quarta-feira, 18 de setembro de 2013

MARTHA MEDEIROS - Comando de voz

Zero Hora - 18/09/2013

Sei de uma moça que, aos 30 anos, trabalhava numa empresa e foi promovida a um cargo de direção. De índio passou a cacique, e todos os seus colegas a cumprimentaram, mas a partir dali começava sua despedida da profissão que escolhera: logo percebeu que não sabia mandar. Sentia-se constrangida com a liderança concedida. Não tinha voz firme para ordenar isso ou aquilo, para lidar com subordinados. Descobriu que estar no topo de uma hierarquia não era para o bico dela. Então, juntou seus pertences e saiu pela porta, dando adeus ao emprego e encerrando uma carreira que havia sido promissora até ali.

Mudou radicalmente de vida: virou colunista de jornal, passou a trabalhar em casa e viveu feliz para sempre até semana passada, quando leu uma reportagem sobre o lançamento de um novo smartphone que funciona com comando de voz. Ela não é fanática por gadgets, não tem smartphone, só um celularzinho mequetrefe, mas sabe que a tecnologia avança rapidamente para esse novo modelo de acessibilidade: em breve não será preciso mais nem tocar nos telefones. Bastará ordenar: “Ligar para Mariana” ou “navegar para o aeroporto Salgado Filho”.

Em casa, a mesma coisa: “Acender a luz”. “Apagar a tevê.” “Água quente.” “Mais quente.” “Menos.” “Mais.” “Perfeito, obrigada.”

No carro: “Abrir a porta”. “Ligar o rádio.” “Arrancar.” “Frear, frear!”.

Está nascendo uma nova geração de líderes. Aos dois anos de idade, a criança já estará dando ordens aos objetos, falando com lâmpadas, chuveiros, geladeiras, notebooks. Aparelhos reconhecerão o nosso timbre vocal. Assim é que vai ser.

A tal moça, que já dava como superada a questão de não saber mandar, está ficando preocupada. Lá vem o problema da hierarquia outra vez. Ela é alérgica a autoridade. Tocar levemente nos objetos para que funcionem sempre lhe pareceu eficiente e educado. Até com o marido dá certo: basta um toquezinho no seu braço e ele acorda, ele para de falar alto, ele diminui a velocidade, ele presta atenção em quem entrou na sala. Com os objetos, a mesma coisa. Interruptores, teclas, trincos, torneiras, controles remotos – um toque com os dedos, e eles fazem sua parte sem que ela precise dizer nada. A vida funcionando num silêncio respeitoso.

Porém, em breve, ela terá que falar sozinha como se fosse maluca. “Acender.” “Apagar.” “Abrir.” “Trocar de faixa.” “Fechar as cortinas.” “Programar despertador.” Ela espera que não seja tão rápido. Talvez leve, sei lá, uns 10 anos para a rotina do ser humano entrar nessa esquizofrenia, mas no fundo ela já entendeu que não há como lutar contra o progresso – ou ela adere, ou junta seus pertences e, de novo, procura a porta de saída.

Hoje, no comando de voz, o senhor Celso de Mello. Ao decidir se cabe reexaminar as acusações contra os mensaleiros, ele poderá inaugurar uma nova era no país ou manter a impunidade e a desesperança de virmos a ser, um dia, uma nação respeitada. Basta que ele diga “Não”. Cruzemos os dedos.

CARAS E BOCAS » Para não perder

Estado de Minas: 18/09/2013 



Nelson Xavier interpreta o líder espiritual budista Ananda, em Joia rara  (Renato Rocha Miranda/TV Globo)
Nelson Xavier interpreta o líder espiritual budista Ananda, em Joia rara


Parecia um filme. O primeiro capítulo de Joia rara (Globo), sem nenhum exagero, foi coisa de cinema. As chamadas da trama de Duca Rachid e Thelma Guedes, que estreou anteontem em substituição a Flor do Caribe, davam pistas do tratamento diferenciado que já caracteriza o trabalho de direção da dupla Ricardo Waddington, diretor de núcleo, e Amora Mautner, diretora- geral. Eles bebem mesmo nas águas da sétima arte e o resultado repetiu o impacto de outras novelas conduzidas pela dupla, Cordel encantado, das mesmas autoras, e Avenida Brasil, de João Emanuel Carneiro.

As imagens iniciais do Himalaia e sua beleza atraíram o telespectador de cara. O ritmo de cinema dita as próximas cenas. Impossível não acompanhar a escalada de Franz (Bruno Gagliasso), o mocinho, e sua turma rumo ao topo. Depois, uma sabotagem logo identifica o vilão: Manfred, vivido por Carmo Dalla Vecchia, corta a corda com que Franz vai fazer a descida. E ele despenca. Uma avalanche, em seguida, faz duas vítimas e os protagonistas se salvam sem saber um do outro. Franz vai parar em um mosteiro budista e Manfred logo está de volta à casa, no Rio de Janeiro. É o ano de 1934.


Franz tem o seu primeiro encontro com o líder espiritual do templo, Ananda (Nelson Xavier). E ali vê muitas de suas crenças caírem por terra. No Rio, as imagens, agora escuras, fazem sentido: afinal, a fotografia quer retratar o Rio antigo e seu passado. Ernest (José de Abreu), pai de Franz, acredita que o filho querido morreu. Dono de uma fábrica de joias, comunica aos funcionários que agora quem vai dirigir os negócios é Manfred, que ninguém sabe tratar-se de seu filho bastardo. Mas o rapaz e sua mãe Gertrude, a como sempre impecável Ana Lúcia Torre, comemoram.  Na fábrica, em tom mais escuro ainda, já se desenha quem são os líderes dos operários: Mundo (Domingos Montagner) e Toni (Thiago Lacerda). Um homem quase morre e eles questionam a falta de assistência do patrão. Também está na luta a mocinha, Amélia, personagem de Bianca Bin, que decide tirar satisfações com o dono da fábrica. Corta. Franz, recuperado, chega ao Brasil, para alegria da família. Menos de Manfred, claro. No caminho de volta à casa, ele e o pai são surpreendidos por, Amélia, que, debaixo de chuva, tenta ser ouvida, já despertando a atenção do jovem.


