Valor Econômico -
31/03/2014
Erich Schwartzel e Tamara Audi
Antes mesmo de a chuva cair, havia dúvidas. Será que "Noé", a nova
superprodução da Paramount Pictures, vai alienar os fiéis? Será que vai
atrair não religiosos em número suficiente para recuperar um custo de
US$ 125 milhões? E, mais importante, será que essa volta grandiosa de
Hollywood aos épicos bíblicos vai ser bem recebida por importantes
líderes religiosos?
Alguns desses líderes já estão dizendo que o
filme, repleto de efeitos especiais, reapresenta o livro do Gênesis como
uma parábola ambientalista moderna e contém detalhes que não estão nas
escrituras. Três países árabes estão se recusando a distribuir o filme:
muçulmanos consideram Noé um profeta e alguns condenam o uso de imagens
de figuras sagradas como sacrilégio.
"Noé" foi lançado sexta-feira nos Estados Unidos e estreia nesta quinta-feira no Brasil.
Estrelado
por Russell Crowe e outros dois atores já premiados com o Oscar, "Noé" é
uma iniciativa notável - e arriscada - para um estúdio hollywoodiano. É
a primeira superprodução bíblica em quase 50 anos e quebra a fórmula
dominante da última grande era desse tipo de filme, nos anos 50 e 60. Na
época, enredos e personagens permaneceram na maior parte fiéis à
narrativa original, inclusive nos clássicos de Charlton Heston, como "Os
Dez Mandamentos" e "A Maior História de Todos os Tempos".
A
abordagem da Paramount está sendo observada de perto pela indústria
cinematográfica como um teste para uma série de projetos bíblicos de
grande orçamento em desenvolvimento. Mas líderes religiosos, embora
animados com a ideia de ter o glamour de Hollywood a serviço de suas
causas, dizem que a Bíblia não é tão fácil de ser adaptada para o grande
público como, por exemplo, uma história em quadrinhos. O filme está
esquentando o debate em comunidades religiosas sobre os limites da
interpretação artística da Bíblia.
Nem todo mundo está
preocupado. Alguns cristãos e judeus influentes acharam "Noé" uma
interpretação consciente e divertida. Mas mesmo estes dizem ser difícil
prever como o filme será recebido por conservadores e literalistas da
Bíblia.
A Paramount, que pertence à Viacom Inc., afirma que
grande parte da reação inicial se baseia em versões anteriores do
roteiro que vazaram e não se parecem com o produto final. "Noé" já
estreou com sucesso no México, onde arrecadou US$ 1,4 milhão no primeiro
dia, e na Coreia.
"Tivemos que lidar com a questão: 'Será que
podemos confiar em Hollywood para fazer um filme que é ao mesmo tempo
divertido e consistente com temas bíblicos?'", diz Rob Moore,
vice-presidente do conselho de administração da Paramount. Dados
preliminares indicavam ontem uma bilheteria de US$ 44 milhões no fim de
semana de estreia nos EUA, acima dos US$ 40 milhões previstos pela
Paramount. O estúdio espera uma boa audiência nas próximas semanas
graças aos espectadores mais velhos, que costumam ver filmes depois da
estreia. No total, "Noé" já havia arrecadado US$ 95 milhões até ontem,
segundo o site Boxofficemojo.com.
É claro que, nas últimas
décadas, a indústria do cinema não abandonou o gênero dos filmes
"baseados na fé". Só que, ultimamente, o tema ficou relegado a produções
de baixo orçamento, atores pouco conhecidos e filmes muitas vezes
direcionados diretamente ao mercado de DVDs. Hollywood tem ficado longe
de filmes bíblicos de alto custo que podem gerar uma reação negativa
entre religiosos e indiferença entre o público secular. Mesmo "A Paixão
de Cristo", de Mel Gibson, que custou US$ 30 milhões e chocou Hollywood
ao arrecadar US$ 370 milhões nos EUA e US$ 600 milhões globalmente, em
2004, foi inicialmente dirigido a grupos religiosos, antes de se tornar
um fenômeno de mercado.
Uma reação positiva de Jerry A. Johnson,
líder do The National Religious Broadcasters, por exemplo, poderia dar
ao estúdio um endosso valioso da maior rede de comunicação cristã dos
EUA, que atinge dezenas de milhões de ouvintes e telespectadores. Após
assistir a "Noé", no mês passado, Johnson disse que se opõe à mensagem
ambiental do filme, mas aplaude a "seriedade" com que tratou o tema do
pecado e do juízo de Deus, além do alto valor da produção. Atendendo a
um pedido dele, a Paramount acrescentou um aviso aos espectadores de que
o filme é "inspirado na história de Noé" e que usou "licença poética".
O
sucesso ou o fracasso comercial de "Noé", que retrata um profeta do
Velho Testamento como um herói de ação, poderia profetizar o destino de
outros personagens bíblicos que devem receber uma roupagem hollywoodiana
nos próximos anos, incluindo Moisés, Maria, Caim e Abel.
"Maria",
a ser lançado pela Lions Gate Entertainment Corp. no ano que vem, narra
os primeiros anos da mãe de Jesus - um ângulo que, segundo um produtor,
ajuda a retratá-la como uma heroína para um mercado que tem gostado de
jovens personagens femininas como Katniss Everdeen, de "Jogos Vorazes".
Quanto
a "Noé", a Paramount afirma que abordou líderes critãos e de outras
religiões logo no início do processo para gerar uma compreensão maior
das intenções do diretor, Darren Aronofsky, e que acredita que algumas
das críticas vão terminar quando o público assistir à versão definitiva.
Ainda assim, as respostas negativas contrastam com o apoio da
comunidade cristã, no início deste ano, a "O Filho de Deus", uma
biografia ostensivamente religiosa de Jesus Cristo que recuperou seu
orçamento nominal no fim de semana de estreia nos EUA.
A
inspiração para "Noé" veio de Aronofsky, conhecido por dramas mórbidos e
surreais. Seu sucesso de bilheteria "Cisne Negro", sobre uma bailarina
obsessiva que perde o contato com a realidade, foi indicado ao Oscar de
melhor filme e seu sucesso deu ao diretor de 45 anos cacife necessário
para fazer "Noé", uma história que o cativa desde que ele escreveu um
poema sobre ela na escola.
"Desde criança, achei [Noé] uma
história assustadora. [Receava] não ser bom o suficiente para entrar no
barco e o que isso significaria", diz Aronofsky, que atribui a maior
parte da reação negativa antecipada à demora de Hollywood para voltar a
produzir épicos bíblicos.
A história de Noé no Gênesis tem só
quatro capítulos e o descreve como um "homem justo" de 600 anos, sem
mais detalhes. Para completar a descrição, Aronofsky e Ari Handel, que o
ajudou a escrever o roteiro, se debruçaram em textos judaicos antigos,
tratados teológicos e manuscritos sobre o Mar Morto. A bibliografia do
roteiro tem cinco páginas.
O Noé de Aronofsky é um naturalista
transtornado que, machado em punho, luta contra exércitos malignos com a
ajuda de gigantes de pedra gerados por computador. As cenas são
semelhantes a outra série da Paramount, "Transformers". O filme também
retrata um drama familiar, com a atriz Jennifer Connelly fazendo o papel
da sofrida esposa de Noé e o ator Logan Lerman, de Ham, o filho do
meio, que foi proibido de levar sua esposa para a arca.
Contribuindo
para a crítica de que o filme tem uma agenda, Deus manifesta sua ira
com um dilúvio, não só para punir o mal da humanidade em geral, mas
também porque uma "civilização industrial" tem sobrecarregado os
recursos naturais da Terra. Noé é convocado para salvar os animais e sua
família, enquanto o resto da humanidade se afoga.
"Não sei como
não há uma conexão ecológica [na história]", diz Aronofsky. "A palavra
'ambientalismo' foi politizada por algumas pessoas que fizeram dela uma
questão fora do que está na Bíblia." Por sua vez, alguns cristãos dizem
que as escrituras apoiam o tema ambiental e outros que Deus deu ao homem
domínio sobre a criação.
segunda-feira, 31 de março de 2014
Religião será a principal bandeira do PSC
Valor Econômico -
31/03/2014
César Felício
A candidatura presidencial do pastor Everaldo Pereira (PSC) tem potencial para atingir até 10% dos votos, na avaliação de cientistas políticos dedicados ao mercado eleitoral. Pastor da Assembleia de Deus, a maior denominação pentecostal do país, Everaldo está com 3% de intenção de voto na última pesquisa Ibope, divulgada nesta quinta-feira, e poderá se tornar o primeiro candidato a presidente na história do Brasil a usar a religião como sua principal bandeira.
"Ele tem um teto de 8% a 10%, caso faça uma campanha muito eficaz e não seja alvo de denúncias", disse o cientista político Antonio Lavareda, da MCI. Lavareda estimou o potencial com base no histórico das eleições de 2002 e 2010. Na primeira, o governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, disputou a presidência pelo PSB e teve 18% dos votos. Na segunda, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva concorreu pelo PV e conseguiu 19%. Ambos são evangélicos, mas não fizeram dessa condição o elemento central de suas campanhas.
"Tanto em um caso como em outro, pode-se afirmar que pelo menos metade do que conseguiram foi um voto de afinidade, dado pela população evangélica. O resto foi por terem outros atributos que o pastor Everaldo não possui", comentou Lavareda. O cientista político pondera que Everaldo poderá ter peso em um segundo turno, mas não será o elemento determinante para que a eleição presidencial não se resolva já em outubro. "Um conjunto de outros fatores, como o potencial de crescimento dos candidatos mais fortes de oposição e a avaliação de governo da presidente Dilma Rousseff devem ser mais importantes para definir o segundo turno".
O Brasil conta com 22% da população evangélica, de acordo com o censo de 2010. Destes, cerca de 13% são pentecostais e 5% não têm uma identidade definida, frequentando diversas denominações. Apenas 4% pertencem às igrejas tradicionais, como luteranos, batistas, metodistas e presbiterianos.
É um segmento com peso cada vez maior: em 1991, dois anos depois da primeira eleição presidencial da redemocratização, apenas 9% dos brasileiros eram protestantes. Em 19 anos, a população católica caiu de 83% para 65% e a dos não-religiosos passou de 5% para 8%. Entre os pentecostais, a Assembleia de Deus representava 48%, contando há quatro anos com 12,3 milhões de fiéis.
