quinta-feira, 8 de novembro de 2012
Geeks, humoristas e acadêmicos devolvem a diversão à ciência
ALOK JHADO
"GUARDIAN"
As palestras de Michael Faraday na Royal Institution de Londres, no começo do século 19, faziam tanto sucesso que havia congestionamento das carruagens que traziam espectadores, na Albermarle Street em Mayfair. Como resultado, ela foi transformada na primeira rua de mão única da capital britânica. Faraday era um excelente comunicador e deslumbrava aqueles que o assistiam com as mais recentes descobertas sobre química e eletricidade. Suas palestras eram uma combinação de grande ciência e excelente entretenimento.
Mas em algum momento do século 20, a ideia de que a diversão podia servir de conduto à ciência desapareceu, ainda que os frutos do trabalho científico estivessem ganhando importância na vida das pessoas. Com a profissionalização cada vez maior dos cientistas depois da Segunda Guerra Mundial, a disciplina cresceu e a diversão se foi.
Para aqueles que não são especialistas e não têm tempo de aprender o básico, o que ocasionalmente requer muito esforço, ciência se tornou algo assustadoramente difícil. Era algo de sério demais, importante demais, para conter diversão.
Para quem acredita que a ciência deve ocupar posição central em nossa cultura, essa conclusão é claramente desastrosa. Felizmente para nós, um exército de geeks, humoristas e cientistas está trazendo de volta o espetáculo científico à moda de Faraday.
O líder desse ressurgimento da ciência como entretenimento é o humorista Robin Ince --suas apresentações de standup incorporam elementos científicos há uma década, mas ele conquistou mais atenção com o organizador do grupo Uncaged Monkeys, formado por Simon Singh, Ben Goldacre, Brian Cox e celebridades e cientistas convidados.
O espetáculo "Infinite Monkey Cage", derivado do programa de sucesso que Ince apresenta na Radio Four da BBC, oferece à audiência canções e piadas, entremeadas por minipalestras sobre cosmologia e medicina científica. A última turnê do espetáculo, encerrada alguns meses atrás, atraia milhares de espectadores a cada noite em teatros de todo o Reino Unido.
O grupo Uncaged Monkeys domina a cena, e Ince abriu caminho para um ecossistema de entretenimento científico em rápida expansão. No Festival of the Spoken Nerd, os humoristas Helen Arney e Matt Parker e o apresentador Steve Mould utilizam ferramentas de apresentação científica --entre as quais o programa PowerPoint e projetores de imagens-- para fazer humor, acrescentando canções sobre físicos apaixonados (e desapaixonados), e propondo charadas matemáticas para que a plateia resolva no intervalo. O que começou com poucos espectadores no salão de um pub há dois anos agora se tornou uma turnê que vem lotando teatros em todo o Reino Unido.
Essa atitude --a de que a ciência oferece boas ideias para entretenimento e discussão (mesmo que você não seja cientista)-- vai atingir sues maiores públicos nesta semana, quando Dara O'Briain, um comediante conhecedor de ciência, estrear seu novo programa de TV na BBC Two, "Science Club". O primeiro episódio tem uma entrevista com o célebre geneticista Steve Jones sobre sexo --pontuada por risadas, debates e demonstrações.
Boa parte da audiência de Ince, O'Briain e outros são pessoas previamente interessadas em ciência. Mas o pessoal da ciência como entretenimento está indo além de seu público típico: o projeto Guerilla Science começou com voluntários que fizeram palestras em um festival de música em 2008. Passados quatro anos, eles estão colaborando com o Wellcome Trust, National Portrait Gallery e Secret Cinema para incorporar ciência a espetáculos interativos encenados em lugares inesperados. O objetivo das fundadoras, Zoe Cormier e Jennifer Wong, é mexer com as emoções dos espectadores usando ideias científicas da mesma forma que fariam com teatro ou arte.
No extremo mais intelectualmente sofisticado do mercado, a história de sucesso é a Wellcome Collection, em Londres, um lugar para "os incuravelmente curiosos", inaugurado cinco anos atrás para promover a colisão entre medicina e arte. Os fundadores esperavam atrair 100 mil visitantes ao ano, mas no ano passado quase meio milhão de pessoas visitaram as exposições, cujos temas variam de sujeira a identidade, e participaram de eventos, como assistir a uma cirurgia cardíaca e conversas com os cirurgiões que a estavam realizando. Na semana passada, a instituição anunciou um plano de expansão de 17 milhões de libras (cerca de R$ 55 milhões), que ampliará seu espaço e o escopo de suas mostras.
EXÉRCITO DE RACIONALISTAS
O público que se interessa pelo Uncaged Monkeys e Festival of the Spoken Nerd se entrelaçam com outros movimentos de base que estão se espalhando pelo país. Há as reuniões "Céticos no Pub", em Sheffield, Cardiff, Nottingham, Edimburgo, Winchester e dezenas de outras cidades --voluntários organizam palestras sobre ciência, filosofia ou que qualquer tema que os interesse, em bares. E o objetivo nem sempre é a diversão: foi durante uma palestra do Céticos no Pub, em Holborn em 2009, que surgiu a campanha de Simon Singh para combater a acusação de difamação que lhe foi movida pela Associação
Britânica de Quiropraxia.
Com apoio e estímulo dos céticos britânicos, a campanha pela reforma de leis de difamação teve grande impacto, e os três grandes partidos do Reino Unido prometeram atualizar as antiquadas leis britânicas de difamação em seus programas para a eleição de 2010.
Poucos anos atrás, cientistas se lamentavam junto aos amigos quando viam um erro grosseiro sobre ciência na TV, ou quando um ministro demonstrava incompetência científica em suas declarações. Hoje, eles agem. Os céticos e outros interessados que fizeram contato por meio dos espetáculos produzidos por Ince ou pelos livros e colunas de Ben Goldacre se tornaram um exército de racionalistas, organizado via redes sociais, que se mobiliza para combater o flagelo dos inimigos da vacinação, homeopatas, políticos, empresas e, na realidade, qualquer pessoa que utilize provas científicas indevidamente.
Ince planeja continuar usando a ciência em suas apresentações. Sua próxima turnê terá por base os trabalhos de Richard Feynman e Charles Darwin. Será que a ideia de ter uma plateia que busque apenas diversão, um dia, o preocupa? "O público é subestimado o tempo todo", diz. "Acredito que se você oferecer coisas interessantes às pessoas, elas se deixarão atrair".
Tradução de PAULO MIGLIACCI.
Direitos para doméstica avançam na Câmara
Comissão aprova projeto que amplia garantias como pagamento de hora extra, jornada de 8 horas e FGTS obrigatório
Texto precisa passar pelo plenário e ir para o Senado; se aprovado, parte das medidas terá que ser regulamentada
Comissão da Câmara aprovou ontem projeto que amplia os direitos trabalhistas dos empregados domésticos para incluir benefícios como a hora extra e o recolhimento obrigatório, pelo empregador, da contribuição ao FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
Trata-se do primeiro avanço de uma proposta de emenda constitucional que ainda precisará passar pelo plenário da Câmara antes de ir para o Senado.
"Tem boas chances de aprovação neste ano. É uma PEC [proposta de emenda constitucional] meritória, tem apelo social, e por isso pode levar à votação", disse o presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS).
Ainda assim, apenas parte das mudanças propostas passaria a valer imediatamente após a aprovação do projeto, sendo absorvida na Consolidação das Leis do Trabalho.
Como exemplo está a limitação da carga horária a oito horas por dia e 44 horas semanais e a determinação de que o empregador não poderá reter salários em razão uma dívida do empregado.
Outra mudança que não demandaria regulamentação é a determinação de que os empregadores não poderão contratar para trabalho noturno ou para realizar atividades consideradas perigosas jovens menores de 18 anos. Menores de 16 anos só podem ser contratados na condição de aprendiz.
O projeto também veda ações discriminatórias, estabelecendo, por exemplo, que, no momento da contratação, o candidato portador de deficiência deverá ter o mesmo tratamento dos demais e que não poderão ser pagos salários diferentes para funcionários com as mesmas tarefas.
"Nem tudo dá na modalidade da CLT, mas houve grandes avanços e, na regulamentação, teremos uma equiparação de direito dos demais trabalhadores", disse a relatora da proposta, deputada Benedita da Silva (PT-RJ).
PENDÊNCIAS
Entre os direitos que precisam de regulamentação por projeto de lei, estão os relacionados a benefícios previdenciários, como o seguro-desemprego e o FGTS, que passaria a ser obrigatório.
Os empregadores também teriam que passar a pagar um salário-família para empregados de baixa renda com dependentes e um seguro contra acidentes de trabalho.
A remuneração do trabalho noturno deve ser superior à do diurno. A proposta não aborda as diaristas.
A deputada descartou a possibilidade de as novas obrigações estimularem um aumento da informalidade no setor. "Quem não têm carteira assinada vai exigir. Caso contrário, vão procurar outro mercado para trabalhar como cozinheira, lavadeira, babá", afirmou Benedita.
Quadrinhos
CHICLETE COM BANANA ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ LAERTE
DAIQUIRI CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO ADÃO
BIFALAND, A CIDADE MALDITA ALLAN SIEBER
BIFALAND, A CIDADE MALDITA ALLAN SIEBER
GARFIELD JIM DAVIS
HORA DO CAFÉ VELATI
Campanha para reduzir homicídios
CAMPANHA PARA REDUZIR HOMICÍDIOS
A proposta é incentivar as pessoas a se acalmarem diante de situações de estresse que podem levá-las a matar alguém
NA MÍDIA
A partir de hoje, serão divulgados filmes na TV, jingles em rádios e informes em jornais e revistas
GAME
Também será lançado um jogo em que os participantes terão de manter a calma em diferentes ocasiões. O game funcionará em celulares (com sistemas Android e IOS) e estará no Facebook do CNMP (is.gd/YB7com)
MOTIVOS QUE PODEM LEVAR A UM HOMICÍDIO
briga
ciúme
conflito agrário
discussão no trânsito
homofobia
intolerância religiosa
racismo
vingança
violência doméstica
Morte por motivo fútil é alvo de campanha
Proposta é incentivar as pessoas a se acalmarem em situações de estresse que podem levá-las a cometer um homicídio
Ação publicitária, estrelada por lutadores de MMA e judocas medalhistas olímpicos, será lançada hoje
Uma discussão durante uma festa por causa do excesso de sal na carne do churrasco acaba em morte.