Quando o seu carro a atinge e ela vai parar no chão, Franz a socorre. Ela se levanta e vai embora. Mas ele a chama pelo nome. Amélia era o objeto da paixão de um dos rapazes que morreram no Himalaia e havia mostrado uma foto dela para Franz. Começa aí a história de amor dos protagonistas. Joia rara deu mostras de trazer uma boa trama, um elenco de peso –  Marcos Caruso como Arlindo, dono de um cabaré, já mostrou a que veio –, apelo cinematográfico e ritmo dinâmico. A abertura  é linda, embalada pela faixa Joia rara, cantada por Gilberto Gil, retratando os principais acontecimentos da novela.
Assim como foi em Cordel encantado. Aliás, no geral, a trilha é primorosa.Como cinema, parece uma  ótima novela. Que venham os próximos capítulos.



HEIDI KLUM CURTE  PREMIAÇÃO INÉDITA

A top model Heidi Klum recebeu um Emmy, premiação dos melhores da TV, realizada, no domingo, em Los Angeles, nos Estados Unidos. A cerimônia distribuiu os prêmios técnicos, o Creative Arts Emmy Awards. Ela levou como Melhor apresentadora. Heidi comanda o reality show Project runaway. 


É FILHO DE QUEM?

Pois é, Niko (Thiago Fragoso) não sabe, mas o filho que carregará nos braços, em breve, no salto em que Amor à vida (Globo) dará no tempo, é fruto de uma transa entre seu companheiro, Eron (Marcello Antony), e sua melhor amiga, Amarilys (Danielle Winits), a barriga de aluguel que ele mesmo encomendou.


E como ela não conseguirá ficar longe da criança, os dois viverão às turras sobre a educação do menino,
batizado de Fabrício. Quando ela o repreender por excesso de mimo, ele rebaterá que não a quer censurando-o na criação do filho. Mas Amarilys dirá que por ser mulher entende melhor do assunto. Pronto: o bate-boca é inflamado e Eron é chamado para apaziguar os ânimos. Imagine, quando Niko souber quem é a verdadeira mãe de Fabrício. 


VIVA

Sophie Charlotte, que segura muito bem as cenas densas e emotivas ao extremo de Amora, em Sangue bom (Globo). 


VAIA

Excesso de Joia rara em outras atrações da Globo, como Globo repórter e Encontro com Fátima Bernardes.  

Tv Paga



Estado de Minas: 18/09/2013 


Esquadrão da moda? 



 (Discovery/Divulgação)


O Discovery Home & Health estreia hoje, às 22h, o programa Laboratório de estilo, produção brasileira que a cada semana vai transformar o visual de uma participante, a partir da orientação de especialistas – na foto, da esquerda para a direita, Chris Francini, Felipe Montanari, Paula Ferrary (em pé), Sadi Consanti e Paula Martins (sentados). Ou seja, vão dar dicas acessíveis de moda, cabelo e maquiagem. Formatos semelhantes já existem em outras emissoras, então é algo a conferir.


Canal Nat Geo dá bonsexemplos de cidadania

Novidade também no Nat Geo, com mais uma temporada de Vivendo positivamente, série que documenta histórias de verdadeiros heróis que trabalham todos os dias para fazer do mundo um lugar melhor, em áreas do Brasil, Colômbia, Equador, Honduras, México, Paraguai, Peru e Uruguai. Entre os cineastas convidados a conduzir as gravações, o mexicano Gustavo Loza, o argentino Carlos Sorín e a brasileira Kátia Lund, além do ator chileno Gonzalo Valenzuela, estreando no papel de diretor. No ar às 19h.

Yoná Magalhães fala da carreira em Damas da TV

Grande nome do teatro, cinema e televisão, Yoná Magalhães é a convidada do programa Damas da TV desta noite, às 21h, no Canal Viva. Outra atração interessante é a série Enciclopédia do samba, às 18h45, no Canal Brasil, hoje com Neguinho da Beija-Flor. E às 21h30, no SescTV, a série Artes visuais apresenta um especial sobre a 2ª Bienal Internacional Graffiti Fine Art, realizada em 2012 no MuBE (Museu Brasileiro da Escultura), em São Paulo.

Continua a festa dos 15 anos do Canal Brasil

A festa dos 15 anos do Canal Brasil será coroada hoje com o anúncio do vencedor do 8º Grande Prêmio Canal Brasil de Curtas-Metragens. Ainda hoje será aberta uma seleção de filmes coproduzidos pelo canal, começando com Loki – Arnaldo Baptista, às 22h. A mostra continua com Canções do exílio, a labareda que lambeu tudo (amanhã), Waldick – Sempre no meu coração
(sexta-feira), Dzi Croquettes (sábado) e Rock Brasília – Era de ouro (domingo).

Muitas alternativas na  programação de filmes

Outro destaque de hoje é a Mostra internacional de cinema da Cultura, também às 22h, com o filme Encontro com o passado, produção francesa dirigida por Marina de Van e estrelada por Sophie Marceau e Monica Bellucci. Na mesma faixa das 22h, o assinante tem mais 10 opções: Escola de rock, no Studio Universal; A lenda do tesouro perdido – Livro dos segredos, no Space; 88 minutos, no ID; A. I. – Inteligência artificial, na MGM; Amizade colorida, na HBO Plus;
O artista, na HBO; 007 – Operação Skyfall, no Telecine Premium; Valente, no Telecine Pipoca; Gigantes de aço, no Telecine Action; e Febre do rato, no Telecine Cult. Outras atrações do pacotão de filmes: Irmãos de sangue, às 19h40, no Telecine Cult; Laranja mecânica, às 21h, no Cinemax; A vida é bela, às 21h30, no Arte 1; Lutador de rua, às 21h45, no Megapix; e A volta da família Sol, Lá, Si, Dó, às 23h, no Comedy Central. 

