quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Cultura da exclusão e ações afirmativas - Nei Lopes

estado de minas

A circulação da cultura, hoje, no Brasil, é uma das questões que mais expressam a exclusão de que nós afrodescendentes somos vítimas. E tudo começa lá atrás, com a possibilidade de acumulação de capital com que foram beneficiados os imigrantes aqui chegados desde a última década do século 19. Nesse processo, que é apenas histórico – e não tem mocinhos nem bandidos –, a maioria dos descendentes dos trabalhadores que vieram substituir, nas frentes de trabalho, os africanos e afrobrasileiros “beneficiados” por uma abolição irresponsável, puderam usufruir, gradativamente, de cada vez melhores condições, principalmente educacionais.

Notadamente nas grandes cidades, desde cedo essas pessoas foram tendo natural acesso às melhores escolas e ambientes sociais, neles tecendo redes de amizade e parcerias importantes para a vida adulta, e através delas foram chegando, em vários níveis, aos núcleos de influência, poder e decisão.

É bom saber que na década de 1920 houve tentativas oficiais – políticas públicas, mesmo – no sentido de descorar a face africana do Brasil, até mesmo do ponto de vista biológico: supunha-se que a mestiçagem levaria ao embranquecimento final. Daí, a ideologia do “Brasil mestiço”, promovida, no sentido de diluir a identidade da população negra.

Hoje, então, a exclusão do povo negro no âmbito da chamada "economia da cultura" é um fato incontestável. Quando nós aparecemos um pouquinho, é sempre como objetos e não como sujeitos da produção cultural. E isso se dá, principalmente, em razão daquilo que dissemos lá em cima: os mais atuantes agentes da produção cultural, os que se beneficiam dos bons patrocínios e sabem dos famosos "editais", são, de um modo geral, gente com boas relações familiares, que vêm de berço; e aí fica tudo mais fácil. Exemplo: se você vai fazer um filme e o filho do dono do banco estudou com você no colégio, ou a filha do grande empresário foi sua namorada, as possibilidades de suporte financeiro são milhões de vezes mais tranquilas.

Daí, como tudo isso é sem dúvida resultado do que o Estado brasileiro arquitetou lá atrás, o Estado de agora tem obrigação de criar políticas públicas para corrigir essa distorção, que é histórica no Brasil, com políticas de ação afirmativa.
Entretanto, os "editais para negros" podem também gerar um outro problema, que é excluir as nossas possibilidades diante de outros canais de apoio e incentivo mais amplo, o que não podemos deixar que aconteça.

O grande caso é que, enquanto não vem a tão sonhada "educação de qualidade" para todos, a qual, mesmo chegando agora, só dará frutos daqui a mais umas três geracões, enquanto esse sonho de igualdade não se realiza, o Estado brasileiro tem mais é que criar políticas de ação afirmativa para os excluídos (e os herdeiros do escravismo são os mais necessitados), em todos as áreas, inclusive a da produção cultural.

Essa é minha opinião.

Nei Lopes é cantor, compositor e escritor, 
autor, entre outros, dos livros Enciclopédia brasileira da diáspora africana e Kitábu, o livro do saber e do espírito negro-africanos.

MARTHA MEDEIROS - Empatia

ZERO HORA - 30/01/2013


As pessoas se preocupam em ser simpáticas, mas pouco se esforçam para ser empáticas, e algumas talvez nem saibam direito o que o termo significa. Empatia é a capacidade de se colocar no lugar do outro, de compreendê-lo emocionalmente. Vai muito além da identificação. Podemos até não sintonizar com alguém, mas nada impede que entendamos as razões pelas quais ele se comporta de determinado jeito, o que o faz sofrer, os direitos que ele tem.

Nada impede?

Foi força de expressão. O narcisismo, por exemplo, impede a empatia. A pessoa é tão autofocada, que para ela só existem dois tipos de gente: os seus iguais e o resto, sendo que o resto não merece um segundo olhar. Narciso acha feio o que não é espelho.

Ele se retroalimenta de aplausos, elogios e concordâncias, e assim vai erguendo uma parede que o blinda contra qualquer sentimento que não lhe diga respeito. Se pisam no seu pé, reclama e exige que os holofotes se voltem para essa agressão gravíssima. Se pisarem no pé do outro, é porque o outro fez por merecer.

Afora o narcisismo, existe outro impedimento para a empatia: a ignorância. Pessoas que não circulam, não possuem amigos, não se informam, não leem, enfim, pessoas que não abrem seus horizontes tornam-se preconceituosas e mantêm-se na estreiteza da sua existência. Qualquer estranho que possua hábitos diferentes será criticado em vez de respeitado. Os ignorantes têm medo do desconhecido.

E afora o narcisismo e a ignorância, há o mau-caratismo daqueles que, mesmo tendo o dever de pensar no bem público, colocam seus próprios interesses acima do de todos, e aí os exemplos se empilham: políticos corruptos, empresários que só visam ao lucro sem respeitar a legislação, pessoas que “compram” vagas de emprego e de estudo que deveriam ser conquistadas através dos trâmites usuais, sem falar em atitudes prosaicas como furar fila, estacionar em vaga para deficientes, terminar namoros pelo Facebook, faltar compromissos sem avisar antes, enfim, aquelas “coisinhas” que se faz no automático sem pensar que há alguém do outro lado do balcão que irá se sentir prejudicado ou magoado.

É um assunto recorrente: precisamos de mais gentileza etc. e tal. Para muitos, puxar uma cadeira para a moça sentar ou juntar um pacote que alguém deixou cair, basta. Sim, somos todos gentis, mas colocar-se no lugar do outro vai muito além da polidez e é o que realmente pode melhorar o mundo em que vivemos. A cada pequeno gesto diário, a cada decisão que tomamos, estamos interferindo na vida alheia. Logo, sejamos mais empáticos do que simpáticos.

Ninguém espera que você e eu passemos a agir como heróis ou santos, apenas que tenhamos consciência de que só desenvolvendo a empatia é que se cria uma corrente de acertos e de responsabilidade – colocar-se no lugar do outro não é uma simples gentileza que se faz, é a solução para sairmos dessa barbárie disfarçada e sermos uma sociedade civilizada de fato.