Outra desavença, ocorrida porque uma pessoa não quis informar a hora, também resulta em homicídio.
Levantamento feito pelo CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) em 15 Estados e no Distrito Federal mostra que situações como essas são mais comuns do que se pode imaginar.
Em São Paulo, por exemplo, em 83% dos homicídios dolosos (intencionais) esclarecidos pela polícia, constatou-se que a causa do crime foi motivo fútil ou impulso.
Em outros Estados, como o Rio de Janeiro e o Paraná, esse índice é menor, 27% e 24%, respectivamente.
Independentemente da porcentagem, o CNMP considera que crimes como esses poderiam ter sido evitados. São mortes motivadas por briga, ciúme, conflito agrário, discussão no trânsito, homofobia, intolerância religiosa, racismo, vingança e violência doméstica.
"Muitas vezes, vemos que uma pessoa que não é uma assassina contumaz mata alguém por motivo fútil. Essa pessoa acaba com a vida de outra e com a sua própria. Se não estivesse de cabeça quente, não teria cometido o homicídio. É esse tipo de crime que queremos evitar", afirmou a juíza Taís Ferraz, conselheira do CNMP.
Por conta disso, o órgão, em parceria com o Ministério da Justiça e o Conselho Nacional de Justiça, lança hoje a campanha publicitária "Conte até 10".
Nos próximos dias, jornais, emissoras de rádio e TV veicularão informes publicitários, vídeos e jingles orientando as pessoas a se acalmarem e contarem até dez para evitarem confrontos.
A ideia é reduzir a quantidade de mortes no país. Só no ano passado, cerca de 43 mil pessoas foram assassinadas.
Pesquisador na área de segurança pública, Daniel Cerqueira diz que, pelos dados disponíveis hoje, não é possível concluir que a maioria dos homicídios ocorreu por motivos fúteis, porque o índice de esclarecimento de crimes ainda é baixo no país.
A campanha publicitária custou R$ 370 mil e será estrelada pelos lutadores de MMA (artes marciais mistas, na sigla em inglês) Anderson Silva e Júnior Cigano e pelos judocas medalhistas olímpicos Sarah Menezes e Leandro Guilheiro. Nenhum deles cobrou cachê.
O CNMP lançará também um jogo que vai testar a paciência das pessoas. Os personagens do game, que estará disponível no site do CNMP e para celulares, são os quatro atletas da campanha.
No ano que vem, por meio de uma parceria com o Ministério da Educação, a campanha deverá ser estendida para escolas da rede pública.
LETICIA WIERZCHOWSKI - Pequena história polonesa
Zero Hora - 08/11/2012
Acho que nunca contei aqui, mas esta história é do folclore familiar. Meu avô polonês, Jan Wierzchowski, embora tivesse emigrado e criado raízes no Brasil, era um ufanista da Polônia.
Além da capacidade do avô, a sua firma de construção civil prosperou também porque a maioria dos funcionários eram seus patrícios – no período que se seguiu à II Guerra, os ex-combatentes poloneses (que lutaram com os Aliados e eram “inimigos” dos soviéticos, portanto) tinham se tornado apátridas: famosos generais cuja coragem era lendária viviam de bicos na Europa, e oficiais poloneses que ajudaram a libertar a França, a Bélgica e a Holanda varriam a neve das calçadas inglesas em troca de um prato de sopa.
Após a guerra, meu avô voltou ao Brasil e, nos anos subsequentes, trouxe para cá alguns dos ex-colegas de Divisão, oferecendo-lhes emprego. Esses eram os seus fiéis funcionários, seus amigos queridos, o seu pedaço da Polônia aqui em Porto Alegre.
A história que conto é sobre uma dessas famílias que meu avô recebeu. O avô tinha uma pequena casa que outrora ocupara e que então usava como abrigo para seus conterrâneos que emigravam. Essa família (vou chamá-los de Os Getka) chegou na terceira classe de um navio, ao anoitecer, e foi recebida pelos meus avós.
Do porto, foram levados para a casa anteriormente preparada. Lá, os avós serviram-lhes o jantar e os acomodaram. Antes de partir, Jan prometeu voltar na manhã seguinte com o café da manhã – os recém-chegados não falavam uma única palavra de português, dependendo dos meus avós para tudo. Na manhã seguinte, minha avó Anna levantou-se cedo para sovar o pão e ferver o leite para os Getka.
Mas qual não foi a surpresa quando, ao chegarem na casinha, Anna e Jan encontraram os Getka já de café tomado, felizes da vida com a “hospitalidade brasileira”. Meu avô estranhou e quis saber de onde viera o café da manhã: sobre a mesa, uma bandeja com canjica, flores, maçãs e até cachaça, uma dessas que a gente vê nas esquinas, ofertadas fortuitamente para os orixás, tinha sido fartamente atacada pelo casal Getka.
Acontece que a casa ficava numa encruzilhada e, ao amanhecer, ali estava a bandeja. Os Getka comeram tudinho, e meu avô demorou a fazê-los entender que aquilo se tratava de um dos famosos “despachos”. Seja como for, os orixás não se revoltaram: os Getka viveram felizes por muitos anos, tiveram filhos e prosperaram, e talvez um de seus descendentes hoje esteja, feliz da vida, num terreiro de umbanda por aí.
Acho que nunca contei aqui, mas esta história é do folclore familiar. Meu avô polonês, Jan Wierzchowski, embora tivesse emigrado e criado raízes no Brasil, era um ufanista da Polônia.
Além da capacidade do avô, a sua firma de construção civil prosperou também porque a maioria dos funcionários eram seus patrícios – no período que se seguiu à II Guerra, os ex-combatentes poloneses (que lutaram com os Aliados e eram “inimigos” dos soviéticos, portanto) tinham se tornado apátridas: famosos generais cuja coragem era lendária viviam de bicos na Europa, e oficiais poloneses que ajudaram a libertar a França, a Bélgica e a Holanda varriam a neve das calçadas inglesas em troca de um prato de sopa.
Após a guerra, meu avô voltou ao Brasil e, nos anos subsequentes, trouxe para cá alguns dos ex-colegas de Divisão, oferecendo-lhes emprego. Esses eram os seus fiéis funcionários, seus amigos queridos, o seu pedaço da Polônia aqui em Porto Alegre.
A história que conto é sobre uma dessas famílias que meu avô recebeu. O avô tinha uma pequena casa que outrora ocupara e que então usava como abrigo para seus conterrâneos que emigravam. Essa família (vou chamá-los de Os Getka) chegou na terceira classe de um navio, ao anoitecer, e foi recebida pelos meus avós.
Do porto, foram levados para a casa anteriormente preparada. Lá, os avós serviram-lhes o jantar e os acomodaram. Antes de partir, Jan prometeu voltar na manhã seguinte com o café da manhã – os recém-chegados não falavam uma única palavra de português, dependendo dos meus avós para tudo. Na manhã seguinte, minha avó Anna levantou-se cedo para sovar o pão e ferver o leite para os Getka.
Mas qual não foi a surpresa quando, ao chegarem na casinha, Anna e Jan encontraram os Getka já de café tomado, felizes da vida com a “hospitalidade brasileira”. Meu avô estranhou e quis saber de onde viera o café da manhã: sobre a mesa, uma bandeja com canjica, flores, maçãs e até cachaça, uma dessas que a gente vê nas esquinas, ofertadas fortuitamente para os orixás, tinha sido fartamente atacada pelo casal Getka.
Acontece que a casa ficava numa encruzilhada e, ao amanhecer, ali estava a bandeja. Os Getka comeram tudinho, e meu avô demorou a fazê-los entender que aquilo se tratava de um dos famosos “despachos”. Seja como for, os orixás não se revoltaram: os Getka viveram felizes por muitos anos, tiveram filhos e prosperaram, e talvez um de seus descendentes hoje esteja, feliz da vida, num terreiro de umbanda por aí.
Uma Rosa para alguns - Marina Colasanti
Estado de Minas: 08/11/2012
Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo, semana passada. E Claudia Cardinale apresentando seu último filme. Disse o jornal que ela esteve no Rio em 1967, filmando Uma Rosa para todos. Errado. O ano era 1965. Lembro-me perfeitamente, porque estava grávida da minha primeira filha. E porque estava grávida, havia saído do jornal em licença-maternidade. E porque estava de licença, havia ido trabalhar no FIF, o Festival Internacional do Filme. E porque estava trabalhando no FIF, era jornalista, e ainda por cima falava italiano, acabei sendo convidada para ser assessora de imprensa de Claudia Cardinale. Larguei o FIF, fui atendê-la durante algumas semanas – voltaria ao FIF depois.
Que bonita era ela! Na primeira coletiva, apareceu de vestido florido, decotão, faixa rosa nos cabelos longuíssimos, e aqueles olhos, e aquele sorriso. Os cabelos eram falsos, um aplique, o resto todo era lindamente autêntico.
Tão bonita e ainda assim rigorosa no trabalho, de uma pontualidade militar. Chegava cedíssimo para a maquiagem que lhe daria cor brasileira, quase jambo, cumpria horários pesados, se alimentava de forma precária, não reclamava de nada. No meio das filmagens, teve que ir apresentar outro filme no Festival de Veneza. Havíamos ficado no set a noite anterior até as 3 da madrugada, em um calor estonteante, e na manhã seguinte fomos filmar no Morro da Viúva, subindo a pé até o alto. Claudia ainda posou para a revista Manchete. Só depois disso viajou.