FERNANDO BRANT » O tempo não passa‏

Minha jornada é lenta e me socorro da capacidade de pensar a vida e o mundo


Estado de Minas: 18/09/2013 



Gostei muito de um texto que li nos jornais, de autoria de Carlos Heitor Cony. Para ele, os ministros novos do Supremo, que não participaram do julgamento do mensalão e agora querem influir em suas consequências, estariam emendando um soneto que não escreveram. Esse e outros escritos frequentam meu olhar enquanto curto um período de repouso forçado em casa. Ao contrário do que cantava o Cazuza, “o tempo não para”, o meu escorre devagar, manso, gota a gota. Não me sinto um observador de ampulheta exatamente porque busco preencher meus dias com leituras, noticiários repetidos de tevê e jogos de futebol. Vejo todas as séries, de todos os lugares, todos os esportes.

Mesmo assim minha jornada é lenta e me socorro da capacidade de pensar a vida e o mundo. Qualquer estímulo exterior me atiça. E a mente surpreende com ideias, algumas sensatas e outras malucas. É comum do ser humano. Desço para o quintal e me vejo me inebriando com o canto de uma sabiá, que me comove, mas incomoda uma paulistana que reclama que a fêmea do passarinho ensina seus filhotes a cantar na madrugada da metrópole. Ela o faz naquela hora para não atrair os predadores, mas a mulher urbana se desespera com a aula de cantar. Reclama que não dorme.


Agora me vejo a contemplar pequenos insetos que caminham pelo chão do terreiro. De onde vieram, para onde vão? Quanto tempo de vida têm, se não forem pisados por algum sapato distraído? O sol está quente, a piscina azulzinha e não posso mergulhar meu corpo nela, pelo menos por uns dois meses, penso, quando o calor da primavera estiver habitando o nosso cotidiano.


Uma pequena folha de papel chama a minha atenção. É uma anotação que fiz para algum escrito: abaixo qualquer ditadura. Temos de reconhecer que para muita gente ditadura só é ruim se é comandada por forças de uma ideologia diferente da sua. Quando os seus companheiros é que oprimem o povo, não há problema. Os fins justificam os meios e o que se quer é o bem futuro de todos. A história está cansada de dizer que não é bem assim: tudo de bom para os comandantes e seus aliados e masmorra para quem não concordar com eles. Tenho nojo de ditaduras e ditadores.


Outro lembrete solto no papel: quem precisa ser controlado é o governo. Os governos não têm o direito de controlar nossa liberdade. Os cidadãos é que devem controlar os governantes.

Frei Betto -Arapongagem‏

Ainda que a Casa Branca apresente desculpas, isso não significa que a NSA deixará de rastrear os computadores do Planalto



Frei Betto

Estado de Minas: 18/09/2013 



A araponga é uma ave que não perde a oportunidade de meter o bico em todo fruto que encontra pela frente. E possui uma propriedade especial: as sementes engolidas não perdem o poder germinativo, que inclusive é maximizado.

Sob a ditadura, os espiões do SNI ganharam o apelido de arapongas. Metiam o bico na vida de todo mundo, até mesmo de quem apoiava o regime militar.

Agora, graças ao jovem Snowden, sabemos que a maior arapongagem praticada na história da humanidade é “made in USA”. Os EUA, que consideram a segurança mais importante que a liberdade, e o capital, que os direitos humanos, metem o nariz na vida de pessoas, governos, empresas e instituições. Aprenderam com Clausewitz que a surpresa é o trunfo do inimigo.

O governo estadunidense, por meio de sua Agência Nacional de Segurança (NSA, em inglês), espionou (ou ainda espiona?) a presidente Dilma e a Petrobras. Com certeza, fez e fará muito mais. Para mim, a notícia não constitui nenhuma novidade. Sei, por documentos oficiais obtidos no Arquivo Nacional (Habeas Data), que fui monitorado pelos arapongas do regime militar de junho de 1964, quando me prenderam pela primeira vez, a 1992 – sete anos depois do fim da ditadura!

Em agosto de 2003, quando eu trabalhava no Planalto, aparelhos de escuta foram descobertos na sala do presidente Lula. Meses depois, deparei-me com uma equipe do Exército fazendo uma varredura no gabinete presidencial. Indaguei de Gilberto Carvalho, chefe de gabinete, o que era aquilo. Disse que, periodicamente, os militares conferiam se havia ali algum sistema de escuta. Frente à resposta, retruquei: “E quem garante que eles não ‘plantam’ na sala novo sistema de escuta?”

Uma informação governamental vale fortunas. Se acionistas e correntistas sabem, de antemão, que o Banco Central decretará a falência de um banco, isso não tem preço. Quem soube que o presidente Collor confiscaria toda a poupança dos brasileiros deve estar rindo até hoje da multidão que foi apanhada de surpresa.

A Guerra Fria só não esquentou porque a União Soviética espionava os EUA, assim como os EUA a União Soviética. Com frequência o espião de um lado era trocado por outro que servia à potência inimiga. Não é à toa que a Rússia decidiu conceder asilo a Snowden. Ele sabe demais a respeito da arapongagem ianque.

Em março de 2012 conheci, no México, um professor universitário que, durante 20 anos, atuou nos EUA como espião da Inteligência Militar soviética. Sua tarefa era localizar bases de mísseis nucleares. Graças à autobiografia de um ex-agente do FBI, ele soube, anos após ter sido expulso dos EUA, que o seguiram durante sete anos. Queriam saber quem era o seu mentor, o que nunca descobriram.

No tempo da máquina de escrever era impossível o araponga conhecer o conteúdo da mensagem, a menos que obtivesse cópia do texto ou pudesse fotografá-lo. Agora, todos os meios eletrônicos, de computadores a celulares, podem ser “radiografados” pelos serviços de segurança dos EUA. O “Big Brother” sabe tudo que se passa em nossa casa.