Nina Horta

FOLHA DE SÃO PAULO

Meu almoço nas férias
Já pensaram se eu escrevesse aqui couve orgânica e sustentável? Acabaria com o almoço
NAS FÉRIAS o almoço obedece a um certo ritmo. É preciso esperar que todos cheguem, a cozinha já está a postos. O primeiro a sair do banho lê os jornais numa marquesa cheia de almofadas brancas que chamamos de UTI, pois é o pouso dos meio doentes que querem participar da confusão. Outro fica na poltrona, sem direito a amendoinzinhos ou uísque, talvez uma tragada de cachaça, que assim é o costume da casa para que não percam a fome.
Todos começam a aparecer de cabelos molhados pelos ombros, caras esfregadas, cheiro de sabonete Phebo. Os que preferem cozinhar e tomar banho depois sofrem com a areia dentro do maiô e a canga escorregando. Depois são privilegiados com banho de banheira, morno, e sabonete Floris, eterno e que não perde o cheiro.
Limpos de corpo e alma, os que vieram do mar parecem se sentir mais morenos, saudáveis e se oferecem para abrir o vinho. Trouxeram consigo um pouco da energia do mar.
Os da cachoeira, que desceram a ladeira, equilibraram-se em pedras, agarraram-se nos ramos de patchouli, escorregaram no musgo e, de repente, sentiram aquela massagem de Deus nas costas, aquela surra de água fria, ainda estão meio ligados à experiência de pertencer ao jequitibá centenário, aos coqueiros, e às pedras escorreguentas. Estão mais quietos, pensativos
Na cozinha, o tlim-tlim da louça é baixo, espera ordens para subir o tom, para que tudo se precipite, afogue-se, aqueça-se, alastre-se, enrole-se e que do caos brote a ordem.
A couve foi colhida pela manhã na hortazinha. (Já pensaram se eu escrevesse aqui couve orgânica e sustentável? Acabaria com o almoço, transformaria tudo num clichê de plástico e mudaria o gosto da couve estrumada e regada.)
Um pó dourado de luz (coisas de Paraty) bate na pimenteira que teima em subir até a janela da cozinha, todo ano. Magrinha, é quase uma trepadeira de pimenta de passarinho. Em um ano arde muito, no outro não.
As mulheres usam roupas claras, decotes, alças, shorts.
E, de repente, está na mesa! Não está, mas vai ficar em minutos, daí o corre-corre. Aquecer o feijão, provar, fazer a farofa na manteiga, cuidado para não queimar, frigideira de ferro é um perigo. Vamos cortar o lombo gordo em fatias? Melhor não, cada um corta a sua.
Você corre lá e põe as bilhas de água gelada no aparador. A couve é a última e ponha sal antes de ir à panela, senão ele não se distribui direito. E é só um susto, hein? O camarão trazido do mar leva seis minutos para fazer, deixa que eu faço que tenho prática. Quem quiser põe o caldinho no arroz, fica ótimo.
E o suco de mixirica do Rio?
O almoço foi longo, afogado em bem-estar, fartura e malemolência. Sandra traz o café na canequinha de ágata numa bandeja pintada de bananas. Detesto aquela bandeja, mas ela já tem uns 20 anos. Todos bebem, dobram as redes sobre si para evitar mosquitos, e até o que lia as notícias do dia se esquece do discurso do Cameron.
Ah, a sobremesa eram bananas fritas com creminho de gema e suspiro por cima.

    Alexandre Schwartsman

    FOLHA DE SÃO PAULO

    Non sequitur
    Sem capacidade ociosa, não faz sentido tentar estimular o crescimento por meio de incentivos à demanda
    O Banco Central finalmente reconheceu que o baixo crescimento do Brasil não resulta da fraqueza do consumo, mas de limites à expansão da capacidade produtiva do país.
    Trata-se de uma mudança importante na atitude da autoridade monetária, que, até a semana passada, parecia comungar com o restante do governo a noção de que o desenvolvimento do país viria na esteira do juro baixo e do dólar caro.
    Na verdade, há uma importante suposição implícita nessa noção,
    a saber, que a economia disporia de suficiente capacidade ociosa para que o impulso do lado da demanda (consumo e investimento, pelas
    taxas de juros, e exportações, pelo efeito da taxa de câmbio) possa
    se transformar em aumento da produção.
    "Capacidade ociosa" nesse contexto tem um significado amplo, abrangendo -além da capacidade instalada na indústria- também a disponibilidade e a qualificação de mão de obra e os serviços de infraestrutura, assim como todas as regras de organização da produção no país que se traduzem no nível de produtividade.
    Ocorre que, se há ainda algum excesso de capacidade no setor industrial, nos demais as indicações são no sentido oposto. Não apenas as taxas de desemprego vêm em queda persistente, mas também os salários têm subido bem acima de qualquer estimativa honesta do aumento da produtividade.
    Em particular os sinais de falta de mão de obra são ainda mais pronunciados no caso do pessoal qualificado.
    A infraestrutura, por fim, está esgarçada, como sabe qualquer um que tenha usado estradas, portos ou aeroportos, culminando, mais recentemente, em elevações expressivas dos preços de energia no mercado à vista.
    E, ao contrário do que ocorre no setor industrial, onde investimentos tendem a se materializar em capacidade adicional em prazos relativamente curtos (em torno de 18 meses), esses gargalos são de correção bem mais complicada. É risível acreditar, como andei lendo por aí, que imigração possa resolver o problema geral de falta de mão de obra (qualificada inclusive) num país das dimensões do Brasil, onde, de acordo com o mais recente dado disponível (2009), o total de pessoas empregadas atingia pouco menos de 97 milhões.
    Já no que diz respeito à educação, o tempo necessário para promover a mudança requerida se mede em anos, se não gerações, e isso na suposição de que, de repente, fizéssemos todas as coisas certas, as mesmas que passamos as últimas décadas cuidadosamente evitando.
    Adicionalmente, embora a iniciativa de conceder ao setor privado a responsabilidade por segmentos da infraestrutura seja louvável, os resultados obtidos pelas concessões anteriores não permitem nenhum otimismo quanto a uma solução de curto prazo. Trata-se de um caso exemplar de "muito pouco, muito tarde", ao que poderia acrescentar: "E errado também"...
    Por fim, o crescimento da produtividade tem sido pífio, e o padrão errático da política econômica contribui para enfraquecê-lo ainda mais.
    Desde meados da década passada não há uma agenda de reformas que busque acelerá-la, e, mesmo que uma milagrosamente surgisse (literalmente) do nada, a experiência sugere que seus efeitos só se manifestariam depois de alguns anos.
    Assim, sem capacidade ociosa e sem que haja possibilidade de surgimento de nova capacidade no futuro imediato, não faz sentido tentar estimular o crescimento por meio de incentivos à demanda, como admitido pelo BC.
    Sob essas circunstâncias, o impulso monetário se transmite principalmente aos preços, ou seja, a divergência da inflação com relação à meta é apenas a outra face do esgotamento da capacidade de crescimento da oferta.
    Mas, se isso é verdade, segue-se que a política monetária tem sido (e ainda é) inadequada para trazer a inflação à meta.
    Como, porém, o BC demorou quase ano e meio para entender o que estava ocorrendo, deve ainda encontrar dificuldades para atingir as conclusões lógicas de seu próprio argumento.

      Governo de S.Paulo mantém publicidade de junk food

      FOLHA DE SÃO PAULO

      Alckmin veta projeto de lei que proibia anúncios de alimentos não saudáveis entre as 6h e as 21h no rádio e na TV
      ONGs de direitos do consumidor apoiavam a restrição; só União pode legislar sobre o tema, diz advogado
      MARIANA VERSOLATODE SÃO PAULOVERA MAGALHÃESEDITORA DO PAINELFÁBIO ZAMBELIDO PAINELO governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, vetou ontem o projeto de lei que restringia a publicidade de alimentos não saudáveis dirigida a crianças.
      O projeto, apresentado pelo deputado estadual Rui Falcão (PT) em 2008, foi aprovado pela Assembleia Legislativa em dezembro. Ontem era o último dia para que Alckmin tomasse a decisão de vetar ou sancionar a lei.
      O texto proibia a veiculação de anúncios de alimentos e bebidas pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio entre as 6h e as 21h no rádio e na televisão. O projeto não especificava quais alimentos se enquadrariam nessa classificação.
      O projeto também impedia o uso de celebridades ou personagens infantis na venda de alimentos e o uso de brindes promocionais, como os vendidos junto com sanduíches em redes de fast food.
      CONSTITUIÇÃO
      Ontem, conforme a Folha informou, as assessorias jurídica e parlamentar do governador haviam recomendado o veto ao projeto, afirmando que o texto é inconstitucional porque cabe à União legislar sobre publicidade.
      Luiz Tarcísio Teixeira Ferreira, professor de direito constitucional da PUC de São Paulo, concorda com a decisão e lembra que já havia sido decidido que só a União podia legislar sobre publicidade de cigarros, um tema também relativo à saúde.
      "Não é porque a matéria é boa do ponto de vista do mérito que qualquer um pode legislar a respeito. O valor do projeto não pode ser maior que o da Constituição. Não é um vale tudo", diz.
      Segundo ele, se um projeto inconstitucional é aprovado pelo governador, o resultado esperado é uma enxurrada de processos contestando a aprovação e "atulhando o Judiciário".
      Às críticas, o assessor jurídico de Rui Falcão, Antonio Carlos Serrano, respondeu no blog do deputado, no ano passado, que a discussão sobre a constitucionalidade da medida é "um equívoco" e que o Estado "pode legislar sobre infância e juventude".
      Um texto semelhante ao que foi vetado, de autoria do deputado Alex Manente (PPS), também foi aprovado em dezembro na Assembleia Legislativa, mas seu conteúdo, que trata da proibição da venda de alimentos com brindes, é englobado pelo texto de Rui Falcão. O projeto de Manente ainda não foi apreciado pelo governador.
      Essa não é a primeira tentativa frustrada de aprovar uma lei com limites para a publicidade infantil no país.
      O projeto de lei vetado agora recebeu o apoio de entidades da sociedade civil, como o Instituto Alana (que defende os direitos da criança) e o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).
      "São Paulo perdeu a oportunidade de estar na vanguarda e abordar esse tema de grande importância para a saúde das crianças", disse Pedro Hartung, assessor do núcleo de defesa do Alana.
      O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (órgão consultivo que assessora a Presidência da República) e a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde, ligada à Organização Mundial da Saúde) enviaram cartas ao governador pedindo a sanção do projeto.
      No texto, a Opas cita pesquisas que demonstraram que a publicidade incentiva as crianças a pedirem as marcas anunciadas e que os pais reconhecem a influência da televisão em suas compras.


