluminense ia jogar com o América, a torcida de Campos Salles caía em cima de Carlos Alberto: ‘Pó de arroz! Pó de arroz’”.

Em 1923, ninguém prestou atenção no Vasco da Gama, time patrocinado pelos comerciantes portugueses, que, na boa tradição lusitana, misturou negros, mulatos e brancos bons de bola. O Vasco que formasse o time do jeito que lhe desse na veneta. Os brancos continuariam vencendo. Os comerciantes portugueses contrataram um certo Platero, treinador linha- dura, que obrigava os jogadores a trotar do campo da Rua Moraes e Silva até a Praça Sete. Nenhum jogador do América, do Flamengo, do Fluminense ou do Botafogo havia se submetido nunca a esse tipo de treinamento. O Vasco sagrou-se campeão.

Em represália, a liga dos clubes da elite branca carioca baixou portaria exigindo que todos os jogadores escrevessem o nome e tivessem vínculo empregatício. Mas não adiantou: com o profissionalismo, o futebol tornou-se o primeiro espaço realmente democrático da sociedade brasileira, onde não vale o pistolão, o nome de família ou o dinheiro. É preciso impor-se pela competência, a habilidade e o talento. O Vasco mostrou que não se ganhava mais um torneio no Brasil sem jogadores negros e mulatos. Um time de brancos, negros e mulatos era o campeão da cidade. O futebol driblou, espetacularmente, o racismo, mostrando que, como disse Câmara Cascudo, o que o Brasil tem de melhor mesmo é o brasileiro. Ou retificando com mais exatidão crítica: o que o Brasil tem de melhor são alguns brasileiros.


Trecho


“De nada valia, para o Vasco, o campeonato de 23, pelo contrário. A única coisa que o Vasco tinha, além da torcida, a maior torcida que já se vira em campos cariocas, era um time. Os grandes queriam que o Vasco fosse para a Amea com a sua torcida, com o português de escudo da cruz de malta ao peito, toda a colônia, não queriam que o Vasco levasse o seu time. Para isso havia uma comissão de sindicância. Reis Carneiro, do Fluminense, Diocesano Ferreira Gomes, o Dão, do Flamengo, e Armando de Paula Feitas, do América, iriam ver se os jogadores do Vasco, os Nelson Conceição, os Mingote, os Bolão, os Pascola e os Torteroli, trabalhavam ou não trabalhavam. Como viviam, se podiam viver com o que ganhavam.

Se não trabalhassem, seriam cortados. Se trabalhassem e ganhassem pouco, uma quantia que não bastasse para a vida que eles levavam, seriam cortados. E se trabalhassem, e se ganhassem bastante, ainda teriam de passar pela prova terrível do beabá.

Acabara-se o tempo de o jogador só precisar saber assinar o nome na súmula. Se não soubesse escrever e ler corretamnte, e na presença de alguém assim como o presidente da Liga, estava cortado.

Todas as noites, o Custódio Moura, um sócio do Vasco, aparecia em Moraes e Silva para a aula de caligrafia. O mais importante era a caligrafia.

Um pouco antes de começar o jogo, o juiz chamava os jogadores, um por um, o jogador assinava a súmula e pronto. Mas a Liga foi exigindo mais. A papeleta de inscrição tornou-se quase um exame de primeiras letras. Uma porção de perguntas. Nome por extenso, filiação, nacionalidade, naturalidade, dia em que nasceu, onde trabalha, onde estuda, etc., etc.”

Evolução e projetos unificadores - Maurício Andrés Ribeiro

Estado de Minas: 28/06/2014


Construção de Brasília, evento coletivo que mobilizou a capacidade de realização do brasileiro. Como a Copa do Mundo     (Arquivo Público Federal/Divulgação)
Construção de Brasília, evento coletivo que mobilizou a capacidade de realização do brasileiro. Como a Copa do Mundo


A realização da Copa do Mundo de futebol no Brasil testa a capacidade do país de se organizar, oferecer mobilidade e segurança nas cidades. Além disso, testa sua habilidade para receber milhares de visitantes e turistas, alojá-los, dar-lhes condições de bem-estar. Os governos são cobrados em sua competência para realizar as obras necessárias a tempo e com custos adequados. A sociedade se movimenta em torno do evento: alguns exaltam seu aspecto festivo, outros criticam os gastos realizados. Ao se oferecer para sediar a Copa e ser escolhido, o Brasil se propôs um desafio que catalisou energias e recursos.

Da mesma forma, uma cidade escolhida para sediar os Jogos Olímpicos induz seus governantes a saírem da gestão do dia a dia; mobiliza organização, planejamento, energias humanas e institucionais, monitoramento e fiscalização para que tudo esteja pronto a tempo para o grande evento. O desfile de escolas de samba no Rio de Janeiro, definido por Darcy Ribeiro como o maior espetáculo da Terra, também demanda tal capacidade.

Organizar eventos festivos é um desafio pequeno se comparado a outros projetos coletivos. No Brasil, a construção de Brasília foi um projeto que mobilizou vontade, determinação, planejamento e capacidade de realização. Em Portugal, no século 16, as navegações foram cuidadosamente planejadas e executadas com a participação da Escola de Sagres. No século 20, a descida do homem na Lua foi evento que mobilizou esforço e inteligência coletiva, sob o comando da Nasa.

A construção das catedrais, das pirâmides do Egito, da muralha da China mobilizaram vultosos recursos econômicos, humanos, tecnológicos e de conhecimento. Foi necessário pagar a subsistência de cada trabalhador, financiar, arrecadar e investir recursos para que elas fossem realizadas com sucesso, durante décadas ou séculos.

Dispor de um projeto, meta ou mito unificador é um requisito importante para fazer convergir as energias humanas num rumo comum. Em alguns casos, tais projetos que buscam a unificação interna são essencialmente destrutivos e voltados para a dominação de outros povos, tais como as grandes guerras. No sentido inverso, apontam projetos de unificação política, tal como o que se desenvolve na União Europeia, com todos os desafios, recuos e avanços que o caracterizam.

Para catalisar energias que levem a um futuro promissor, a humanidade pode precisar de novos projetos e obras unificadores. Um deles pode ser a construção de uma unidade política planetária. Edgar Morin, em texto intitulado O grande projeto, observa que “a fecundidade histórica do Estado-Nação hoje se esgotou. Os Estados-Nação são por si mesmos monstros paranoides incontroláveis, ainda mais sob ameaças mútuas. Uma primeira superação dos Estados-Nação não pode ser obtida senão por uma confederação que respeite as autonomias, suprimindo a onipotência”. Mas nós ainda estamos na “idade do ferro planetário”: ainda que solidários, continuamos inimigos uns dos outros e a explosão dos ódios de raça, de religião, de ideologia, provoca sempre guerras, massacres, torturas, ódio e desprezo.

Um projeto político ainda por se realizar é a constituição de uma Federação Planetária que suceda a atual fase dos Estados-nação e que avance em relação à Organização das Nações Unidas, da mesma forma como essa avançou em relação à Liga das Nações.

Crises

Um projeto unificador é necessário para lidar com a crise ecológica e climática planetária. Thomas Berry e Brian Swimme propõem uma obra coletiva de transitar dessa crise para uma era em que exercitemos nossa capacidade de sustentar o mundo natural para que o mundo natural possa nos sustentar, num processo de sustentabilidade recíproca. Eles observam: “Todos nós temos nosso trabalho particular. Temos uma variedade de ocupações. Mas além do trabalho que desempenhamos e da vida que levamos, temos uma grande obra na qual todos estamos envolvidos e ninguém está isento: é a obra de deixar uma era cenozoica terminal e ingressar na nova era ecozoica na história do planeta Terra. Esta é a Grande Obra”. Eles observam que precisamos reinventar o humano no nível da espécie, porque os temas com que estamos envolvidos “parecem estar além da competência de nossas tradições culturais atuais, seja individualmente ou coletivamente”.

A crise climática está associada a uma crise da evolução biológica e cultural. Diante da perspectiva de colapso planetário e da percepção dos limites da capacidade de suporte do planeta, a busca da segurança motiva uma construção coletiva de respostas. Um dos mitos unificadores atuais é o da sustentabilidade, que se procura viabilizar por meio de um conjunto de iniciativas que envolvem governos, empresas, organizações sociais e indivíduos. Imaginar um projeto unificador, ter a determinação e mobilizar os recursos para colocá-lo em prática numa obra coletiva é um pré-requisito para se construir um futuro promissor.

