Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, Luiz Flávio Gomes e Luiza Nagib Eluf
TENDÊNCIAS/DEBATES
Democracia e Código Penal
O projeto não é a lei pronta. Ele tem de ser discutido. Mas não há como
concordar com quem afirma que a sua tramitação é arbitrária ou
antidemocrática
Este fracasso ajuda a explicar porque a sociedade brasileira de 2012 continua regida principalmente por uma lei penal de 1940.
A esperança de uma reforma penal democrática ressurgiu com a proposta do senador Pedro Taques de criar uma comissão de juristas para elaborar um anteprojeto de novo Código Penal.
Isso foi feito: juízes, promotores de justiça, defensores públicos, professores, advogados, procuradores da república e consultores legislativos a compuseram.
A comissão, em trabalho incansável e aberto, transmitido pela TV Senado e divulgado pelos meios de comunicação, terminou suas atividades em sete meses.
Realizou audiências públicas e seminários em várias capitais do Brasil, recebeu mais de 6.000 sugestões de cidadãos brasileiros e dezenas de notas e comunicados das mais diversas instituições da sociedade civil. Ao leitor da Folha, essa explicação nem seria necessária: este jornal noticiou, meses a fio, todas as discussões e deliberações a que se chegou.
O anteprojeto se transformou no projeto de lei 236/2012. Foi constituída uma comissão de senadores para examiná-lo, sob a presidência do senador Eunício Oliveira, que também preside a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Abriu-se oportunidade para recebimento de sugestões e críticas, foram realizadas novas audiências públicas e, estamos confiantes, o mais amplo espaço será dado para esta importante discussão.
As críticas que o projeto tem recebido são legítimas e naturais. A comissão de juristas entendeu que era seu dever oferecer soluções para questões muito controvertidas, imprimindo a elas um caráter liberal.
Os exames críticos não são de idêntico teor. Ao revés, tendem a ser mutuamente excludentes. Para alguns, há penas demais no anteprojeto; para outros, de menos. Feito por um colegiado, com diversas visões penalísticas, estas valorações distintas eram esperadas.
Um projeto não é a lei pronta. É instrumento para sua discussão. Somos pelo mais abrangente, aberto e transparente debate, pois só isto convém à democracia.
Não se pode concordar com afirmações, porém, de que a tramitação do novo código é arbitrária ou ofende valores democráticos, como defendeu texto publicado nesta seção no dia 4/10 ("Por um Código Penal democrático", de Miguel Reale Júnior, Renato de Mello Jorge Silveira, Roberto Livianu e Fernando Figueiredo Bartoletti).
Tais assertivas desvalorizam o Senado Federal e seu modo de funcionamento, bem como o princípio da soberania popular, que é lastro do Estado democrático de Direito: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente...". Os parlamentares que estão analisando o projeto estão legitimados a tanto pelo voto popular.
Ao pretender que o Senado abra mão de seu papel constitucional e nem sequer examine o projeto, o que se almeja, na verdade, é alijar autoritariamente a cidadania brasileira da discussão. Isto não pode ser: não há democracia sem representação popular. O Congresso Nacional é que deve ser o árbitro das tensões suscitadas pela reforma penal.
O projeto bate forte na corrupção, corrige insuficiências da atual parte geral -como o falho conceito de dolo eventual- e oferece soluções avançadas em temas como crimes de trânsito, terrorismo, crime cibernéticos, crimes contra direitos humanos e outros.
Da reforma de 1984 para cá, mais de um milhão de pessoas foram assassinadas intencionalmente no Brasil, o 20º país mais violento do mundo. Está na hora de aprimorar a lei penal. Para isso, convidamos toda a comunidade brasileira a participar.