        A SAGA DA PUBLICIDADE PARA CRIANÇAS
        2001
        Começou a tramitar na Câmara dos Deputados um projeto de lei que proibia completamente a publicidade (não só de produtos alimentícios) direcionada a crianças de até 12 anos e fazia restrições àquela direcionada a adolescentes de até 18 anos
        2006
        A Anvisa colocou em consulta pública um texto com restrições que praticamente eliminavam a publicidade de alimentos pouco saudáveis para crianças
        2009
        Um grupo de 24 empresas do setor alimentício assinou um acordo comprometendo-se a não fazer publicidade voltada a crianças de até 12 anos em programas de TV em que 50% ou mais da audiência seja constituída por esse público. No entanto, nenhum programa da TV aberta comercial tem mais de 30% de seu público formado por pessoas com idade entre 4 e 11 ano
        2010
        Após quatro anos de discussões, a Anvisa publicou sua regulamentação, mas excluiu as restrições à publicidade e o veto a brindes. Mais de 20 liminares tornaram a resolução sem efeito
        2012
        A Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou dois projetos de lei que restringiam a publicidade de alimentos a crianças e a venda de lanches com brinquedos. O primeiro de autoria de Rui Falcão (PT) e o segundo do deputado Alex Manente (PPS)
        2013
        O governador Geraldo Alckmin vetou a lei que restringe a publicidade de alimentos. O projeto de Manente ainda não foi apreciado por Alckmin

        Editais para a comunidade artística negra - Ailton Magioli

        Editais do Ministério da Cultura destinados a financiar projetos propostos por artistas e produtores negros geram polêmica no setor. Inscrições vão até março 

        Ailton Magioli
        Estado de Minas: 30/01/2013 
        O lançamento recente de editais para a comunidade artística negra tem despertado debate no meio, dividindo opiniões. A iniciativa é do Ministério da Cultura (MinC), que prorrogou até março a inscrição de artistas ou produtores que se autodeclararem negros, que trabalhem nas áreas de cinema, literatura, pesquisa de bibliotecas, artes visuais, circo, música, dança e teatro. Em parceria com a Secretaria de Políticas e Promoção da Igualdade Racial (Seppir), o MinC vai distribuir R$ 9 milhões em prêmios nas cinco regiões do país, por meio de editais da Secretaria do Audiovisual, Fundação Biblioteca Nacional e Fundação Nacional de Artes (Funarte), vinculadas à pasta.

        “Se a gente for raciocinar, trata-se de uma discriminação clara. Por que editais por fatias da sociedade?”, interroga-se Magdalena Rodrigues, presidente do Sindicato de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão de Minas Gerais, que no entanto se diz consciente da demanda na comunidade. Para se ter uma ideia da importância da questão, o ator e diretor Evandro Nunes, do Coletivo Negraria, chama atenção para o crescente número de espetáculos, companhias e grupos envolvidos com a temática. “Antes, era apenas o Teatro Negro e Atitude. Hoje, pelos menos quatro grupos de teatro estão voltados para a negritude, além de companhias de dança como Seraquê?, Pataka, Baobá e Odum Orixás”, lista Evandro, lembrando que na 39ª Campanha de Popularização do Teatro e da Dança há dois espetáculos ligados ao tema: Galanga Chico Rei e Oratório, a saga de Dom Quixote e Sancho Pança, ambos protagonizados por Maurício Tizumba.

        Ao lado do diretor João das Neves, Tizumba tem contribuído para o enriquecimento da cena mineira no que diz respeito à temática afromineira e afrobrasileira. Além do consagrado Galanga, eles são responsáveis pelas montagens de Besouro cordão de ouro e Arena canta Zumbi, ambos também voltados para um universo que, segundo Evandro Nunes, nem sempre é contemplado pelos tradicionais editais de cultura. “Daí a importância dos que estão sendo lançados agora”, defende o ator, ele próprio com projeto pronto para concorrer ao financiamento do MinC. Trata-se de Rota negra, que propõe residência de um dramaturgo, um artista plástico e um ator, cujo registro de viagem a Portugal e à África vai resultar em espetáculo sobre o tema. 
        Evandro é a favor dos editais específicos para artistas negros sob o argumento de que, além da construção de uma identidade própria, eles vão possibilitar também a permanência de uma linguagem, além de tradições características como o congado. “Essas questões estão sempre de fora dos editais de incentivo à cultura, sejam eles federais, estaduais ou municipais”. Para a presidente do Sated-MG, Magdalena Rodrigues, a criação de tais editais demonstra a desunião da classe artística. “Dividir a categoria por raça, cor é retrocesso”, acusa a atriz e sindicalista, reconhecendo que a comunidade artística negra é prejudicada no atual processo seletivo dos editais.

        “A questão é muito mais ampla. Afinal, quem precisa de financiamento é toda a classe artística. Os editais devem ser direcionados para profissionais de áreas específicas, não para negros, louras ou amarelos”, prega Magdalena Rodrigues, torcendo para que os novos editais pelo menos contribuam para o aumento da produção cultural, além de dar oportunidade de trabalho para mais profissionais. João das Neves, por sua vez, se diz favorável a qualquer política que implique em compensação, não só de etnias africanas, mas também das indígenas, que estariam relegadas a segundo plano.

        “Claro que em qualquer política de inclusão há prós e contras, mas neste caso, sou totalmente favorável aos editais de produção”, posiciona-se o diretor, que, além de uma montagem da Missa dos Quilombos no centenário da libertação da escravidão, no Rio, mais recentemente dirigiu, em Contagem, na Grande BH, A santinha e os congadeiros, de elenco formado por atores-congadeiros. “A parte branca da sociedade civil tem uma dívida histórica a resgatar com a negra”, defende João das Neves, admitindo que este resgate deve ser gradual.

        Injustiças Integrante do elenco original da montagem de Arena conta Zumbi, de 1963, sob a direção de Augusto Boal, o ator Milton Gonçalves, atualmente no elenco da novela Lado a lado, da TV Globo, diz ter uma visão diferente da questão negra no Brasil. “Enquanto os 52% da população que somos não se manifestarem, muitas injustiças serão cometidas”, garante o mineiro de Monte Santo. “Talvez por desconhecimento e até fraqueza, algumas questões têm de ser tratadas de maneira diferente”, acrescenta Milton, lembrando que no país não há um governador negro, sequer na Bahia, o estado de maior população negra.