Igrejas evangélicas começaram a se organizar para disputar o poder em 1986, nas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte. Em 1989, houve um ensaio mal sucedido para a presidência: a candidatura de Armando Correa, do extinto PMB, que se retirou da eleição para apoiar o empresário Silvio Santos, manobra anulada pelo TSE dias antes da eleição. Em 2002, na eleição estadual em São Paulo, o então vereador paulistano Carlos Apolinário, do PGT, lançou-se para o governo estadual por uma coligação chamada "São Paulo nas mãos de Deus". Teve 3,6% e ficou em quarto lugar.
"O segmento evangélico era muito menor. Estamos diante da primeira microcandidatura confessional para presidente que não é traço nas pesquisas", disse o cientista político Marcos Coimbra, do Instituto Vox Populi, que é conservador sobre a autonomia de voto de Pereira. " Ele só consegue este percentual porque se apresenta como 'pastor' na corrida eleitoral. O PSC não acrescenta nada e a pessoa física dele também não. A bancada evangélica apresenta uma agenda centrada em questões de valores individuais, como as relacionadas com aborto, drogas e casamento homossexual, que nunca foi motivadora de voto majoritário", diz.
No Legislativo, a bancada evangélica conta hoje com 73 deputados federais e dois senadores. Sua candidatura mais competitiva a um governo estadual é no Rio de Janeiro, onde o senador Marcelo Crivella (PRB), da Igreja Universal, deve disputar o cargo pela segunda vez. No ano passado, a bancada foi marcada pelo estilo estridente do deputado Marco Feliciano (PSC-SP), que foi presidente da Comissão de Direitos Humanos.
A tendência dos candidatos evangélicos a cargo majoritário é só adotar este modelo quando disputam em situação pouco competitiva. Se a intenção é entrar para ganhar, suavizam o discurso. Feliciano chegou a se lançar candidato ao Senado em dezembro, mas no mês passado anunciou em redes sociais que irá disputar novamente a Câmara. Alegou que não tinha condições de obter nove milhões de votos, o que estimou como necessário para ganhar. Disse que vai esperar 2018, quando são duas vagas para o Senado por estado.
"A debilidade central é que parte do eleitorado sensibilizado pela plataforma conservadora é católica e tende a rejeitar um candidato evangélico. Desta maneira, os evangélicos não têm como se aproveitar do espaço que existe no Brasil para o conservadorismo, a não ser que fiquem confinados às eleições proporcionais", comentou o pesquisador César Romero Jacob, da PUC do Rio de Janeiro.
César Felício
A candidatura presidencial do pastor Everaldo Pereira (PSC) tem potencial para atingir até 10% dos votos, na avaliação de cientistas políticos dedicados ao mercado eleitoral. Pastor da Assembleia de Deus, a maior denominação pentecostal do país, Everaldo está com 3% de intenção de voto na última pesquisa Ibope, divulgada nesta quinta-feira, e poderá se tornar o primeiro candidato a presidente na história do Brasil a usar a religião como sua principal bandeira.
"Ele tem um teto de 8% a 10%, caso faça uma campanha muito eficaz e não seja alvo de denúncias", disse o cientista político Antonio Lavareda, da MCI. Lavareda estimou o potencial com base no histórico das eleições de 2002 e 2010. Na primeira, o governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, disputou a presidência pelo PSB e teve 18% dos votos. Na segunda, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva concorreu pelo PV e conseguiu 19%. Ambos são evangélicos, mas não fizeram dessa condição o elemento central de suas campanhas.
"Tanto em um caso como em outro, pode-se afirmar que pelo menos metade do que conseguiram foi um voto de afinidade, dado pela população evangélica. O resto foi por terem outros atributos que o pastor Everaldo não possui", comentou Lavareda. O cientista político pondera que Everaldo poderá ter peso em um segundo turno, mas não será o elemento determinante para que a eleição presidencial não se resolva já em outubro. "Um conjunto de outros fatores, como o potencial de crescimento dos candidatos mais fortes de oposição e a avaliação de governo da presidente Dilma Rousseff devem ser mais importantes para definir o segundo turno".
O Brasil conta com 22% da população evangélica, de acordo com o censo de 2010. Destes, cerca de 13% são pentecostais e 5% não têm uma identidade definida, frequentando diversas denominações. Apenas 4% pertencem às igrejas tradicionais, como luteranos, batistas, metodistas e presbiterianos.
É um segmento com peso cada vez maior: em 1991, dois anos depois da primeira eleição presidencial da redemocratização, apenas 9% dos brasileiros eram protestantes. Em 19 anos, a população católica caiu de 83% para 65% e a dos não-religiosos passou de 5% para 8%. Entre os pentecostais, a Assembleia de Deus representava 48%, contando há quatro anos com 12,3 milhões de fiéis.
Igrejas evangélicas começaram a se organizar para disputar o poder em 1986, nas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte. Em 1989, houve um ensaio mal sucedido para a presidência: a candidatura de Armando Correa, do extinto PMB, que se retirou da eleição para apoiar o empresário Silvio Santos, manobra anulada pelo TSE dias antes da eleição. Em 2002, na eleição estadual em São Paulo, o então vereador paulistano Carlos Apolinário, do PGT, lançou-se para o governo estadual por uma coligação chamada "São Paulo nas mãos de Deus". Teve 3,6% e ficou em quarto lugar.
"O segmento evangélico era muito menor. Estamos diante da primeira microcandidatura confessional para presidente que não é traço nas pesquisas", disse o cientista político Marcos Coimbra, do Instituto Vox Populi, que é conservador sobre a autonomia de voto de Pereira. " Ele só consegue este percentual porque se apresenta como 'pastor' na corrida eleitoral. O PSC não acrescenta nada e a pessoa física dele também não. A bancada evangélica apresenta uma agenda centrada em questões de valores individuais, como as relacionadas com aborto, drogas e casamento homossexual, que nunca foi motivadora de voto majoritário", diz.
No Legislativo, a bancada evangélica conta hoje com 73 deputados federais e dois senadores. Sua candidatura mais competitiva a um governo estadual é no Rio de Janeiro, onde o senador Marcelo Crivella (PRB), da Igreja Universal, deve disputar o cargo pela segunda vez. No ano passado, a bancada foi marcada pelo estilo estridente do deputado Marco Feliciano (PSC-SP), que foi presidente da Comissão de Direitos Humanos.
A tendência dos candidatos evangélicos a cargo majoritário é só adotar este modelo quando disputam em situação pouco competitiva. Se a intenção é entrar para ganhar, suavizam o discurso. Feliciano chegou a se lançar candidato ao Senado em dezembro, mas no mês passado anunciou em redes sociais que irá disputar novamente a Câmara. Alegou que não tinha condições de obter nove milhões de votos, o que estimou como necessário para ganhar. Disse que vai esperar 2018, quando são duas vagas para o Senado por estado.
"A debilidade central é que parte do eleitorado sensibilizado pela plataforma conservadora é católica e tende a rejeitar um candidato evangélico. Desta maneira, os evangélicos não têm como se aproveitar do espaço que existe no Brasil para o conservadorismo, a não ser que fiquem confinados às eleições proporcionais", comentou o pesquisador César Romero Jacob, da PUC do Rio de Janeiro.
A marcha da insensatez - Renato Janine Ribeiro
Valor Econômico - 31/03/2014
Barbara Tuchman foi uma
historiadora norte-americana, autora de livros de sucesso, nos quais
tentava extrair lições de conduta para nossos tempos a partir de erros
passados - procurando, literalmente, alcançar a "moral da história". Não
foi exatamente de primeiro time, até porque os melhores historiadores
atuais não gostam de misturar história e moral, mas seus livros se leem
com proveito. Este ano, quando se recorda o centenário da Primeira
Guerra Mundial, vale a pena recorrer a seu "Canhões de agosto" (1962).
Mas seu livro que mais me chama a atenção é "A marcha da insensatez", de
1984, com o interessante subtítulo "de Troia ao Vietnã".
São vários episódios históricos e um mitológico, procurando entender por que tantas vezes os povos ou governantes escolhem o caminho da destruição, a via insensata, o jogo perde-perde. A mitologia comparece com o cavalo de Troia, que os gregos deixam às portas da cidade que estavam atacando, sem sucesso, havia dez anos. Os troianos se alegram de ver o inimigo ir embora e ainda por cima dar-lhes um presente tão belo. Apenas o sacerdote Laocoonte alerta que pode ser um perigo, uma armadilha: "Temo os gregos, mesmo quando trazem presentes". Mas ninguém o leva a sério - e, tarde da noite, guerreiros gregos saem de dentro do cavalo e tomam a cidade. Os troianos foram alertados, mas escolheram a própria destruição. Escolhas assim insensatas marcam a história humana, como se a espécie ou seus líderes flertassem descaradamente com a derrota, a autodestruição, o suicídio.
A economia e a filosofia política modernas se constroem com base na convicção contrária: todo ente vivo deseja preservar o seu ser, diz a filosofia - deseja viver, crescer, reproduzir-se. Todo agente tem interesse em aumentar seus ganhos, pensa a economia. Talvez por isso, a tendência à autodestruição seja difícil de se entender. Crescer ou ganhar é racional. Destruir-se é irracional. O problema é que vezes sem conta se escolhe essa segunda opção. Não tentarei, aqui, responder por quê - mas o mínimo que devemos é ligar um alarme, que dispare quando escolhemos nos destruir.
Pensei neste tema ao ver, na leitura dos jornais, a escalada da
insensatez na política. Até gente que deveria ser equilibrada se exalta e
perde o controle. Três exemplos:
1) Deputada venezuelana pede para denunciar seu governo na OEA e ocupa o lugar do Panamá, o que é errado - e o presidente da Câmara de seu país cassa o seu mandato; os dois lados apostam numa escalada que force a maioria mais calma de sua sociedade a se radicalizar;
2) A Justiça egípcia condena 529 islamistas à forca, num único dia, pela morte de apenas um soldado, numa das relações mais exageradas que já se viu entre crime e castigo;
3) Os oposicionistas ucranianos derrubam o governo ruim, mas eleito, de seu país, a Crimeia se separa, a Rússia a acolhe - e começa outra escalada maluca, tornando o mundo refém da insensatez de um palácio e uma praça.
Em todos estes casos, e cada dia surgem novos, o efeito extrapola enormemente a causa. A reação é desproporcional à ação. Perde-se o senso, perde-se a medida.
Outro ponto comum é que esses episódios são o paraíso dos extremistas. Engana-se quem pensa que a verdadeira oposição é entre Maduro e a deputada, islamistas e carrascos, ou golpistas ucranianos e Putin. Na verdade, todos esses jogam o mesmo jogo - cuja meta é descartar, excluir, impedir qualquer posição intermediária, qualquer negociação. Nos três casos, deveria ser óbvio que não se governa um país hostilizando metade de sua população. Mas é o que cada lado faz. E com isso uma provável maioria, que está dividida no voto mas não quer a violência, é obrigada a aceitar o jogo da força.