. urício Andrés Ribeiro em autor de Ecologizar e Meio ambiente & evolução humana. www.ecologizar.com.br

Notícias do coração da vida [Paulo Mendes Campos]

Diário da Tarde, de Paulo Mendes Campos, sintetiza com leveza o itinerário do poeta e cronista mineiro. Livro reúne 20 edições imaginárias de jornal composto pelo escritor, recheado de lirismo e inteligência



João Paulo
Estado de Minas: 28/06/2014



Paulo Mendes Campos ajudou a consagrar a crônica como gênero literário brasileiro, mas foi poeta em   todos os momentos de sua literatura (Badaró Braga/O Cruzeiro/Arquivo EM - 10/8/60 )
Paulo Mendes Campos ajudou a consagrar a crônica como gênero literário brasileiro, mas foi poeta em todos os momentos de sua literatura

Se você tiver que escolher um livro para levar para todo lugar, em todos os momentos do dia e nas várias fases de sua vida, anote o nome: Diário da Tarde, de Paulo Mendes Campos (1922-1991). O próprio autor definiu, logo na abertura, que se tratava de um livro que “pode ser folheado num lindo dia de chuva, à falta duma boa pilha de revistas antigas”. Todos carregam na memória essa coleção impossível de revistas com as palavras certas para os dias tingidos de cinza. O nome, Diário da Tarde, lembra a função de um jornal que chega ao cair do dia, com o objetivo de consolar o leitor. Os jornais, hoje, já não cumprem essa função, só trazem notícias ruins. Paulo Mendes Campos é poeta, é portador de outras novas. Algumas tristes, mas todas líricas, ainda que melancolicamente líricas.

O livro foi publicado nos anos 1980; depois ganhou edição especial em formato de revista pela Instituto Moreira Salles. Agora, novamente em livro, parece recuperar sua força original: é ao mesmo tempo volume de crônicas, ensaios, poemas e textos sobre futebol. Tudo organizado em forma de periódico, com seções bem definidas. O autor é também editor. Concebe e realiza a tarefa de criar um jornal pessoal, do começo ao fim, apenas com o que acha importante e na forma que julga mais adequada. Tem prosa e poesia. O volume, como destaca Leandro Sarmatz no posfácio, atende ainda a uma das “utopias perduráveis do modernismo”, o jornal de um homem só. Uma corrente inaugurada por Karl Kraus com seu Die Fackel e continuada entre nós por Apparício Torelly, o Barão de Itararé, com seu A Manha (não confundir com A Manhã).

Paulo Mendes Campos entendia do riscado. Escreveu nos principais jornais brasileiros e seus primeiros livros foram coletâneas de textos saídos em periódicos. O jornal era seu ambiente natural e estava acostumado a publicar artigos e entrevistas, além de crônicas. Sabia ainda que o texto literário convive com a notícia mais chã e tirava proveito desse emparelhamento. Como poeta, na linhagem de Walt Whitman e Pablo Neruda, produziu poemas longos, com ideias libertárias. Há uma utopia na poética de Paulo, mas que parece falar menos de nações a serem fundadas e mais de tardes de domingo, esse outro sonho igualmente impossível e verdadeiro.

O escritor foi também um dos criadores do modelo da crônica literária brasileira. Seu estilo nesses textos carrega as melhores característiscas do gênero: tem a graça coloquial de Fernando Sabino, o senso de observação do detalhe despercebido de Rubem Braga, o jeito filosofante humilde de Drummond ao comentar o dia a dia. E ainda um lirismo meio ébrio de vontade de encontro, certa sede de amar de quem sabe que o amor acaba e que os bares por vezes ficam fechados. Além disso, homem culto, Paulo foi tradutor de poetas antigos e modernos e ensaísta bissexto. Parece que, em certa altura da vida, resolveu juntar tudo no mesmo livro. Nascia Diário da Tarde.

O livro é organizado em 20 “edições”. Cada uma traz oito seções fixas: Artigo indefinido; O gol é necessário; Poeta do dia; Bar do Ponto; Pipiripau; Grafite; Suplemento infantil; e Coriscos. Como o nome indica, abarcam material vário, que dá conta dos interesses do escritor e da dispersão do leitor que procura suas revistas velhas como passatempo metafísico. Ele pode ler em sequência, saltar partes, se prender aos assuntos de seu interesse. O certo é que vai encontrar, ainda que com dicção diferente, o mesmo sentimento do poeta que se veste de editor: trazer a sensibilidade e a inteligência para o leitor eventual. As notícias habituais não interessam no diário de PMC. Além de nome do jornal, o título do livro pode ser lido como um desses cadernos de anotações íntimas, que são tomadas ao cair da noitinha...

Artigo indefinido, a primeira seção, traz pequenos ensaios literários, cheios de erudição, mas escritos com leveza e bom gosto. O autor trata do Cântico dos cânticos; do romance Orlando, de Virginia Woolf; de Fernando Pessoa; das contradições de Mark Twain; de John dos Passos; da novela Coração das trevas, de Joseph Conrad; do amigo Pedro Nava; de seus poetas de eleição: Whitman, Neruda e Lorca. Mescla o tom, por vezes enciclopédico, com o de intérprete capaz de alguns lampejos. Sobre Whitman: “Pela primeira vez, um canto épico dedicado à indústria, coisa sagrada para WW; pela primeira vez, além de capitães e navegadores, engenheiros, arquitetos, construtores e mecânicos (...). Um poema para celebrar o mundo ante e anticonceitual, a mistura do que parecia originalmente dissociado: o jardim adâmico e a máquina”.

Os artigos não tratam apenas de temas literários. Há textos que se compõem quase de colagens de citações e informações, como “Morte contemporânea”, que descreve a forma de morrer como decorrência direta da maneira de viver; e “Uma túnica de várias cores”, sobre o hábito de beber (e, evidentemente, de parar de beber seguidamente).

A seção seguinte, O gol é necessário, é ideal para se ler em tempos de Copa. Paulo Mendes Campos trata da história do futebol desde os ingleses, conta histórias de Garrincha (com quem passou uma tarde comendo angu à baiana e bebendo caipirinhas), fala de exames de dopping (a partir do caso do jogador Campos, do Atlético Mineiro), defende o futebol como brincadeira, recorda das Copas de 1958 e 1974, esquece os jogos e times para falar da bola. E, nostálgico, escreve: “O futebol já me viu. O futebol jogou-me como quis. O que colhi no campo dá perfeitamente para eu viver mais 10 ou 20 anos”.

Coriscos de BH As demais seções de Diário da Tarde são dedicadas à poesia. Em O poeta do dia, PMC traduz poemas de Verlaine, Borges, Dylan Thomas, Paul Éluard, Giovanni Pascoli, Pedro Salinas, Wallace Stevens, Eugenio Montale e Stephen Spender. A série intitulada Coriscos faz um passeio por várias regiões de Belo Horizonte, mesmo que só em tom de brincadeira, já que não se referem em momento algum às localidades. Como o nome indica, são textos curtos, pequenos raios de sentido brincalhões, a apontar o sem-sentido das coisas. Como em Coriscos na Floresta: “Todas a mulheres, fiéis ou não, aguardam, tricotando nervosas alguma coisa, um telefonema de Ulisses”. Ou nos Coriscos do Bairro Funcionários: “Segundo um poeta lúcido e doido, os hotéis são caros, mas os bordéis são baratos”. E, ao definir o próprio ofício, em Coriscos na Serra: “O poeta ganha a poesia de cada dia com o suor de sua alma”.

Nas demais partes de seu jornal, entram em cena os próprios versos do poeta-editor, que variam da forma livre do poema modernista aos aforismos. Em alguns textos, meio prosa meio poesia, Paulo Mendes Campos é capaz da síntese impossível entre a racionalidade das ideias e a emoção da expressão lírica. Uma fórmula que apenas ele parecia possuir.

Como em “Penúltimo”, que faz parte da seção Bar do Ponto, dedicada às observações do dia a dia: “Os últimos drinques que bebi com os meus mortos não me deixam; Graciliano, Eustáquio, Raimundo, Jaime, Emílio, Mário, João, Luís, Arnaldo, Darwin, Haroldo, Lúcio, Luís, Vinicius. Era o último. E eu pensava que fosse o penúltimo. Pelas cloacas da noite procuro o que foi, onde foi, quando foi. E nunca entendi nada”.

Ou ainda, na mesma seção, o texto “Trem de ferro”: “A infância era ferroviária. Meninos do meu tempo iam ser maquinistas. Pé descalço no calor do trilho. Cabeleira de capim esvoaçando. Pontilhões me enternecendo. Os êmbolos poéticos do espaço ferroviário. Minha fantasia não era morada de entes sobrenaturais. Sonhos engrenados pelos homens cabiam em nossa medida. Entro no túnel com o sobressalto musical de quem começa um improviso. A penumbra menos inteligível, mais alusiva que a luz. Divaga nessas entranhas um divertimento perverso de túmulo. Mas a boca de saída berra pelo sol”.