        “Para minha felicidade, sei de onde vieram meus ancestrais. Embora baixinho, sou iorubá”, revela o ator, que diz ter visto pai, mãe e irmãos na África. “Como negro, no entanto, não tenho marca diferente ou inferior. Sou brasileiro que paga altos impostos”, posiciona-se Milton Gonçalves, lembrando que ele trabalha desde que se entende por gente. “Tive obstáculos, claro. Ouvi desaforos de brancos e negros, mas ninguém é melhor do que ninguém”, constata, orgulhoso de integrar a maioria da população brasileira. Na opinião de Milton, a autoestima do negro, essa sim, precisa de ser trabalhada. “Está muito lá embaixo!”, conclui o ator, de 79 anos.


         Editais do MinC

        » Arte negra
        Sob responsabilidade da Funarte serão selecionados 
        33 projetos de dança, música, teatro e preservação de memória. Os prêmios variam de R$ 100 mil a 
        R$ 200 mil. Inscrições até o dia 25 de março.

        » Autores negros
        A Fundação Biblioteca Nacional vai apoiar a coedição de livros de autores negros. As inscrições 
        vão até 30 de abril.

        » Curta afirmativo
        A Secretaria do Audiovisual vai direcionar 
        R$ 100 mil a 10 curtas-metragens de até 
        10 minutos, feitos por jovens negros com 
        idade entre 18 anos e 29 anos. Inscrições 
        até o dia 25 de março.

        » Pesquisadores negros
        A mesma FBN vai distribuir 23 bolsas para pesquisadores negros. Inscrições até 25 de março.

        » Pontos de cultura
        A FBN irá apoiar também 27 centros que 
        desejam preservar a cultura negra e combates  racismo. Inscrições até 25 de março.

        Informações: www.cultura.gov.br



        Cultura da exclusão e ações afirmativas
         
        Nei Lopes
        A circulação da cultura, hoje, no Brasil, é uma das questões que mais expressam a exclusão de que nós afrodescendentes somos vítimas. E tudo começa lá atrás, com a possibilidade de acumulação de capital com que foram beneficiados os imigrantes aqui chegados desde a última década do século 19. Nesse processo, que é apenas histórico – e não tem mocinhos nem bandidos –, a maioria dos descendentes dos trabalhadores que vieram substituir, nas frentes de trabalho, os africanos e afrobrasileiros “beneficiados” por uma abolição irresponsável, puderam usufruir, gradativamente, de cada vez melhores condições, principalmente educacionais.

        Notadamente nas grandes cidades, desde cedo essas pessoas foram tendo natural acesso às melhores escolas e ambientes sociais, neles tecendo redes de amizade e parcerias importantes para a vida adulta, e através delas foram chegando, em vários níveis, aos núcleos de influência, poder e decisão.

        É bom saber que na década de 1920 houve tentativas oficiais – políticas públicas, mesmo – no sentido de descorar a face africana do Brasil, até mesmo do ponto de vista biológico: supunha-se que a mestiçagem levaria ao embranquecimento final. Daí, a ideologia do “Brasil mestiço”, promovida, no sentido de diluir a identidade da população negra.

        Hoje, então, a exclusão do povo negro no âmbito da chamada "economia da cultura" é um fato incontestável. Quando nós aparecemos um pouquinho, é sempre como objetos e não como sujeitos da produção cultural. E isso se dá, principalmente, em razão daquilo que dissemos lá em cima: os mais atuantes agentes da produção cultural, os que se beneficiam dos bons patrocínios e sabem dos famosos "editais", são, de um modo geral, gente com boas relações familiares, que vêm de berço; e aí fica tudo mais fácil. Exemplo: se você vai fazer um filme e o filho do dono do banco estudou com você no colégio, ou a filha do grande empresário foi sua namorada, as possibilidades de suporte financeiro são milhões de vezes mais tranquilas.

        Daí, como tudo isso é sem dúvida resultado do que o Estado brasileiro arquitetou lá atrás, o Estado de agora tem obrigação de criar políticas públicas para corrigir essa distorção, que é histórica no Brasil, com políticas de ação afirmativa.
        Entretanto, os "editais para negros" podem também gerar um outro problema, que é excluir as nossas possibilidades diante de outros canais de apoio e incentivo mais amplo, o que não podemos deixar que aconteça.

        O grande caso é que, enquanto não vem a tão sonhada "educação de qualidade" para todos, a qual, mesmo chegando agora, só dará frutos daqui a mais umas três geracões, enquanto esse sonho de igualdade não se realiza, o Estado brasileiro tem mais é que criar políticas de ação afirmativa para os excluídos (e os herdeiros do escravismo são os mais necessitados), em todos as áreas, inclusive a da produção cultural.

        Essa é minha opinião.

        Nei Lopes é cantor, compositor e escritor, 
        autor, entre outros, dos livros Enciclopédia brasileira da diáspora africana e Kitábu, o livro do saber e do espírito negro-africanos.

        FERNANDO BRANT » Quosque tandem?‏


        Estado de Minas: 30/01/2013 
        Meu baú de esperança parece não ter fundo. Por mais que os fatos insistam em jogar baldes e baldes de água fria em minhas crenças eu, teimoso, costumo agir como diz a minha letra de Coração civil: “se o poeta é o que sonha o que vai ser real, bom sonhar coisas boas que o homem faz e esperar pelos frutos no quintal”.

        Mas o que vemos acontecer e o que se fala no Brasil de hoje, e certamente também de outros tempos, é de desanimar. Os eleitos para administrar a nação, está cada vez mais evidente, não estão preparados para enfrentar os desafios que o Brasil precisa superar para alcançar a grandeza que nosso povo merece. Ou enxergam com as viseiras da ideologia ou da busca de se enriquecer na atividade pública, ou falta-lhes noção e ciência para planejar e gerir o nosso presente, caminho necessário para a construção do futuro que teima em não chegar. Ele está logo ali, dizem, mas a vitória não vem nunca. Todas as oportunidades são jogadas no lixo pela procura de conquistar e manter o poder político, objetivo único dos que deveriam conduzir a trajetória.
        Meu amigo Paulo Rogério não cansa de se indignar. Uma hora contra as mineradoras, que saqueiam Minas Gerais, levam nossas riquezas, deixando crateras enormes, ferindo nossa natureza e matando brasileiros a toda hora pelo estrago que fazem em nossas rodovias. Ele é um dos responsáveis pela luta por royalties justos para a terra mineira e a paraense.

        Agora ele esteve em Portugal, percorrendo o trajeto que vai de Lisboa a Évora, patrimônio cultural da humanidade. De uma ponta a outra, 105 quilômetros de estrada de rodagem moderna, segura, pistas duplas. Um passeio deslumbrante. Mas de que reclama o meu amigo?

        É que no dia da viagem por cima do Atlântico, ele ficou sabendo da intenção presidencial de construir um aeroporto a 30 quilômetros de Ouro Preto, para desenvolver o turismo na Vila Rica, também patrimônio cultural da humanidade. 
        Para que gastar milhões de reais para se construir um aeroporto se, com muito menos dinheiro público, poder-se-ia, agora que parece que vão duplicar a estrada que liga Belo Horizonte a Juiz de Fora, modernizar e tornar segura a Rodovia dos Inconfidentes?

        Com rodovia decente e levando-se em conta a paisagem monumental que envolve o caminho, teríamos uma viagem de 100 quilômetros desde Belo Horizonte até o berço da conjuração e da cultura mineiras. Sem falar nas vidas que deixaríamos de perder nos acidentes rodoviários. Pois, com ou sem aeroporto local, quase todos os brasileiros continuariam a utilizar os carros e os ônibus. Até quando abusarão de nossa paciência?

