Pesquisadores tentam diagnosticar distúrbios como a depressão e a ansiedade por meio de exames simples de laboratório. Iniciativa poderá permitir o tratamento precoce de pacientes
Paloma Oliveto
Estado de Minas: 03/01/2013
Algumas feridas, por mais profundas que sejam, não deixam marcas. É o caso dos distúrbios da mente, como depressão, ansiedade e transtorno bipolar. Não há testes laboratoriais que identifiquem no organismo os sinais dessas doenças, diagnosticadas a partir dos sintomas apresentados pelo paciente. Já existem, porém, pesquisas que investigam biomarcadores em potencial para problemas emocionais e psiquiátricos. Encontrados no sangue, na saliva, na urina e no líquido cerebrospinal, esses indicadores biológicos, como mutações genéticas e proteínas secretadas pelo cérebro, poderão ajudar os médicos a realizar intervenções precoces, evitando que indivíduos predispostos evoluam para quadros graves.
A descoberta mais recente foi publicada no fim do mês passado, na revista especializada PLoS One. Cientistas da Universidade de Cambrigde descobriram um biomarcador que indica em adolescentes o risco de desenvolvimento de depressão e ansiedade. Ian Goodyer, principal autor do estudo, é pesquisador do Laboratório de Neurociências de Cambrigde e há anos investiga psicopatias em adolescentes. “Estima-se que, somente na Grã-Bretanha, 10% de crianças e jovens de 5 a16 anos sofram de algum distúrbio mental, como problemas de conduta, déficits cognitivos e emocionais e hiperatividade. Além disso, a adolescência é um período crítico para o desenvolvimento de depressão”, afirma.
Com uma amostra da saliva, os cientistas procuraram por uma versão do gene 5-HTTLPR, responsável por regular as quantidades de serotonina no cérebro. Esse neurotransmissor é um dos mais importantes do organismo e está relacionado a diversas funções, como a sensação de bem-estar. O déficit da substância pode desencadear diversos problemas mentais, incluindo a depressão e a ansiedade. Goodyer explica que o gene existe em formas diferentes: curta e longa. Pesquisas anteriores constataram que pessoas que herdam duas versões curtas — uma do pai e outra da mãe — são mais propensas a se tornarem depressivas, principalmente quando crescem em um ambiente desfavorável.
Na pesquisa, os cientistas analisaram esse marcador genético em 238 jovens de 15 a 18 anos. Os adolescentes também fizeram um teste no computador para avaliar se palavras como alegria, fracasso e extensão eram positivas, negativas ou neutras. Em entrevista com os responsáveis, os pesquisadores procuraram saber se, na infância, os participantes do estudo testemunharam por mais de seis meses casos de violência verbal, emocional ou física entre os pais.
O resultado mostrou que adolescentes com a versão curta do gene 5-HTTLPR e que foram expostos a problemas familiares constantes antes dos 6 anos de idade tinham mais dificuldade para avaliar o valor emotivo das palavras. “A dificuldade de processar emoções está relacionada a um aumento significativo no risco de depressão e ansiedade. Pessoas que têm esse problema podem ficar mais vulneráveis emocionalmente”, observa Matthews Owens, psiquiatra da Universidade de Cambridge e coautor do estudo. Acredita-se que a variante genética esteja por trás de baixos níveis de serotonina no cérebro.
“Essa pesquisa abre a possibilidade de identificar esses indivíduos e usar técnicas que os ajudem a processar as emoções e a responder a elas de forma mais fácil”, acredita Owens. “Sucumbir ou não à depressão e à ansiedade depende em parte da nossa tendência de lidar com uma situação. Uma pessoa positiva pensa que um copo está meio cheio, e a negativa acha que ele está meio vazio, por exemplo. Como o biomarcador genético aparentemente surge antes de os sintomas depressivos se manifestarem, uma intervenção precoce pode ser iniciada após o diagnóstico. Já foi provado que tratar pessoas vulneráveis antes do surgimento dos sintomas é uma das formas mais efetivas de combater doenças mentais”, concorda Goodyer. O psiquiatra destaca que o tratamento precoce não significa medicar pessoas em risco. “Estamos falando de outras abordagens, como terapia comportamental”, esclarece.
Critérios subjetivos Também nessa linha preventiva, pesquisadores da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) investem em um teste que identifica na saliva o risco de desenvolvimento do transtorno do estresse pós-traumático (TEPT). Esse distúrbio, que envolve graves sintomas físicos e mentais, costuma ser deflagrado depois de alguma experiência extremamente ruim, como estupro, sequestro ou acidente. Depois que os sinais aparecem, é difícil tratar o TEPT, que, nos Estados Unidos, é um dos principais motivos de afastamento do trabalho. Vivek Shetty, professor da Faculdade de Odontologia da Ucla e líder do estudo, explica que, atualmente, as estratégias terapêuticas voltadas às vítimas do distúrbio se sustentam em critérios subjetivos. “Pode ser difícil diferenciar o estresse temporário do primeiro estágio de uma doença mental”, afirma.
Caso a pesquisa seja bem-sucedida, os cientistas esperam encontrar um biomarcador na saliva que ajude a complementar o diagnóstico médico, feito a partir dos relatos do paciente. “Teremos tempo de intervir antes que o quadro se agrave”, diz. Nos próximos cinco anos, a equipe de Shetty vai usar tecnologia sofisticada para determinar os níveis de biomarcadores salivares de pessoas mentalmente saudáveis e compará-los aos de indivíduos que estão passando por transtorno do estresse pós-traumático. Ele acredita que, além de civis, o teste possa ajudar milhares de soldados que voltam de guerras com algum sintoma relacionado ao TEPT. “Antes que eles desenvolvam o distúrbio, é possível intervir com a abordagem terapêutica mais adequada”, explica.
Risco de
discriminação
Ao mesmo tempo em que os pesquisadores acreditam no potencial dos biomarcadores para doenças mentais, alguns profissionais se preocupam com as questões éticas envolvidas. Para Shaheen E. Lakan, neurocientista e especialista em bioética, faltam estratégias preventivas convincentes para compensar o risco de um indivíduo ser discriminado e estigmatizado. Em um artigo publicado no jornal científico International Archives of Medicine, ele afirma que há o risco, por exemplo, de empresas incluírem o teste nos processos seletivos. Além disso, Lakan argumenta que a predisposição genética não significa que a pessoa desenvolverá a doença.
Ian Goodyer, do Laboratório de Neurociências de Cambrigde, porém, não acredita que os biomarcadores poderão ser usados contra pacientes. “Existem evidências de que tanto nossos genes quanto nossas experiências contribuem para os distúrbios mentais. O que propomos é uma ferramenta a mais para um diagnóstico mais preciso e, consequentemente, um tratamento mais adequado”, afirma.
É o que também busca George Papakostas, pesquisador do Departamento de Psiquiatria do Hospital Geral de Massachusetts. A equipe do cientista desenvolveu um teste para identificar a depressão em adultos e publicou um artigo com os resultados no jornal Molecular Psychiatry. O exame idealizado pela equipe mede os níveis no sangue de nove biomarcadores associados a fatores como inflamações, desenvolvimento e manutenção de neurônios, além de interações entre as estruturas cerebrais envolvidas na resposta ao estresse, entre outros. “A precisão diagnóstica das doenças mentais depende muito das ferramentas disponíveis e da experiência do médico, que necessita interpretar corretamente os sintomas descritos pelo paciente. Um teste biológico fornece um instrumento mais nítido que, somado aos outros recursos, pode ajudar a encontrar o diagnóstico exato”, acredita. (PO)