As citações não são casuais. Em sua forma aparentemente objetiva, inspirada na menos pessoal das formas de expressão, o jornalismo (mesmo que reinventado poeticamente), Diário da Tarde é um livro de memórias. Do jeito que os mineiros entendem a memória, como Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava e Cyro dos Anjos: um jeito tímido de se desvendar, quase sempre a partir da melancolia, mas sem puxar para si nada além da discrição. Os mineiros não gostam de exibir sofrimentos, mas não se perdoam nem dos pecados que não cometeram.

Para o cronista e editor de Diário da Tarde sobra, no entanto, a tarefa de fazer passar com menos peso os dias de chuva na alma do leitor. O livro é um exercício de cordialidade do poeta, que o leitor precisa fazer por merecer.

DIÁRIO DA TARDE
• De Paulo Mendes Campos
• Editora Companhia das Letras
• 330 páginas, R$ 46

A feira nossa de cada dia [Julio Bernardo]

Julio Bernardo, um dos mais ranzinzas blogueiros do setor gastronômico, reúne memórias de sua juventude e descreve a dura vida dos bucheiros


João Paulo
Estado de MInas: 28/06/2014


Ele tem cara de bravo. E não é só a cara: Julio Bernardo é o mais temido dos críticos de restaurantes do país       (Renato Parada/Divulgação)
Ele tem cara de bravo. E não é só a cara: Julio Bernardo é o mais temido dos críticos de restaurantes do país



Julio Bernardo tem orgulho de suas origens: ele é bucheiro. Para quem não sabe, essa é a ocupação de quem vende miúdos na feira. Julio tem linhagem, já que é filho de bucheiro. Cresceu na feira livre, conhece seus meandros, sua história, bastidores e personagens. Depois de enfrentar a banca de vender miúdos e frangos desde a adolescência, Julio Bernardo fez um pouco de tudo: foi DJ, chef de cozinha, dono de restaurante e hoje é o blogueiro mais implicante do país. Todos do mundinho gourmet torcem o nariz para ele, mas não deixam de ler o que ele escreve. Ele sabe que é temido. E gosta disso da forma mais cruel: não está nem aí para o que dizem dele. Continua pagando suas contas, passeando com seus cães e deixando a barba crescer.

Pois agora JB resolveu expandir seu público e está lançando o livro Dias de feira, uma coleção de pequenas memórias, com jeito de crônicas, que vão compondo sua história pessoal e de sua turma das feiras livres. No mundo dos feirantes, como acontece com todos, há de tudo: alegrias, tragédias, amor e sexo. Muda o cenário e surgem algumas características que fazem parte de um universo de gente que trabalha na rua, acorda de madrugada e gosta de beber durante o expediente (nos bares do entorno das feiras).

O livro é dividido em três partes. Começa apresentando o terreno, com “O circo ganha a rua”. No primeiro capítulo, hora a hora, o cenário vai ganhando vida, da organização do espaço ainda na madrugada até a hora da xepa. JB vai caracterizando, um a um, os tipos de consumidores e seus horários mais constantes. Mas fala também de sua turma, da necessidade de “comprar uma permissão” para trabalhar, das idas aos bares, do escambo que rola no negócio. Não ficam de fora os truques para roubar no peso e uma “receita” para revitalizar frango meio passado com tempero carregado.

Em seguida, vêm os personagens. Nas seções “Na feira” e “Bucheiros”, JB apresenta sua turma, sem segurar a mão. Elogia quando tem que elogiar, critica e denuncia quando é preciso. Mas tudo com o afeto de quem é do meio e sabe do que está falando. Para o ex-feirante, existem três tipos de vendedores: o desprezível, o técnico e o apaixonado. E, para explicar, conta a história do João do Feijão, que se recusava a cumprimentar freguês que consumia o carioquinha. “Um figuraça, o João”, elogia.

E tem muita gente na feira do autor: o Carlão, um militar linha-dura que não aceitava o filho gay; o Rubão, um fiscal que se deu mal com seus arrochos; e Aline e sua triste história de amor não realizada. Ele chega a teorizar sobre os tipos da feira: na história da alimentação, garante, “não há quem se pareça fisicamente tanto com o produto vendido como o ovo e o oveiro. Pode reparar. Um é a cara do outro”.

JB fecha seu livro com o epílogo “A xepa da história”, uma espécie “em busca do tempo perdido”, com certa melancolia, mas com realismo: “Sinceramente, não tenho a menor noção se meus dias de feira foram melhores ou piores que os da maior parte dos jovens. Cá entre nós, acho minha vida bem comunzinha”.

Dias de feira é legal por ser comum. Dá impressão de verdade, de quem não quer ser melhor nem pior do que é. No mundo da gastronomia, em que tudo que não é espuma se desmancha no ar, isso é quase um milagre.

Trecho
“Talvez exista quem beba tanto quanto o bucheiro. Mas mais é pouco provável. Tomo como parâmetro o meio onde me meti logo depois, por mais de uma década, o afetadíssimo mundo gastronômico, onde sou conhecido pela forte resistência ao álcool. No mundinho da gastronomia, o que mais há são pessoas que gostam da ideia de gostar de comer e beber, despejando sua enorme carência em uma tacinha de vinho chileno. Prefiro mil vezes a companhia de não bebedores à do canalha que só toma uma tacinha ou, pior, que só prova para ‘degustar’. Sempre bebi e comi para elevar meu espírito – uma tacinha não me satisfaz. Pretendo continuar assim até o fim dos meus dias. Mas consideramos que o foodie é babaca no maior grau se o compararmos com o bucheiro, vamos de extremo a extremo. Ou seja, os bucheiros exageram, no capricho.”

DIAS DE FEIRA
. De Julio Bernardo
. Editora Companhia das Letras, 190 páginas, R$ 35

Sendas do miniconto - Novo livro de Francisca Vilas Boas

Novo livro de Francisca Vilas Boas reafirma o estilo de uma geração que criou um gênero que leva a concisão ao limite


Márcio Almeida
Estado de Minas: 28/06/2014


No mínimo o máximo: a arte de Henry Moore e sua obsessão em resumir o universo no detalhe     ( Nea/AFP)
No mínimo o máximo: a arte de Henry Moore e sua obsessão em resumir o universo no detalhe


Francisca Vilas Boas fez parte do grupo de autores que com pioneirismo criou em Guaxupé, no início da década de 1960, o miniconto, num movimento que envolveu também Elias José, Sebastião Resende e Marco Antonio de Oliveira. É ela a única remanescente da fértil literatura que pude resgatar em duas publicações a fim de se fazer justiça histórico-literária: A minificção do Brasil – em defesa dos frascos & comprimidos, em 2010; e Pioneiros do miniconto no Brasil – resgate histórico-literário, de 2012.

Felizmente para os leitores, a autora está de volta com o bilíngue livro de (mini)contos Das ilusões e da morte (Editora Scortecci), com tradução experiente de Miren Josune Oqueranza – depois de um período de carência ficcional de décadas, uma vez que O sabor do humano é de 1971 e Roteiro de sustos, de 1972. Nesse ínterim, contudo, teve o reconhecimento crítico de Assis Brasil, Duílio Gomes, Laís Corrêa de Araújo, Euclides Marques Andrade, Stella Leonardos, Murilo Rubião, José Afrânio Moreira Duarte, Menotti del Pichia, entre outros.

Já àquela época, sua linguagem havia sido comparada à de Clarice Lispector e Nélida Piñon, pelo "talento surpreendente", como o de um "Guimarães Rosa de saia". Revelava-se, então, uma mestra do realismo mágico "abeirando-se ao novo barroco dos modernos ficcionistas latino-americanos", a cujos textos a autora conseguia também dar "uma significação telúrica e uma contextura poética" – sendo estes diferenciais incisivos em sua obra, inclusive no livro recém-lançado.

Em entrevista publicada em Pioneiros do miniconto no Brasil, Francisca Vilas Boas confessa o aprendizado literário com a obra de Clarice Lispector, que conheceu pessoalmente; Kafka, Camus, G. Rosa, Michel Buttor, García Márquez, Julio Cortázar, Sartre, Samuel Beckett, Machado de Assis, Graciliano Ramos e com a sua própria experiência criadora (mini)contística.