        Frei Betto - Venenos saborosos‏

        No Brasil, 30% das crianças apresentam sobrepeso e pelo menos 15% delas já são obesas 

        Frei Betto
        Estado de Minas: 30/01/2013 
        É obrigatório ver Muito além do peso, documentário de Estela Renner produzido por Marcos Nisti,  em escolas e famílias. Jamais tive conhecimento de um filme tão pedagógico quanto à alimentação infantil. 

        Nossas crianças estão sendo silenciosamente envenenadas por ingerirem bebidas e comidas nocivas, todas amplamente anunciadas na TV e na internet, de modo a criar hábitos perenes de consumo. Embora as legislações de muitos países já proíbam publicidade de alimentos prejudiciais à saúde das crianças, como são os casos do Chile, da França e do Reino Unido, o governo brasileiro teima em ficar submisso à pressão das empresas produtoras. Reluta em assegurar qualidade de vida à nossa população. Enquanto a Vigilância Sanitária libera, o Ministério da Saúde arca com os bilhões de reais gastos em doenças evitáveis. 

        Pesquisas indicam que os produtos expostos à publicidade chegam a ter suas vendas aumentadas em 134%. No Brasil, 30% das crianças apresentam sobrepeso e 15% delas já são obesas. Cresce de modo alarmante a incidência de obesidade infantil, colesterol alto, distúrbios glandulares, diabetes tipo 2, cânceres, sem que se consiga dar um basta à indústria do envenenamento saboroso.

        Há escolas que, inclusive, abrem suas portas aos atrativos de redes de lanchonetes, sem consciência de que a qualidade do alimento oferecido equivale a deixar entrar um assassino portando armas. A diferença é que o alimento nocivo mata lentamente e causa maior e mais longo sofrimento.

        Esses dados falam por si: uma embalagem de 300g de sucrilhos contém 120g de açúcar. Ou seja, 40% do produto são puro açúcar. Uma garrafa de 1 litro de bebida láctea contém 165g de açúcar. É como ingerir um copo americano repleto de açúcar. Uma lata de 350ml de refrigerante da cor da roupa do Papai Noel contém 37g de açúcar, o que equivale a 7 saquinhos de açúcar, desses oferecidos nos bares para adoçar o cafezinho. Se a criança toma uma lata por dia, em uma semana serão 259g de açúcar. Em um mês, pouco mais de 1kg de açúcar.

        O brasileiro consome 51kg de açúcar por ano. São mais de 4kg por pessoa a cada mês. No mundo, 35 milhões de pessoas morrem por ano devido ao consumo excessivo de açúcar. Uma caixa de 355ml de suco de uva contém 48g de açúcar, o que equivale a nove saquinhos de açúcar. 

        Um pacote de 200g de batatas fritas contém 77g de gordura. Ou seja, 38,5% do produto são pura gordura. É como ingerir meio copo americano de óleo para frituras. Um pacote de 154g de bolachas contém 30g de gordura e 50g de açúcar. Ou seja, 50% do produto são de substâncias prejudiciais à saúde. Um tubo de biscoito recheado contém 30g de gordura e 50g de açúcar, o que equivale ao consumo de 8 pãezinhos franceses. Uma caixa de 200ml de achocolatado e um pacote de 400g de vitamina instantânea contém, cada um, 29g de açúcar. O que equivale a seis saquinhos de açúcar. 

        Um pote de 400g de farinha láctea contém 146g de açúcar. Ou seja, 36,5% são puro açúcar. Uma garrafa de 2 litros de suco de uva contém 270g de açúcar (equivalente a ingerir 1 copo e ½ de açúcar) e apenas 10% de sumo de uva. A caixa de 1 litro do mesmo suco contém 145g de açúcar, equivalente a um copo repleto de açúcar. 

        Um pacote de 35g de suco em pó contém 28g de açúcar e 1% de fruta. Ou seja, 80% do produto são puro açúcar. Nas embalagens quase nunca aparece a palavra “açúcar”. É substituída por carboidrato. Há crianças que consomem, por dia, 250 calorias em produtos açucarados. Basta ingerir 100 calorias para engordar 4 quilos por ano. E é bom lembrar que hoje em dia as crianças são mais sedentárias, pulam e brincam menos, o que favorece a engorda.

        Nossas escolas ensinam quase tudo, menos educação nutricional. Ninguém recorre todos os dias a seus conhecimentos de história ou química, faz operações algébricas ou fala em idioma estrangeiro. No entanto, todos nós comemos várias vezes ao dia. E, em geral, o fazemos sem critério e noção de como o organismo reage aos alimentos, e em que medida são benéficos ou prejudiciais à nossa saúde.

        Em 18 de dezembro, a Assembleia Legislativa de SP aprovou dois importantes projetos de lei proibindo a venda de lanches associados a oferta de brindes ou brinquedos e a publicidade de alimentos e bebidas não saudáveis (pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gorduras saturadas ou sódio) em TVs e rádios das 6h às 21h, e em qualquer horário nas escolas públicas e particulares. Espera-se que o governador Geraldo Alckmin sancione os dois projetos pioneiros no combate à obesidade infantil no Brasil.

        Imigrante ajudará economia, diz Obama

        folha de são paulo

        Presidente dos EUA pede urgência na reforma imigratória para tirar "11 milhões de homens e mulheres" das sombras
        Democrata desvincula regularização de ilegais do reforço da segurança nas fronteiras, durante discurso em Las Vegas
        LUCIANA COELHODE WASHINGTONCom um discurso de apelo emocional no qual evocou a origem da maioria dos americanos, o presidente Barack Obama pediu ontem urgência na reforma do sistema imigratório dos EUA e enfatizou que as mudanças são necessárias à economia do país.
        O democrata também elogiou a proposta feita na véspera por senadores dos dois partidos, a qual deixou o presidente na insólita situação de ver um tema prioritário de sua agenda absorvido pela oposição republicana, que tenta recuperar terreno entre o cobiçado eleitorado latino.
        Mas cobrou rapidez do Congresso, prometendo pressionar por seu projeto caso o Legislativo apresente um.
        "A hora é agora", declarou Obama, cinco vezes seguidas, à plateia em uma escola de Las Vegas, no Estado fronteiriço de Nevada (27% de população de origem latina).
        "Temos 11 milhões de homens e mulheres vivendo nas sombras. Eles quebraram as regras (...). Mas muitos estão aqui há anos, contribuem para para a sociedade, cuidam de suas famílias e tentam ganhar a vida honestamente", disse o presidente.
        "Quando trabalham horas extras, muitas vezes o fazem à sombra. Isso é ruim não só para eles, mas para a nossa economia [...]. Os salários e as condições de trabalho dos americanos estão em risco também", prosseguiu Obama, afirmando que a reforma "ajudaria a classe média".
        O longo discurso, porém, evitou detalhes e mal se diferenciou da proposta feita por oito senadores republicanos e democratas ou de um plano de Obama de 2011.
        Ele organizou seu projeto em três pontos, unindo em um item a vigilância e a segurança enfatizadas pelos senadores: patrulhamento inteligente; caminho para a cidadania e modernização do sistema, visando atrair para o país "as pessoas mais brilhantes do mundo".
        Diferentemente dos senadores, porém, o presidente não atendeu à reivindicação republicana de condicionar a possibilidade de legalização dos imigrantes ao reforço da segurança na fronteira.
        Os dois lados concordam sobre a criação de um banco de dados e o estabelecimento de penas que inibam a contratação de ilegais, mas as medidas de segurança ainda precisam ser detalhadas, e esperá-las atrasaria o início da solicitação de cidadania.
        Obama disse que será um caminho "duro, mas justo", exigindo do imigrante impostos em dia, ausência de antecedentes criminais, pagamento de multa e domínio da língua inglesa.
        Estrangeiros que tenham pós-graduação em ciências ou tecnologia nos EUA, empreendedores que encontrem patrocínio de empresas locais e imigrantes trazidos na infância teriam, porém, um processo acelerado -nos dois primeiros casos, para dar impulso à inovação no país.