Ainda que a Casa Branca apresente desculpas à presidente Dilma, isso não significa que a NSA deixará de rastrear os computadores do Planalto e saber o que, quando e com quem a presidente conversou. Informação é poder – de nos submeter aos interesses do mais poderoso império já existente na história da humanidade.

Apenas uma nação tem conseguido driblar a arapongagem estadunidense: Cuba. Isso tanto irrita a Casa Branca que, contrariando todos os princípios do direito, mantém presos nos EUA os cinco heróis cubanos que tinham por missão evitar atos terroristas preparados sob as barbas de Tio Sam.

Encerro com uma pergunta que não quer calar: por que, em vez de atacar o povo sírio, os EUA não bombardeiam fábricas de armas químicas, como a Combined Systems, localizada na Pensilvânia? Que o digam os vietnamitas atingidos, mortos e deformados pelo “agente laranja” espalhado pelas Forças Armadas dos EUA durante a guerra do Vietnã.

Uma aventura gastronômica - Eduardo Tristão Girão

Com o documentário Por que você partiu?, o cineasta Eric Belhassen narra a saga de seis renomados chefs de cozinha que deixaram a França em busca de novos sabores no Brasil


Eduardo Tristão Girão


Estado de Minas: 18/09/2013 



O francês Emmanuel Bassoleil, do restaurante Skye, é um dos personagens do filme de Belhassen (Imovision/Divulgação )
O francês Emmanuel Bassoleil, do restaurante Skye, é um dos personagens do filme de Belhassen


A partir dos anos 1970, vários chefs franceses deixaram sua terra natal para construir nova vida no Brasil, consolidando carreiras de sucesso graças à fusão de sólida base técnica europeia e os incríveis ingredientes locais que, até então, não tinham tanto destaque nos restaurantes nacionais. A partir desse mito fundador da moderna cozinha brasileira, o diretor Eric Belhassen filmou Por que você partiu?, documentário com seis desses profissionais, atualmente em cartaz em Belo Horizonte.


Em primeiro lugar, não é exatamente um filme sobre gastronomia. Belhassen focaliza o momento em que cada chef decidiu deixar a França – a segurança, a família, o terroir etc. – para rumar em direção ao que para eles é, muitas vezes, a grande incógnita sul-americana. Ouvindo os próprios chefs e viajando para falar com suas famílias, Belhassen mostra o impacto de cada decisão, com suas consequências nos dois lados do Atlântico. Os sentimentos e as personalidades estão sempre em primeiro plano ao longo dos 94 minutos do filme.

Mordomia Sem se envolver diretamente com ingredientes, técnicas ou criatividade, o diretor consegue enfoque interessante e menos usual de seis dos mais conhecidos chefs franceses que trabalham no Brasil: Erick Jacquin (La Brasserie Erick Jacquin, SP), Alain Uzan (Avek, SP), Emmanuel Bassoleil (Skye, SP), Frédéric Monnier (Brasserie Rosário, RJ), Laurent Suaudeau (Escola da Arte Culinária Laurent, SP) e Roland Villard (Le Pré Catelan, RJ). Ausência gritante é a de Claude Troisgros (Olympe, RJ), o mais conhecido chef francês no país, que teria se recusado a participar do documentário.


Em estilo road movie, Belhassen percorreu cerca de 2 mil quilômetros na França para entender melhor a partida de cada um dos chefs rumo a esse exílio um tanto doce, um tanto melancólico no Brasil – de onde, aparentemente, nunca sairão. O diretor vai ao encontro do lendário chef Paul Bocuse, de 87 anos, que dispara: “Não perguntei se Laurent queria ir para o Brasil. Apenas mandei que fosse”. O veterano diz que a razão do sucesso de seu enviado é o casamento da base francesa com produtos nacionais.


Enquanto a mãe de Laurent orgulha-se da conduta do filho, que teria se mantido uma pessoa simples até hoje, a de Jacquin o critica por ter se descuidado da saúde e ficado gordo demais. Aliás, vem desse último explicação sedutora para a decisão de vir morar no Brasil: chegou para fazer festival de pratos com foie gras em São Paulo, recebeu US$ 7 mil por cinco dias de trabalho, teve motorista à disposição e caiu na farra. Foi exposto a nível de mordomia até então desconhecido.


Os pais de Bassoleil lamentam a distância que os separa, imaginando que morrerão sem ver o filho voltar à França. O chef, por outro lado, lembra que a vida aqui, apesar do prestígio na mídia, nem sempre é algo tão dourado quanto pode parecer. O primeiro fracasso, lembra ele, aconteceu graças a um amigo (padrinho de seu filho, inclusive), que administrava suas finanças e teria lhe roubado mais de US$ 150 mil.

Um (in) certo amor virtual‏ - Flávia Ayer

Arrependida por não ter passado o número do celular, advogada espalha faixas no Bairro Santo Antônio, em BH, para tentar encontrar rapaz que conheceu em bate-papo na internet


Flávia Ayer

Estado de Minas - 18/09/2013


Foi na noite de 6 de setembro, num chat na internet, que DeleGata conheceu um rapaz chamado Bonito. O papo fluiu. Ele pediu o número do telefone, mas ela negou. Só depois a moça descobriu que havia se apaixonado e, então, se arrependeu. Bonito não aparece mais no bate-papo. Nem por isso ela desanimou. Ontem, DeleGata, de 30 anos, que apesar do apelido é advogada, transpôs o universo virtual e deu início à procura pelo amado num mundo bem real, no Bairro Santo Antônio, Centro-Sul de Belo Horizonte. O resultado da busca é incerto, mas tem dado o que falar.