Lembro-me dela perguntando à figurinista que peruca deveria escolher. Usava perucas para ter certeza de estar bem penteada, tinha uma coleção delas. A figurinista do filme a ajudava a compor seu figurino, mesmo fora do set.
A figurinista era Gaia Romanini, e porque o mundo é grande e as coincidências não existem, havia sido aluna do meu tio, irmão do meu pai, o também figurinista italiano Veniero Colasanti. Nossos temperamentos cruzaram bem, ficamos muito amigas e a ajudei no que precisou. Quis conhecer o comércio popular, para dar um jeito carioca às personagens, eu a levei ao Saara. O que mais a fascinou foi que as mulheres andassem pela rua com rolos no cabelo, aqueles rolos enormes, que elas cobriam apenas com um lenço, ou nem cobriam. Quem viu o filme sabe, Rosa usa rolos.
Na noite em que ficamos no set até as 3 filmava-se a cena de sexo, a única do filme. Sem sexo, é claro – os tempos eram outros. Assim mesmo havia uma certa tensão. O embate amoroso aconteceria no fundo de uma enorme movelaria do Catete, abafada como um forno. Claudia estava de combinação. Preta, naturalmente. Nem pensar em ficar nua. Barrados todos os jornalistas que haviam sonhado tirar fotos, suamos e comemos sanduíches longamente enquanto se acertaram as luzes e o diretor instruía os atores em voz baixa. Mas na hora magna Claudia não quis ninguém presente. A equipe toda saiu, só ficaram os indispensáveis. E a cena foi repetida noite adentro cercada de ausências e curiosidade.
Uma semana depois, Claudia voltava de Veneza. Reassumiu os horários espartanos, a cor brasileira, os rolos nos cabelos. Eu ainda traduzi o roteiro para o português, cuidei dos jornalistas que, frustrados na movelaria, queriam assistir a uma cena com Akim Tamiroff. E fui reassumir meu posto no FIF.
Que bonita era ela! Na primeira coletiva, apareceu de vestido florido, decotão, faixa rosa nos cabelos longuíssimos, e aqueles olhos, e aquele sorriso. Os cabelos eram falsos, um aplique, o resto todo era lindamente autêntico.
Tão bonita e ainda assim rigorosa no trabalho, de uma pontualidade militar. Chegava cedíssimo para a maquiagem que lhe daria cor brasileira, quase jambo, cumpria horários pesados, se alimentava de forma precária, não reclamava de nada. No meio das filmagens, teve que ir apresentar outro filme no Festival de Veneza. Havíamos ficado no set a noite anterior até as 3 da madrugada, em um calor estonteante, e na manhã seguinte fomos filmar no Morro da Viúva, subindo a pé até o alto. Claudia ainda posou para a revista Manchete. Só depois disso viajou.
Lembro-me dela perguntando à figurinista que peruca deveria escolher. Usava perucas para ter certeza de estar bem penteada, tinha uma coleção delas. A figurinista do filme a ajudava a compor seu figurino, mesmo fora do set.
A figurinista era Gaia Romanini, e porque o mundo é grande e as coincidências não existem, havia sido aluna do meu tio, irmão do meu pai, o também figurinista italiano Veniero Colasanti. Nossos temperamentos cruzaram bem, ficamos muito amigas e a ajudei no que precisou. Quis conhecer o comércio popular, para dar um jeito carioca às personagens, eu a levei ao Saara. O que mais a fascinou foi que as mulheres andassem pela rua com rolos no cabelo, aqueles rolos enormes, que elas cobriam apenas com um lenço, ou nem cobriam. Quem viu o filme sabe, Rosa usa rolos.
Na noite em que ficamos no set até as 3 filmava-se a cena de sexo, a única do filme. Sem sexo, é claro – os tempos eram outros. Assim mesmo havia uma certa tensão. O embate amoroso aconteceria no fundo de uma enorme movelaria do Catete, abafada como um forno. Claudia estava de combinação. Preta, naturalmente. Nem pensar em ficar nua. Barrados todos os jornalistas que haviam sonhado tirar fotos, suamos e comemos sanduíches longamente enquanto se acertaram as luzes e o diretor instruía os atores em voz baixa. Mas na hora magna Claudia não quis ninguém presente. A equipe toda saiu, só ficaram os indispensáveis. E a cena foi repetida noite adentro cercada de ausências e curiosidade.
Uma semana depois, Claudia voltava de Veneza. Reassumiu os horários espartanos, a cor brasileira, os rolos nos cabelos. Eu ainda traduzi o roteiro para o português, cuidei dos jornalistas que, frustrados na movelaria, queriam assistir a uma cena com Akim Tamiroff. E fui reassumir meu posto no FIF.
Tereza Cruvinel - Alta velocidade
Com o financiamento público de campanhas, quem ficará na rua da amargura será o PSB de Eduardo Campos
A presidente Dilma Rousseff, candidata natural à reeleição, deu sua acelerada ao reunir para um jantar, anteontem, a cúpula do PMDB. Nesse convescote, precedido de uma conversa de três horas entre Dilma e o ex-presidente Lula, foi reiterada a aliança preferencial entre o PT e o PMDB, e praticamente reconfirmado o nome de Michel Temer como candidato a vice. Segundo os participantes, não se falou em nova pasta para o partido, mas um tema consumiu boa parte da conversa: a reforma política. Dilma introduziu o assunto, apontando a necessidade de aprovação de algumas mudanças pontuais, já que o tempo é curto para reformas mais agudas. Rolou um debate e prevaleceu a ideia de que o assunto entra na lista das prioridades. Essa parte da conversa tem um significado importante, ainda que não tenha sido explicitado. Uma das mudanças pontuais seria o financiamento público de campanhas eleitorais, e o ponto é central do substitutivo do deputado petista Henrique Fontana, em análise numa comissão especial da Câmara.
O governo terá um bom discurso a favor da mudança, alegando a necessidade de acabar com o caixa dois, delito gerador de outros crimes, a exemplo do mensalão. Mas pode haver nela um cálculo eleitoral certeiro. Se o financiamento público for aprovado, para vigorar em 2014, acrescido naturalmente da criminalização das doações privadas, a coligação PT-PMDB será aquinhoada com o maior naco de recursos do fundo partidário especial a ser criado. Juntos, tiveram o maior número de votos e de eleitos para a Câmara em 2010. O PSDB virá logo atrás, melhorando sua situação se coligado ao DEM. Quem ficará na rua da amargura será o PSB do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que vem incomodando Dilma e o PT com sua aura de vencedor, sua pinta de candidato e suja ambivalência em relação ao atual governo.
Picado pela mosca
Eduardo Campos também está pilotando seu projeto em alta velocidade. Por mais que tente dissimular, está picado pelo inseto azul e seu partido não contém a euforia com a possibilidade de disputar o poder com nome e projeto próprio. Outros, flertam com a hipótese de uma aliança com o PSDB. Dilma o encontrará amanhã em Salvador, em reunião com os governadores nordestinos para tratar da seca na região. Não será ainda desta vez que tratarão de política e de sucessão. Nem Eduardo tem pressa. Seu partido tem dois ministros no governo, há uma refinaria a ser implantada em seu estado, entre outros projetos importantes. Mas continuará acelerando pois ao comichão do poder também se aplica o título da comédia de Marcos Caruso: “trair e coçar é só começar”.
Acelerada tucana
O senador Aécio Neves é uma espécie de candidato natural do PSDB. José Serra já queimou suas oportunidades, o governador Geraldo Alckmin concorreu com Lula em 2006 e supostamente vai disputar a recondução ao Palácio dos Bandeirantes. Mas, até agora, não explicitou o que pretende fazer. Observando os movimentos dos concorrentes, Aécio confidenciou por estes dias a um colega de partido: não pode ficar parado enquanto Dilma limpa as armas para a batalha e Eduardo Campos pisa no acelerador. Viajou pelo país durante a campanha, mas, agora, precisa de um horizonte mais claro.
Em breve, teria confidenciado ao interlocutor, vai procurar o governador de São Paulo para uma conversa franca. Se Alckmin quiser ser candidato, terá todo o seu apoio em Minas. Mas, se estiver decidido a buscar a reeleição, deverá proferir uma declaração pública de apoio a Aécio, fundamental para criar o clima de unidade no PSDB, atrair aliados e pavimentar a caminhada.
Derrota nacional
A votação do projeto de lei dos royalties, anteontem, foi naquele clima que os políticos definem como de “vaca estranhando bezerro”. Ninguém se entendia, a proposta de Carlos Zaratini (PT-SP), apoiada pelo governo, acabou derrotada. O senador Francisco Dornelles aponta pelo menos três problemas graves no texto aprovado: é inconstitucional, porque fere o artigo 20 da Constituição federal, que vincula os royalties aos estados produtores. É ilegal, porque fere contratos já firmados. É novamente ilegal porque fere a legislação orçamentária. Rio e Espírito Santo, em suas leis orçamentárias, contam com recursos dos royalties para financiar gastos previdenciários e as dívidas estaduais. Os dois estados vão recorrer ao Supremo. O que fará Dilma? O líder do PMDB no Senado, Valdir Raupp, saiu do Alvorada dizendo que ela sancionará a lei sem vetos. Há quem suponha, ou torça, para que ela vete alguns artigos e, repetindo o que fez em relação ao Código Florestal, edite uma medida provisória destinando os recursos derivados de contratos novos à educação, como queria o governo. Nesse ponto, a derrota foi do país. Mas o governo tem sua parte de culpa. Só na semana passada o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, foi ao Congresso dizer que essa era a posição oficial do Planalto.