Daí que chegue uma hora, quando toda a sensatez foi liquidada, em que a saída possível é - quando há religiões, línguas ou etnias em jogo - a divisão territorial. Esta talvez seja viável na Ucrânia. Mas vejam o que implica. Grupos diferentes, que conviviam mais ou menos bem, são apartados. Cada um em seu canto inventará uma identidade extremada e se afastará do outro. Foi assim que a língua servo-croata - um só idioma, com dois alfabetos, cirílico e romano - rachou em duas, uma para cada exército (ou país, se preferirem). Foi assim que a ocupação norte-americana do Iraque transformou Bagdá, cidade em que conviviam, mal ou bem, sunitas e xiitas, numa pele de leopardo, dividia em bairros homogêneos onde o inimigo - que deveria ser respeitado como compatriota - não pode entrar sem risco de vida.
Por isso, quem tem bom senso deve recusar-se a escolher entre dois males. Quem assume um deles legitima, não só um extremismo, como também todo o processo que criou esse extremismo e o oposto. Há horas em que a atitude mais racional não é apoiar um dos loucos em disputa, mas perguntar como aconteceu que se chegasse à loucura. Conter-se, quando os outros enlouquecem, é o último poder da razão. Assim, denunciar a anexação da Crimeia à Rússia, sem atentar para a radicalização, promovida pelos dois lados, da política ucraniana nos últimos dez anos, é ficar na superfície e piorar o statu quo. A Ucrânia, como o Egito e mesmo a Venezuela, parece condenada a ser governada por uma maioria obtida quase pela sorte, que oprimirá a oposição. Dizer qual dos grupos seria melhor é aceitar a miséria dessa situação. Não precisamos, nós a quem resta razão, escolher o demônio menos péssimo. Devemos deixar claro aos atores que repudiamos o que todos eles fazem, quando optam pela violência. Podemos e devemos repudiar um modo de fazer política que a suprime e a substitui pela guerra civil.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
E-mail: rjanine@usp.br
Em vez de entrar no jogo dos extremismos, devemos repudiar a degradação da política que hoje ocorre no mundo
São vários episódios históricos e um mitológico, procurando entender por que tantas vezes os povos ou governantes escolhem o caminho da destruição, a via insensata, o jogo perde-perde. A mitologia comparece com o cavalo de Troia, que os gregos deixam às portas da cidade que estavam atacando, sem sucesso, havia dez anos. Os troianos se alegram de ver o inimigo ir embora e ainda por cima dar-lhes um presente tão belo. Apenas o sacerdote Laocoonte alerta que pode ser um perigo, uma armadilha: "Temo os gregos, mesmo quando trazem presentes". Mas ninguém o leva a sério - e, tarde da noite, guerreiros gregos saem de dentro do cavalo e tomam a cidade. Os troianos foram alertados, mas escolheram a própria destruição. Escolhas assim insensatas marcam a história humana, como se a espécie ou seus líderes flertassem descaradamente com a derrota, a autodestruição, o suicídio.
A economia e a filosofia política modernas se constroem com base na convicção contrária: todo ente vivo deseja preservar o seu ser, diz a filosofia - deseja viver, crescer, reproduzir-se. Todo agente tem interesse em aumentar seus ganhos, pensa a economia. Talvez por isso, a tendência à autodestruição seja difícil de se entender. Crescer ou ganhar é racional. Destruir-se é irracional. O problema é que vezes sem conta se escolhe essa segunda opção. Não tentarei, aqui, responder por quê - mas o mínimo que devemos é ligar um alarme, que dispare quando escolhemos nos destruir.
Não temos que escolher entre dois males
1) Deputada venezuelana pede para denunciar seu governo na OEA e ocupa o lugar do Panamá, o que é errado - e o presidente da Câmara de seu país cassa o seu mandato; os dois lados apostam numa escalada que force a maioria mais calma de sua sociedade a se radicalizar;
2) A Justiça egípcia condena 529 islamistas à forca, num único dia, pela morte de apenas um soldado, numa das relações mais exageradas que já se viu entre crime e castigo;
3) Os oposicionistas ucranianos derrubam o governo ruim, mas eleito, de seu país, a Crimeia se separa, a Rússia a acolhe - e começa outra escalada maluca, tornando o mundo refém da insensatez de um palácio e uma praça.
Em todos estes casos, e cada dia surgem novos, o efeito extrapola enormemente a causa. A reação é desproporcional à ação. Perde-se o senso, perde-se a medida.
Outro ponto comum é que esses episódios são o paraíso dos extremistas. Engana-se quem pensa que a verdadeira oposição é entre Maduro e a deputada, islamistas e carrascos, ou golpistas ucranianos e Putin. Na verdade, todos esses jogam o mesmo jogo - cuja meta é descartar, excluir, impedir qualquer posição intermediária, qualquer negociação. Nos três casos, deveria ser óbvio que não se governa um país hostilizando metade de sua população. Mas é o que cada lado faz. E com isso uma provável maioria, que está dividida no voto mas não quer a violência, é obrigada a aceitar o jogo da força.
Daí que chegue uma hora, quando toda a sensatez foi liquidada, em que a saída possível é - quando há religiões, línguas ou etnias em jogo - a divisão territorial. Esta talvez seja viável na Ucrânia. Mas vejam o que implica. Grupos diferentes, que conviviam mais ou menos bem, são apartados. Cada um em seu canto inventará uma identidade extremada e se afastará do outro. Foi assim que a língua servo-croata - um só idioma, com dois alfabetos, cirílico e romano - rachou em duas, uma para cada exército (ou país, se preferirem). Foi assim que a ocupação norte-americana do Iraque transformou Bagdá, cidade em que conviviam, mal ou bem, sunitas e xiitas, numa pele de leopardo, dividia em bairros homogêneos onde o inimigo - que deveria ser respeitado como compatriota - não pode entrar sem risco de vida.
Por isso, quem tem bom senso deve recusar-se a escolher entre dois males. Quem assume um deles legitima, não só um extremismo, como também todo o processo que criou esse extremismo e o oposto. Há horas em que a atitude mais racional não é apoiar um dos loucos em disputa, mas perguntar como aconteceu que se chegasse à loucura. Conter-se, quando os outros enlouquecem, é o último poder da razão. Assim, denunciar a anexação da Crimeia à Rússia, sem atentar para a radicalização, promovida pelos dois lados, da política ucraniana nos últimos dez anos, é ficar na superfície e piorar o statu quo. A Ucrânia, como o Egito e mesmo a Venezuela, parece condenada a ser governada por uma maioria obtida quase pela sorte, que oprimirá a oposição. Dizer qual dos grupos seria melhor é aceitar a miséria dessa situação. Não precisamos, nós a quem resta razão, escolher o demônio menos péssimo. Devemos deixar claro aos atores que repudiamos o que todos eles fazem, quando optam pela violência. Podemos e devemos repudiar um modo de fazer política que a suprime e a substitui pela guerra civil.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
E-mail: rjanine@usp.br
TeVê
TV paga
Estado de Minas: 31/03/2014
A partir de hoje, às 23h10, o canal Viva traz Susana Vieira (foto), Marília Gabriela e Betty Lago nos papéis das viúvas de Daniel, interpretado pelo veterano José Wilker, no reprise de Cinquentinha. Em oito capítulos, a minissérie de Aguinaldo Silva e Maria Elisa Berredo, exibida em 2009 pela Globo, mostra a disputa de mulheres maduras e modernas para garantir a herança do ex-marido. O personagem de Wilker é um milionário à beira da morte, que deixa em testamento uma missão para suas três ex-mulheres: apesar de inimigas, elas têm que se unir para administrar seus negócios em crise e fazê-los prosperar.
GNT FASHION DESTACA ESTILISTA ZUZU ANGEL
O GNT Fashion, às 22h, apresenta hoje edição especial sobre a São Paulo Fashion Week. Lilian Pacce mostra a temporada primavera-verão 2014/15 do evento, que homenageia Zuzu Angel. A estilista brasileira foi uma das principais figuras da luta pela busca dos desaparecidos da ditadura militar, tema de grande retrospectiva em São Paulo, 50 anos após o golpe. Lilian entrevista Hildegard Angel, filha de Zuzu e co-curadora da exposição e do desfile com as peças da estilista.
DOCES BÁRBAROS EM DOCUMENTÁRIO
O canal Curta! apresenta, às 22h, o documentário Doces bárbaros (1976). O filme registra a excursão comemorativa dos 10 anos de carreira dos Doces Bárbaros, grupo formado pelos cantores baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Gal Costa. Inicialmente, o filme tinha o objetivo de mostrar os shows de um disco ao vivo que seria lançado, mas acabou mudando o tom ao registrar a prisão e o julgamento de Gil e de um companheiro por porte de drogas. O cantor foi obrigado a se internar em uma clínica para desintoxicação, de onde só saía para participar dos espetáculos programados.
UM NOVO EPISÓDIO DE BEAUTY AND THE BEAST
O canal Universal exibe às 22h o 15º episódio inédito da segunda temporada de Beauty and the beast. Em Catch me if you can, Vincent (Jay Ryan) passa a madrugada procurando por Sam (Tom Everett Scott). J. T. (Austin Basis) descobre que seu amigo invadiu o sistema de segurança da polícia já que não quer rastreá-lo com seus sentidos de "fera". O ex-médico conta a J. T. que precisa provar a Cat (Kristin Kreuk) que é mais humano do que "fera" e, por isso, continua buscando pelo criminoso de uma maneira que as pessoas "comuns" poderiam fazer.
EVOLUÇÃO DA MODA NO PROGRAMA DO E!
Apresentado pela ex-modelo Giselle Hermeto, o Conexão da moda é uma produção nacional que aborda a evolução da moda brasileira. Neste episódio que vai ao ar às 22h30, no canal E!, o tema será “Tendências da moda.” Em destaque, as mudanças na indústria brasileira desde os anos 1960, o que foi sucesso, o que não deu certo e o que está voltando à cena, com diversos convidados de peso como os estilistas Paola Arroba (Poko Pano), Tufi Duek, Benny Rosset (CIA Marítima) e Samuel Cirnansck; a artista plástica Marisu Buquet; e a modelo Carol Ribeiro.