Enfeitadas com corações, quatro faixas foram espalhadas pelas ruas do bairro com as pistas de Bonito: advogado, 34 anos, morador do Santo Antônio. O número do celular da advogada, que pagou R$ 300 para confeccionar e pôr as faixas, aparece em letras garrafais. “A intenção é marcar um encontro real, nem cheguei a vê-lo por câmera nem ligo se ele for feio, pois é tão legal que compensa. Isso se ele realmente existir. Mas meu coração está me dizendo que ele existe”, conta. Até a tarde de ontem, ela havia recebido mais de 30 ligações, a maioria trotes, além de interessados em conquistá-la.

A moça se inspirou na Delegada Helô, personagem de uma novela, para criar o apelido e não se identificar. “Sou uma pessoa séria, estudo para concurso, quero entrar para o Ministério Público e acho que não pegaria muito bem”, justifica. 

A loira de olhos castanhos era policial militar e abriu mão da corporação no mês passado para se dedicar aos estudos. Já teve quatro namorados, inclusive dois que conheceu pela internet. Há um ano e meio está solteira e, com a rotina pesada de concurseira, não tem saído muito de casa. “Decidi entrar no chat para conversar, tem muita coisa engraçada que rola no bate-papo. Só que dá muito pilantra, então prometi que não iria passar meu contato para ninguém”, diz.

Mas aí chegou Bonito. “Me arrependi de não ter pegado o telefone dele. Não queria me envolver com ninguém, mas esse cara foi diferente”, diz DeleGata, assustada com a repercussão da busca, que já ganhou a internet e as ruas do Santo Antônio. “Está todo mundo tirando foto, está dando até engarrafamento na rua”, conta Jairo Alves, de 34, comerciante da Rua Antônio Dias esquina com Teixeira de Freitas, onde uma das faixas está afixada. Casado e pai de um filho de seis meses, Jairo apoia DeleGata. “Acredito no amor e acho que o que tiver de ser vai ser. Também conheci minha esposa numa coincidência e já estamos juntos há oito anos”, incentiva.

ATRAÇÃO NAS RUAS

Ao ver a faixa, o carteiro Leonardo Martins, de 28, logo tirou uma foto. Ele trabalha no bairro há cinco anos e nunca tinha visto algo parecido. “Ela é muito corajosa. Aqui é cheio de advogados, não vai ser fácil achar”, diz. Cezer Lopes Júnior é um deles no Santo Antônio. Ele trabalha em um escritório no bairro, mas garante que não é o procurado. “Não entro em site, tenho 29 anos e namorada. Meu sócio mora aqui, mas tem 40 anos e é muito bem casado”, diz. Para Cezer, só há uma explicação para a atitude da DeleGata: “Isso é carência!”
Moradora do Santo Antônio há 36 anos, Maria das Graças Gris, de 65, ficou curiosa ao ver as faixas e suspeita que possa saber quem é procurado. “Às vezes, a gente conhece.” Mas a aposentada acredita ser difícil alcançar o sucesso caso eles invistam na relação amorosa. “Acho que esses relacionamentos de internet têm 10% de chance de dar certo. Uma relação depende muito de convivência, não apenas de paixão”, ensina a viúva, que foi casada por 30 anos.

Apesar de ter 34 anos e ser morador do bairro, Márcio de Deus não é o amado de DeleGata. “Sou motorista”, diz ele, reprovando a iniciativa. “Acho que ela está se desvalorizando.” O engenheiro Alexandre Barros, de 24, é mais romântico. “Já me apaixonei e acredito no destino. Ninguém entra na vida de ninguém por acaso. Cada um deixa algo de si na vida da pessoa, mesmo num site”, afirma Alexandre, convicto de apenas um fato. “Esse ‘Bonito’ é muito bom de prosa”
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Eduardo Almeida Reis - Remédios fazem a felicidade, sim, mas curar não curam.‏

Remédios fazem a felicidade, sim, mas curar não curam. Mais dia, menos dia, ninguém escapa. E olhem que muitas pessoas têm saúde para tomar farmácias inteiras 

Eduardo Almeida Reis

Estado de Minas: 18/09/2013


Lista da Forbes

A revista Forbes, que só raciocina em dólares americanos, parece ter aberto exceção para os mais ricos do Brasil ou, então, o ranking foi convertido em reais pelo jornal que o publicou. Vejamos: 1º Jorge Paulo Lemann (R$ 38,2 bilhões); 2º Joseph Safra (R$ 33,9 bilhões; 3º Antônio Ermírio de Moraes e família (R$ 25,6 bilhões); 4º Marcel H. Telles (R$ 19,5 bilhões); 5º Roberto Irineu Marinho (R$ 17,3 bilhões); 6º João Roberto Marinho (R$ 17,3 bilhões); 7º José Roberto Marinho (R$ 17,1 bilhões); 8º Carlos Alberto Sicupira (R$ 16,8 bilhões); 9º Norberto Odebrecht e família (R$ 10,1 bilhões); 10º Francisco Ivens de Sá Dias Branco (R$ 9,6 bilhões); 11º Walter Faria (R$ 9,1 bilhões); 12º Aloysio de Andrade Faria (R$ 8,2 bilhões); 13º Abílio dos Santos Diniz (R$ 7,9 bilhões); 14º Giancarlo Civita e família (R$ 7,7 bilhões); 15º Renata de Camargo Nascimento, Regina de Camargo Oliveira Pires e Rosana Camargo de Arruda Botelho (cada uma com R$ 7,5 bilhões).
Ninguém conhece Francisco Ivens de Sá Dias Branco, que nasceu em 1934 na cidade de Fortaleza, CE. É dono de uma empresa que distribui biscoitos, massas, bolos, snacks, margarinas e gorduras vegetais em todo o Brasil, com sede na cidade de Eusébio, Ceará.

Em matéria de irmãos, José Roberto Marinho só tem R$ 17,1 bilhões, contra R$ 17,3 milhões do João Roberto e do Roberto Irineu, em cujo apartamento jantei, levado por um amigo, quando ele resolveu investir em agropecuária e queria conversar comigo. Depois do jantar, o garçom nos trouxe duas caixas de charutos cubanos, tirei um, que acendi na hora e fui criticado, à saída, pelo amigo: “Você devia tirar uma porção”. Fiz-lhe ver que foi assim que me ensinaram.