Estado de Minas: 08/11/2012
Com os resultados da eleição municipal e, quem sabe, até os eflúvios da eleição presidencial nos Estados Unidos, as forças que contam para a sucessão presidencial de 2014 estão pisando fundo no acelerador. Era previsível, até certo ponto é natural, mas será insustentável ou pelo menos nociva uma pré-campanha tão longa. Vamos acreditar, por ora, que estejam todos promovendo apenas alinhamentos estratégicos e que os governos federal e estaduais ainda dedicarão 2013 à gestão e à administração. A presidente Dilma Rousseff, candidata natural à reeleição, deu sua acelerada ao reunir para um jantar, anteontem, a cúpula do PMDB. Nesse convescote, precedido de uma conversa de três horas entre Dilma e o ex-presidente Lula, foi reiterada a aliança preferencial entre o PT e o PMDB, e praticamente reconfirmado o nome de Michel Temer como candidato a vice. Segundo os participantes, não se falou em nova pasta para o partido, mas um tema consumiu boa parte da conversa: a reforma política. Dilma introduziu o assunto, apontando a necessidade de aprovação de algumas mudanças pontuais, já que o tempo é curto para reformas mais agudas. Rolou um debate e prevaleceu a ideia de que o assunto entra na lista das prioridades. Essa parte da conversa tem um significado importante, ainda que não tenha sido explicitado. Uma das mudanças pontuais seria o financiamento público de campanhas eleitorais, e o ponto é central do substitutivo do deputado petista Henrique Fontana, em análise numa comissão especial da Câmara.
O governo terá um bom discurso a favor da mudança, alegando a necessidade de acabar com o caixa dois, delito gerador de outros crimes, a exemplo do mensalão. Mas pode haver nela um cálculo eleitoral certeiro. Se o financiamento público for aprovado, para vigorar em 2014, acrescido naturalmente da criminalização das doações privadas, a coligação PT-PMDB será aquinhoada com o maior naco de recursos do fundo partidário especial a ser criado. Juntos, tiveram o maior número de votos e de eleitos para a Câmara em 2010. O PSDB virá logo atrás, melhorando sua situação se coligado ao DEM. Quem ficará na rua da amargura será o PSB do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que vem incomodando Dilma e o PT com sua aura de vencedor, sua pinta de candidato e suja ambivalência em relação ao atual governo.
Picado pela mosca
Eduardo Campos também está pilotando seu projeto em alta velocidade. Por mais que tente dissimular, está picado pelo inseto azul e seu partido não contém a euforia com a possibilidade de disputar o poder com nome e projeto próprio. Outros, flertam com a hipótese de uma aliança com o PSDB. Dilma o encontrará amanhã em Salvador, em reunião com os governadores nordestinos para tratar da seca na região. Não será ainda desta vez que tratarão de política e de sucessão. Nem Eduardo tem pressa. Seu partido tem dois ministros no governo, há uma refinaria a ser implantada em seu estado, entre outros projetos importantes. Mas continuará acelerando pois ao comichão do poder também se aplica o título da comédia de Marcos Caruso: “trair e coçar é só começar”.
Acelerada tucana
O senador Aécio Neves é uma espécie de candidato natural do PSDB. José Serra já queimou suas oportunidades, o governador Geraldo Alckmin concorreu com Lula em 2006 e supostamente vai disputar a recondução ao Palácio dos Bandeirantes. Mas, até agora, não explicitou o que pretende fazer. Observando os movimentos dos concorrentes, Aécio confidenciou por estes dias a um colega de partido: não pode ficar parado enquanto Dilma limpa as armas para a batalha e Eduardo Campos pisa no acelerador. Viajou pelo país durante a campanha, mas, agora, precisa de um horizonte mais claro.
Em breve, teria confidenciado ao interlocutor, vai procurar o governador de São Paulo para uma conversa franca. Se Alckmin quiser ser candidato, terá todo o seu apoio em Minas. Mas, se estiver decidido a buscar a reeleição, deverá proferir uma declaração pública de apoio a Aécio, fundamental para criar o clima de unidade no PSDB, atrair aliados e pavimentar a caminhada.
Derrota nacional
A votação do projeto de lei dos royalties, anteontem, foi naquele clima que os políticos definem como de “vaca estranhando bezerro”. Ninguém se entendia, a proposta de Carlos Zaratini (PT-SP), apoiada pelo governo, acabou derrotada. O senador Francisco Dornelles aponta pelo menos três problemas graves no texto aprovado: é inconstitucional, porque fere o artigo 20 da Constituição federal, que vincula os royalties aos estados produtores. É ilegal, porque fere contratos já firmados. É novamente ilegal porque fere a legislação orçamentária. Rio e Espírito Santo, em suas leis orçamentárias, contam com recursos dos royalties para financiar gastos previdenciários e as dívidas estaduais. Os dois estados vão recorrer ao Supremo. O que fará Dilma? O líder do PMDB no Senado, Valdir Raupp, saiu do Alvorada dizendo que ela sancionará a lei sem vetos. Há quem suponha, ou torça, para que ela vete alguns artigos e, repetindo o que fez em relação ao Código Florestal, edite uma medida provisória destinando os recursos derivados de contratos novos à educação, como queria o governo. Nesse ponto, a derrota foi do país. Mas o governo tem sua parte de culpa. Só na semana passada o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, foi ao Congresso dizer que essa era a posição oficial do Planalto.
Encantadora das letras - Jefferson da Fonseca Coutinho
Advogada de carreira, mestre em educação-arte, ganha a vida contando histórias, além de estar à frente de projetos bem-sucedidos de recuperação no sistema prisional do país
A voz é sedutora, o olhar vai longe e as mãos, pintadas de carmim, dominam a narrativa no traço do imaginário. Tudo o que é texto – a entrevista até – ganha vida, nuança e ritmo arrebatadores na cadência da oradora. Desse modo, não é de surpreender o sucesso de Rosana Mont’Alverne na arte de contar histórias. Advogada de carreira, mestre em arte-educação, a fundadora do Instituto Cultural Aletria, aos 52 anos, em plena era digital, trabalha pelo resgate e pela propagação dos contos tão dencantados por nossas avós. Além de rodar meio mundo em busca de fábulas, Rosana fundou escola para contadores e editora pela valorização da memória. Desde 2007, sua Feira de histórias é atração, aos sábados, na arena da Praça Tom Jobim, no Bairro Santa Efigênia. É ela, também, quem está à frente de um dos projetos de recuperação mais bem-sucedidos dentro do sistema prisional brasileiro: o Encantadores de Histórias, da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), de Itaúna, na Região Centro-Oeste do estado.
Na garagem feita varanda, as poltronas coloridas são um convite à transposição do tempo e do espaço. O belo casarão de cor alegre na Rua São Domingos do Prata, no Bairro Santo Antônio, é cenário para o trato das letras e salão de ensino pela vida das palavras. No endereço de número 697, são formatados livros e compartilhadas experiências no encantamento dos enredos. Numa das salas, pequena e expressiva pista do que alimenta o lugar: “Contar histórias é fazer afagos no coração. Pisque os dedos”. Presente de ex-aluno, pendurado na parede. Modo de doçura, mimo e retribuição para a posteridade. Orgulhosa, Rosana sorri: “A palavra, em nós, é alimento para a alma. As histórias são etapas para a evolução”. Na mesa, entre encadernações, restos da campanha “Quero o saci mascote da Copa do Mundo”. A Aletria fez de tudo para emplacar o traquinas de uma perna só como símbolo internacional. “Perdemos para o tatu-bola”, diverte-se. Ali, não há tempo ruim ou desfecho sem graça.
IMAGINAÇÃO Janela para a imaginação, os livros pululam desde o cômodo de entrada. Nas mãos de Juliana, filha e sócia de Rosana, A condenação de Emília – O politicamente correto na literatura infantil e Através da vidraça da escola – Formando novos leitores, ambos de Ilan Brenman, e Textos & Pretextos – Sobre a arte de contar histórias, de Celso Sisto. Mais adiante, escritos por Rosana, ganham a cena Meu pai é uma figura e O ovo amarelinho da galinha do vizinho. Já são 27 títulos em três anos, mais sete trabalhos no prelo. Realização de braços dados, mãe e filha Mont’Alverne, na administração do que foi sonho. Vontade tocada em profundidade durante o Festival de Inverno de 1995, na histórica Ouro Preto, quando Rosana participou de oficina para contadores ministrada pelas professoras Cecília Caram e Gislayne Matos.
A passagem como aluna reacendeu na advogada a chama herdada dos pais e do avô Pedro, “de voz de trovão”, em Roças Novas, quando menina ainda. “Lembro-me bem do meu avô, sentadinho, muito magro, cheio de causos da roça, especialmente sobre os bichos de lá. Fonte onde nem bebia, nadava em histórias”, conta. Rosana relembra ainda a mãe, Lilia, descascando bacia de laranja-serra-d’água para os filhos, reunidos, sedentos por histórias. Antes do festival em Ouro Preto, Rosana cursou artes cênicas no Teatro Universitário (TU), da UFMG. em 1987, Verve na veia, quase 20 anos depois, em 2005, a inauguração do Aletria, nome sugerido pelo irmão mais velho, Ruilon, inspirado por Tutameia, de Guimarães Rosa. Nesse hiato – dos estudos da cena até a fundação do instituto –, a carreira no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, especialização e mestrado em arte-educação.