MAIS NOVIDADES NA SÉRIE INFANTIL DOKI
Novos episódios da série Doki entram no ar hoje no Discovery Kids. Qualquer acontecimento corriqueiro pode significar o início de uma nova aventura. Os integrantes do Clube Mundial de Expedição estão reunidos em seu clubinho e, de repente, surge uma dúvida que marca o início de uma jornada para desvendar os mistérios da ciência, arte, natureza e música: o que é a seda? De onde vêm os elásticos? Por que um balão às vezes deixa de flutuar? De onde vem a baunilha? Os episódios são exibidos sempre de segunda a sexta, às 11h.
Caras & Bocas
Candidato a galã
Filho de peixe, peixinho é? Vamos ver. Em Meu pedacinho de chão, novela que vai substituir Joia rara (Globo) em 7 de abril, Gabriel Sater, filho de um dos mais importantes violeiros do país, Almir Sater, faz sua estreia na telinha e em novelas. O pai também fez bonito em novelas como Pantanal e A história de Ana Raio e Zé Trovão, ambas na extinta Manchete, além de O rei do gado (Globo). Aos 32 anos, Gabriel, que herdou a beleza do pai, viverá no remake de Benedito Ruy Barbosa o violeiro andante Viramundo. “Meu pai disse para eu me entregar assim como me dedico à música. Nunca mais serei o mesmo”, disse. Na história, Viramundo se apaixonará por Milita, personagem da modelo Cinthia Dicker, filha de Giácomo, vivido por Antônio Fagundes.
AINDA POR CIMA LC É UM FRIO E CRUEL ASSASSINO
Como se não bastassem as monstruosidades das quais é capaz na comunidade, LC (Antônio Calloni) também é um frio e cruel assassino. No capítulo de amanhã de Além do horizonte (Globo), Lili (Juliana Paiva) vai descobrir que seu pai matou a mãe de Fátima (Yanna Lavigne), de quem era amante. Ela foi a primeira vítima da tal "besta de Tapiré" que inventaram na região. A mulher comandava um bordel e enviava algumas de suas garotas para servirem de cobaias para a máquina de LC. Com um desentendimento entre eles, o pai de Lili acabou matando a amante, que era mulher de Kléber (Marcello Novaes), o pai de Fátima.
SÉRIE ESPECIAL SOBRE GOLPE MILITAR NO BRASIL
O golpe militar completa, hoje, 50 anos, e o SBT Brasil, a partir das 19h45, exibe uma série de reportagens especiais, Silêncio da ditatura. O repórter Fábio Diamante vai mostrar documentos inéditos sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog, o massacre dos índios pelos militares e as ruínas de um presídio construído pela ditadura dentro de uma aldeia. E ainda: a história do doente mental que ficou internado durante 37 anos em um manicômio judicial, acusado por crimes cometidos no período.
PERÍODO DE DITADURA RELEMBRADO PELA TV
Os programas Opinião Minas e Agenda, da Rede Minas, também vão relembrar o golpe militar no Brasil. O primeiro, às 8h15, recorda os anos de chumbo em conversa com Cláudio Antônio de Almeida, membro da Comissão da Verdade, da Universidade de Brasília. Ele fala sobre o trabalho de resgatar a história das pessoas que tiveram seus direitos humanos agredidos durante o período. Já o Agenda, às 19h30, estreia série de reportagens que mostra como o cinema, a música e o teatro abordaram o tema nas artes. A TV Brasil destaca o assunto com a série Militares pela democracia, de Sílvio Tendler, que apresenta os homens do Exército, da Marinha e da Aeronáutica que sofreram ao reagir ao golpe dentro dos quartéis. São cinco episódios, de hoje a sexta-feira, às 23h30. Já no Canal Brasil, às 22h, será exibido o documentário Dossiê Jango, de Paulo Henrique Fontenelle.
OUTRO LADO
Acusado de causar clima tenso nos bastidores da novela Em família (Globo), o ator Gabriel Braga Nunes falou sobre o assunto. “Não tenho nem o que dizer sobre essas notícias, porque simplesmente não aconteceu nada. Não existe mau relacionamento. Nossa novela é ótima e o ambiente de trabalho também”, disse. Ele explicou que tem grandes amigos na equipe e definiu os profissionais como “absolutamente talentosos”. Há alguns dias, rumores davam conta de que Gabriel criava problemas de relacionamento com os atores Ana Beatriz Nogueira, Helena Ranaldi e Humberto Martins. Este último foi o único a desmentir um suposto conflito entre eles.
VIVA - A “lama gulosa" que tragou o vilão Hermes (Alexandre Nero) em Além do horizonte. Recurso cenográfico e tanto!
VAIA - Paulinha, personagem de Christiana Ubach, em Além do horizonte desapareceu da trama. E rendia bem como vilã.
Estado de Minas: 31/03/2014
Cinquentinha de volta
A partir de hoje, às 23h10, o canal Viva traz Susana Vieira (foto), Marília Gabriela e Betty Lago nos papéis das viúvas de Daniel, interpretado pelo veterano José Wilker, no reprise de Cinquentinha. Em oito capítulos, a minissérie de Aguinaldo Silva e Maria Elisa Berredo, exibida em 2009 pela Globo, mostra a disputa de mulheres maduras e modernas para garantir a herança do ex-marido. O personagem de Wilker é um milionário à beira da morte, que deixa em testamento uma missão para suas três ex-mulheres: apesar de inimigas, elas têm que se unir para administrar seus negócios em crise e fazê-los prosperar.
GNT FASHION DESTACA ESTILISTA ZUZU ANGEL
O GNT Fashion, às 22h, apresenta hoje edição especial sobre a São Paulo Fashion Week. Lilian Pacce mostra a temporada primavera-verão 2014/15 do evento, que homenageia Zuzu Angel. A estilista brasileira foi uma das principais figuras da luta pela busca dos desaparecidos da ditadura militar, tema de grande retrospectiva em São Paulo, 50 anos após o golpe. Lilian entrevista Hildegard Angel, filha de Zuzu e co-curadora da exposição e do desfile com as peças da estilista.
DOCES BÁRBAROS EM DOCUMENTÁRIO
O canal Curta! apresenta, às 22h, o documentário Doces bárbaros (1976). O filme registra a excursão comemorativa dos 10 anos de carreira dos Doces Bárbaros, grupo formado pelos cantores baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Gal Costa. Inicialmente, o filme tinha o objetivo de mostrar os shows de um disco ao vivo que seria lançado, mas acabou mudando o tom ao registrar a prisão e o julgamento de Gil e de um companheiro por porte de drogas. O cantor foi obrigado a se internar em uma clínica para desintoxicação, de onde só saía para participar dos espetáculos programados.
UM NOVO EPISÓDIO DE BEAUTY AND THE BEAST
O canal Universal exibe às 22h o 15º episódio inédito da segunda temporada de Beauty and the beast. Em Catch me if you can, Vincent (Jay Ryan) passa a madrugada procurando por Sam (Tom Everett Scott). J. T. (Austin Basis) descobre que seu amigo invadiu o sistema de segurança da polícia já que não quer rastreá-lo com seus sentidos de "fera". O ex-médico conta a J. T. que precisa provar a Cat (Kristin Kreuk) que é mais humano do que "fera" e, por isso, continua buscando pelo criminoso de uma maneira que as pessoas "comuns" poderiam fazer.
EVOLUÇÃO DA MODA NO PROGRAMA DO E!
Apresentado pela ex-modelo Giselle Hermeto, o Conexão da moda é uma produção nacional que aborda a evolução da moda brasileira. Neste episódio que vai ao ar às 22h30, no canal E!, o tema será “Tendências da moda.” Em destaque, as mudanças na indústria brasileira desde os anos 1960, o que foi sucesso, o que não deu certo e o que está voltando à cena, com diversos convidados de peso como os estilistas Paola Arroba (Poko Pano), Tufi Duek, Benny Rosset (CIA Marítima) e Samuel Cirnansck; a artista plástica Marisu Buquet; e a modelo Carol Ribeiro.
MAIS NOVIDADES NA SÉRIE INFANTIL DOKI
Novos episódios da série Doki entram no ar hoje no Discovery Kids. Qualquer acontecimento corriqueiro pode significar o início de uma nova aventura. Os integrantes do Clube Mundial de Expedição estão reunidos em seu clubinho e, de repente, surge uma dúvida que marca o início de uma jornada para desvendar os mistérios da ciência, arte, natureza e música: o que é a seda? De onde vêm os elásticos? Por que um balão às vezes deixa de flutuar? De onde vem a baunilha? Os episódios são exibidos sempre de segunda a sexta, às 11h.
Caras & Bocas
Candidato a galã
Filho de peixe, peixinho é? Vamos ver. Em Meu pedacinho de chão, novela que vai substituir Joia rara (Globo) em 7 de abril, Gabriel Sater, filho de um dos mais importantes violeiros do país, Almir Sater, faz sua estreia na telinha e em novelas. O pai também fez bonito em novelas como Pantanal e A história de Ana Raio e Zé Trovão, ambas na extinta Manchete, além de O rei do gado (Globo). Aos 32 anos, Gabriel, que herdou a beleza do pai, viverá no remake de Benedito Ruy Barbosa o violeiro andante Viramundo. “Meu pai disse para eu me entregar assim como me dedico à música. Nunca mais serei o mesmo”, disse. Na história, Viramundo se apaixonará por Milita, personagem da modelo Cinthia Dicker, filha de Giácomo, vivido por Antônio Fagundes.
AINDA POR CIMA LC É UM FRIO E CRUEL ASSASSINO
Como se não bastassem as monstruosidades das quais é capaz na comunidade, LC (Antônio Calloni) também é um frio e cruel assassino. No capítulo de amanhã de Além do horizonte (Globo), Lili (Juliana Paiva) vai descobrir que seu pai matou a mãe de Fátima (Yanna Lavigne), de quem era amante. Ela foi a primeira vítima da tal "besta de Tapiré" que inventaram na região. A mulher comandava um bordel e enviava algumas de suas garotas para servirem de cobaias para a máquina de LC. Com um desentendimento entre eles, o pai de Lili acabou matando a amante, que era mulher de Kléber (Marcello Novaes), o pai de Fátima.
SÉRIE ESPECIAL SOBRE GOLPE MILITAR NO BRASIL
O golpe militar completa, hoje, 50 anos, e o SBT Brasil, a partir das 19h45, exibe uma série de reportagens especiais, Silêncio da ditatura. O repórter Fábio Diamante vai mostrar documentos inéditos sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog, o massacre dos índios pelos militares e as ruínas de um presídio construído pela ditadura dentro de uma aldeia. E ainda: a história do doente mental que ficou internado durante 37 anos em um manicômio judicial, acusado por crimes cometidos no período.