          ANÁLISE
          Competitividade está no cerne das novas propostas
          PATRÍCIA CAMPOS MELLODE SÃO PAULOA reforma do sistema de imigração dos Estados Unidos, se sair do papel, porá um ponto final no Estado de segurança nacional que vigora no país desde os atentados de 11 de Setembro. Os americanos finalmente se renderam à realidade econômica: eles não podem mais se dar ao luxo de espantar imigrantes qualificados e turistas.
          Desde os ataques terroristas às Torres Gêmeas, o país se fechou por completo a estrangeiros, fossem eles turistas, trabalhadores qualificados ou filhos de imigrantes ilegais que se formaram em universidades americanas.
          Muitos portadores do visto H1B, de trabalho altamente qualificado, tinham de esperar meses e meses para conseguir seu "green card", a autorização de residência, por causa das novas medidas de segurança.
          Muitos não conseguiam renovar seu visto, por causa das cotas limitadas. Nos aeroportos, o pessoal da imigração, que nunca foi muito amigável, tornou-se abertamente hostil a turistas.
          As propostas de reforma da imigração, tanto a apresentada pelo presidente Barack Obama ontem como o texto do grupo de senadores divulgado anteontem, contemplam não apenas um caminho para a legalização dos cerca de 11 milhões de imigrantes ilegais nos EUA.
          Abordam também a necessidade de atrair imigrantes qualificados e turistas.
          Diante da crise econômica que atingiu o país, a imigração ilegal caiu para o menor nível dos últimos anos. Muitos "indocumentados" estavam voltando para seus países de origem em busca de oportunidades de emprego, entre eles muitos "brazucas".
          Agora, a enorme preocupação com segurança e terrorismo começa a dar lugar ao medo de perder competitividade na economia global.
          No plano dos senadores, todos os estrangeiros que obtiverem um PhD em ciências, tecnologia, engenharia ou matemática em uma universidade americana receberão um "green card".
          O plano também aumentaria o número de vistos H1B disponíveis todos os anos. E no resumo da proposta da Casa Branca voltou-se ao tema da facilitação de vistos para turistas: "[A proposta] permite maior flexibilidade para determinar países participantes do programa de dispensa de visto". O Brasil pode ser um dos maiores beneficiados.

            Cargo de encarregado de fechar a prisão de Guantánamo é extinto
            DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS
            O governo americano realocou o responsável por coordenar o fechamento da prisão de Guantánamo (Cuba), Daniel Fried, sem designar um novo nome para a função.
            Representantes do governo negaram que o comprometimento com o fim da prisão esteja se erodindo e disseram que as tarefas de Fried serão assumidas por advogados do Departamento de Estado. Na semana passada, Jay Carney, porta-voz da Presidência, reafirmou o compromisso do governo com o fechamento de Guantánamo, onde atualmente 166 pessoas estão detidas.
            HILLARY
            A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, disse que escreverá suas memórias e irá dedicar-se a incentivar a participação de mulheres na política após deixar o cargo.
            Questionada se concorrerá à Presidência em 2016, ela disse que, no momento, não pensa no assunto.

            CIÊNCIA » Feminismo inca - Marcela Ulhoa‏

            Historiadora da UnB faz revisão de documentos e defende a tese de que mulheres tinham papel relevante na antiga civilização andina, ocupando cargos importantes 

            Marcela Ulhoa
            Estado de Minas: 30/01/2013 

            Brasília – A história da civilização inca, com seus grandes feitos e desventuras, é marcada por figuras masculinas. De Manco Cápac, filho do deus Inti Sol e ligado à lenda de origem do império, a Atahualpa, o último imperador, os nomes que mais têm destaque são os de poderosos guerreiros, governantes e sacerdotes. Apesar de a cultura incaica não ter deixado relato escrito a respeito de seu passado, os colonizadores europeus que chegaram ao território andino no século 16 se apressaram em registrar, com tinta e papel, o olhar deles sobre aquele povo. Para tanto, pegaram emprestados os relatos orais e o vasto material visual produzidos pelos antigos habitantes da costa oeste da América do Sul, e contaram uma história – assim como fizeram com a do Velho Mundo – protagonizada por homens.

            Depois de quase 500 anos da extinção do Tawantinsuyo, nome dado pelos incas aos seus domínios, essa perspectiva histórica começa a ser contestada. A partir de uma releitura das crônicas dos conquistadores dos séculos 16 e 17, de interpretações de vestígios arqueológicos e da análise da literatura contemporânea sobre a civilização andina, a professora do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB) Susane Rodrigues de Oliveira rompe o silêncio imposto às figuras femininas do império inca e traça uma nova representação dessas mulheres. “Quando os espanhóis chegaram ao Tawantinsuyo, por volta de 1532, eles se depararam com mulheres guerreiras, conquistadoras, donas de terra, engenheiras agrônomas, curandeiras. Algo inimaginável para a Espanha dos séculos 16 e 17”, defende Susane. 

             No livro Por uma história do possível: representações das mulheres incas nas crônicas e na historiografia (Paco Editorial,2012), recentemente lançado, a historiadora retoma os exemplos de figuras como as huacas, adoradas e reverenciadas como seres sagrados, e ressalta a importância política de governadoras como as capullas, curacas e coyas. Essas últimas, ressalta Susane, tinham laços sanguíneos com os incas (imperadores) e governavam o território ao lado deles. Nos mitos da expansão do Tawantinsuyo, havia destaque para a curaca Chañan Cusi Coca, guerreira sacralizada no imaginário indígena colonial por proporcionar uma das vitórias mais importantes para o estabelecimento do poderio incaico sobre os Andes. Mas, se os vestígios revelam a força do feminino, por que essas mulheres não estão nos livros didáticos e nos discursos históricos?

            Distorções Para fazer uma análise do discurso e do imaginário sobre as mulheres incas, Susane Oliveira buscou em bibliotecas peruanas e brasileiras crônicas produzidas por soldados, cosmógrafos, navegadores, jesuítas e outros atores envolvidos no processo de colonização. Alguns dos autores estudados foram Garcilaso de la Vega, Pedro Cieza de León e Jose de Acosta. “Elas foram descritas pelos cronistas como bruxas e feiticeiras. Fiz uma análise de sua inferiorização como um discurso de poder, colonialista, que queria tirar a mulher de seu lugar de autoridade para instalar uma sociedade colonial nos Andes”, explica. 

            A Mama Huaco, por exemplo, apesar de ser uma personagem importante, uma das fundadoras do poderio incaico, foi descrita como uma bruxa perversa que arrancava os bebês dos ventres das mães, decepava cabeças e contaminava a água. “Eles diziam que ela só poderia ser uma mulher em conluio com o demônio. Busquei contextualizar historicamente essa imagem e procurei no imaginário cristão o que significava esse ser diferente e abominável. Descobri que a figura de uma mulher forte punha em jogo toda a instalação de uma sociedade masculina, colonialista e androcêntrica na região andina”, conclui. 

            Segundo ela, apesar de as crônicas apresentarem um ponto de vista deturpado, elas abrem brechas para outras significações. “Há momentos de silêncio que dizem muito. Às vezes, os escritores começam a falar de um grupo de mulheres guerreiras, mas logo vem um ponto final. Não continuam o relato.” Apesar de serem documentos fundamentais, Susane Oliveira lembra que as crônicas espanholas representam uma visão ocidental do mundo andino. Na tentativa de preencher essa lacuna, uma de suas principais fontes foi o material escrito por um indígena peruano cristianizado conhecido como Felipe Guaman Poma de Ayala. Por seu relato, cada uma das quatro regiões do Tawantinsuyo possuía uma senhora cápac, que podia dividir o poder com um senhor cápac. 