Das ilusões e da morte é um livro que vai surpreender mesmo leitores muito exigentes. E vai arrancar do seu leitorado muitos ótimos comentários, porquanto é merecedor do reconhecimento crítico para fazer jus a uma autora séria, criativa, ostinato rigore de seu próprio estilo, donde uma linguagem apurada, diferenciada posto que personalíssima.

Neste livro, encontram-se marcas muito peculiares de Francisca Vilas Boas: a intensidade descritiva condensada; míticas referências históricas; o questionamento existencial; a procura de uma identidade dos personagens; o desejo transgressor não raro inibido por traumas das personagens; "a contemplação extática de um mundo cru, não humano e silencioso, ao mesmo tempo [no] limite da narrativa à beira do inenarrável", personagens que vivenciam situações contundentes com "olhos emprestados"; o estranhamento das situações criadas, o ser humano na selva dos símbolos, na carne do nada, no olhar cego da incomunicabilidade que grita em silêncio sua fragilidade e insignificância, no ethos que perdeu o pathos, no tempo que já pesa mais que o porvir; a tentativa de resgatar a existência na existência, por ser ela mediadora da relação humana e por permitir antever a verdadeira existência do outro; a surrealírica postura do dizer e do sentir como o pensar no saber vivenciado das personagens, o realismo mágico.

Surpresa
Com esses diferenciais, a autora mineira-carioca tem tudo para oferecer o máximo nos 21 (mini)contos que compõem Das ilusões e da morte. Além de ser fiel às suas origens, aos seus leitores de cabeceira e às suas próprias leituras, sem copiar ninguém, Francisca Vilas Boas avança na linguagem como quem busca sempre o inusitado não pela surpresa em si, mas para oferecer ao leitor a comovência da própria linguagem, o que é hoje raro na literatura.

Inclusive seus personagens são incomuns, posto que não se sujeitam a um cotidiano trivial e que mesmo em meio ao caos existencial preservam uma ética, um estado de espírito, um modus faciendi. Chabert toca pela solidão. E pela secura comovente camusiana. Em "Sigma-c—zero", a linguagem wittgensteiniana leva o leitor a um imaginário profundo de si mesmo. Um conto produzido para ser um clássico. Sentenciante, interfere na consciência pelo fantástico. Bila surpreende e envolve pela coragem de ser "antiga". Jeremias por ser a história de desistência consciente de muita gente que escreve. Rufino porque, justamente como no Sartre da epígrafe, "o homem deve ser inventado a cada dia".

“Labirinto” porque provoca uma baita aflição, sobretudo no leitor que fizer uma leitura sinestésica. Em "Espelhos", "Faces do silêncio", "Portas", "Voo em sonho", "Do arcaico e dos arcanos", entre outros, por exemplo, tem-se a extensão concentrada da maestria de uma autora que sabe mesmo contar uma história. Povo sentado é exemplar em realismo mágico, não no sentido de submissão a um cânone, mas uma literatura enraizada no povo como mescla étnica de influências nativas creolla, mameluca, cafuza, negra et alii, no conteúdo da exploração econômica e humana. Um autêntico e fértil roteiro para um bom filme de fronteiras.

Das ilusões e da morte é por tudo a comprovação de uma autora que se consagra para leitores que exigem, hoje, contos genuinamente bem escritos, muito interessantes, em estilo competente e raros.


. Márcio Almeida é escritor e crítico literário.
E-mail: marcioalmeidas@hotmail.com

Melatonina no combate ao câncer de mama‏

Melatonina no combate ao câncer de mama
 
Estudo desenvolvido no interior de São Paulo, com colaboração de norte-americanos, mostra que hormônio desempenhou papel importante no controle de formação de novos vasos sanguíneos ligados ao tumor


Francelle Marzano
Estado de Minas: 28/06/2014


A melatonina, conhecida por regular o ciclo do sono e vigília, pode ser, em alguns anos, um novo aliado ao tratamento do câncer de mama. A descoberta faz parte de uma pesquisa desenvolvida por cientistas da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), em colaboração com colegas do Hospital Henry Ford de Detroit, em Michigan, nos Estados Unidos. O hormônio produzido naturalmente pela glândula pineal, em resposta à escuridão, pode retardar o crescimento dos tumores do câncer de mama. O estudo esclarece que essa capacidade do hormônio se deve ao papel que ele pode desempenhar no controle da formação de novos vasos sanguíneos a partir da vasculatura já existente do tumor, denominada angiogênese. O estudo foi publicado na revista científica PLoS One no início do ano.

A pesquisa foi finalizada recentemente e desenvolvida durante três anos, no âmbito do projeto “Avaliação da angiogênese em resposta ao tratamento com melatonina no câncer de mama: estudo in vitro e in vivo”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Experimentos foram feitos em linhagens de células tumorais e em camundongos, no Laboratório de Investigação Molecular do Câncer (LIMC) e no Henry Ford Hospital pela aluna Bruna Jardim-Perassi, com a coordenação da professora e pesquisadora Debora Aparecida de Campos Zuccari.

No Brasil, apesar de o uso da melatonina não ser proibido, ela não é vendida, mas nos Estados Unidos ela já é comercializada para controle do sono e também como suplemento alimentar. Debora afirma que o objetivo do estudo foi ver o impacto da melatonina sobre a viabilidade celular, a multiplicação das células em cultura e sobre o crescimento do tumor e angiogênese in vivo, uma vez que já se sabia que a melatonina, quando administrada em doses terapêuticas acima dos níveis encontrados no organismo, apresenta propriedades antioxidantes. “É possível que o hormônio possa suprimir o crescimento de alguns tipos de células cancerosas, principalmente quando combinado com certas drogas já usadas no tratamento do câncer”, afirma.

No experimento in vitro foram usadas duas linhagens diferentes de células tumorais mamárias. A primeira delas representou um tipo de tumor estrógeno positivo, que geralmente tem um bom prognóstico e dificilmente vai causar metástase. A segunda linhagem representou tumores mais agressivos, conhecidos como triplo negativo, já que não respondem ao tratamento antiestrogênio, com tendência a metástase. Debora Zuccari explica que quando o tumor está em processo de crescimento, parte do tecido passa a sofrer com a falta de oxigênio (hipóxia), estimulando a expressão dos genes responsáveis pela formação de novos vasos sanguíneos como o VEGF (fator de crescimento endotelial vascular), para aumentar o aporte de nutrientes e oxigênio no local.

Para mimetizar as condições de hipóxia no estudo in vitro, os pesquisadores aplicaram cloreto de cobalto nas células, fazendo com que a substância consumisse o oxigênio do meio e estimulasse a expressão de genes responsáveis pela formação de novos vasos. “Uma parte das culturas foi tratada com doses de melatonina que variaram entre 0,5 e 10 milimols (mmol). Nas duas linhagens, a dose de 1mmol foi a que mostrou maior benefício, reduzindo em 50% a viabilidade celular quando comparada ao controle”, afirma a professora.

Já no estudo in vivo foram utilizados dois grupos de camundongos atímicos (roedores geneticamente modificados, que não têm o timo), nos quais foram implantadas células tumorais para avaliar os efeitos da melatonina sobre a angiogênese. Em um grupo foram administradas doses diárias via intraperitoneal de melatonina (40mg/kg) por 21 dias seguidos, durante a noite, cerca de uma hora antes de a iluminação da sala em que estavam confinados ser desligada. O outro grupo recebia injeções sem o medicamento, apenas como forma de deixá-los nas mesmas condições de manuseio do grupo tratado.

Os tumores foram medidos semanalmente com um paquímetro digital e depois dos 21 dias todos os camundongos foram submetidos a tomografia computadorizada por emissão de fóton único (Spect) com radiotraçador Tc-99m-HYNIC-VEGF-c para determinar se a melatonina contribuiu, diminuindo o tamanho do tumor ou se houve mudança na formação de novos vasos sanguíneos. No grupo que recebeu o medicamento, os pesquisadores constataram que o tamanho do tumor, e a proliferação de células cancerosas diminuíram se comparado aos animais que não receberam melatonina. Ainda de acordo com a pesquisa, houve também redução na densidade dos vasos sanguíneos do tumor e do receptor de VEGF no grupo tratado com o hormônio. “O tratamento foi eficaz tanto na redução do crescimento do tumor quanto na proliferação celular”, destaca Debora.

O próximo passo agora, de acordo com a pesquisadora, é promover os testes clínicos para comprovar a eficácia do tratamento também em humanos. “Estamos viabilizando um estudo para fazer o teste em pacientes com câncer de mama já em fase terminal, sem outra opção de tratamento. Ainda faltam estudos para comprovar a utilização da melatonina como tratamento para o câncer de mama e essa comprovação ainda pode demorar”, acrescenta.