PERÍODO DE DITADURA RELEMBRADO PELA TV
Os programas Opinião Minas e Agenda, da Rede Minas, também vão relembrar o golpe militar no Brasil. O primeiro, às 8h15, recorda os anos de chumbo em conversa com Cláudio Antônio de Almeida, membro da Comissão da Verdade, da Universidade de Brasília. Ele fala sobre o trabalho de resgatar a história das pessoas que tiveram seus direitos humanos agredidos durante o período. Já o Agenda, às 19h30, estreia série de reportagens que mostra como o cinema, a música e o teatro abordaram o tema nas artes. A TV Brasil destaca o assunto com a série Militares pela democracia, de Sílvio Tendler, que apresenta os homens do Exército, da Marinha e da Aeronáutica que sofreram ao reagir ao golpe dentro dos quartéis. São cinco episódios, de hoje a sexta-feira, às 23h30. Já no Canal Brasil, às 22h, será exibido o documentário Dossiê Jango, de Paulo Henrique Fontenelle.
OUTRO LADO
Acusado de causar clima tenso nos bastidores da novela Em família (Globo), o ator Gabriel Braga Nunes falou sobre o assunto. “Não tenho nem o que dizer sobre essas notícias, porque simplesmente não aconteceu nada. Não existe mau relacionamento. Nossa novela é ótima e o ambiente de trabalho também”, disse. Ele explicou que tem grandes amigos na equipe e definiu os profissionais como “absolutamente talentosos”. Há alguns dias, rumores davam conta de que Gabriel criava problemas de relacionamento com os atores Ana Beatriz Nogueira, Helena Ranaldi e Humberto Martins. Este último foi o único a desmentir um suposto conflito entre eles.
VIVA - A “lama gulosa" que tragou o vilão Hermes (Alexandre Nero) em Além do horizonte. Recurso cenográfico e tanto!
VAIA - Paulinha, personagem de Christiana Ubach, em Além do horizonte desapareceu da trama. E rendia bem como vilã.
Eduardo Almeida Reis - Quinquagésimo
Estado de Minas: 31/03/2014
Carioca de família libanesa, Antônio Houaiss (1915-1999), diplomata, filólogo, gourmet, tradutor, lexicógrafo e acadêmico diz que o numeral quinquagésimo é latim clássico quinquagesìmus,a,um “quinquagésimo, um de cinquenta”, este de quinquaginta “cinquenta”.
Hoje temos o quinquagésimo aniversário do movimento militar (cível e cívico) de 1964, sem o qual o Brasil se transformaria num imenso Vietnã. Opinião que não é minha, mas do general de exército Oswaldo Muniz Oliva, pai deste menino Aloizio Mercadante Oliva, ministro da Casa Civil do governo Rousseff. Consta que é o único ministro que não se borra de medo das bossyboots da chefa. Que tal: gostaram de bossyboots? Significa domineering person ou pessoa dominante.
Em agosto, teremos o sexagésimo aniversário do suicídio de Getúlio Vargas, que decidiu sair da vida para entrar na história quando viu que a situação não estava boa para o país e para ele. Antes que a Comissão da Verdade se lembre de analisar os ossos de Getúlio para ver se o presidente foi envenenado pelos militares, convém transcrever reflexão do gênio de Abgar Renault: “Getúlio Vargas estava deposto e perdido, sem remédio, a partir do instante em que usou, na carta testamento, o verbo obstaculizar”.
Realmente, o verbo obstaculizar deveria ser proibido por lei. Só pode ter sido gauchismo do Dr. Getúlio, considerando que o Diccionario da Real Academia Española abona obstaculizar: 1. tr. Impedir o dificultar la consecución de un propósito. Houaiss também abona e diz que é regionalismo brasileiro, motivo pelo qual, visando a não obstaculizar a análise dos leitores mais jovens sobre o que havia neste país antes de 1964 e sobre o que se vê no ano da Copa das Copas, enquanto philosopho tiro o meu time do campo.
A conjunção enquanto, significando “na qualidade de”, andou em moda neste país grande e bobo. Ninguém dava opinião sobre futebol ou papel higiênico sem dizer que opinava “enquanto cidadão”, “enquanto engenheiro”, “enquanto atleta”. Logo surgiram os implicantes, enquanto críticos dos modismos, dos vícios de linguagem, para criticar o lexema que entrou em nosso idioma no século 13. Deve ser papa fina, porque o encontrei com o sentido de “na qualidade de” num texto do padre Vieira.
Espanto!
Contratei um serviço doméstico por R$ 2.600: R$ 500 de material, R$ 2.100 de mão de obra. Antes, expliquei o serviço a um construtor amigo, que me disse estar o orçamento razoável. Iniciado o trabalho, antes mesmo de chegar o material a operadora de forno e fogão veio ao escritório para dizer que “aquele moço” queria falar comigo.
Fi-lo adentrar o recinto sagrado em que o philosopho philosopha para ouvir o seguinte: “Fui criado na escola da honestidade e vim dizer ao senhor que descobri o problema do vazamento. Portanto, se eu remendar o ponto que vaza, é menos material, menos mão de obra e o serviço por mil reais está bem pago”. Pode? Tem cabimento uma coisa dessas na República Federativa do Brasil?
Um pedreiro honesto... Fiquei com ódio do mineiro, porque não há nada que mais nos aborreça do que encontrar o nosso defeito nos outros. O agiota odeia o onzenário, o larápio odeia o ladrão, o pastor da Universal nem pode ouvir falar do pastor da Mundial. Mandei tocar o conserto pelos R$ 2.600 e disse ao pedreiro perplexo: “Aqui na casa, para honestidade, só eu!”. Nem ao menos fui original, porque um personagem do Eça não permitia barulhos que incomodassem o alto filosofar dos seus amigos. E descia as escadas com um porrete para espantar da rua os barulhentos, dizendo: “Aqui na casa, para bordoada, só eu!”.
O mundo é uma bola
31 de março de 627: início da Batalha de Trincheira, o cerco a Medina pelos inimigos de Maomé. Em 1146, Bernardo de Claraval prega em um campo de Vézalay aquele que seria o seu famoso sermão ressaltando a necessidade de empreender uma Segunda Cruzada. Luís VII, presente, se junta aos cruzados.
Uma das personalidades mais influentes do século 12, santo e doutor da Igreja, Bernardo de Claraval (1090-1153) foi quem escreveu a regra dos templários e outras obras como o Tratado do amor de Deus. Compositor ou redator do hino Ave Maris Stella foi o autor da invocação Ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria, da salve-rainha.
Em 1744, pela Guerra da Independência dos Estados Unidos, o Reino da Grã-Bretanha ordena o fechamento do Porto de Boston, Massachusetts. Fosse hoje prejudicaria um sem-conto de brasileiros que vivem em Boston. Em 1821, por uma sessão extraordinária das Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, foi extinta a Inquisição em Portugal. O decreto de extinção foi aprovado por unanimidade de votos. Em 1849, início do Moderno Espiritualismo. Em 1889, inauguração em Paris da Torre Eiffel por Gustave Eiffel, que a projetou. Em 1727 morreu Si Isaac Newton.
Hoje é o Dia da Doutrina Espírita, o Dia da Integração Nacional e o Dia da Saúde e Nutrição.
Ruminanças
“Todos, só porque falam, creem poder falar da língua também” (Goethe, 1749-1832).
Carioca de família libanesa, Antônio Houaiss (1915-1999), diplomata, filólogo, gourmet, tradutor, lexicógrafo e acadêmico diz que o numeral quinquagésimo é latim clássico quinquagesìmus,a,um “quinquagésimo, um de cinquenta”, este de quinquaginta “cinquenta”.
Hoje temos o quinquagésimo aniversário do movimento militar (cível e cívico) de 1964, sem o qual o Brasil se transformaria num imenso Vietnã. Opinião que não é minha, mas do general de exército Oswaldo Muniz Oliva, pai deste menino Aloizio Mercadante Oliva, ministro da Casa Civil do governo Rousseff. Consta que é o único ministro que não se borra de medo das bossyboots da chefa. Que tal: gostaram de bossyboots? Significa domineering person ou pessoa dominante.
Em agosto, teremos o sexagésimo aniversário do suicídio de Getúlio Vargas, que decidiu sair da vida para entrar na história quando viu que a situação não estava boa para o país e para ele. Antes que a Comissão da Verdade se lembre de analisar os ossos de Getúlio para ver se o presidente foi envenenado pelos militares, convém transcrever reflexão do gênio de Abgar Renault: “Getúlio Vargas estava deposto e perdido, sem remédio, a partir do instante em que usou, na carta testamento, o verbo obstaculizar”.
Realmente, o verbo obstaculizar deveria ser proibido por lei. Só pode ter sido gauchismo do Dr. Getúlio, considerando que o Diccionario da Real Academia Española abona obstaculizar: 1. tr. Impedir o dificultar la consecución de un propósito. Houaiss também abona e diz que é regionalismo brasileiro, motivo pelo qual, visando a não obstaculizar a análise dos leitores mais jovens sobre o que havia neste país antes de 1964 e sobre o que se vê no ano da Copa das Copas, enquanto philosopho tiro o meu time do campo.
A conjunção enquanto, significando “na qualidade de”, andou em moda neste país grande e bobo. Ninguém dava opinião sobre futebol ou papel higiênico sem dizer que opinava “enquanto cidadão”, “enquanto engenheiro”, “enquanto atleta”. Logo surgiram os implicantes, enquanto críticos dos modismos, dos vícios de linguagem, para criticar o lexema que entrou em nosso idioma no século 13. Deve ser papa fina, porque o encontrei com o sentido de “na qualidade de” num texto do padre Vieira.
Espanto!
Contratei um serviço doméstico por R$ 2.600: R$ 500 de material, R$ 2.100 de mão de obra. Antes, expliquei o serviço a um construtor amigo, que me disse estar o orçamento razoável. Iniciado o trabalho, antes mesmo de chegar o material a operadora de forno e fogão veio ao escritório para dizer que “aquele moço” queria falar comigo.
Fi-lo adentrar o recinto sagrado em que o philosopho philosopha para ouvir o seguinte: “Fui criado na escola da honestidade e vim dizer ao senhor que descobri o problema do vazamento. Portanto, se eu remendar o ponto que vaza, é menos material, menos mão de obra e o serviço por mil reais está bem pago”. Pode? Tem cabimento uma coisa dessas na República Federativa do Brasil?