Repeti a dose (e fui igualmente criticado), quando convidado para almoçar no Palácio das Mangabeiras pelo governador Aécio Neves da Cunha, filho do saudoso Aécio Cunha: havia duas ou três caixas, servi-me de um charutinho.

As meninas Renata, Regina e Rosana são filhas do construtor Sebastião Ferraz de Camargo Penteado e os irmãos do empresário Abílio dos Santos Diniz não aparecem na lista. Perguntem a ele, não a mim, que não me envolvo em desavenças familiais.


Remédios

Muito me diverte o entusiasmo das pessoas pelos remédios que tomam. Hoje cedo constatei que preciso enriquecer meu estoque de fármacos, sobretudo com pílulas e comprimidos azuis e verdes. Tomo dois vermelhos, um branco, um sublingual, e dois maiores em tons de cinza – seis ao todo, o que é muito pouco para proporcionar felicidade total. Nos dois tons de cinza ainda faltam 48 para alcançar os Cinquenta tons de cinza, título do livro que andou vendendo milhões de exemplares. Você leu?

Remédios fazem a felicidade, sim, mas curar não curam. Mais dia, menos dia, ninguém escapa. E olhem que muitas pessoas têm saúde para tomar farmácias inteiras. Conheço médicos que tomam caixotes de comprimidos todos os dias. 

Nas roças, os obreiros infatigáveis só acreditam em remédios caros, a começar pelo fato de o patrão pagar a conta na farmácia. Ouvi essa de “obreiros infatigáveis” quando fiz matéria na fazenda de um industrial boa-praça, dono de imensa indústria de muito sucesso, que existe até hoje. Rapaz de família empobrecida, foi para São Paulo, fez carreira, comprou a indústria em que trabalhava e voltou riquíssimo ao RJ para comprar e reformar todas as fazendas que pertenceram aos seus avós.

Se o Ministério da Saúde quisesse mesmo a felicidade do brasileiro já teria providenciado a fabricação de placebos em comprimidos grandes e coloridos, metidos em caixas de nomes complicados, com as bulas redigidas por intelectuais brasileiros. Por quê? Ora, porque ninguém entende o que os tais “gênios” escrevem. Se o placebo é colorido e a bula, ininteligível, temos o patrício curado. 

Inda me lembro do nome do nome de um fármaco recomendado num memento veterinário: salicilato de carbazocromo. Garantia o memento (folheto ou livrinho em que se acha resumido o essencial de uma matéria, um assunto; resumo, sumário) que o salicilato de carbazocromo resolvia as hipoprotrombinemias bovinas. Desafortunadamente, minhas vacas não aprenderam a ler. Se aprendessem, escreveriam melhor que os tais “intelectuais”.


O mundo é uma bola
18 de setembro de 324: na Batalha de Crisópolis, os coimperadores romanos Constantino e Licínio se estranharam, algo assim como Batalha do Paranoá em que os copresidentes Silva e Rousseff se estranhassem.

Em 1759, para sorte do Canadá, os soldados de Quebec se rendem completamente aos ingleses. Em 1793, George Washington assenta a pedra fundamental do Capitólio. Engraçado: pedra fundamental não tem o hífen de pedra-infernal, que, como é do desconhecimento geral, significa nitrato de prata fundido.

Em 1814, Elisa Baciocchi, aliás Marie Anne Elisa Bonaparte Baciocchi, filha mais velha de Carlo Buonaparte e Letizia Ramolino, portanto irmã de Napoleão, é afastada do Grão-Ducado da Toscana. Retratada nos quadros a óleo não era de se jogar fora. Em 1818, independência do Chile. Em 1950, inauguração da TV Tupi de São Paulo, a primeira emissora do Brasil.


Ruminanças
“Em 24 horas, numa revolução egípcia, mata-se muito mais gente do que em 21 anos no Brasil.” (R. Manso Neto)

Córnea doente‏ - Augusto Pio

Ceratocone é a degeneração mais comum da parte anterior do globo ocular e tem origem genética. Coçar muito os olhos ou permanecer por horas a fio no computador são desencadeadores da doença


Augusto Pio


Estado de Minas: 18/09/2013 

 
Diariamente, o porteiro Carlos André Glacis, de 29 anos, enfrentava dificuldades no caminho de casa ao trabalho. Isso porque ele não conseguia enxergar a numeração do ônibus e, muitas vezes, tinha vergonha de pedir ajuda, pois as pessoas o interpretavam mal. Diagnosticado com ceratocone, ele usou lentes de contato para minimizar a deficiência por sete anos. A cada três meses, tinha que trocá-las e, por isso, gastava muito dinheiro. Somente em 2011, depois de trocar de oftalmologista, ele soube que a doença tinha tratamentos mais eficazes que os que ele vinha fazendo. “A lente de contato já não surtia efeito. Atingi o nível avançado da doença e precisava de um tratamento mais certeiro”, diz. Apenas depois da cirurgia de implante do anel intracorneano, Glacis conseguiu um resultado satisfatório. “Hoje, sou outra pessoa. Vivo melhor e sou mais feliz”, garante o porteiro, cuja história provavelmente é vivida por milhares de pessoas.
O ceratocone é a distrofia mais comum da córnea e pode acometer uma pessoa a cada mil. Normalmente, se inicia como astigmatismo, miopia ou com ambos, podendo evoluir rapidamente ou  levar anos para se desenvolver. A doença costuma surgir na adolescência, e raramente aparece depois dos 30 anos. O oftalmologista José Roberto de Araújo, da Clínica de Olhos e Especialidades Médicas Integradas, em Belo Horizonte, esclarece que o ceratocone é uma degeneração da córnea (parte anterior transparente do globo ocular), formando uma protusão ou cone, devido ao seu afinamento e encurvamento central, e pode ter evolução distinta em cada olho. “Prevalecem as causas de origem genéticas, havendo propensão para desenvolvimento e evolução da doença em determinada etapa da vida, principalmente na adolescência. Mas há ainda muito estudo e discussão a respeito”, diz o médico.