ANOS DE PESQUISA O presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc), Evanius Wiermann, destaca a importância do estudo para o avanço no tratamento do câncer de mama, mas afirma também que é preciso ter o pé no chão para saber que ainda são necessários novos estudos para comprovar a eficácia da melatonina na regressão dos tumores e chegar de fato ao mercado. A partir de agora, os pesquisadores que desenvolveram o estudo têm, pelo menos, mais três fases pela frente que podem levar cerca de 10 anos. A fase, segundo Wiermann, consiste em identificar o perfil de segurança da melatonina sobre o câncer de mama. “Eles precisam ver qual a dose máxima tolerada, seus efeitos colaterais e outras sequelas do tratamento com o hormônio”, explica.

A fase dois se baseia na administração da medicação em diversos pacientes portadores da doença, com tumores diferentes, para testar o nível de eficácia do medicamento. “Precisa-se saber se é possível reduzir o tamanho dos tumores em humanos com a melatonina. Muitas vezes, o que é testado e faz bem nos camundongos às vezes não produz o mesmo efeito nos humanos”, afirma o presidente da SBOC. Depois de descobrir a eficácia da melatonina para o tratamento do câncer, em qual tipo de tumor, em qual área do corpo, o estudo passa para a fase três, para comparar o uso do medicamento novo ao medicamento que já é usado como padrão na maioria dos tratamentos pelo mundo. “Para que ele possa ser usado e comercializado, ele precisa ser melhor do que o procedimento que já é adotado como padrão ou produzir o mesmo efeito, sendo menos tóxico”, ressalta Wiermann. Segundo o oncologista, esse é um caminho extremamente longo, pois a cada 100 moléculas estudadas e que são promissoras para o tratamento do câncer, apenas cinco chegam à fase três do estudo e, dessas, só uma prova ser melhor do que o método adotado e entra no mercado.

TeVê

TV paga

Estado de Minas: 28/06/2014



 (Sony Pictures/Divulgação)

O bando


Os grandes amigos Seth Rogen e Jay Baruchel vão a uma festa na casa do ator James Franco, que reúne diversas celebridades como Jonah Hill, Rihanna, Jason Segel e Emma Watson. Tudo corre bem até que um aparente terremoto se revela como sendo o dia do julgamento final e Rogen, Baruchel, Franco, Hill, Danny McBride e Craig Robinson se veem presos no local, torcendo para que o mundo não acabe. Esse é o curioso enredo de É o fim (foto), comédia que a HBO estreia hoje, às 22h.

Uma dupla do barulho
no Telecine Premium


Outra estreia de hoje é o thriller policial Dose dupla, com Denzel Washington e Mark Wahlberg, às 22h, no Telecine Premium. No Futura, outro destaque da programação: Pai patrão, dos irmãos Paolo e Vittorio Taviani, também às 22h. No mesmo horário, o assinante tem mais oito opções: País do desejo, no Canal Brasil; Canção de Baal, no Sony Spin; Amizade colorida, na HBO 2; Conan, o bárbaro, no Telecine Action; Vocês ainda não viram nada!, no Telecine Cult; Eu queria ter a sua vida, no Universal Channel; O último jantar, no Comedy Central; e Todo mundo em pânico 3, no Megapix. Ouras atrações do pacotão de cinema: A trilha, às 20h, no A&E; Carandiru, às 21h, no AXN; Homem de Ferro 2, às 22h30, na Fox; e Esposa de mentirinha, às 22h30, no FX.

Conheça o trabalho do
crítico Frederico Morais


Para contar a trajetória do crítico, historiador e curador mineiro Frederico Morais, o diretor Guilherme Coelho passou um dia em sua casa no Rio de Janeiro. O documentário Um domingo com Frederico Morais, lançado em 2011, retrata sua história desde a chegada à capital fluminense, em 1965. Quando foi diretor do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1971, Morais idealizou o evento conhecido como Domingos de Criação, que convidava artistas para criarem obras com a colaboração do público. Confira às 17h30, no Arte 1.

Documentário revela
nova faceta de Einstein


Ainda no segmento dos documentários, o canal +Globosat exibe, às 16h, o especial Einstein revelado, que lança um novo olhar sobre o homem cuja incrível intuição sobre as leis essenciais da natureza mudou para sempre o que se sabe sobre o espaço, o tempo e a estrutura do universo. No GNT, às 22h30, vai ao ar o quarto e último documentário sobre diversidade sexual, Um escândalo sexual histórico, que mostra como Peter Wildeblood, jornalista do britânico Daily Mail, se envolveu com um homem e acabou preso nos anos 1950.

Film&Arts apresenta
a última ópera de Verdi


A ópera Falstaff, a última composta por Giuseppe Verdi aos quase 80 anos, será exibida hoje, às 17h30, no Film&Arts. A montagem, de 2011, se destacou pela elogiada atuação do elenco, do qual faziam parte, entre outros, o cantor lírico Ambrogio Maestri, com a Orquestra e Coro do Teatro Regio di Parma, regência de Andrea Battistoni e direção de Stephen Metcalf. Na Cultura, às 18h, a cantora Maria Alcina é a convidada do programa Cultura livre. Já às 21h30, ainda na Cultura, o programa Clássicos é dedicado ao mais importante nome da ópera na atualidade: Plácido Domingo. E no Multishow, às 21h, tem MC Guimê e Emicida ao vivo.


CARAS & BOCAS » Buchecha conta tudo
Simone Castro
Publicação: 28/06/2014 04:00
Val, Thammy, Raul, Buchecha, Penélope e Dani, no quadro de perguntas afiadas de programa do SBT/Alterosa (Rodrigo Belentani/SBT)
Val, Thammy, Raul, Buchecha, Penélope e Dani, no quadro de perguntas afiadas de programa do SBT/Alterosa

Em “Elas querem saber”, quadro do Programa Raul Gil deste sábado, no SBT/Alterosa, o convidado é o cantor Buchecha. Afiadas, Val Marchiori, Thammy Miranda, Penélope Nova e Dani Bolina colocam o funkeiro contra a parede atrás de respostas sobre a carreira e relações amorosas. Ele também revelou detalhes da morte do parceiro de música, Claudinho. “Eu não gostava muito de funk”, dispara Buchecha sobre o início da carreira. Mas, faz questão de lembrar: “Fomos a primeira dupla a expandir o funk no Brasil”, referindo-se a Claudinho. Buchecha, que contou ter sido office-boy e servente de obra antes de virar cantor, explica que “sempre tive um ouvido aguçado para música”. Depois de elogiar ao afirmar que “não tem nada mais precioso que Deus fez do que a mulher”, Buchecha revela que já se envolveu com uma fã, mas que “é um cara tranquilo” quando se trata de relacionamentos.

CONFIRA COMO DOMAR
PROBLEMAS COM O CÃO


Em O reabilitador de cães, hoje, às 12h30, na TV Alterosa, Jean Cloude dá dicas, mais uma vez, de como domar seu animal. Ele mostra como, de forma equilibrada, cães, donos e todos que convivem com a dupla podem manter a harmonia nas relações.

TECNOLOGIA ESTREIA EM
JOGOS NO MARACANÃ


O SportTV (TV paga), em parceria com a Oi TV, fará a primeira transmissão no formato Ultra HD (4K) ao vivo no Brasil utilizando a tecnologia Direct to The Home (satélite). O primeiro jogo transmitido ao vivo será Colômbia e Uruguai, hoje, às 17h, no Maracanã. O repeteco será em duas outras partidas, também no estádio carioca: 4 de julho, às 13h, pelas quartas de final; e a final do campeonato, em 13 de julho, às 16h.

PERSONAGEM LEVA TIRO
AO BANCAR A POLICIAL


Depois de quase perder a vida nas mãos de um bandido, Alice (Érika Januza) correrá risco de morte depois de ser baleada na trama de Em família. Tudo começa quando a personagem acompanha uma ação da polícia em uma comunidade ao lado de Vítor (Gustavo Machado). Quando eles entram no local, Alice leva um tiro e fica gravemente ferida. Alice ainda estuda para se tornar realmente uma policial.

VERA HOLTZ RENOVA
CONTRATO COM GLOBO


Prestes a estrear no remake de O rebu (Globo), em 14 de julho, a atriz Vera Holtz, que vai interpretar a viúva Vic Garcez, renovou contrato com a emissora. Ela está na Globo há mais de 30 anos, onde viveu personagens memoráveis como a Dona Redonda, de Saramandaia, a Mãe Lucinda, de Avenida Brasil e a alcoólatra Santana, de Mulheres apaixonadas.