Um pedreiro honesto... Fiquei com ódio do mineiro, porque não há nada que mais nos aborreça do que encontrar o nosso defeito nos outros. O agiota odeia o onzenário, o larápio odeia o ladrão, o pastor da Universal nem pode ouvir falar do pastor da Mundial. Mandei tocar o conserto pelos R$ 2.600 e disse ao pedreiro perplexo: “Aqui na casa, para honestidade, só eu!”. Nem ao menos fui original, porque um personagem do Eça não permitia barulhos que incomodassem o alto filosofar dos seus amigos. E descia as escadas com um porrete para espantar da rua os barulhentos, dizendo: “Aqui na casa, para bordoada, só eu!”.
O mundo é uma bola
31 de março de 627: início da Batalha de Trincheira, o cerco a Medina pelos inimigos de Maomé. Em 1146, Bernardo de Claraval prega em um campo de Vézalay aquele que seria o seu famoso sermão ressaltando a necessidade de empreender uma Segunda Cruzada. Luís VII, presente, se junta aos cruzados.
Uma das personalidades mais influentes do século 12, santo e doutor da Igreja, Bernardo de Claraval (1090-1153) foi quem escreveu a regra dos templários e outras obras como o Tratado do amor de Deus. Compositor ou redator do hino Ave Maris Stella foi o autor da invocação Ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria, da salve-rainha.
Em 1744, pela Guerra da Independência dos Estados Unidos, o Reino da Grã-Bretanha ordena o fechamento do Porto de Boston, Massachusetts. Fosse hoje prejudicaria um sem-conto de brasileiros que vivem em Boston. Em 1821, por uma sessão extraordinária das Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, foi extinta a Inquisição em Portugal. O decreto de extinção foi aprovado por unanimidade de votos. Em 1849, início do Moderno Espiritualismo. Em 1889, inauguração em Paris da Torre Eiffel por Gustave Eiffel, que a projetou. Em 1727 morreu Si Isaac Newton.
Hoje é o Dia da Doutrina Espírita, o Dia da Integração Nacional e o Dia da Saúde e Nutrição.
Ruminanças
“Todos, só porque falam, creem poder falar da língua também” (Goethe, 1749-1832).
Tu me ensinas a fazer renda?
A arte feita com a linha e a agulha se
transformou em boa fonte de ganhos para mulheres do interior de Minas.
Em mais de 80% dos municípios do estado há bordadeiras que dão vida à
atividade
Marta Vieira
Estado de Minas: 31/03/2014
Com todos os tropeços recentes da economia globalizada, as mulheres rendeiras e bordadeiras de Minas Gerais e do Brasil, que se firmaram na arte introduzida no país pelos portugueses e inspiraram a cultura e a música, podem dar boas aulas de educação financeira. A atividade, tão antiga e ainda repassada de mãe para filha, garante emprego e renda em centenas de municípios, resistindo à ameaça de morrer pelas mãos das gerações mais jovens, que não desgrudam da internet. A tradição, o amor pelo traçado de agulhas e linhas e a independência financeira conquistada tornaram conhecidos em todo o país grupos de profissionais da renda e do bordado das cidades de Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte; Barra Longa, na Zona da Mata mineira, e Barroso, na Região Central de Minas.
Mestra das artesãs da renda turca de bicos, protegida como bem cultural de natureza imaterial em Sabará, a mineira Nilza Starling Almeida, de 87 anos, não vacila na cadência de agulha e linha e nem mesmo ao se recordar de algumas das mais de 200 alunas a quem ensinou nos últimos 30 anos na cidade histórica. “Continuo gostando de desafios. Vou fazer 88 anos e o dia em que não dou alguns pontos não passa. Isso é que está me segurando”, repete durante os encontros às segundas e quartas-feiras com as 15 mulheres do grupo Requifife – Rendas e Bordados Finos.
Artesã e líder administrativa do grupo, a filha Nayla Starling diz que não há como atender todo o volume de encomendas que chega, incluindo intermediários de clientes da França, Itália, Portugal e da Holanda. O portfólio é variado e rico em criatividade, oferecendo de toalhas de mão vendidas por R$ 30 a vestidos infantis comercializados a R$ 200. Uma única toalha de rosto pode consumir oito horas de trabalho e encantar do público que frequenta a Casa de Cultura de Sabará aos visitantes da Feira Nacional de Artesanato, realizada todo ano em BH, ou de outros eventos das quais o grupo participa. “Não tiramos férias do bordado. É como terapia, além de ajudar na vida financeira”, diz Nayla.
Os poucos dados mais recentes sobre a importância do artesanato dos bordados para o emprego e a renda dos brasileiros indicam que a atividade despontou, praticada em 74,2% dos municípios, em 2012, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ela constitui traço da cultura nacional, alcançando 93% dos municípios de Sergipe, o campeão no desenvolvimento dessa arte, e 82,1% das cidades do Espírito Santo. Minas é o terceiro colocado. Há bordadeiras no pleno exercício da profissão em 695 dos 853 municípios, quer dizer, em 81,5% do total. A abrangência do trabalho supera com larga vantagem o artesanato em madeira, que estava presente em 33,7% do país em 2012.
DO CRIVO AO RICHELIEU Não foi sem esforço que Barra Longa passou a ser conhecida como capital brasileira da renda. Há quem garanta que a atividade é a segunda em geração de emprego e renda na cidade produtora de leite, com seus 6 mil habitantes. Seja na área rural, seja dentro do perímetro urbano, não há casa que se preze sem mulheres afiadas na confecção de peças em crivo, fuxico e renda richelieu, assim chamada em referência ao gosto pelos tecidos de linho de fino acabamento do lendário cardeal francês de Richelieu, conselheiro do rei Luiz XIII no século 17.
A Associação Barralonguense de Bordadeiras e Artesãos (Abba), criada em 2003, nasceu do empenho de mulheres como Maria Aparecida Lanna para fortalecer a produção e o comércio, que tem raízes na era da mineração de ouro na região. “Está no sangue. Vendemos pastel e organizamos bazar para conseguir os recursos e registrar a associação”, conta a artesã.
A organização trouxe benefícios, como o acesso aos cursos de empreendedorismo do Sebrae, facilitando também a participação em feiras e eventos. A compra coletiva de matérias-primas (linhas e tecidos) direto das fábricas barateou o custo de produção das peças. Com patrocínio da Samarco Mineração, em 2010 a associação adquiriu máquina de overloc para acabamento, que o grupo usa de forma coletiva. As bordadeiras atendem demanda de diversos municípios, a exemplo de Santo Antônio do Grama, Santa Margarida, Guiricema e Acaiaca.
Em Barroso, na Região Central de Minas, a Associação Ortópolis Barroso apoia o trabalho tradicional dos bordados. A artesã Eliana Ladinho Vale de Melo aderiu à legislação do microempreendedor em setembro do ano passado e já contrata os serviços de crochê de outras bordadeiras do município para dar conta de atender os pedidos. O marido, Geraldo dos Reis Melo, se associou no negócio, confeccionando as bases de madeira usadas em bandejas, porta-copos, caixas de bijuteria e maquiagem. O momento, agora, é pensar em como expandir a produção, conta Eliana. “Preciso de mais gente para trabalhar comigo. Há 50 anos faço do crochê um trabalho prazeroso e que complementa a renda da minha família”, afirma.
Horas e horas de dedicação
Professoras, costureiras, aposentadas de diversas áreas, donas de casa e empregadas domésticas trocaram a profissão pela arte da renda e do bordado ou conciliam as duas jornadas de trabalho, dedicando muitas vezes mais de 10 horas por dia à agulha e linha. Em Sabará, 20 anos de aprendizado separam a dona de casa Cacilda Geralda Ribeiro Muller, de 57 anos, hoje uma professora da técnica da renda turca de bico, e a aposentada Agda Jesus Viana, de 62, que se tornou aluna no grupo Requifife há um ano. Os objetivos são comuns, de aliar o prazer de tecer ou tricotar à complementação de rendimentos em casa.
“Quero me aperfeiçoar cada vez mais e ensino quem quiser aprender”, diz Cacilda, que recebe mais encomendas do que dá conta de atender. Agda já fazia peças em crochê quando surgiu o desejo de ampliar as possibilidades de reforçar a atividade como um negócio. “Quero ensinar minhas sobrinhas para que elas possam conciliar a renda com o trabalho delas e ajudar na independência financeira”, afirma. Ao grupo comandado por Nilza Starling se juntaram com o mesmo desejo Nely Avelino Magalhães, de 77, Geralda Agostinha Teixeira, de 64, e Lira Magalhães Soares, de 68.
“Com o bordado ganho meu dinheiro e pago contas”, diz Maria Aparecida Lana, que, além do trabalho artesanal, se empenha em conquistar mais apoio para a Associação Barralonguense de Bordadeiras e Artesãos, da qual é tesoureira, com a experiência vivida como professora e funcionária pública durante 14 anos. As peças requerem concentração e dedicação de no mínimo quatros horas no bordado de um guardanapo. As artesãs bordam toalhas de mesa, panos de prato, jogo americano de mesa e toalhas para lavabo, entre outras peças. Os preços variam de R$ 15 a
R$ 800. Não bastasse o desafio de competir com a produção chinesa, que inunda o mercado brasileiro, elas buscam patrocínio para o grupo poder, principalmente, continuar mostrando ao Brasil a beleza dos bordados feitos em Barra Longa. (MV)
Marta Vieira
Estado de Minas: 31/03/2014
A renda turca de bicos está entre as especialidades das artesãs, que trabalham duro para atender a demanda |
Com todos os tropeços recentes da economia globalizada, as mulheres rendeiras e bordadeiras de Minas Gerais e do Brasil, que se firmaram na arte introduzida no país pelos portugueses e inspiraram a cultura e a música, podem dar boas aulas de educação financeira. A atividade, tão antiga e ainda repassada de mãe para filha, garante emprego e renda em centenas de municípios, resistindo à ameaça de morrer pelas mãos das gerações mais jovens, que não desgrudam da internet. A tradição, o amor pelo traçado de agulhas e linhas e a independência financeira conquistada tornaram conhecidos em todo o país grupos de profissionais da renda e do bordado das cidades de Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte; Barra Longa, na Zona da Mata mineira, e Barroso, na Região Central de Minas.
Mestra das artesãs da renda turca de bicos, protegida como bem cultural de natureza imaterial em Sabará, a mineira Nilza Starling Almeida, de 87 anos, não vacila na cadência de agulha e linha e nem mesmo ao se recordar de algumas das mais de 200 alunas a quem ensinou nos últimos 30 anos na cidade histórica. “Continuo gostando de desafios. Vou fazer 88 anos e o dia em que não dou alguns pontos não passa. Isso é que está me segurando”, repete durante os encontros às segundas e quartas-feiras com as 15 mulheres do grupo Requifife – Rendas e Bordados Finos.