No repertório de Rosana, em andanças nacionais e internacionais, mundaréu de histórias colhidas em campos dos mais diversos – além de outras tantas inventadas ou adaptadas por ela. Para a artista, está nas crianças e nos bichos, na natureza, a maior fonte de inspiração. Estudiosa, vê com entusiasmo o trabalho dos brinquedólogos, “que quebram a cabeça para resgatar a infância”, na contramão dos recursos tecnológicos e da febre virtual do século 21. Para a mestre em arte-educação, haverá sempre espaço para o calor das histórias, para a imaginação dos jovens e dos adultos. “Falaram que o computador iria acabar com o emprego. Não foi o que aconteceu. No caos, voltamos ao princípio. E o princípio é a fase oral. Voltamos para Homero, voltamos para a palavra”, ressalta. Rosana justifica o fenômeno do contador de histórias nos grandes centros urbanos, como movimento natural de equilíbrio, das raízes interioranas do homem.
Memória afetiva e recuperação
“É a vida. Todo movimento que vai muito para um lado acaba criando um movimento também no sentido contrário. A contação de histórias ressurgiu nos anos 1970 e ganhou força na Inglaterra, justamente uma das primeiras sociedades industriais do mundo”, avalia. Perguntada sobre a nova infância, tempo em que pais permitem que os filhos passem horas diante de animações hipnóticas nas tevês, ela não vê a época de todo sem solução. “A infância tem jeito. Por outro lado, existem novos pais preocupados com a sensibilidade dos filhos, que ainda contam histórias e valorizam a presença.”
Para Rosana, o que nos liga fortemente às nossas raízes são as memórias afetivas, que passam pelos nossos sentidos. “O barulhinho do grão caindo, o cheiro do café torrado, o som da tábua corrida da casa antiga, a voz dos avós… são esses sentidos que vão formando a pessoa que você é”, ensina.
Motivos de satisfação com o Aletria não faltam. Entre tantos, um se destaca: Os Encantadores de Histórias, grupo formado com recuperandos do sistema carcerário de Itaúna, dão brilho a mais aos encantos de Rosana Mont’Alverne. “Já abrimos o ano letivo de faculdade de direito de universidade carioca”, orgulha-se. Na ocasião, o grupo se apresentou para auditório com cerca de 700 pessoas. Tudo começou com uma carta-convite de um juiz letrado, que citou Cecília Meireles: “Não faças de ti um sonho a realizar. Vai”, finalizou o magistrado.
Embora o convite tenha sido feito em 2002, apenas em 2004 a advogada e artista pôde abraçar a causa e desenvolver o trabalho com os recuperandos da Apac de Itaúna. Desde então a experiência bem-sucedida com o grupo ganhou projeção nacional.
ERA UMA VEZ...
Desde 2007, o Instituto Aletria http://www.aletria.com.br/ promove espetáculos com entrada franca, aos sábados, na Feira Tom Jobim, no Bairro Santa Efigênia. Este ano, desde 4 de agosto, contadores profissionais e alunos do Instituto Aletria dividem a arena no encontro das avenidas Bernardo Monteiro e Brasil, com expositores de antiguidades e barracas de comidas. A Feira de Histórias é atração a partir das 11h e vai até 1º de dezembro. Vale agendar as quatro últimas apresentações: Brincadeira e história com Rúbia, dia 10, com Rúbia Mesquita; Prosa na praça, dia 17, com Olavo Romano; Histórias de encantamento e cordel, com Olegário Alfredo e convidados. Para fechar a temporada, Contos de Natal, com o Grupo Aletria, dia 1º.
SAIBA MAIS: literatura oral
Trata-se da mais antiga arte de exprimir eventos reais ou fictícios em palavras, imagens e sons. Os humanos, naturalmente, têm habilidade para o uso da comunicação verbal no ensino e no entretenimento. Muitos elevaram essa habilidade ao nível de arte. Na década de 1970, uma assim chamada "Renascença" da literatura oral teve início nos Estados Unidos e, com isso, muitos narradores tornaram-se profissionais. Daí, foi criada a National Association for the Perpetuation and Preservation of Storytelling (NAPPS), agora National Storytelling Network – Rede Nacional de Literatura Oral. No mundo contemporâneo, a figura do contador de histórias está intimamente ligada ao incentivo à leitura, entretenimento cultural e difusão do folclore regional. E a maneira como é transmitida a história contada também encontra novas técnicas e formas, mescladas a antigas – o teatro de fantoches e de formas animadas, o teatro de bonecos e a pantomima.
Jefferson da Fonseca Coutinho
Estado de Minas - 08/11/2012
"Falaram que o computador iria acabar com o emprego. Não foi o que aconteceu. No caos, voltamos ao princípio. E o princípio é a fase oral. Voltamos para Homero, voltamos para a palavra" - Rosana Mont%u2019Alverne, de 52 anos, contadora de histórias, fundadora do Instituto Cultural Aletria |
Na garagem feita varanda, as poltronas coloridas são um convite à transposição do tempo e do espaço. O belo casarão de cor alegre na Rua São Domingos do Prata, no Bairro Santo Antônio, é cenário para o trato das letras e salão de ensino pela vida das palavras. No endereço de número 697, são formatados livros e compartilhadas experiências no encantamento dos enredos. Numa das salas, pequena e expressiva pista do que alimenta o lugar: “Contar histórias é fazer afagos no coração. Pisque os dedos”. Presente de ex-aluno, pendurado na parede. Modo de doçura, mimo e retribuição para a posteridade. Orgulhosa, Rosana sorri: “A palavra, em nós, é alimento para a alma. As histórias são etapas para a evolução”. Na mesa, entre encadernações, restos da campanha “Quero o saci mascote da Copa do Mundo”. A Aletria fez de tudo para emplacar o traquinas de uma perna só como símbolo internacional. “Perdemos para o tatu-bola”, diverte-se. Ali, não há tempo ruim ou desfecho sem graça.
IMAGINAÇÃO Janela para a imaginação, os livros pululam desde o cômodo de entrada. Nas mãos de Juliana, filha e sócia de Rosana, A condenação de Emília – O politicamente correto na literatura infantil e Através da vidraça da escola – Formando novos leitores, ambos de Ilan Brenman, e Textos & Pretextos – Sobre a arte de contar histórias, de Celso Sisto. Mais adiante, escritos por Rosana, ganham a cena Meu pai é uma figura e O ovo amarelinho da galinha do vizinho. Já são 27 títulos em três anos, mais sete trabalhos no prelo. Realização de braços dados, mãe e filha Mont’Alverne, na administração do que foi sonho. Vontade tocada em profundidade durante o Festival de Inverno de 1995, na histórica Ouro Preto, quando Rosana participou de oficina para contadores ministrada pelas professoras Cecília Caram e Gislayne Matos.
A passagem como aluna reacendeu na advogada a chama herdada dos pais e do avô Pedro, “de voz de trovão”, em Roças Novas, quando menina ainda. “Lembro-me bem do meu avô, sentadinho, muito magro, cheio de causos da roça, especialmente sobre os bichos de lá. Fonte onde nem bebia, nadava em histórias”, conta. Rosana relembra ainda a mãe, Lilia, descascando bacia de laranja-serra-d’água para os filhos, reunidos, sedentos por histórias. Antes do festival em Ouro Preto, Rosana cursou artes cênicas no Teatro Universitário (TU), da UFMG. em 1987, Verve na veia, quase 20 anos depois, em 2005, a inauguração do Aletria, nome sugerido pelo irmão mais velho, Ruilon, inspirado por Tutameia, de Guimarães Rosa. Nesse hiato – dos estudos da cena até a fundação do instituto –, a carreira no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, especialização e mestrado em arte-educação.
No repertório de Rosana, em andanças nacionais e internacionais, mundaréu de histórias colhidas em campos dos mais diversos – além de outras tantas inventadas ou adaptadas por ela. Para a artista, está nas crianças e nos bichos, na natureza, a maior fonte de inspiração. Estudiosa, vê com entusiasmo o trabalho dos brinquedólogos, “que quebram a cabeça para resgatar a infância”, na contramão dos recursos tecnológicos e da febre virtual do século 21. Para a mestre em arte-educação, haverá sempre espaço para o calor das histórias, para a imaginação dos jovens e dos adultos. “Falaram que o computador iria acabar com o emprego. Não foi o que aconteceu. No caos, voltamos ao princípio. E o princípio é a fase oral. Voltamos para Homero, voltamos para a palavra”, ressalta. Rosana justifica o fenômeno do contador de histórias nos grandes centros urbanos, como movimento natural de equilíbrio, das raízes interioranas do homem.
Memória afetiva e recuperação
“É a vida. Todo movimento que vai muito para um lado acaba criando um movimento também no sentido contrário. A contação de histórias ressurgiu nos anos 1970 e ganhou força na Inglaterra, justamente uma das primeiras sociedades industriais do mundo”, avalia. Perguntada sobre a nova infância, tempo em que pais permitem que os filhos passem horas diante de animações hipnóticas nas tevês, ela não vê a época de todo sem solução. “A infância tem jeito. Por outro lado, existem novos pais preocupados com a sensibilidade dos filhos, que ainda contam histórias e valorizam a presença.”
Para Rosana, o que nos liga fortemente às nossas raízes são as memórias afetivas, que passam pelos nossos sentidos. “O barulhinho do grão caindo, o cheiro do café torrado, o som da tábua corrida da casa antiga, a voz dos avós… são esses sentidos que vão formando a pessoa que você é”, ensina.
Motivos de satisfação com o Aletria não faltam. Entre tantos, um se destaca: Os Encantadores de Histórias, grupo formado com recuperandos do sistema carcerário de Itaúna, dão brilho a mais aos encantos de Rosana Mont’Alverne. “Já abrimos o ano letivo de faculdade de direito de universidade carioca”, orgulha-se. Na ocasião, o grupo se apresentou para auditório com cerca de 700 pessoas. Tudo começou com uma carta-convite de um juiz letrado, que citou Cecília Meireles: “Não faças de ti um sonho a realizar. Vai”, finalizou o magistrado.