DEPOIS DO JOGO


O Arena SBT entrará em campo hoje, às 23h45, para comentar, ao vivo, todos os lances das partidas deste sábado das oitavas de final da Copa do Mundo, especialmente, é claro, do confronto entre Brasil e Chile, no Mineirão. O Arena SBT tem direção de Márcio Esquilo e conta no elenco com Lívia Andrade, Alexandre Porpetone, Smigol, Thomaz Rafael, Edmilson e Juliana Franceschi, entre outros. A direção é de Márcio Esquilo. A emissora ainda não definiu se o programa, que tem investido na cobertura da Copa do Mundo, vai ter vida útil depois da competição.

VIVA

Número musical que reuniu Dona Tereza (Inês Peixoto) e Viramundo (Gabriel Sater) com direito a plateia e dança, em Meu pedacinho de chão (Globo). Foi uma cena bela, singela e emocionante. Parabéns!

VAIA

Mocinha, sim, apaixonada, idem, mas burra, seu Maneco, é demais! O que mais precisa para Luiza (Bruna Marquezine) perceber que dorme com o inimigo, na trama de Em família? A morte de alguém? 

Osteoporose e ossos quebrados‏

Eduardo Amaral Gomes
Médico ortopedista e traumatologista
Estado de Minas: 28/06/2014 



A osteoporose (do grego osteón = osso + porose = estado de porosidade mórbida) é uma doença sistêmica que acomete o esqueleto humano, de evolução crônica e silenciosa. É caracterizada pela diminuição da massa óssea e deteriorização de sua microarquitetura, tornando os ossos frágeis, finos e quebradiços, ensejando o aparecimento de faturas que, tecnicamente, podem ser consideradas patológicas. Mais frequente em mulheres acima de 50 anos, na proporção de seis mulheres para cada homem. O padrão típico é uma mulher branca, magra, franzina, fumante e na pós-menopausa.

Os principais tipos de osteoporose são: a) osteoporose pós-menopausa: por diminuição gradativa do hormônio estrógeno; b) osteoporose senil: pessoas idosas e sedentárias; c) osteoporose idiopática ou primária: tem forte componente genético; d) osteoporose secundária: pessoas sedentárias, com várias doenças, além do uso constante de medicamentos, como corticosteroides e anticonvulsivantes.

O diagnóstico da osteoporose pode ser feito clinicamente. O uso de radiografia pode ser um indicador. O diagnóstico precoce pode ser feito pela densitometria óssea, um exame indolor, não invasivo e de custo relativamente acessível. As fraturas podem ser a primeira manifestação da doença, decorrentes de traumas mínimos, como uma simples torção ou movimento mais brusco. As fraturas podem surgir em qualquer osso do esqueleto, mas as quatro mais comuns são: a) fratura de coluna vertebral; b) fratura do punho; c) fratura do colo do úmero; d) fratura do colo do fêmur.

Assim: a) fratura da coluna vertebral: são as mais frequentes, com 50% de todas as fraturas osteoporóticas. Pode ocorrer espontaneamente ou após queda em posição assentada ou movimento brusco de flexão do tronco. A vértebra torna-se achatada, em forma de cunha, com dor lombar ou dorsal, sendo progressiva, limitante e não melhora com os remédios habituais. O diagnóstico é feito pela radiografia simples, ressonância nuclear magnética ou tomografia computadorizada. O tratamento é essencialmente conservador, com repouso, analgésicos e uso de coletes ortopédicos, limitando-se o tratamento cirúrgico a casos específicos e pontuais; b) fratura do punho: ocupa o segundo lugar das fraturas osteoporóticas, ocorrendo quando de uma queda com o punho estendido, pois o punho é o para-choque natural de todas as quedas. A fratura, a maioria dita de Colles, pode ser das mais simples, com tratamento conservador, usando-se aparelho gessado, até as mais complexas, quando o tratamento cirúrgico se impõe; c) fratura do colo do úmero: de ocorrência comum, é o resultado de uma queda sobre o ombro ou com o braço estendido. Dependendo do grau de cominução (fragmentos ósseos), a fratura pode ser de tratamento conservador ou cirúrgico; d) fratura do colo do fêmur: é a mais grave das fraturas osteoporóticas, de indicação eminentemente cirúrgica. A estatística é preocupante: 20% a 35% das pessoas idosas com fraturas do quadril morrerão dentro de um ano. Cerca de 10% a 20% ficarão incapacitadas.

Quanto ao tratamento global da osteoporose, pode-se dizer que a prevenção é o melhor remédio. Esta deve começar na infância e adolescência, com prática constante de exercícios físicos e ingestão adequada de cálcio e vitamina D. Nos adultos, os exercícios físicos são fundamentais, além da ingestão de cálcio e vitamina D. O uso de agentes que diminuem a reabsorção óssea, como os bifosfonatos (alendronato e risedronato), entre outros, são extremamente úteis. Podem ainda ser usados os estimuladores de formação óssea, como o ranelato de estrôncio e o paratormônio. O uso da calcitonina pode ser benéfico. A terapia com estrógeno na pós-menopausa reduz enormemente a ocorrência de fraturas do quadril, de 40% a 50%, e as vertebrais em 50%. A reversão total da osteoporose, principalmente a primária, não é possível até o momento.

Portanto, o objetivo principal com o tratamento da osteoporose é a prevenção de fraturas. Como as fraturas são decorrentes, em 90% dos casos, de quedas, a prevenção das quedas é fundamental, como também é o objetivo fundamental do tratamento da osteoporose.

ARNALDO VIANA » O esquecido‏

ARNALDO VIANA » O esquecido
Estado de Minas: 28/06/2014




O relógio desperta às 8h. A folhinha marca 7 de dezembro de 2014. Acorda eufórico. “É hoje, contra o Botafogo, o mesmo adversário de 1971, no mesmo Maracanã. Coincidência? Sei lá! Só sei que o Galo vai faturar o segundo título brasileiro.” Sai da cama, vai à cozinha, toma um gole de café e confere a lista do dia: seis peças de picanha bovina, três de picanha suína, dois quilos de linguiça, três quilos de asinhas de frango, uma peça de contrafilé, dois quilos de costelinha, uma peça de lombo, seis sacos de carvão, farinha de mandioca para a farofa, cebola, pimenta e centenas de latinhas e latões de cerveja. Ah, três litros de pinga, da boa, presente de um amigo do Vale do Jequitinhonha. Olha para a cobertura no quintal e admira a TV de 60 polegadas confortavelmente instalada a poucos metros da churrasqueira. “É hoje! Se em 1971 a gente tinha Dario, agora temos ele, o maior do mundo.”

Confere a lista de convidados feita uma semana antes. A turma estava toda lá. Imaginou a festa. Ia ser moleza. O Galo só precisa vencer. Ainda mais com um cracaço no time. Além do mais, o Botafogo capengou durante todo o campeonato e na última rodada, sem risco de rebaixamento, não aspirava a nada. E grita bem alto: Gaaaaaallllllôôôôôô!!! Às 12h, em ponto, desce para o quintal. Já de latinha gelada nas mãos, acende a churrasqueira e prepara a primeira leva de carnes. “É só o carvão esquentar e, shiffff, a grelha ganha umas suculentas fatias de picanha e contrafilé.” Antes das 13h, começam a chegar os amigos: Jorge, Lucão, Pisquila, Tagarela, Luiz, Leitão, Borramonte (ganhou o apelido porque encheu as calças de medo durante uma escalada), Trivela, Mané Bolacha, Luíza, Manoela, Ticinha, Estela…

A turma foi se espalhando nas mesas e cadeiras de plástico alugadas e cobertas com uma toalha de papel com o escudo do Galo e uma foto do time em formação. “Galô, tchan, tchan, tchan! Galô, tchan, tchan, tchan, Galô, Galô!”, gritava entusiasmado. Latinhas e latões saíam aos borbotões dos tambores coalhados de gelo. E a galera faz uma óbvia saudação: “Galão da massa, Galo doido. Arrebenta”. Sai a primeira leva de carne. Oferece uma pinguinha a um outro, toma uma talagada e tira o gosto com uma tira de picanha, aquela com a gordurinha na ponta. Estala os lábios e comenta com Borramonte: “O cara entrou no time depois da Copa e já fez quase 20 gols. Ninguém o segura. Barbada este campeonato, barbada!”. O jogo começaria às 16h. “Viu como o Ronaldinho mudou, cara? Voltou a jogar aquele futebol do ano passado”, comentou o Jairinho, último a chegar com a Vânia. “Também, pudera! Olhe a companhia! Na verdade, um velho parceiro.”