Artesã e líder administrativa do grupo, a filha Nayla Starling diz que não há como atender todo o volume de encomendas que chega, incluindo intermediários de clientes da França, Itália, Portugal e da Holanda. O portfólio é variado e rico em criatividade, oferecendo de toalhas de mão vendidas por R$ 30 a vestidos infantis comercializados a R$ 200. Uma única toalha de rosto pode consumir oito horas de trabalho e encantar do público que frequenta a Casa de Cultura de Sabará aos visitantes da Feira Nacional de Artesanato, realizada todo ano em BH, ou de outros eventos das quais o grupo participa. “Não tiramos férias do bordado. É como terapia, além de ajudar na vida financeira”, diz Nayla.
Os poucos dados mais recentes sobre a importância do artesanato dos bordados para o emprego e a renda dos brasileiros indicam que a atividade despontou, praticada em 74,2% dos municípios, em 2012, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ela constitui traço da cultura nacional, alcançando 93% dos municípios de Sergipe, o campeão no desenvolvimento dessa arte, e 82,1% das cidades do Espírito Santo. Minas é o terceiro colocado. Há bordadeiras no pleno exercício da profissão em 695 dos 853 municípios, quer dizer, em 81,5% do total. A abrangência do trabalho supera com larga vantagem o artesanato em madeira, que estava presente em 33,7% do país em 2012.
DO CRIVO AO RICHELIEU Não foi sem esforço que Barra Longa passou a ser conhecida como capital brasileira da renda. Há quem garanta que a atividade é a segunda em geração de emprego e renda na cidade produtora de leite, com seus 6 mil habitantes. Seja na área rural, seja dentro do perímetro urbano, não há casa que se preze sem mulheres afiadas na confecção de peças em crivo, fuxico e renda richelieu, assim chamada em referência ao gosto pelos tecidos de linho de fino acabamento do lendário cardeal francês de Richelieu, conselheiro do rei Luiz XIII no século 17.
A Associação Barralonguense de Bordadeiras e Artesãos (Abba), criada em 2003, nasceu do empenho de mulheres como Maria Aparecida Lanna para fortalecer a produção e o comércio, que tem raízes na era da mineração de ouro na região. “Está no sangue. Vendemos pastel e organizamos bazar para conseguir os recursos e registrar a associação”, conta a artesã.
A organização trouxe benefícios, como o acesso aos cursos de empreendedorismo do Sebrae, facilitando também a participação em feiras e eventos. A compra coletiva de matérias-primas (linhas e tecidos) direto das fábricas barateou o custo de produção das peças. Com patrocínio da Samarco Mineração, em 2010 a associação adquiriu máquina de overloc para acabamento, que o grupo usa de forma coletiva. As bordadeiras atendem demanda de diversos municípios, a exemplo de Santo Antônio do Grama, Santa Margarida, Guiricema e Acaiaca.
Em Barroso, na Região Central de Minas, a Associação Ortópolis Barroso apoia o trabalho tradicional dos bordados. A artesã Eliana Ladinho Vale de Melo aderiu à legislação do microempreendedor em setembro do ano passado e já contrata os serviços de crochê de outras bordadeiras do município para dar conta de atender os pedidos. O marido, Geraldo dos Reis Melo, se associou no negócio, confeccionando as bases de madeira usadas em bandejas, porta-copos, caixas de bijuteria e maquiagem. O momento, agora, é pensar em como expandir a produção, conta Eliana. “Preciso de mais gente para trabalhar comigo. Há 50 anos faço do crochê um trabalho prazeroso e que complementa a renda da minha família”, afirma.
Em Sabará, Nilza Starling e sua filha, Nayla (em pé) ensinam as técnicas e o capricho a Nely, Geralda, Agda, Lira e Cacilda |
Horas e horas de dedicação
Professoras, costureiras, aposentadas de diversas áreas, donas de casa e empregadas domésticas trocaram a profissão pela arte da renda e do bordado ou conciliam as duas jornadas de trabalho, dedicando muitas vezes mais de 10 horas por dia à agulha e linha. Em Sabará, 20 anos de aprendizado separam a dona de casa Cacilda Geralda Ribeiro Muller, de 57 anos, hoje uma professora da técnica da renda turca de bico, e a aposentada Agda Jesus Viana, de 62, que se tornou aluna no grupo Requifife há um ano. Os objetivos são comuns, de aliar o prazer de tecer ou tricotar à complementação de rendimentos em casa.
“Quero me aperfeiçoar cada vez mais e ensino quem quiser aprender”, diz Cacilda, que recebe mais encomendas do que dá conta de atender. Agda já fazia peças em crochê quando surgiu o desejo de ampliar as possibilidades de reforçar a atividade como um negócio. “Quero ensinar minhas sobrinhas para que elas possam conciliar a renda com o trabalho delas e ajudar na independência financeira”, afirma. Ao grupo comandado por Nilza Starling se juntaram com o mesmo desejo Nely Avelino Magalhães, de 77, Geralda Agostinha Teixeira, de 64, e Lira Magalhães Soares, de 68.
“Com o bordado ganho meu dinheiro e pago contas”, diz Maria Aparecida Lana, que, além do trabalho artesanal, se empenha em conquistar mais apoio para a Associação Barralonguense de Bordadeiras e Artesãos, da qual é tesoureira, com a experiência vivida como professora e funcionária pública durante 14 anos. As peças requerem concentração e dedicação de no mínimo quatros horas no bordado de um guardanapo. As artesãs bordam toalhas de mesa, panos de prato, jogo americano de mesa e toalhas para lavabo, entre outras peças. Os preços variam de R$ 15 a
R$ 800. Não bastasse o desafio de competir com a produção chinesa, que inunda o mercado brasileiro, elas buscam patrocínio para o grupo poder, principalmente, continuar mostrando ao Brasil a beleza dos bordados feitos em Barra Longa. (MV)
SAÚDE / O PESO DO JALECO » Alta resistência em buscar ajuda
Sensação de onipotência diante dos
pacientes leva médicos a esenvolverem quadros psiquiátricos. Para
'curar' a angústia, muitos se refugiam na morfina e nos remédios tarja
preta, sem procurar tratamento
Luciane Evans
Estado de Minas: 31/03/2014
“Minha primeira depressão foi durante o quarto ano de medicina. Além dela, tenho transtorno bipolar. Meu quadro depressivo já foi tão grave que pensaram no tratamento com eletrochoque. O momento mais crítico foi quando fiquei afastada do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). Já pensei em me matar, mas sempre me cuidei. Tive câncer de intestino também. Hoje, estou curada. Tenho terapeuta, tomo meus remédios e, quando não estou bem, cancelo todos os meus pacientes.”
O depoimento é de uma das psiquiatras mais reconhecidas e respeitadas no meio médico do país. Doutora em medicina pela Universidade de São Paulo e psiquiatra da Associação Brasileira de Psiquiatria, Alexandrina Meleiro não culpa a profissão pelos seus transtornos, mas reconhece que a carreira é um gatilho para a saúde mental dos profissionais de saúde. É dela um dos poucos estudos brasileiros sobre o suicídio entre os médicos. Sua tese de doutorado, defendida em 1998, mostrou que o índice de autoextermínio entre a classe é cinco vezes maior do que na população geral. Dezesseis anos depois, segundo ela, nada mudou.
A mais recente pesquisa feita no país, em 2009, reforça o que Alexandrina defendeu na década de 1990. Levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) revelou que a população médica brasileira tem taxas de suicídio e tentativas superiores à da população geral. Além disso, o estudo mostrou um predomínio de mortes entre médicos homens na faixa de 70 a 90 anos, no período de 2000 a 2009. Entre as mulheres médicas, os óbitos preponderaram na faixa de 40 a 60 anos no mesmo período. “Hoje, nós, psiquiatras, trazemos esse problema à tona. Nossa preocupação sobre isso tem aumentado”, afirma a especialista, que diz não se tratar de um alarde, mas de uma estratégia para convencer os médicos a buscarem socorro. Por isso, foi realizada no fim de semana passado a I Jornada Brasileira de Saúde Mental dos Médicos, em Nova Lima, na Grande Belo Horizonte. “Existe a resistência por parte da população em aceitar que as pessoas nas quais confia sua saúde podem vir a ter doenças mentais”, afirma Alexandrina.
Neste segundo e último dia da série “O peso do jaleco”, o Estado de Minas aborda os transtornos mentais em médicos formados. Em 2004, trabalho feito na Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) mostrou que entre homens e mulheres de branco ambos apresentam taxas similares de uso nocivo e dependência de substâncias psicotrópicas em relação à população geral. A incidência varia entre 8% e 14%. O estudo coletou dados de 198 médicos em tratamento ambulatorial por uso nocivo e dependência química.
A frequência de uso nocivo e dependência de opioides (anestésicos derivados da morfina) e benzodiazepínicos (conhecidos como tranquilizantes de tarja preta) é aproximadamente cinco vezes maior entre os médicos que na população geral. “Existe um pacto de silêncio. Não se comenta isso na medicina, o que é ruim. Se na sua família há um médico que abusa do álcool ou de remédios, os familiares não se preocupam, porque pensam que, por ele ser da classe médica, sabe se cuidar”, comenta o psiquiatra, professor da Faculdades de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e da USP José Raimundo Lippi. De acordo com ele, quando o médico chega a pedir ajuda, “está em estado deplorável. Ele já caminha para a angústia, não dorme direito e tem dores”. Ele se lembra de um colega que morreu de dengue recentemente. “Ele foi diagnosticado com a doença, mas não tomou providências com antecedência”, conta, frisando ser esse um exemplo da sensação de imortalidade desses profissionais.
SINAIS De acordo com o psiquiatra, há alguns sinais que são detectáveis para saber se um médico está ou não bem. “Os próprios colegas podem reparar isso. Atraso frequente no trabalho, faltas não justificadas, ressacas constantes e redução no desempenho no trabalho são alguns deles”, enumera, alertando os familiares para que fiquem atentos também. “Quem precisa de ajuda geralmente piora a qualidade de vida em família. Começam a aparecer sintomas físicos, a pessoa fica mais solitária e desaparece do hospital ou do consultório sem que ninguém saiba”, acrescenta.
Especialistas mais vulneráveis
Os profissionais médicos mais vulneráveis aos transtornos são os especialistas em anestesia, urgência e emergência e psiquiatria. “São profissionais que têm acesso mais fácil às drogas, lidam por muitas horas com a morte e com as doenças mentais”, comenta José Raimundo Lippi. Segundo o presidente da Sociedade de Anestesiologia de Minas Gerais, Jaci Custódio, hoje em dia o médico vive em constante estresse, por isso o “ fundo do poço”. Ele diz, ainda, que o quadro é agravado, por exemplo, no caso dos anestesistas, pelo baixo salário. “Em uma cirurgia de hérnia, o trabalhador ganha R$ 260 para duas horas de atuação. Além disso, temos um doente em nossas mãos e não temos o direito de errar. Somos piloto de avião. As pessoas entregam suas vidas para nós e estamos trabalhando em locais sem segurança alguma”, denuncia.
