Dos 2 mil criadores dessas aves registrados no país e 400 mil mundo afora, 350 estão em Minas Gerais, e muitos já venceram importantes competições em todo o Brasil
Jefferson da Fonseca Coutinho
Estado de Minas: 13/12/2012
Esqueçam os pombos de chão e telhado, chamados “ratos com asas”, tão criticados nos grandes centros urbanos. Pensem agora nos heróis de penas, mensageiros dos ventos, capazes de salvar batalhões inteiros com bilhetes e mapas nas canelas durante as grandes guerras. Nas asas do tempo, no século 21, longe das praças, vacinados e bem alimentados, protegidos contra doenças, estão os pombos-correio, sobreviventes a era digital, presentes em pelo menos 90 federações, com cerca de 400 mil criadores mundo afora. No Brasil, Minas Gerais lidera a criação desses bravos do céu, treinados para competição, com 350 aficionados, dos 2 mil registros em todo o país.
Em Belo Horizonte, só o Columbódromo BH, no Bairro Dom Silvério, na Região Nordeste, reúne 50 associados e promove, por ano, 12 provas de velocidade e distância – chamadas “meio fundo” e “fundo”, com até 800 quilômetros de linha reta entre Bahia e Minas. As premiações são variadas e chegam a distribuir veículos zero quilômetro. Por essas bandas, uma ave campeã pode custar até R$ 5 mil. A paixão dos mineiros pelos pombos-correio não surpreende o diretor da Federação Columbófila Brasileira, Márcio Mattos Borges de Oliveira, de 53, de Ribeirão Preto, São Paulo. “Minas é um estado, tradicionalmente, de muito carinho com os pássaros, de raízes”, considera.
O professor de matemática da Universidade de São Paulo (USP), criador desde 1979, tem 300 aves e orgulha-se de quarta colocação em mundial de Portugal. Também registra o feito de 10 de seus pombos, em 2008, que deixaram a divisa de Minas e Bahia, no Vale do Mucuri, às 6h15, e voltaram a Ribeirão Preto, às 15h45, com o tempo de 44 segundos entre o primeiro e o último a tocar a placa de chegada. Das lições retiradas do pombal e dos cuidados com a criação, Márcio fala em “disciplina e conhecimento”. “O criador não tem sábado, domingo nem feriado. É preciso também leitura. O criador se torna um especialista em nutrição”, explica.
O som do bater das asas da “esquadrilha” e o céu em movimento despertam os olhares dos passantes da Rua Marfisa de Souza Raposo e adjacências, na Região Nordeste. Até os vizinhos mais acostumados não resistem e param para esquadrinhar as nuvens durante os treinos dos 250 “atletas”. Cena que, há 25 anos, se repete todos os dias e ainda emociona Welington Perdigão Lima, de 60, torneiro mecânico e presidente da Sociedade Columbófila Pampulha. Ele e a mulher, Denise Marçal, reproduzem e treinam pombos, organização as competições anuais, além de dar assistência aos 50 associados do clube. Nos dois últimos anos, por temporada, Welington tem percorrido 14 mil quilômetros com o caminhão que transporta as aves competidoras, enquanto Denise cuida da aferição e dos registros eletrônicos de cada evento.
O criador explica que os pombos-correio não voam para qualquer lugar como muita gente pensa. O que ocorre é que a ave, territorialista, sempre volta para o espaço em que nasceu e ganhou penas. Assim, como indicam registros históricos – dos faraós do Egito antigo aos generais da Segunda Grande Guerra –, esses pequenos sujeitos de penas ajudaram a escrever feitos da humanidade falando por meio das canelas. Hoje, os recados deram lugar às anilhas com números de identificação e dados do criador. Uma curiosidade é que, até os anos 1980, os registros de origem e trânsito dos pombos-correio eram controlados pelo Exército.
CAMPEÕES Falar em pombos de competição é motivo de satisfação para o empresário Hugo Leonardo Lopes, de 38 anos. Paixão que vem da infância, do contato com o irmão mais velho, criador de pombos comuns, a columbofilia é mais que hobby para Hugo. Diferentemente de muitos aficionados, que tratam suas aves pelos números de registro, Hugo dá nome a muitos de seus “guerreiros”. Cita os campeões como quem fala da família: “Tenho o Chifrinho, o Lilás, o melhor que tenho. E o Mosqueado, pai da Canoa e da Violeta, duas campeãs”. Em 2003, Hugo começou bem no mundo das competições. Logo na segunda prova, foram dele os primeiro, segundo e terceiro lugares. O que motivou ainda mais o empresário.
Conhecido em Belo Horizonte como “campeão de velocidade”, Hugo concentra suas aves nos treinos da modalidade. São 150 “velocistas de bico e pena” no pombal do Bairro União. Colecionador de títulos, nos últimos nove anos, o empresário conta nove campeões – dois machos e sete fêmeas. Outro criador vencedor, amigo, confirma o diferencial em velocidade das aves de Hugo. Ulisses Herculano Alves, de 42, segundo lugar no Columbódromo BH deste ano, fala que os pombos o ajudam a “combater o estresse”.
Esportista, criador de famílias de campeões desde 2000, o militar considera que a ave é grande exemplo para o homem. “Aprendemos com os pombo-correio a disciplina e o respeito aos limites”, ressalta. Ulisses fala da amizade entre os criadores, dos ensinamentos de cada temporada e cita passagem em campeonato, quando esteve doente por 15 dias e Hugo, adversário, ajudou-o com suas aves competidoras.
SAIBA MAIS: UMA BÚSSOLA NO BICO
Para se guiar no caminho de volta, os pombos-correio têm três habilidades fundamentais: a visão, pela qual localizam o Sol e identificam sua posição (leste, oeste e norte); o relógio interno, por meio do qual identificam o período do dia (manhã, meio-dia, tarde, noite); e a memória, que eles utilizam para aprender a relação entre a posição do Sol e o horário. Orientam-se graças ao campo magnético da Terra e não ao seu olfato, segundo estudo publicado pela revista Nature, que chama atenção para a existência de magnetita no bico das aves. Segundo a pesquisa, esse “ímã natural” permite aos pombos ter uma percepção magnética dos percursos e cobrir grandes distâncias sem se perderem, regressando depois ao ponto de partida. No entanto, a explicação magnética é contestada por alguns especialistas, que atribuem a orientação dos pombos a certos odores encontrados na atmosfera.
Herói de guerra
Em outubro de 1918, o pombo Cher Ami – “caro amigo”, em francês – sobreviveu em território alemão e, atingido durante o voo, mesmo cego, com o papo baleado e sem uma de suas pernas, conseguiu levar mensagem da 77ª Divisão e salvar 194 norte-americanos do Batalhão Perdido. Pela bravura, o pombo recebeu a Cruz de Guerra francesa.