            Para Cristiana Bertazoni, coordenadora do Centro de Estudos Mesoamericanos e Andinos da Universidade de São Paulo (Cema/USP), esse outro tipo de interlocutor tem o potencial de oferecer uma visão menos filtrada e muito mais próxima do universo Inca. Cristiana cita o Manuscrito de Huarochirí, de autoria anônima, que permite observar questões de gênero mesmo antes dos incas. Segundo o documento, os homens teriam sido criados pela divindade masculina Paria Caca, e as mulheres pela divindade feminina Chaupi Ñamca. “Essa característica de equilíbrio entre divindades femininas e masculinas revela a complementaridade e a relação de interdependência de gêneros”, ressalta.

            Além da história escrita, Susane Oliveira diz que a arqueologia traz indícios materiais da presença de governadoras na região antes mesmo dos incas. É o caso da Múmia Tatuada, cujos restos mortais, envoltos em tecido de algodão, foram descobertos em 2005 em um sítio cerimonial chamado El Brujo, no litoral norte do Peru. Os restos mortais, de 1,6 mil anos, intrigaram os arqueólogos por darem a entender que são de uma rainha guerreira dos mochicas.

            Possibilidades De acordo com Eduardo Natalino, um dos fundadores do Cema/USP, é difícil falar sobre o papel da mulher na civilização inca de forma geral. “Os relatos espanhóis dão visibilidade à nobreza. As esposas dos incas podiam governar. Mas e o restante da sociedade, como funcionava?”, questiona. O pesquisador reforça ainda que as narrativas cosmológicas também mostram os princípios de funcionamento de uma sociedade. “Na nossa cosmologia judaico-cristã, a mulher é derivada da costela do homem, e é ela quem o induz ao pecado. Há todo um papel negativo em torno dela”, exemplifica. Nesse aspecto, a inclusão da figura feminina compartilhando a origem do Tawantinsuyo ao lado de um representante masculino pode revelar uma forma diferente de estrutura social, apesar de ser difícil generalizar o poderio das mulheres.

            Susane Oliveira lembra a importância de pesquisas como a que fez, que ela chama de “história do possível”. “A contribuição do meu estudo é mostrar outras possibilidades de existência para as mulheres. Se a história sempre mostrar o homem das cavernas arrastando a mulher pelos cabelos, você acaba aceitando que sempre foi assim, que não é possível mudar.” Segundo a historiadora da UnB, uma nova perspectiva sobre o passado pode abrir horizontes para o futuro, reforçando a ideia de que é possível existir uma relação de complementariedade e igualdade, independentemente do gênero.

            Sorriso em construção - Luciane Evans‏

            Implante dentário em adolescentes, considerado tabu na odontologia, começa a ser discutido entre os profissionais. Há quem defenda o procedimento em menores de 18 anos 

            Luciane Evans
            Estado de Minas: 30/01/2013 

             Para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), adolescente é o jovem entre 15 e 24 anos de idade. Já para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) brasileiro a adolescência é a faixa de quem tem mais de 12 anos até os 18 incompletos.  Mesmo diante dessa indefinição de faixa etária para caracterizar o jovem, a odontologia está prestes a quebrar um antigo tabu. 

            Se durante muitos anos fazer um implante dentário em um jovem que perdeu um dente era proibido – já que esse paciente está em crescimento e uma prótese fixa poderia comprometer sua a arcada dentária –, hoje o procedimento começa a ser visto com outros olhos. Muitos profissionais defendem que é preciso avaliar esse paciente muito além do aspecto cronológico, colocando na balança outros critérios , o que daria a oportunidade para uma menina de 15, por exemplo, se submeter a uma cirurgia. Mas há dentistas que resistem e temem os perigos que a mudança pode causar nos consultórios.

            A prova de que há muito a se discutir sobre esse assunto é uma amostragem da Faculdade de Tecnologia de Sete Lagoas (Facsete), na Região Central de Minas Gerais. Na unidade da instituição de ensino na capital paulista, o estudo apontou que entre 2009 e 2011 foram feitos 714 implantes, sendo apenas cinco em adolescentes. O coordenador de cursos de especialização em implantodontia da Facsete nas unidades de São Paulo, Porto Alegre e Goiânia, Ricardo Vadenal, é quem vai levantar o assunto durante o I Congresso Interdisciplinar da Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas, em São Paulo. O evento começa amanhã e vai até domingo. Vadenal é também mestre em periodontia pela Universidade de Taubaté e pós-graduado em implantodontia e prótese sobre implantes pela Universidade Camilo Castelo Branco. 
            De acordo com ele, o dano psicológico de um jovem que perde os dentes permanentes pode ser mais grave do que o risco de fazer um implante dentário seguro, obedecendo a todos os critérios biológicos. “Os dentistas hoje não fazem o procedimento porque têm um certo receio de que, ao aplicá-lo em um paciente com menos de 18 anos, a arcada dentária dele ainda esteja em crescimento e isso poderia causar deformações em sua estrutura osseobucal. Um implante é como um poste de concreto, uma vez instalado não se pode removê-lo”, comenta. 

            O professor conta que não são raros os casos de dentes perdidos nessa fase. “Seja por acidentes com carros, motocicletas e bicicletas; escorregões na beira da piscina, quedas ou esportes de impacto, muitos jovens sofrem  uma perda na arcada dentária e o procedimento atual é o uso de próteses móveis até que ele complete 18 anos, quando o desenvolvimento craniofacial já está praticamente definido”, diz. Vadenal afirma que isso pode afetar a autoestima do paciente nessa fase da vida em que há a busca da identidade. 

            O especialista defende que, antes de descartar o implante como opção, o cirurgião-dentista deve avaliar dois fatores: o crescimento biológico do paciente e a mineralização dos dentes dele. A avaliação do primeiro fator mede o grau de desenvolvimento do esqueleto, por meio de um raio X da mão e do punho. “É um exame que permite ao profissional averiguar se o adolescente está vivendo o surto do crescimento puberal, que é aquela espichada”. Com duração de dois anos, essa fase de transformações físicas e fisiológicas define as características sexuais de cada gênero. Ela ocorre entre os 9 e os 14 anos nas mulheres e entre os 10 e 16 anos nos homens.

             Na opinião dele, na população feminina há uma evidência que marca o estágio de crescimento da adolescente. É a menarca, nome dado à primeira menstruação, que ocorre quando faltam de seis meses a um ano para a curva de velocidade do crescimento ser concluída. “Como hoje as meninas estão menstruando cedo, é um grande prejuízo estético e psicológico esperar até os 18 anos para fazer um implante”, diz ele, que defende o procedimento na adolescência. Já a mineralização dos dentes (calcificação) pode ser verificada por uma radiografia que vai revelar a idade dentária da pessoa. “Quando os dentes estão mineralizados e a curva do crescimento está completa, a distância entre os caninos está definida e não haverá mudança do perímetro do arco dentário na região anterior, é possível realizar o implante de forma segura”, observa. 

            Há riscos e na prática não é tão simples

            Na opinião do odontologista Ronaldo Rettore Júnior, mestre em cirurgia bucomaxilofacial e doutor em implantodontia, há riscos e a realidade não é tão simples assim. Em 2000, ele, que coordena a especialização de implantes do Centro de Estudos Odontológicos do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg), lançou um livro sobre emergências odontológicas em que um dos assuntos eram os traumas dentários em jovens. “Um implante tem como característica a união rígida entre um metal e um dente. Se eu fizer um procedimento desse em uma criança de 10 anos, por exemplo, os dentes vizinhos cresceriam e o implantado não”. 