Às 15h, depois de meia dúzia de doses de pinga e tantas e tantas latinhas, chama o Mané Bolacha a um canto e abre o caderno de esportes do jornal: “Leia a escalação de novo, Mané, leia! Não acredito que seja verdade”. Bolacha pigarreia e lê: “Victor, Marcos Rocha, Leonardo Silva, Réver e Otamendi; Pierre, Leandro Donizete, Tardelli e Ronaldinho Gaúcho; Lionel Messi e Jô”. Arregala os olhos e não se contém: “Não acredito, cara. Arrepiei! Olhe aqui nos braços”. Dois minutos para as 16h e alguém alerta: “Atenção, pessoal, vai começar o jogo. Vamos lá, Galo!”.

“Acorda, Juvenal, acorda. Já passa das 9h e precisa começar a preparar o churrasco. Lembre-se, você convidou a galera para vir aqui ver a final da Copa.” Olha para a mulher como se ela fosse uma miragem. “Pô, Letícia, hora ruim para ser acordado. Ainda mais assim, de supetão, no grito. Eu sonhava que era 7 de dezembro e o Galo ia jogar com o Botafogo no Maracanã precisando da vitória para ser campeão. O Galo com Ronaldinho e Messi. Os dois como nos bons tempos de Barcelona.” A mulher não contém o sorriso: “Messi no Atlético? Pirou de vez?”. Juvenal esfrega os olhos com as costas das mãos e responde com voz quase chorosa: “No sonho, depois da disputa da Copa, a delegação argentina embarcou de volta para casa e esqueceu o Messi na Cidade do Galo. Ninguém voltou para buscá-lo e Alexandre Kalil fingiu de bobo, então…”

Pergunta do Negão: Pesquisadores da PUC Minas identificaram na Serra do Espinhaço nova espécie de roedor. É o rato-de-rabo-branco. Dizem, não os cientistas, claro, que o bicho, às vezes, enrola o rabo no pescoço como se fosse um colarinho. Aí vem a dúvida. Será que o rato é mesmo filho da serra ou de outro lugar?

Eduardo Almeida Reis - FRASES‏

Assusta-me o clima de ódio que vejo por aí e me pergunto se a televisão tem contribuído para isso

Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 28/06/2014







*Eu sempre escuto os prefeitos. Por que é que eu escuto os prefeitos? Porque é lá que está a população do país, ninguém mora na União, ninguém mora... ‘Onde você mora?’. ‘Ah, eu moro no Federal’. *A única área que eu acho que vai exigir muita atenção nossa, e aí eu já aventei a hipótese de até criar um ministério, é a área de... A área... Eu diria assim, como uma espécie de analogia com o que acontece na área agrícola. *A mulher abre o negócio, tem seus filhos, cria os filhos e se sustenta, tudo isso abrindo o negócio. *A Zona Franca de Manaus, ela está numa região. Ela é o centro dela porque ela é a capital da Amazônia. *Vamos dar prioridade a segregar a via de transporte. Segregar via de transportes significa o seguinte: ou você faz metrô, porque o metrô... porque o metrô, segregar é o seguinte, não pode ninguém cruzar rua, ninguém pode cruzar a rua, não pode ter sinal de trânsito, é essa a ideia do metrô. Ele vai por baixo, ou ele vai pela superfície, que é o VLT, que é um veículo leve sobre trilho. Ele vai por cima, ele para de estação em estação, não tem sinal de trânsito, essa é a ideia do sistema de trilho.

*Tudo que as pessoas que estão pleiteando a Presidência da República querem é ser presidente. *Eu vi. Você veja... Eu já vi, parei de ver. Voltei a ver e acho que o Neymar e o Ganso têm essa capacidade de fazer a gente olhar. *Eu também vou falar... eu vou falar pouco. Vou explicar por quê: todo mundo, antes de mim, disse que ia falar pouco, não é? E aí tinha uma senhora ali, na frente, que falou o que todos nós estamos sentindo. Ela disse assim: ‘Eu estou com fome’. E eu vou levar em consideração ela, que falou uma coisa que todo mundo está pensando, mas não está falando. *A autossuficiência do Brasil sempre foi insuficiente. *Em Portugal, o desemprego beira 20%. Ou seja, um em cada cinco portugueses estão desempregados. *Primeiro, eu queria te dizer que eu tenho muito respeito pelo ET de Varginha. E eu sei que aqui, quem não viu conhece alguém que viu, ou tem alguém na família que viu, mas de qualquer jeito eu começo dizendo que esse respeito pelo ET de Varginha está garantido.

*Em Vidas secas está retratado todo o problema da miséria, da pobreza, da saída das pessoas do Nordeste para o Brasil. *O meio ambiente é sem dúvida nenhuma uma ameaça ao desenvolvimento sustentável. *Eu quero, então, voltar aonde eu comecei. Eu vou falar agora que aqui tem 37 municípios. Eu vou ler os nomes dos municípios, porque eu acho importante que cada um de vocês possa se identificar aqui dentro e, por isso... Eu ia ler os nomes, não vou mais. Por que não vou mais? Eu não estou achando os nomes. Logo, não posso lê-los. *Se hoje é o dia das crianças, ontem eu disse que criança... o dia da criança é o dia da mãe, do pai e das professoras, mas também é o dia dos animais, sempre que você olha uma criança, há sempre uma figura oculta, que é um cachorro atrás.
Ódio

Nem só de frases de uma “gênia”, como essas que você acaba de ler, vivem os brasileiros. Assusta-me o clima de ódio que vejo por aí e me pergunto se a televisão tem contribuído para isso. Não vejo novelas. A última foi O sheik de Agadir, tevê P&B de 14 polegadas, fios ligados à bateria do automóvel e o fazendeiro dormindo diante da telinha. Mesmo sem assistir às novelas, não escapo das chamadas nos intervalos dos telejornais. E o que vi nas chamadas para muitos capítulos de Em Família foi de assustar: os personagens se odeiam. Claro que tiro o som, mas dá para perceber pelos olhares dos atores para as atrizes, e vice-versa, que o clima é de ódio e as falas devem fazer jus ao clima.

O mundo é uma bola

28 de junho de 1360: Maomé VI torna-se o décimo rei nasrida de Granada após assassinar seu cunhado Ismail II. Reinará durante 32 anos depois do louvável homicídio, considerando que os cunhados, mesmo entre os nasridas, nunca foram de confiança.

Muhammad I ibn Nasr foi o primeiro rei da Dinastia Nasrida, entre 1232 e 1273. A última dinastia muçulmana da Península Ibérica só acabou em 1492, quando o sultão Boabdil se rendeu aos Reis Católicos. Tem Nasr de montão entre os nasridas, motivo pelo qual pergunto ao leitor: este menino Felipe Nasr, piloto reserva da equipe Williams de Fórmula 1, seria descendente daqueles muçulmanos?

Em 1762, um golpe de estado retira do poder o czar Pedro III e sobe ao trono sua mulher, a grã-duquesa Catarina, como Catarina II da Rússia. Ficaria conhecida como Catarina, a Grande.

Ruminanças

“Mais urgente e preocupante do que o aquecimento é o enlouquecimento global” (R. Manso Neto).

Zona Mista

ZONA MISTA » Felipão superstar

Kelen Cristina
Estado de Minas: 28/06/2014


 (VANDERLEI ALMEIDA/AFP)

Não bastasse ser uma personalidade no mundo do futebol, o técnico brasileiro Luiz Felipe Scolari é um grande personagem no planeta bola. Suas caras e bocas, as expressões essencialmente gaúchas, as tiradas irônicas que volta e meia solta no meio de uma declaração e o inabalável carisma fazem do treinador uma figura marcante. Às vésperas do decisivo jogo contra o Chile, pelas oitavas de final da Copa do Mundo, aquele caracterizado sob a pesada alcunha de “matar ou morrer”, Felipão, mais uma vez, foi Felipão.

No último encontro com jornalistas no Mineirão, palco do jogo desta tarde, ele foi bem light. Não perdeu a linha nem quando algum repórter lançou uma pergunta mais polêmica. Sorriu, fez graça. Questionado inúmeras vezes pelos argentinos sobre a comparação Messi-Neymar, escapou pela tangente: “Tenho a minha opinião, mas não tem necessidade de falar agora. Só revelarei daqui a uns 10, 15 anos”. Quando um chileno tentou arrancar dele a tática brasileira, soltou um “Vamos atacar     e defender”.