Embora o convite tenha sido feito em 2002, apenas em 2004 a advogada e artista pôde abraçar a causa e desenvolver o trabalho com os recuperandos da Apac de Itaúna. Desde então a experiência bem-sucedida com o grupo ganhou projeção nacional.
ERA UMA VEZ...
Desde 2007, o Instituto Aletria http://www.aletria.com.br/ promove espetáculos com entrada franca, aos sábados, na Feira Tom Jobim, no Bairro Santa Efigênia. Este ano, desde 4 de agosto, contadores profissionais e alunos do Instituto Aletria dividem a arena no encontro das avenidas Bernardo Monteiro e Brasil, com expositores de antiguidades e barracas de comidas. A Feira de Histórias é atração a partir das 11h e vai até 1º de dezembro. Vale agendar as quatro últimas apresentações: Brincadeira e história com Rúbia, dia 10, com Rúbia Mesquita; Prosa na praça, dia 17, com Olavo Romano; Histórias de encantamento e cordel, com Olegário Alfredo e convidados. Para fechar a temporada, Contos de Natal, com o Grupo Aletria, dia 1º.
SAIBA MAIS: literatura oral
Trata-se da mais antiga arte de exprimir eventos reais ou fictícios em palavras, imagens e sons. Os humanos, naturalmente, têm habilidade para o uso da comunicação verbal no ensino e no entretenimento. Muitos elevaram essa habilidade ao nível de arte. Na década de 1970, uma assim chamada "Renascença" da literatura oral teve início nos Estados Unidos e, com isso, muitos narradores tornaram-se profissionais. Daí, foi criada a National Association for the Perpetuation and Preservation of Storytelling (NAPPS), agora National Storytelling Network – Rede Nacional de Literatura Oral. No mundo contemporâneo, a figura do contador de histórias está intimamente ligada ao incentivo à leitura, entretenimento cultural e difusão do folclore regional. E a maneira como é transmitida a história contada também encontra novas técnicas e formas, mescladas a antigas – o teatro de fantoches e de formas animadas, o teatro de bonecos e a pantomima.
Raras, mas expressivas - Márcia Maria da Cruz
Doenças que têm prevalência de um caso para 100 mil pessoas são consideradas erros inatos do metabolismo. Diagnóstico precoce é imprescindível para sobrevida e qualidade de saúde do paciente
Márcia Maria da Cruz
João Vitor de Andrade Farias, de 8 anos, está com 11,5 quilos, bem abaixo do peso de crianças de sua faixa etária, que é entre 21 e 30 quilos. A altura também não é compatível com outros garotos de sua idade. Tem 95 centímetros, quando teria que estar com pelo menos 1,20 metro. Ele não controla o movimento de braços e pernas e também não fala. O atraso no desenvolvimento de João se deve à deficiência da enzima glutaril-CoA desidrogenase. O menino é portador da acidúria glutárica tipo 1, uma das 500 doenças causadas por erros inatos do metabolismo. “Cada uma de nossas células é como uma usina. Se falta uma peça, elas acumulam ou deixam de produzir uma substância”, afirma a pediatra e geneticista Eugênia Valadares, do Ambulatório de Erros Inatos do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Essas doenças, por terem a prevalência de um caso para 100 mil pessoas, são consideradas raras. No entanto, embora isoladamente sejam raras, elas, em conjunto, são expressivas. João Vitor só foi diagnosticado aos 3 anos e 7 meses, o que impediu que a doença fosse tratada antes que os sintomas se manifestassem. A importância de diagnósticos precoces foi discutido durante o Simpósio Erros Inatos do Metabolismo: fenótipos, doenças e tratamentos, promovido na semana passada pela Sociedade Mineira de Pediatria.
Durante o encontro, os médicos propuseram a incorporação da espectrometria de massa em tandem durante a triagem neonatal. A espectrometria tem capacidade de identificar 20 doenças causadas por erros inatos. Atualmente, a triagem conta com o teste do pezinho, cuja versão oferecida na rede pública detecta apenas uma dessas doenças raras, a fenilcetonúria, embora permita a identificação de outros problemas, como hipotiroidismo congênito, anemia falciforme e fibrose cística.
No Brasil, existem poucos equipamentos para a realização da espectrometria de massa em tandem: no Rio de Janeiro, Campo Grande, Porto Alegre, Curitiba e São Paulo. A exemplo do teste do pezinho, o exame é feito a partir de gotas de sangue coletadas em papel filtro. Para descobrir os erros inatos do metabolismo, em alguns casos, os profissionais precisam enviar o material para ser analisado no exterior, no Japão, Alemanha e Estados Unidos.
A experiência da Clinic for Special Children, na Pensilvânia (EUA), foi apresentada durante o simpósio pelo pediatra Kevin Strauss. O médico e sua equipe cuidam pacientes das populações menonita e amish, em que já foram identificadas 110 mutações. A alta incidência de doenças raras nessas populações pode ser explicada pelo índice de casamentos consanguíneos. O tratamento das patologias na clínica, no entanto, virou referência mundial dada a eficácia do diagnóstico. “Logo que o bebê nasce, a parteira colhe amostra do sangue do cordão umbilical e envia para ser analisada”, informa Eugênia Valadares, que presidiu o simpósio. Strauss desenvolveu uma tecnologia que permite a identificação rápida das mutações mais comuns. Isso possibilita a prescrição de tratamentos para a criança desde os primeiros anos de vida, antes mesmo que a doença se manifeste.
Os métodos de diagnóstico não podem ser replicados no Brasil, uma vez que foram feitos para identificar problemas em uma população fechada. No entanto, Eugênia destaca a importância de se criarem estratégias para universalizar os métodos disponíveis de diagnóstico. Em outras palavras, se houver por parte dos governos investimento na identificação precoce das doenças, muitas crianças poderão conviver com a doença, mas com qualidade de vida.
A pediatra e geneticista lembra que o nível de desenvolvimento econômico do Brasil já permite o avanço no processo de diagnóstico dos erros inatos. Ao universalizar esses métodos, que ainda não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), ela acredita que haveria redução na taxa de mortalidade no país. Segundo Eugênia, muitas crianças morrem sem sequer ter a doença identificada. Além de aprimorar métodos de diagnóstico, é necessário capacitar os profissionais de saúde para interpretar e lidar com os dados.
Tratamento nem sempre é caro
As doenças raras são associadas a tratamentos caros, mas nem todas precisam de medidas dispendiosas. O tratamento da acidúria metilmalônica, por exemplo, é feito apenas com a injeção de vitamina B12. A médica Eugênia Valadares lembra que já atendeu uma família do interior de Minas que havia perdido cinco crianças vítimas da doença. Ao ser encaminhada ao Hospital das Clínicas, em Belo Horizonte, a família conseguiu diagnosticar o problema e com a medida simples impediu que mais um filho morresse. “O pai me falava emocionado que não era para nenhum de seus filhos ter morrido se ele soubesse do tratamento”, diz.
A avó de João Vitor, que cuida do menino, precisou acionar a Justiça para conseguir o medicamento recomendado para a deficiência do garoto. Como não existe no mercado brasileiro, o remédio precisa ser importado. A acidúria glutárica tipo 1 não permite que João ingira proteínas, o que restringe muito sua dieta. “A Justiça autorizou o fornecimento do medicamento há um mês, mas ainda não o recebemos. Sem essa fórmula especial, ele está perdendo peso”, reclama Dalva Helena Soares da Silva, de 48 anos. De Bom Despacho, na Região Centro-Oeste de Minas Gerais, a família precisa estar a cada dois meses no Hospital das Clínicas/UFMG, centro de referência em pesquisa de erros inatos do metabolismo no Brasil, para fazer o controle da doença.
Problemas genéticos
Os erros inatos do metabolismo (EIM) constituem um grupo heterogêneo de defeitos genéticos que afetam a síntese, degradação, processamento e transporte de moléculas no organismo
Individualmente raros, em seu conjunto representam uma situação frequente, com uma prevalência estimada de um para 100 mil indivíduos. Ao contrário da maioria das doenças genéticas, muitos EIM têm condições tratáveis
As doenças genéticas constituem um dos principais grupos de doenças raras e têm sido consideradas, cada vez mais, significativas causas de mortalidade infantil no Brasil
A dupla dor de uma mãe
Maria Isabel Siqueira sabe bem a importância do diagnóstico precoce de erros inatos do metabolismo. As duas filhas da assistente social nasceram com a doença conhecida como ‘xarope de bordo’. A primeira filha, Marina, só foi diagnosticada três meses depois que morreu. O problema foi identificado nos primeiros dia de vida da segunda filha, Ana Luísa. Em razão do diagnóstico precoce, a menina cresceu saudável até os 8 anos, sem que as complicações da doença se manifestassem.
Márcia Maria da Cruz
Estado de Minas: 08/11/2012
João Vitor de Andrade Farias, de 8 anos, está com 11,5 quilos, bem abaixo do peso de crianças de sua faixa etária, que é entre 21 e 30 quilos. A altura também não é compatível com outros garotos de sua idade. Tem 95 centímetros, quando teria que estar com pelo menos 1,20 metro. Ele não controla o movimento de braços e pernas e também não fala. O atraso no desenvolvimento de João se deve à deficiência da enzima glutaril-CoA desidrogenase. O menino é portador da acidúria glutárica tipo 1, uma das 500 doenças causadas por erros inatos do metabolismo. “Cada uma de nossas células é como uma usina. Se falta uma peça, elas acumulam ou deixam de produzir uma substância”, afirma a pediatra e geneticista Eugênia Valadares, do Ambulatório de Erros Inatos do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Essas doenças, por terem a prevalência de um caso para 100 mil pessoas, são consideradas raras. No entanto, embora isoladamente sejam raras, elas, em conjunto, são expressivas. João Vitor só foi diagnosticado aos 3 anos e 7 meses, o que impediu que a doença fosse tratada antes que os sintomas se manifestassem. A importância de diagnósticos precoces foi discutido durante o Simpósio Erros Inatos do Metabolismo: fenótipos, doenças e tratamentos, promovido na semana passada pela Sociedade Mineira de Pediatria.
