Aécio neves saiu de Belo Horizonte rumo ao seu gabinete no
Senado, em Brasília, na manhã da quarta-feira 31, antevéspera do Dia de
Finados, data em que os brasileiros acendem velas aos mortos. Três dias
antes, o ex-governador mineiro acompanhou de casa o enterro político de
seu maior adversário no PSDB, o paulista José Serra. Embora, durante o
velório, ou melhor, durante o discurso em que reconheceu a derrota na
disputa pela prefeitura de São Paulo, Serra tenha se declarado
“revigorado”, conta-se nos dedos quem apostaria em seu renascimento.
A vitória de Haddad tirou Serra do páreo e colocou Alckmin na defensiva. A saída está em Minas Gerais. Foto: Antonio Cruz/ABr
Ou talvez o único a resistir à realidade seja o próprio Serra. Segundo o
jornal O Estado de S. Paulo, irritado com a proposta unânime de
renovação partidária, defendida, entre outros, por Fernando Henrique
Cardoso antes mesmo de as urnas consagrarem a vitória de Fernando
Haddad, o tucano teria dito que a ideia era “coisa de petista”. Mas a
insistência do paulista em permanecer na ribalta e seu encontro final
com o ultraconservadoris-mo, após a definitiva guinada direitista em
2010, deixaram um rastro de destruição não só em sua biografia, sempre
demasiadamente inflada pela generosidade do colunismo político
brasileiro, mas nas rotas alternativas da oposição. Em entrevista a
Cynara Menezes, à pág. 28, Aécio critica o neoudenismo dominante no PSDB
nas últimas eleições: “Não está no ideário do partido e não é da
natureza do partido”.
O mineiro acena com o retorno do
protagonismo perdido pelo PSDB nas últimas eleições, em novas bases.
Quem sabe por engano muitos ainda supervalorizem o fato de Serra ter
chegado ao segundo turno nas presidenciais de 2010 e na disputa
municipal deste ano. Ilusão. O tucano paulista foi coadjuvante em ambas
as eleições, beneficiado por fatores inesperados e empurrado pela mídia e
pelo sentimento antipetista. Nunca pelos eventuais méritos de sua
campanha. Apesar de toda a narrativa midiática a seu favor, o
ex-governador atingiu um índice recorde de rejeição em 2012, mais de
50%. A página 30, Nirlando Beirão escreve o obituário político de alguém
que “prometia ser e não foi”.
De volta ao mundo dos vivos: Aécio está perfilado na coluna dos vencedores destas
eleições,
ao lado de Lula, Dilma Rousseff e Eduardo Campos. Sua vitória não pode,
porém, ser constatada pela simples análise dos números. O PSDB ficou
menor em 2012. Perdeu 90 prefeituras e centenas de vereadores, recebeu
menos votos do que em 2008 e foi varrido das capitais do Sudeste. O DEM e
o PPS, os demais componentes da banda oposicionista, também se deram
muito mal. A grande conquista tu-cana, relevante apenas pelo simbolismo e
pelas circunstâncias, ocorreu em Manaus, onde Arthur Virgílio derrotou
uma ampla aliança montada para apoiar Vanessa Graziottin, do PGdoB, que
contou inclusive com o empenho de Lula.
Em Minas Gerais, os
tucanos perderam espaço para o PT em algumas regiões, ainda que no
cômputo geral tenham mantido seu predomínio. Em Belo Horizonte, Aécio
conseguiu excluir os petista da composição eleitoral, mas o prefeito
reeleito, Márcio Lacerda, apesar de convicto “aecista”, é filiado ao PSB
de Eduardo Campos, legenda da base aliada de Dilma. Seria incorreto
atribuir todas as glórias do triunfo em BH ao senador.
Por que
Aécio deve então ser considerado um vencedor? Por causa do cenário no
campo de batalha. Serra é um corpo estendido no chão à espera da
passagem de uma valquíria. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin,
outra estrela partidária, herdou a solitária missão de proteger a
cidadela ocupada há duas décadas pelos tucanos. Também em terras
paulistas o PSDB contabilizava perdas importantes para o principal
adversário. Como se deu no resto do País, o PT ampliou sua influência.
Administrará seis das sete cidades com mais de 500 mil habitantes,
tornou-se o partido mais votado, manteve o cinturão vermelho na região
metropolitana praticamente intacto e conquistou municípios no interior
historicamente ligados ao latifúndio tucano.