            Ele trabalha em hospitais de Belo Horizonte com menores que sofreram fraturas na mandíbula. “Nesses casos, usamos placas e parafusos de titânio para ajudar na melhora, depois o material é retirado. Foi daí que surgiu a ideia de usar esse material em implantes especiais para crianças, já que eles podem ser removidos. Apresentei a ideia às empresas, mas nenhuma se interessou até hoje”, conta Rettore Júnior, acrescentando que isso reflete o desinteresse do mercado em investir nisso. 

            “Os casos são poucos e a indústria lucra mais fazendo implantes em adultos. Esses novos critérios propostos para rever os casos desses pacientes não são científicos. O raio X de punho, por exemplo, só tem cinco raios de avaliação; e a menarca serve somente para as mulheres”, critica, acrescentando que o implante é algo recente e que não se conhece ainda seu comportamento ao longo dos anos. 

            “A população está envelhecendo cada vez mais, posso muito bem fazer um implante hoje em alguém de 22 anos e ele viver mais seis décadas. Qual será o comportamento dessa prótese ao longo de 60 anos? Por mais que a arcada dentária sofra modificação na fase de crescimento, na fase adulta também há alterações”, acrescenta Ronaldo Rettore Júnior. Para ele, o maior risco dessa polêmica é promover o travamento do crescimento ósseo. “É possível que se a pessoa estiver acima dos 20 anos, os dentes vizinhos vão estar mais para baixo e mais para frente. E se você precisar tirar esse implante, só provocando uma destruição na boca do paciente. Diante disso, o aparelho ainda é uma alternativa.” 

            Para o professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e doutor em implantodontia Peterson Dutra de Oliveira, as questões psicológicas em adolescentes que perderam os dentes são irrelevantes, uma vez que o aparelho ortodôntico é uma alternativa. “Mas não é a idade cronológica que deve guiar o profissional nesses casos, mas sim a idade de maturação óssea que indica, ou não, o implante, o que se faz por meio de exames de raio X”, defende.

            Decisão madura
            Hoje ela sorri, dá gargalhadas e tem perdido, aos poucos, o medo de morder uma maçã. Quando tinha 8 anos, a universitária Marina Ribeiro Moreira, de 22, caiu durante uma brincadeira e quebrou os dois dentes permanentes da frente. Durante dois anos, fez tratamento de canal. Aos 15, ao morder um pão, quebrou a raiz de um dos dentes traumatizados. Usou aparelho fixo que funcionou como um suporte para o dente desligado da raiz. Somente em 2010, aos 19 anos, Marina se submeteu a um implante dentário. “Foi algo que abalou minha autoestima. Só agora voltei a sorrir e a morder alimentos sem medo”. Mas ela diz que o implante foi feito em boa hora. “O procedimento foi desgastante para mim e achei que tomei a decisão certa de esperar alguns anos, pois eu já estava mais madura.”

            A era pós-Castro é hoje - Julia Sweig

            FOLHA DE SÃO PAULO

            JULIA SWEIG
            A era pós-Castro é hoje
            Sob as novas regras, pode-se contratar funcionários, obter financiamento e auferir lucros em Cuba
            A era pós-Castro em Cuba já chegou. Mas seu arquiteto principal é Raúl Castro. Sua agenda de reformas não possui as prescrições padronizadas de um livro didático de ciência política, nem as diretrizes de um programa de ajuste do FMI.
            Não há eleições multipartidárias. Não há Starbucks, Walmart ou Burger King, nem muita mídia independente. Pouco a pouco, porém, Cuba está passando por uma transformação importante nas expectativas básicas que os cidadãos cubanos têm em relação ao Estado, e vice-versa.
            A visita de Lula pode ter como tema principal a Venezuela, mas em todo lugar à sua volta Cuba está se tornando uma sociedade mais livre, aberta e, sim, mais democrática.
            Uma nova lei que entrou em vigor neste mês elimina as restrições às viagens. Os cubanos não precisam mais pagar taxas exorbitantes ou esperar pela chamada "tarjeta blanca" -a autorização do Estado- para viajar.
            E, se quiserem viver fora do país, não vão perder seus bens ou seu direito de residência. É um grande avanço para a liberdade e os direitos humanos, além de representar uma dádiva econômica potencial.
            Negócios e lucro deixaram de ser palavrões. Autoridades seniores projetam que, com novos regulamentos e leis dando mais liberdade de ação às pequenas empresas, dentro de cinco anos nada menos que 50% da economia estará em mãos de particulares, não do Estado.
            Sob as novas regras, pessoas físicas e cooperativas podem contratar funcionários, obter financiamento e auferir lucros.
            Há inúmeros problemas, mas, cada vez mais, são problemas de natureza prática, não ideológica, que dizem respeito mais à necessidade de aumentar a capacidade e experiência, sendo que antes o setor privado era visto como um mal necessário. Agora, esse novo espaço tem legitimidade e legalidade.
            Um sistema fiscal progressista está se delineando também. Não se trata de mero ajuste técnico. Com a nova descentralização, os governos provinciais e municipais vão obter e gastar seus Orçamentos a partir da receita fiscal recolhida na base, enquanto o governo federal pagará uma gama muito reduzida de custos -principalmente educação, saúde e defesa. Os cubanos estão acostumados a receber tudo de graça.
            A ideia de que eles vão trabalhar, pagar impostos e receber saúde, educação e aposentadoria, mas não muito mais que isso, representa uma mudança política radical.
            No próximo mês, Raúl Castro iniciará seu segundo e muito provavelmente último mandato como presidente da República de Cuba.
            O leque de candidatos representa um grande avanço demográfico e político. Cerca de 67% dos candidatos a 612 cadeiras são completamente novos e, entre esses novos candidatos, mais de 70% nasceram após 1959. Entre os candidatos, 49% são mulheres e 37% são afrodescendentes. Os eleitores cubanos terão que assinalar "sim" ou "não" a partir dessa nova lista, de modo que não é uma competição direta.
            Mas, se você quer entender de onde talvez venham os sucessores da era pós-pós-Castro, sugiro que olhe para esse novo grupo.
            Tradução de CLARA ALLAIN

              Em Cuba, Lula adota gesto típico de chefes de Estado
              Petista deposita coroa de flores em memória do herói nacional José Martí
              Antecessor de Dilma é atração de hoje na Conferência Internacional pelo Equilíbrio do Mundo
              DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS
              O ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula encerra hoje em Havana a Conferência Internacional pelo Equilíbrio do Mundo, um encontro de intelectuais esquerdistas em homenagem ao heroi cubano José Martí (1853-1895).
              Lula chegou à ilha anteontem à tarde e participou ontem do lançamento do livro de Fernando Morais "Os Últimos Soldados da Guerra Fria", sobre atuação de agentes cubanos em Miami.
              Mais cedo, o ex-presidente deixou uma oferenda de flores para Martí -deferência em geral feita por chefes de Estado em visita à ilha.
              Na noite em que chegou, Lula fez um curto passeio pela noite de Havana e foi a um restaurante na capital.
              O ex-presidente levou uma pequena comitiva de assessores do Instituto Lula. Durante a passagem por Cuba, ele planejava reunir-se com o ditador Raúl Castro, que acabou de assumir, no Chile, a presidência da Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos).
              Lula também tinha planos de visitar Hugo Chávez, presidente da Venezuela, que está internado na ilha desde sua operação de 11 de dezembro, relacionada a um câncer -cujo tipo e localização não são detalhados pelo governo.
              Amanhã, Lula deve viajar a Santo Domingo, na República Dominicana, para fazer uma palestra para a Câmara Dominicana de Construção. Depois, ruma a Washington.
              Também viajou para a ilha o brasileiro Frei Betto -que pediu que Deus consiga garantir a saúde de Chávez.