O especialista salienta que sintomas como a baixa acuidade visual progressiva, mesmo sendo corrigidos com óculos, não são satisfatórios. “A repetição das consultas com variação e aumento do grau das lentes em um curto espaço de tempo, por exemplo, mostra uma instabilidade característica da doença. Como há o fator hereditário e pode não haver sintomas ou sinais evidentes, é primordial realizar consultas desde os primeiros anos de vida, programando-se as revisões. 

“Há situações de predisposição, como coçar os olhos de maneira crônica ou ficar horas no computador, sem intervalos. Nesse caso o ideal é fazer intervalos de cinco minutos a cada hora para estimular o ato de piscar e aumentar a lubrificação e proteção corneana. Deve-se evitar o uso inadequado de lentes de contato e é fundamental que haja acompanhamento médico caso a pessoa sinta algo nos olhos. Alimentação balanceada com verduras, legumes e frutas, além de boa ingestão de líquidos, sempre ajuda.

“O que sabemos é que ele apresenta caráter hereditário. O paciente com ceratocone, em um primeiro momento, apresenta redução da visão, com aumento crescente do astigmatismo. Não conhecemos cura para o problema, mas tratamentos alternativos que buscam a estabilidade da doença e a regularização da córnea. Casos muito avançados podem evoluir para perda severa da visão e com opacidade da córnea, sendo necessário realizar transplante para a recuperação visual”, diz Guilherme Ferrara, especialista em córnea da Clínica de Olhos Dr. Paulo Ferrara, em Belo Horizonte.


DIAGNÓSTICO
O oftalmologista Cláudio Maciel de Sena esclarece que o diagnóstico pode ser feito durante uma consulta abrangente, por meio de investigação, com exame minucioso. “No estágio moderado e avançado é mais simples a constatação da doença. Nas fases mais precoces , quando não há sintomas ou sinais evidentes, a tomografia corneana computadorizada é o exame mais importante, não só para confirmar a suspeita como também para avaliar sua evolução”.

Tratamentos são variados

O oftalmologista Guilherme Ferrara explica que há diversos tratamentos para o ceratocone, entretanto os procedimentos dependem do estágio da doença. “O paciente com ceratocone inicial pode ter sua visão corrigida com óculos e lentes de contato. Para os que apresentam intolerância a lentes ou quando constatamos que a doença está evoluindo, a indicação é a intervenção cirúrgica”, diz.
Casos muito iniciais, em progressão, quando ainda não há comprometimento visual importante, podem receber a aplicação do crosslinking – de raios UV (irradiação ultravioleta) associada ao uso da substância fotossensibilizadora riboflavina, que provoca enrijecimento corneano e possível paralisação do processo degenerativo. Nos casos em que há o comprometimento visual decorrente da deformidade da córnea, Guilherme indica o implante do Anel de Ferrara, uma órtese corneana, que tem forma semicircular. Ela é implantada na córnea com a função de frear a evolução da doença e diminuir a deformidade causada por ela, melhorando, dessa maneira, a visão. “Começamos recentemente a adaptação das lentes esclerais, que nos auxiliam na correção visual naqueles casos em que há intolerância às lentes convencionais, e que apresentam a doença comprovadamente estabilizada”, acrescenta.

O objetivo desses tratamentos, segundo especialistas, é impedir a progressão da distrofia corneana e melhorar a visão. “Numa sequência lógica: óculos para os casos mais simples e fase incipiente e lentes de contato na moderada e avançada. Na fase severa, é indicado o transplante de córnea. Mas a cirurgia pode ser evitada com a colocação do anel intracorneano. O crosslink tem sido usado para evitar a progressão do ceratocone”, acrescenta Cláudio de Sena.


SUS O Sistema Único de Saúde, assim como os planos de saúde, geralmente autorizam os tratamentos, mas o implante do anel intracorneano apenas para os casos em que a doença se encontra em estágio avançado (graus III e IV). Guilherme Ferrara diz que estima-se que mais de 250 mil pacientes no mundo se submeteram ao implante do anel intracorneano e obtiveram sucesso, sendo que, segundo ele,  90% dos casos da doença são estabilizados com a implantação do anel e somente 10% ainda requerem transplante de córnea. “O transplante é a última alternativa de tratamento, deixado apenas para os casos mais avançados. Por se tratar de um tratamento mais invasivo, os riscos também são maiores. Podem ocorrer infecção, rejeição e de troca da córnea transplantada a cada 15 anos em média. Outro empecilho é a fila de espera para o transplante, que pode demorar alguns meses”, explica.

Mistura de sentidos - Bruna Sensêve

Processamento do tato, da visão e da audição no cérebro pode ocorrer de forma conjunta. Pesquisa dos EUA mostra como as imagens alteram a compreensão dos sons


Bruna Sensêve


Estado de Minas: 18/09/2013 



Brasília – Por mais complexo que o cérebro já pareça ser, neurocientistas, a cada dia, descobrem novas facetas que revelam uma rede ainda mais complicada de conexões. A concepção mais tradicional do órgão que exerce o comando geral do organismo humano sugere que, nessa “empresa”, cada área seria responsável por uma tarefa específica. Assim, ao se pensar nos sentidos do corpo, estímulos táteis acionariam apenas regiões responsáveis por essa função e nada mais, assim como os motores e visuais ativariam somente seus respectivos setores mentais. Essa noção, contudo, é considerada cada vez mais superada, com base em diversos estudos que apontam uma grande interação entre essas diversas regiões.