Como Serra, Alckmin
parece sofrer os efeitos de fadiga de material. Desde 2000. o governador
e o candidato derrotado à prefeitura se revezaram na representação do
PSDB. Em dez eleições, cada um disputou cinco. Uma reclamação recorrente
de tucanos de outros estados diz respeito, aliás, à hegemonia paulista.
Nas últimas cinco eleições presidenciais, a legenda só lançou
candidatos da unidade mais rica da federação.
O desempenho
eleitoral de Alckmin é ligeiramente melhor do que o de Serra (três
vitórias e duas derrotas, o inverso de seu companheiro de partido), mas
nos dois últimos pleitos diminuiu o número de paulistas dispostos a
votar no atual governador.
Qual o risco de uma derrota caso o PT
consiga emplacar um novo “poste” em 2014 na corrida pelo governo
estadual? “A vitória de Haddad provou que a estratégia de um nome novo,
lançada pelo Lula, estava certa”, afirma Antônio Dona-to, vereador e
coordenador da campanha petista em São Paulo. O partido trabalha com
algumas possibilidades, entre elas, o prefeito de São Bernardo, Luiz
Marinho, e o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, que acaba de
transferir seu domicílio eleitoral para a capital paulista. Alckmin,
portanto, terá de atuar na defensiva.
Aécio, ao contrário, tem
Minas Gerais nas mãos e pode continuar a dedicar tempo à sua estratégia
de consolidação nacional. Durante a campanha, o senador visitou diversas
cidades e subiu nos principais palanques do PSDB e aliados, à exceção
de São Paulo. Mas não passou despercebida sua predileção por Recife e
pelo Palácio do Campo das Princesas, onde despacha o governador
pernambucano Eduardo Campos.
O neto de Tancredo Neves e o neto de
Miguel Arraes tornaram-se, antes de tudo, amigos. São os maiores
expoentes da nova geração de políticos brasileiros, porém jovens o
suficiente para ter paciência. Encaram os dilemas do País de outra
maneira e um dos motivos é o fato de terem vivido os estertores da
ditadura e não os seus anos mais sombrios. Buscam um caminho para
superar a polarização PT-PSDB e se notabilizaram em seus estados por um
colossal arco de alianças que quase não deixa espaço para a
sobrevivência da oposição. Por fim, comungam de visões semelhantes sobre
o exercício do poder, a começar pela defesa de um certo gerencialismo
na administração pública. “Eficiência na gestão”, define Aécio sobre sua
prioridade, caso se tornasse presidente da República.
A
conjunção dos astros anima uma parte dos analistas empenhada em empurrar
o PSB para a oposição e até alguns tucanos como Virgílio, que sugeriu
uma chapa Aécio-Campos ou Campos-Aécio em 2014. “A posição na cabeça de
chapa não importa”, afirmou o prefeito recém-eleito. As afinidades
pessoais seriam suficientes para amalgamar a parceria? Não, segundo
Fabiano Santos, cientista político da Universidade Estadual do Rio de
Janeiro. “Não vejo por que o PSB faria esse movimento de aproximação
para além das realidades e conjunturas locais. A história no âmbito
nacional é de parceria com o PT.” Em entrevista na terça 30, Ciro Gomes,
que anda sumido do noticiário, mas permanece uma das vozes mais
influentes do PSB, fez questão de demarcar o território: "O Aécio não
projeta uma compreensão do País. Eu gosto muito dele, sou muito amigo
dele. O antagonismo do Aécio não é de valores. Poderia ser, porque ele
representa coisas muito melhores do que o PSDB de São Paulo”.
0
dilema do senador mineiro é agora o dilema da oposição. Aécio é um
moderado por natureza, conciliador no melhor estilo da tradição do
estado que sintetiza a política tecida nos bastidores. Constrange-se
quando obrigado a recorrer a discursos moralistas. Enquanto Serra usou e
abusou do julgamento do “mensalão” na campanha, Aécio tratou do tema de
forma envergonhada, quase com pedidos de desculpa. Embora nascido em um
estado de grande religiosidade, cujos habitantes costumam ser
tipicamente carolas, é difícil imaginar o senador agarrado aos pés de
Nossa Senhora ou abraçado ao pastor Silas Malafaia em tentativas
desesperadas de angariar votos.