Durante o encontro, os médicos propuseram a incorporação da espectrometria de massa em tandem durante a triagem neonatal. A espectrometria tem capacidade de identificar 20 doenças causadas por erros inatos. Atualmente, a triagem conta com o teste do pezinho, cuja versão oferecida na rede pública detecta apenas uma dessas doenças raras, a fenilcetonúria, embora permita a identificação de outros problemas, como hipotiroidismo congênito, anemia falciforme e fibrose cística.
No Brasil, existem poucos equipamentos para a realização da espectrometria de massa em tandem: no Rio de Janeiro, Campo Grande, Porto Alegre, Curitiba e São Paulo. A exemplo do teste do pezinho, o exame é feito a partir de gotas de sangue coletadas em papel filtro. Para descobrir os erros inatos do metabolismo, em alguns casos, os profissionais precisam enviar o material para ser analisado no exterior, no Japão, Alemanha e Estados Unidos.
A experiência da Clinic for Special Children, na Pensilvânia (EUA), foi apresentada durante o simpósio pelo pediatra Kevin Strauss. O médico e sua equipe cuidam pacientes das populações menonita e amish, em que já foram identificadas 110 mutações. A alta incidência de doenças raras nessas populações pode ser explicada pelo índice de casamentos consanguíneos. O tratamento das patologias na clínica, no entanto, virou referência mundial dada a eficácia do diagnóstico. “Logo que o bebê nasce, a parteira colhe amostra do sangue do cordão umbilical e envia para ser analisada”, informa Eugênia Valadares, que presidiu o simpósio. Strauss desenvolveu uma tecnologia que permite a identificação rápida das mutações mais comuns. Isso possibilita a prescrição de tratamentos para a criança desde os primeiros anos de vida, antes mesmo que a doença se manifeste.
Os métodos de diagnóstico não podem ser replicados no Brasil, uma vez que foram feitos para identificar problemas em uma população fechada. No entanto, Eugênia destaca a importância de se criarem estratégias para universalizar os métodos disponíveis de diagnóstico. Em outras palavras, se houver por parte dos governos investimento na identificação precoce das doenças, muitas crianças poderão conviver com a doença, mas com qualidade de vida.
A pediatra e geneticista lembra que o nível de desenvolvimento econômico do Brasil já permite o avanço no processo de diagnóstico dos erros inatos. Ao universalizar esses métodos, que ainda não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), ela acredita que haveria redução na taxa de mortalidade no país. Segundo Eugênia, muitas crianças morrem sem sequer ter a doença identificada. Além de aprimorar métodos de diagnóstico, é necessário capacitar os profissionais de saúde para interpretar e lidar com os dados.
Tratamento nem sempre é caro
As doenças raras são associadas a tratamentos caros, mas nem todas precisam de medidas dispendiosas. O tratamento da acidúria metilmalônica, por exemplo, é feito apenas com a injeção de vitamina B12. A médica Eugênia Valadares lembra que já atendeu uma família do interior de Minas que havia perdido cinco crianças vítimas da doença. Ao ser encaminhada ao Hospital das Clínicas, em Belo Horizonte, a família conseguiu diagnosticar o problema e com a medida simples impediu que mais um filho morresse. “O pai me falava emocionado que não era para nenhum de seus filhos ter morrido se ele soubesse do tratamento”, diz.
A avó de João Vitor, que cuida do menino, precisou acionar a Justiça para conseguir o medicamento recomendado para a deficiência do garoto. Como não existe no mercado brasileiro, o remédio precisa ser importado. A acidúria glutárica tipo 1 não permite que João ingira proteínas, o que restringe muito sua dieta. “A Justiça autorizou o fornecimento do medicamento há um mês, mas ainda não o recebemos. Sem essa fórmula especial, ele está perdendo peso”, reclama Dalva Helena Soares da Silva, de 48 anos. De Bom Despacho, na Região Centro-Oeste de Minas Gerais, a família precisa estar a cada dois meses no Hospital das Clínicas/UFMG, centro de referência em pesquisa de erros inatos do metabolismo no Brasil, para fazer o controle da doença.
Problemas genéticos
Os erros inatos do metabolismo (EIM) constituem um grupo heterogêneo de defeitos genéticos que afetam a síntese, degradação, processamento e transporte de moléculas no organismo
Individualmente raros, em seu conjunto representam uma situação frequente, com uma prevalência estimada de um para 100 mil indivíduos. Ao contrário da maioria das doenças genéticas, muitos EIM têm condições tratáveis
As doenças genéticas constituem um dos principais grupos de doenças raras e têm sido consideradas, cada vez mais, significativas causas de mortalidade infantil no Brasil
A dupla dor de uma mãe
Maria Isabel Siqueira sabe bem a importância do diagnóstico precoce de erros inatos do metabolismo. As duas filhas da assistente social nasceram com a doença conhecida como ‘xarope de bordo’. A primeira filha, Marina, só foi diagnosticada três meses depois que morreu. O problema foi identificado nos primeiros dia de vida da segunda filha, Ana Luísa. Em razão do diagnóstico precoce, a menina cresceu saudável até os 8 anos, sem que as complicações da doença se manifestassem.
No ano passado, no entanto, devido à dificuldade na realização de um exame para medir a quantidade dos aminoácidos leucina, isoleucina e valina, a menina entrou em uma crise e não resistiu. “Ana Luísa era meu tudo, minha alegria. Vivia sorrindo e não reclamava das restrições alimentares”, lembra. Isabel espera que o conhecimento sobre o tratamento da doença que os médicos adquiriram ao tratar de Ana Luísa possa ser usado para impedir que outras crianças com o problema venham a ter a mesma história. "Quero cada vez mais ajudar nessa causa, de divulgar as doenças raras para que outras mães não passem pelo que passei. Ainda não estou forte o suficiente para me engajar em campanhas ou falar mais profundamente sobre o assunto, mas em breve estarei. Quero dar minha contribuição", diz.
ONG lança campanha contra a violência policial na Maré
FOCO
Daniel Marenco/Folhapress | ||
Moradoras leem panfleto contra violência e abuso policial distribuído pela ONG Redes da Maré |
DIANA BRITODO RIOA ONG Redes da Maré lançou uma campanha contra violência policial no Complexo da Maré, na zona norte, maior conjunto de favelas do Rio de Janeiro com cerca de 130 mil habitantes.
Adesivos e folders com orientações para moradores se prevenirem contra possíveis abusos de policiais foram distribuídos a partir de anteontem na favela Nova Holanda. A ação tem o apoio da Anistia Internacional e do Observatório de Favelas.
Os adesivos estão nas portas e janelas das casas com autorização dos moradores. Neles, os dizeres: "Conhecemos nossos direitos! Não entre nessa casa sem respeitar a legalidade da ação. Em caso de desrespeito, ligue para a corregedoria da Polícia Militar: (21) 2725 9098 (24 h).
Até dezembro, 50 mil adesivos e panfletos serão distribuídos em 45 mil domicílios das 16 favelas da Maré.
"A gente não pode dizer que está se preparando para a implantação da UPP [Unidade de Polícia Pacificadora], essa é uma ação do Estado. Nosso papel é colocar a segurança pública em pauta", disse Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré.
Cerca de cem voluntários da ONG percorreram ruas e becos da favela para divulgar a campanha "Somos da Maré e temos direitos".
"Espero que eles tenham sempre consciência para cumprir seu trabalho com respeito aos moradores", disse a dona de casa Sandra de Castro, 52, há meio século na Nova Holanda.
O coordenador do Observatório de Favelas Jailson de Souza e Silva diz que denúncias de violência policial são frequentes no país. A Redes da Maré registra duas a três reclamações por semana.
"Ouvimos de um morador que os policiais estão entrando nas casas de novo com chave mestre, na favela Parque União [Maré], aqui ao lado", disse Silva.
A PM afirmou, em nota, que o cidadão que quiser denunciar qualquer atitude suspeita de um policial militar deve entrar em contato com a Ouvidoria das Polícias pelo tel. 0/xx/21/3399-1199.
A Secretaria de Segurança Pública não se pronunciou sobre a campanha contra a violência policial.
'A liberdade das pessoas tão em jogo' - Pasquale Cipro Neto
'A liberdade das pessoas tão em jogo'
É comum esse tipo de desvio, que consiste em fazer o verbo concordar, por atração, com o elemento mais próximo
O pau continua quebrando na casa da Noca, digo, no Supremo. É bate-boca aqui, bate-barba ali, ora com respeito meramente protocolar entre as "excelências", ora com chumbo um pouco mais grosso.
É interessante notar que os ministros da mais alta corte do país quase sempre se valem do registro (supostamente) formal da língua, mas... Mas às vezes o sangue caliente faz um ou outro integrante escorregar...
Ontem, ao vir para o jornal, ouvi uma matéria sobre o que ocorria em Brasília. Depois de falar sobre os bate-bocas da sessão do Supremo, a repórter Raquel Miura, da CBN, pôs no ar trechos em que os ministros digladiavam verbalmente. Percebi que um deles escorregou na concordância, mas não consegui memorizar a fala dele. Assim que pus os pés no jornal, acionei Felipe Seligman, companheiro da Folha em Brasília. Imediatamente, Felipe, que estava no Supremo, mandou-me o áudio do trecho em que um dos ministros disse o que está no título desta coluna.
Não, caro leitor, o problema não está na redução da forma verbal "estão" para "tão", em que se suprimem os fonemas iniciais de "estão" (o nome técnico desse processo é "aférese" ou "ablação"). O emprego dessa forma na mais alta corte do país é até interessante, já que mostra um lado "humano" de seus integrantes. Qual é o falante do português que não suprime o "es" inicial de muitas das flexões do verbo "estar"?