Um dos exemplos mais recentes é uma pesquisa feita na Universidade de Utah, nos Estados Unidos, e publicada na edição mais recente da revista Plos One. O trabalho mostra que a visão exerce um papel muito mais importante do que se imaginava quando duas pessoas conversam. Em outras palavras, olhar ajuda a ouvir. O resultado lembra um artigo publicado no início do mês pelo neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, que mostrou a influência da visão na percepção tátil.

“Percepção não é um processo passivo. Não é só um tipo de cópia fidedigna do que os olhos, os ouvidos ou a pele captam. O que se vê, se ouve e se sente é influenciado, em parte, pelo que você espera ver, ouvir e sentir. Expectativas que vêm da memória, por exemplo, e também de outros sentidos”, afirma Peter Claessens, membro da Sociedade Brasileira de Neurociência e Comportamento (SBNec) e professor da Universidade Federal do ABC. Segundo ele, essa noção abre novas possibilidades no trabalho de reabilitação de pessoas com deficiência.


O início O estudo da Universidade de Utah tem como base o chamado efeito McGurk, descoberto na década de 1970. O psicólogo cognitivo escocês Harry McGurk foi pioneiro em estudos sobre a relação entre audição e visão, concluindo que o cérebro considera tanto o som quanto a imagem durante o processamento da escuta. E mais: quando parece haver conflito entre o que se ouve e o que se vê, muitas vezes as pessoas decidem que aquilo que enxergaram deve ser a informação correta. 

Até agora, a origem desse efeito não estava bem determinada. Assim, os bioengenheiros americanos buscaram responder a questão analisando o córtex temporal, a região que normalmente processa o som. O primeiro autor do estudo, Elliot Smith, aluno de pós-graduação em bioengenharia e neurociência, trabalhou com as equipes do bioengenheiro Bradley Greger e do neurocirurgião Paul House, para registrar sinais elétricos das superfícies do cérebro de dois homens e duas mulheres adultos severamente epilépticos. Foram posicionados eletrodos nos hemisférios cerebrais dos voluntários, convidados a assistir e ouvir vídeos focados na boca de uma pessoa que pronunciava algumas sílabas. 

Os pesquisadores produziram três tipos de filmagem. No primeiro, o movimento da boca correspondia ao som. Se o vídeo mostrava uma boca pronunciando “ba”, o áudio correspondia à mesma sílaba. Outro modelo misturava som e imagem, como em um filme mal dublado. Enquanto a boca fazia o movimento necessário para falar “ga”, o que se ouvia era a sílaba “ta”. Na terceira produção, o movimento labial correspondia a “ba”, mas o áudio era de “va”. A segunda peça não foi capaz de enganar os participantes. Eles notaram que som e imagem estavam descasados. No último vídeo, porém, eles podiam jurar que tinham escutado o som de ba, influenciados pela leitura labial.

Ao analisar o comportamento cerebral dos indivíduos durante os testes, os cientistas notaram que quando a sílaba declamada e a ouvida eram iguais ou muito diferentes, a atividade cerebral relacionada ao som era predominante. No entanto, quando o gesto labial era parecido com o do som que estava sendo emitido, o padrão de atividade mudava e se mostrava mais parecido com a reação cerebral a estímulos visuais. 

“Mostramos que os sinais neurais no cérebro que devem ser impulsionados pelo som estão sendo substituídos por estímulos visuais que dizem: ‘Ouvi isso!’”, considera Greger. “Seu cérebro está, essencialmente, ignorando a física do som no ouvido e seguindo o que está ocorrendo de acordo com sua visão”, completa. “Pela primeira vez, fomos capazes de conectar o sinal auditivo no cérebro para que uma pessoa diga que ouviu algo, quando o que ela realmente ouviu era diferente. Descobrimos que a visão está influenciando a parte de audição do cérebro para alterar a sua percepção da realidade – e você não pode desligar a ilusão”, acrescenta Smith. Um dos possíveis usos da descoberta é imaginar uma classe de aparelhos auditivos artificiais e softwares de reconhecimento de fala que fossem munidos de uma câmera e não apenas de um microfone.


Toque ocular Fenômeno parecido, porém relacionado à área tátil, foi comprovado pelo neurocientista Miguel Nicolelis este mês, em artigo publicado na revista Pnas. O professor da Universidade Duke e fundador do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS) usou a ilusão do membro de borracha (veja Para saber mais) para comprovar que é possível um estímulo visual ativar a área tátil do cérebro, responsável pelas sensações motoras.
Em entrevista ao Estado de Minas, Nicolelis relatou que, depois de um treinamento, os cérebros dos macacos usados no estudo registraram a sensação de tato apenas ao olhar um braço tridimensional mostrado em uma tela ser tocado por uma bola. “Os livros de neurociência dizem que o córtex tátil só responde aos estímulos táteis, o córtex visual só aos estímulos visuais. Estamos dizendo que o córtex tátil responde aos estímulos visuais”, afirmou o neurocientista, na ocasião.

Para o professor Antonio Pereira, do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o que vem sendo demonstrado em laboratório indica que o sistema nervoso humano evoluiu para atender a demanda ambiental. O cérebro alterou-se para resolver algumas ambiguidades entre o que é visto e o que é ouvido, por exemplo.

“Isso foi uma questão de vida ou morte para os nossos ancestrais frente aos perigos da natureza. Eles precisavam fazer uma aposta rápida quando tinham informações ambíguas, tinham de optar pelo que parecia ser o mais confiável. Apesar de a manipulação experimental criar uma ilusão, as ilusões são importantes em neurociência para demonstrar alguns fenômenos”, avalia Pereira. 

Segundo o neurocientista, a equipe de Utah comprova a prevalência da informação visual no momento de modelar a atividade em uma área que, em princípio, seria modulada por um estímulo auditivo. “É fácil imaginar o conflito: estou vendo uma pessoa falando e ouvindo outra coisa. Em que o cérebro vai apostar as fichas dele?” De acordo com Pereira, a aposta será na visão, porque ela tende a ser menos ambígua que a audição.