Felipão mostrou todo o seu lado humano. Admitiu a ansiedade e o nervosismo, derreteu-se em elogios ao adversário (mais tarde, o colega chileno Jorge Sampaoli até foi indagado pela imprensa de seu país se acreditava tratar-se de estratégia do brasileiro) e reconheceu que o fim pode não ser tão feliz como sonha o torcedor.

No ápice da descontração, empurrou para o capitão Thiago Silva a responsabilidade de comentar o imbróglio entre Neymar e uma suposta “ficante”, que pousou nua para uma revista masculina no embalo da Copa – o atacante pediu na Justiça a suspensão da venda da publicação, por citar indevidamente seu nome. “Playboy não é comigo, não. Já estou velho, cara. Playboy é com o Thiago”, disse, arrancando risos da plateia e deixando o capitão visivelmente desconcertado.

Depois de 40 minutos de entrevista, Felipão comprovou toda a sua popularidade. Ao levantar-se da cadeira, foi cercado por jornalistas estrangeiros, e ficou quase cinco minutos a mais na sala do centro de imprensa distribuindo autógrafos e tirando fotos. O técnico da Seleção Brasileira, então, deu lugar ao superstar. E Felipão não perdeu a pose.

 (Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

Elogio ao vinho
Mesmo com o Atlético em excursão pela China, o armador Ronaldinho Gaúcho não está alheio à Copa. Pelas redes sociais, ele sempre comenta os jogos e ontem resolveu meter a colher, de forma bem-humorada, no confronto Brasil x Chile. “Amanhã (hoje) é o dia! O time e os vinhos do Chile são bom (sic) demais, mas amanhã é dia de Brasil.” R10 não é o único atleticano que não demonstra ressentimento por ter ficado fora do grupo de Felipão. O zagueiro Réver, que chegou a ser cogitado na lista, mas se machucou e teve de operar o tornozelo esquerdo no início do ano, foi ao hotel (foto) onde a delegação brasileira está hospedada na capital mineira.


Sangue argentino
O técnico da Seleção Chilena, Jorge Sampaoli, recorreu às origens para descrever o sentimento na véspera do confronto decisivo. E a diplomacia passou longe. Ele admitiu motivação especial para enfrentar o Brasil justamente por ser argentino, numa referência à rivalidade histórica entre os dois países no futebol: “Para mim, é um clássico, pois me remete à minha infância. Por ser argentino, sempre gostei dos jogos contra o Brasil”.


Rei do futevôlei
Aos 64 anos, Arsène Wenger entrou mesmo no espírito carioca. Entre um mergulho e outro em Ipanema – flagrado numa sunga azul, até foi comparado pela imprensa inglesa a Daniel Craig, ator da série James Bond –, o técnico do Arsenal tirou fotos ao lado de garotas e desfilou seu talento no futevôlei nas areias da badalada praia. Jogando ao lado do compatriota Karembeu, campeão mundial com a França em 1998, ele mostrou muita habilidade, com direito a ajeitada de bola no peito (foto) e peixinho à la Van Persie. O vídeo com a grande atuação de Wenger correu o mundo ontem. O jornal inglês Daily Mail até apelidou o francês de Rei do Futevôlei. De fazer inveja a Renato Gaúcho e Romário!


BOMBANDO

“Senhor, abençoe o nosso dia e treino! BH bão dimais da conta”
Fred (@fredgol9), atacante da Seleção Brasileira, gastando todo o seu mineirês

“Superamos a batalha na água mesmo sem boias”
Özil (@mesutozil1088), armador alemão sobre o jogo Alemanha x EUA, disputado debaixo de muita chuva na Arena Pernambuco


BONS FLUIDOS
O Mineirão, em BH, e o Castelão, em Fortaleza, já dividem um título na Copa: o de estádios pés-quentes. Todas as arenas receberam quatro confrontos na primeira fase do Mundial, e das oito seleções que atuaram na capital mineira e na cearense, seis carimbaram o passaporte para as oitavas de final. Na lista das sedes que deram sorte às equipes aparecem, na sequência, Itaquerão e Beira-Rio – com cinco times avançando para o mata-mata. Na lanterna está a Arena Amazônia, que teve apenas dois classificados para a próxima fase.

CRÔNICA » Paixão e histeria -Jefferson da Fonseca Coutinho‏

Presença da seleção muda a rotina da região nordeste de BH

Jefferson da Fonseca Coutinho
Estado de Minas: 28/06/2014



Bernard, uma paixão mineira (Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Bernard, uma paixão mineira
 Como é belo o canto da juventude, sem vergonha de gostar. Espremidas nos gradis do hotel de luxo, na Região Nordeste de BH, embarreiradas por batalhão da Polícia Militar, menininhas, às dezenas, entre 10 e 16 anos, entoaram o uivo da paixão ao ver Neymar e Bernard, moleques, arrastarem as chinelas depois de dia de treino em Belo Horizonte. Os marmanjos, tomados da soma das estações, abafaram os gritos. Bem que os mais velhos, sem arredar o pé do cercado, sorriram meninos vendo o Felipão passar. Câmeras nas mãos, fãs e curiosos eternizaram as 16h15, quando o busão galático encostou no passeio.

O corredor de astros do outro lado do paredão da segurança nem pareceu distante para a euforia assombrosa da plateia. Trezentos ou mais, jovens e adultos, homens e mulheres, pararam para ver a Seleção passar. Parreira, velho campeão da bola, sorridente que nunca vi igual, gastou tempo e memória do celular para fotografar e filmar a torcida. Uma lembrança chique para toda a vida, professor. Fred cumprimentou a geral como se estivesse em casa, retribuindo o carinho de quem o conhece bem.

A passarela da Avenida Cristiano Machado, no Bairro Ipiranga, se fez tribuna e camarote para imprensa e torcida. Do alto, ainda que mais distante, teve quem não perdesse minúcias do encontro-relâmpago com as estrelas brasileiras. Brenda, de 13, com mais de seis horas de plantão no endereço, contou mais de 400 fotos do zagueiro David Luiz Moreira Marinho no aparelho celular. Chorou pelo desencontro da hora. O atleta ficou para mais tarde, na portaria principal, em carrão de luxo de marca patrocinadora.

Ídolo no papelão (Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Ídolo no papelão


Grávida, Clara desenhou a bandeira do Brasil no barrigão que guarda a pequena Laura, com oito meses de gestação. No que depender da fé e da paixão da estudante, a menina já vai nascer hexacampeã do mundo. Mc Mister Love roubou a cena na esquina. O funkeiro levou a família para desejar boa sorte para a equipe brasileira. Mesmo sob o sol forte da tarde, não perdeu a alegria e era só carinho com as crianças. Mulheres –  algumas maquiadas e outras tantas descabeladas – gritaram Brasil.

Camila Gonçalves, de 12, arrastou o Neymar de papelão e tamanho natural para baixo e para cima da esquina de tumulto e histeria. “Foi o gerente do supermercado quem me deu. Ele ficou sabendo que gosto muito do Neymar e conseguiu um pra mim”, sorri. Teve assim de gente que quis fazer foto de rosto colado com a imagem do craque de papel. A mulher bonita disse que veio de Guarapari, no Espírito Santo, só para ver de perto o Neymar. Não viu. “Este serve”, diverte-se. Contentou-se com o mimo da Camila.

À espera de uma hexacampeâ (Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
À espera de uma hexacampeâ
Vuvuzelas e trombetas não deram trégua à chegada do busão galático. “Aqui tem mais polícia que torcedor”, disse o Eduardo, com a camisa do Galo. “Nem sabia que na PM tinha mulher tão bonita”, galanteou. A jovem policial, autoridade e gata, não sorriu. Ossos do ofício. O torcedor do Galo, vestido com a camisa do Tardelli, conta que veio mandar um abraço para o Jô, para ele, “o verdadeiro craque da Seleção”. Meninos acrobatas se empoleiram na coluna de aço que suporta a passarela. Disputam o melhor lugar para o espetáculo de minuto.

Da sacadinha entre os coqueiros, a segurança da Fifa coordena o isolamento humano. O homem de gravata faz sinal com a mão para a polícia e confere o espaço aberto como um bom goleiro que ajeita a barreira. Responsabilidade pelo patrimônio brasileiro. É a Copa do Mundo, parceiro! Vai que pula ali uma criança. É gol. Dois moçoilos até que tentaram escalar as paredes para ver o camisa 10 canarinho. A maioria dos bebês de colo nem viu o timão chegar. Apagados no conforto dos ombros de papais e mamães, os pequenos nem se incomodaram com o estardalhaço dos afoitos.