E onde é que está o "problema"? O nobre ministro fez o verbo "estar" concordar com "pessoas"; deveria tê-lo feito concordar com o núcleo do sujeito ("liberdade"): "A liberdade das pessoas (es)tá em jogo".
Sim, já sei: trata-se de fala espontânea, em que é mais do que comum esse tipo de desvio, que consiste em fazer o verbo concordar, por atração, com o elemento mais próximo ("pessoas", no caso) e não com o termo com o qual efetivamente deveria concordar ("liberdade", núcleo da expressão "a liberdade das pessoas"). Na verdade, embora seja mais comum na fala, esse desvio ocorre também na escrita, em casos como "O fechamento dos aeroportos impediram", "O preço dos imóveis dispararam", "O nível dos rios subiram", "O valor dessas ações despencaram" etc.
Vestibulares de ponta (Unicamp, Fuvest etc.) volta e meia incluem em suas provas registros desse tipo de desvio em questões que não se limitam a pedir ao candidato que aponte o desvio e o corrija; pedem também que o candidato explique o motivo do desvio (como já vimos, o motivo é a concordância por atração).
É bom lembrar que não se pode confundir o caso visto acima com o que ocorre em construções como "A maior parte dos latinos votaram em Obama", em que se opta pela concordância (correta) do verbo com o especificador ("latinos") do núcleo do sujeito ("parte", palavra que indica noção coletiva, de agrupamento etc.).
O caro leitor notou que empreguei a palavra "opta"? Repito: "...em que se opta pela concordância...". Pois bem. Essa concordância ("a maior parte dos latinos votaram") é opcional. Nesses casos, pode-se optar pela concordância com o núcleo ("parte") ou com o especificador do núcleo ("latinos"): "A maior parte dos latinos votou/votaram em Obama". Isso vale para todos os casos análogos ("A maioria dos latinos votou/votaram"; "Um grupo de estudantes tentou/tentaram"; "Um enxame de gafanhotos destruiu/destruíram" etc.).
No caso da fala do ministro (e em casos afins), em que o núcleo do sujeito não indica noção coletiva, nada de dupla possibilidade. Vamos às formas adequadas ao padrão formal da língua: "O fechamento dos aeroportos impediu"; "O preço dos imóveis disparou"; "O nível dos rios subiu"; "O valor dessas ações despencou"; "A liberdade das pessoas está em jogo". É isso.
Grupo encontra possível 'super-Terra' habitável
Candidato a planeta teria sete vezes a massa terrestre e completaria órbita em 200 dias
J.Pinfield/Universidade de Hertfordshire | ||
Concepção artística do candidato a planeta HD 40307g |
SALVADOR NOGUEIRACOLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Um grupo internacional de pesquisadores diz ter descoberto um possível planeta habitável fora do Sistema Solar.
A descoberta foi feita usando dados do espectrógrafo Harps, do ESO (Observatório Europeu do Sul), o mais preciso do mundo para buscar planetas extrassolares.
Contudo, o trabalho não é fruto de uma nova leva de observações, mas de dados antigos, garimpados dos arquivos da organização.
A estrela que o novo planeta orbita, designada HD 40307, é parecida com o Sol, mas um pouco menor e mais fria (cerca de 70% da massa solar), a 44 anos-luz da Terra (um ano-luz equivale a 9,5 trilhões de quilômetros).
Com as observações originais, pesquisadores europeus já haviam achado três planetas, todos muito próximos da estrela para abrigar água líquida -principal qualidade para a habitabilidade.
Usando uma nova técnica de análise, a equipe da Universidade de Hertfordshire, no Reino Unido e da Universidade de Göttingen, na Alemanha, conseguiu extrair sinais de outros três mundos orbitando HD 40307.
O mais interessante deles completa sua órbita (um ano naquele mundo) em 200 dias terrestres. Como a estrela é um pouco menos brilhante que o Sol, ele está na posição certa para ter água em estado líquido na superfície.
E o melhor de tudo: ele tem cerca de sete vezes a massa da Terra, o que o coloca numa categoria de planeta que possivelmente tem solo rochoso -as "super-Terras".
Astrônomos não envolvidos com o achado se mostram céticos. "O fato de que eles colocam em dúvida no trabalho a própria natureza da descoberta já diz tudo", afirma Cassio Leandro Barbosa, astrônomo da Univap (Universidade do Vale do Paraíba).
Cientistas acham 'alta tecnologia' primitiva
REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE " CIÊNCIA+SAÚDE"
Se a Idade da Pedra teve seu Vale do Silício, ele provavelmente ficava na caverna de Pinnacle Point, na atual África do Sul.
Foi lá que arqueólogos acharam os mais antigos exemplares da primeira tecnologia revolucionária inventada por seres humanos.
Gente acostumada às facilidades trazidas por tablets e aviões a jato provavelmente não daria nada pelas pequenas lâminas de pedra.
editoria de Arte/folhapress | ||
Mas foi a criação delas, há 70 mil anos, que possibilitou montar os primeiros instrumentos leves compostos por muitas peças, diz pesquisa na revista científica "Nature".
Se os autores do estudo estiverem corretos, as lâminas podiam ser usadas para fazer flechas ou dardos disparados por lançadores manuais --o equivalente paleolítico de armas de destruição em massa.
A conclusão é da equipe liderada por Curtis Marean, da Universidade do Estado do Arizona (EUA).
Para datar as lâminas, os cientistas mediram a presença de imperfeições nos grãos de areia que cercavam as lâminas. Depois que a areia fica abaixo do nível do solo, a radiação natural do planeta faz essas impurezas se acumularem. Basta "contá-las" para saber quanto tempo a areia e o artefato que ela envolvia ficaram enterrados.
Segundo os cientistas, o mais importante da descoberta é o que essa tecnologia diz a respeito das capacidades mentais de quem a usava.
A produção das lâminas exigia um longo processo de planejamento e execução. A coisa toda começava com a localização de "minas" nas quais a rocha adequada para os instrumentos estava. Também era preciso recolher lenha, porque só o "tratamento" da pedra com fogo permitia que ela fosse trabalhada nas dimensões corretas.
Depois, eram necessários vários passos para que a lâmina atingisse o formato ideal (um lado tinha gume e o outro era "cego"), mais o processo de colar a ponta de pedra num cabo ou haste.
Só gente previdente, hábil e capaz de usar linguagem complexa para transmitir informações conseguiria passar a tecnologia de geração em geração por milhares de anos, como parece ter acontecido em Pinnacle Point.
Isso significa que, no mínimo há 70 mil anos, os ancestrais do homem moderno tinham mentes essencialmente indistinguíveis das nossas.
O "timing" do primeiro aparecimento dessa tecnologia é significativo. Coincide com o momento em que os primeiros grupos de humanos modernos teriam deixado a África, diz Sally McBrearty, da Universidade de Connecticut, que comentou as descobertas na "Nature".
"Se eles estavam armados com arcos e flechas, seriam mais do que páreo para qualquer coisa que encontrassem", escreve McBrearty.
Os alvos dele seriam animais mas também tribos como os neandertais, que ocupavam a Europa e o Oriente Médio e acabaram extintos, não sem antes se miscigenar com os recém-chegados.
Cidade gaúcha de colonização alemã elege a única prefeita negra do Estado
FOCO
RODOLFO LUCENADE SÃO PAULOMulher, negra e divorciada. Essa é Tânia Terezinha da Silva, primeira prefeita eleita em Dois Irmãos, cidade gaúcha de colonização alemã onde 91,57% da população é branca e os negros são menos de 2% -segundo o Censo de 2010, havia só 414 pessoas de cor ou raça negra entre os 27.572 residentes na cidade."O sol brilha para todos, e eu escolhi ficar no brilho do sol, não ficar na sombra", diz ela, que é filiada ao PMDB desde 1995 e foi candidata pela coligação composta ainda pelo PP e pelo PTB. "Foi uma campanha dura, não foi fácil", afirmou à Folha.
"Tive de romper paradigmas. A cor da pele foi um: por ser uma cidade germânica, talvez quem não more lá dificilmente acreditaria que tivesse uma pessoa de cor negra candidata a prefeita. Também a situação de família, pois para quem é católico ou evangélico pesa muito essa questão de família."
Mesmo assim, diz: "Não posso falar da cidade de Dois Irmãos como preconceituosa. Ela acreditou no meu trabalho enquanto pessoa, independentemente da cor".
Ela venceu na política local apesar de ser uma "estrangeira". Nascida em Novo Hamburgo (RS), começou a trabalhar em Dois Irmãos em 1991, depois de passar em primeiro lugar em um concurso de técnica em enfermagem.
Acabou se mudando para lá três anos depois: "Quando cheguei a Dois Irmãos o município tinha cerca de 9.000 habitantes. Quando chega alguém todo mundo olha desconfiado porque não sabe quem é a pessoa. Mas isso por ser uma cidade pequena."
Como técnica em enfermagem, atuou no SUS, visitava os bairros, conhecia cada comunidade. A carreira política começou com a eleição a vereadora em 1996. "Hoje estou na minha terceira legislatura. Em 2008 fui a mais votada, com 2.055 votos numa comunidade de 16 mil eleitores." Agora os votos se multiplicaram: única negra entre as 35 prefeitas eleitas no Rio Grande do Sul, que tem 497 municípios, Tânia recebeu 9.450 votos (51,67%).
Aos 49 anos, a prefeita eleita tem um casal de filhos -Pablo, 24, e Hohana, 20- e não descuida da aparência: hoje exibe os cabelos trançados em vistosos dreadlocks. "Já tive cabelo curto, encaracolado, agora faz dois anos que eu uso tranças. Para fazer dá trabalho. Em compensação, para manter, é maravilhoso".
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