E sintomático: dois de seus
grandes aliados na seara oposicionista mudaram de discurso. Eleito em
Salvador, ACM Neto minimizou a ameaça de bater em Lula no auge da CPI
dos Correios. E até tentou atribuir ao seu avô-coronel a paternidade do
Bolsa Família (Antonio Carlos Magalhães foi o relator do Fundo da
Pobreza, base dos recursos do programa), até pouco tempo atrás
considerado pela esmagadora maioria do reacionarismo brasileiro como uma
fábrica de produção e reprodução de vagabundos. Arthur Virgílio
declarou-se igualmente arrependido de ter pensado em ir às vias de fato
contra Lula e conclamou o governo federal ao diálogo. Sinais dos tempos?
Para
Santos e outros acadêmicos, o fracasso do neoudenismo é tão evidente
que não resta outra saída à oposição a não ser o caminho da moderação
representado pelo mineiro. O voto anti-PT, dizem, virá naturalmente em
2014. “A fase udenista do PSDB começou a minguar porque se mostra
contraproducente. O Aécio deve tomar outro rumo, de oposicionismo puro e
forte, mas não raivoso e antidemocrático”, afirma Cláudio Couto, da
Fundação Getulio Vargas.
Não parece,tão simples. Na mídia e nos
círculos de poder econômico, principalmente aqueles incrustados em São
Paulo, cada derrota alimenta o ódio, em vez de minimizá-lo. Novamente se
viu nas redes sociais, a partir de declarações de líderes tucanos, uma
tentativa de culpar os nordestinos, associados à pobreza e à ignorância,
pela vitória de Haddad. Embora goste de citar o desempenho de Henrique
Caprilles na Venezuela, um jovem opositor que adotou um discurso menos
conflituoso (chegou a se comparar a Lula), reconheceu avanços sociais no
país e deu trabalho a Hugo Chávez nas eleições, essa porção
minoritária, mas influente, entrincheira-
da em São Paulo e,
desconfia-se, saudosa : da revolução de 1932, recusa qualquer tipo 5 de
distensão. A dificuldade em reconhecer l; a vontade das urnas e o
esforço em produzir ficção para adaptar à realidade nos jornais nais,
revistas, canais de tevê e rádios mostram a obsessão eterna pelo
terceiro turno, s a esperança inquebrantável de que na próxima tudo será
diferente, apesar de usarem
O mesmo e surrado método.
A
desconfiança do eleitorado paulista em relação a Aécio tem a ver com a
leitura que os principais meios de comunicação fazem de sua atuação. O
senador mineiro precisa se perguntar algumas coisas: seria possível
tornar sua candidatura competitiva em 2014 sem assumir a causa da
truculência representada pelo poder concentrado em São Paulo? Se não,
ele estaria disposto a vestir o figurino, como Serra fez de bom grado,
em troca do apoio incondicional dessa turma? Vale tudo para ganhar?
O
senador, ao menos por ora, recusa o papel. “Existe espaço para uma
oposição mais propositiva. Não teríamos a capacidade de fazer a oposição
que o PT fez ao PSDB, em que considerava vício de origem tudo que vinha
do governo.” E mais: “Sou um tucano que não vê apenas defeitos em
nossos adversários”.
O novo camisa 10 da oposição parece ter escolhido sua tática.
Os derrotados em São Paulo José Serra não foi o único a sofrer um revés
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
O
ídolo no Alto Higienópolis, anônimo, para dizer o mínimo, no resto da
cidade, FHC esforçou-se para vitaminar a campanha de José Serra.
Apareceu no programa de tevê, quando sua agenda permitiu, e atacou em
seus artigos dominicais a miséria moral do Brasil representada pelo
julgamento do "mensalão". Seu maior feito foi reunir, em apoio a Serra,
intelectuais do porte de Agnaldo Timóteo e Bruna Lombardi, Não bastou.
A MIDIA
Errou
antes, durante e depois das eleições. Continua a brigar com os fatos e
ver a derrota do PT e da base aliada onde só se vê, à luz de qualquer
confronto de dados, vitória. Produz explicações equivocadas dos
resultados eleitorais. Torce em vez de analisar. Só produz um resultado:
a alienação crescente de seus leitores e telespectadores.
O Perfeito Idiota Paulistano considera-se um ilustrado nova-iorquino, mas não passa de um texano decadente.
Lê certos jornais e revistas como se fossem a atualização diária ou semanal dos Dez Mandamentos.
Com as urnas abertas, nunca entende os resultados e fia-se nas explicações mais estapafúrdias.
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