Custódio é anestesista e diz que sempre faz uma autoanálise. “Não posso me permitir ter depressão. Não aceito. Quando vejo algum sintoma, tento ficar bem. O álcool faz parte da vida nos fins de semana. Mas não tenho dependência. Buscar ajuda de um psiquiatra é uma ida sem volta”, critica. José Raimundo Lippi afirma que a depressão é a doença mental mais comum entre os médicos, inclusive entre os psiquiatras. “Todos são suscetíveis a patologias de ordem mental, principalmente aqueles que não se cuidam. É importante lembrar que o remédio cuida do sintoma, mas as causas precisam de atenção na psicoterapia. O médico pode ser um bom ‘receitador’, mas se não souber o que o cliente tem, não vai resolver o problema.” Por isso, para ele, a automedicação não deve ser vista como solução.
Para Alexandrina Meleiro, apesar de o autoextermínio envolver questões socioculturais, genéticas, psicodinâmicas, filosóficas, existenciais e ambientais, a doença mental é um fator de vulnerabilidade na quase totalidade dos casos. “O diagnóstico precoce e o tratamento correto da depressão (patologia mais encontrada nos suicídios) são uma das maneiras mais eficazes de prevenir o autoextermínio. O mesmo serve para a dependência de álcool e outras drogas.” Ela reconhece a resistência dos médicos em procurar ajuda psiquiátrica temendo serem estigmatizados. “Eles tentam primeiro automedicar-se ou fazer uma consulta informal com algum colega. Só procuram ajuda adequada quando a situação se torna insustentável.”
VIOLÊNCIA De acordo com o diretor de comunicação do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais e médico da família André Christiano, muitas são as queixas da categoria. “Além da alta carga de trabalho e baixa remuneração, há, ainda, muitos profissionais sendo vítimas da violência de pacientes. Agressões físicas e verbais”, diz. Christiano acrescenta que são muitos os médicos que usam os medicamentos como forma de camuflar o problema. “Isso nos preocupa bastante. Tem havido muito afastamento do emprego por causa de saúde. No ano passado, soubemos que os médicos eram os que mais se afastaram do trabalho na capital, passando até mesmo os professores”, compara.
DROGAS ENTRE MÉDICOS
Principais substâncias mais consumidas entre 198 médicos. Os dados são de um estudo feito em 2004, na Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Escola Paulista de Medicina (Unifesp), intitulado Perfil clínico e demográfico de médicos com dependência química.
Álcool
» Dependência: 97 casos – 48,8%
» Uso nocivo: 47 casos – 23,7%
» Total: 144 casos – 72,7%
Cocaína
» Dependência: 42 casos – 21,2%
» Uso nocivo: 21 casos – 10, 2%
» Total: 63 casos – 31,8%
Benzodiazepínicos (BZD)
» Dependência: 31 casos – 15,6%
» Uso nocivo: 25 casos – 12,6%
» Total: 56 casos – 28,2%
Opiáceos (morfina)
» Dependência: 45 casos – 22,7%
» Uso nocivo: 8 casos – 4%
» Total: 53 casos – 26,7%
Luciane Evans
Estado de Minas: 31/03/2014
Psiquiatra Alexandrina Meleiro diz que estresse na carreira de medicina é gatilho para a saúde mental dos profissionais |
“Minha primeira depressão foi durante o quarto ano de medicina. Além dela, tenho transtorno bipolar. Meu quadro depressivo já foi tão grave que pensaram no tratamento com eletrochoque. O momento mais crítico foi quando fiquei afastada do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). Já pensei em me matar, mas sempre me cuidei. Tive câncer de intestino também. Hoje, estou curada. Tenho terapeuta, tomo meus remédios e, quando não estou bem, cancelo todos os meus pacientes.”
O depoimento é de uma das psiquiatras mais reconhecidas e respeitadas no meio médico do país. Doutora em medicina pela Universidade de São Paulo e psiquiatra da Associação Brasileira de Psiquiatria, Alexandrina Meleiro não culpa a profissão pelos seus transtornos, mas reconhece que a carreira é um gatilho para a saúde mental dos profissionais de saúde. É dela um dos poucos estudos brasileiros sobre o suicídio entre os médicos. Sua tese de doutorado, defendida em 1998, mostrou que o índice de autoextermínio entre a classe é cinco vezes maior do que na população geral. Dezesseis anos depois, segundo ela, nada mudou.
A mais recente pesquisa feita no país, em 2009, reforça o que Alexandrina defendeu na década de 1990. Levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) e do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) revelou que a população médica brasileira tem taxas de suicídio e tentativas superiores à da população geral. Além disso, o estudo mostrou um predomínio de mortes entre médicos homens na faixa de 70 a 90 anos, no período de 2000 a 2009. Entre as mulheres médicas, os óbitos preponderaram na faixa de 40 a 60 anos no mesmo período. “Hoje, nós, psiquiatras, trazemos esse problema à tona. Nossa preocupação sobre isso tem aumentado”, afirma a especialista, que diz não se tratar de um alarde, mas de uma estratégia para convencer os médicos a buscarem socorro. Por isso, foi realizada no fim de semana passado a I Jornada Brasileira de Saúde Mental dos Médicos, em Nova Lima, na Grande Belo Horizonte. “Existe a resistência por parte da população em aceitar que as pessoas nas quais confia sua saúde podem vir a ter doenças mentais”, afirma Alexandrina.
Neste segundo e último dia da série “O peso do jaleco”, o Estado de Minas aborda os transtornos mentais em médicos formados. Em 2004, trabalho feito na Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) mostrou que entre homens e mulheres de branco ambos apresentam taxas similares de uso nocivo e dependência de substâncias psicotrópicas em relação à população geral. A incidência varia entre 8% e 14%. O estudo coletou dados de 198 médicos em tratamento ambulatorial por uso nocivo e dependência química.
A frequência de uso nocivo e dependência de opioides (anestésicos derivados da morfina) e benzodiazepínicos (conhecidos como tranquilizantes de tarja preta) é aproximadamente cinco vezes maior entre os médicos que na população geral. “Existe um pacto de silêncio. Não se comenta isso na medicina, o que é ruim. Se na sua família há um médico que abusa do álcool ou de remédios, os familiares não se preocupam, porque pensam que, por ele ser da classe médica, sabe se cuidar”, comenta o psiquiatra, professor da Faculdades de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e da USP José Raimundo Lippi. De acordo com ele, quando o médico chega a pedir ajuda, “está em estado deplorável. Ele já caminha para a angústia, não dorme direito e tem dores”. Ele se lembra de um colega que morreu de dengue recentemente. “Ele foi diagnosticado com a doença, mas não tomou providências com antecedência”, conta, frisando ser esse um exemplo da sensação de imortalidade desses profissionais.
SINAIS De acordo com o psiquiatra, há alguns sinais que são detectáveis para saber se um médico está ou não bem. “Os próprios colegas podem reparar isso. Atraso frequente no trabalho, faltas não justificadas, ressacas constantes e redução no desempenho no trabalho são alguns deles”, enumera, alertando os familiares para que fiquem atentos também. “Quem precisa de ajuda geralmente piora a qualidade de vida em família. Começam a aparecer sintomas físicos, a pessoa fica mais solitária e desaparece do hospital ou do consultório sem que ninguém saiba”, acrescenta.
Especialistas mais vulneráveis
Os profissionais médicos mais vulneráveis aos transtornos são os especialistas em anestesia, urgência e emergência e psiquiatria. “São profissionais que têm acesso mais fácil às drogas, lidam por muitas horas com a morte e com as doenças mentais”, comenta José Raimundo Lippi. Segundo o presidente da Sociedade de Anestesiologia de Minas Gerais, Jaci Custódio, hoje em dia o médico vive em constante estresse, por isso o “ fundo do poço”. Ele diz, ainda, que o quadro é agravado, por exemplo, no caso dos anestesistas, pelo baixo salário. “Em uma cirurgia de hérnia, o trabalhador ganha R$ 260 para duas horas de atuação. Além disso, temos um doente em nossas mãos e não temos o direito de errar. Somos piloto de avião. As pessoas entregam suas vidas para nós e estamos trabalhando em locais sem segurança alguma”, denuncia.
Custódio é anestesista e diz que sempre faz uma autoanálise. “Não posso me permitir ter depressão. Não aceito. Quando vejo algum sintoma, tento ficar bem. O álcool faz parte da vida nos fins de semana. Mas não tenho dependência. Buscar ajuda de um psiquiatra é uma ida sem volta”, critica. José Raimundo Lippi afirma que a depressão é a doença mental mais comum entre os médicos, inclusive entre os psiquiatras. “Todos são suscetíveis a patologias de ordem mental, principalmente aqueles que não se cuidam. É importante lembrar que o remédio cuida do sintoma, mas as causas precisam de atenção na psicoterapia. O médico pode ser um bom ‘receitador’, mas se não souber o que o cliente tem, não vai resolver o problema.” Por isso, para ele, a automedicação não deve ser vista como solução.
Para Alexandrina Meleiro, apesar de o autoextermínio envolver questões socioculturais, genéticas, psicodinâmicas, filosóficas, existenciais e ambientais, a doença mental é um fator de vulnerabilidade na quase totalidade dos casos. “O diagnóstico precoce e o tratamento correto da depressão (patologia mais encontrada nos suicídios) são uma das maneiras mais eficazes de prevenir o autoextermínio. O mesmo serve para a dependência de álcool e outras drogas.” Ela reconhece a resistência dos médicos em procurar ajuda psiquiátrica temendo serem estigmatizados. “Eles tentam primeiro automedicar-se ou fazer uma consulta informal com algum colega. Só procuram ajuda adequada quando a situação se torna insustentável.”
VIOLÊNCIA De acordo com o diretor de comunicação do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais e médico da família André Christiano, muitas são as queixas da categoria. “Além da alta carga de trabalho e baixa remuneração, há, ainda, muitos profissionais sendo vítimas da violência de pacientes. Agressões físicas e verbais”, diz. Christiano acrescenta que são muitos os médicos que usam os medicamentos como forma de camuflar o problema. “Isso nos preocupa bastante. Tem havido muito afastamento do emprego por causa de saúde. No ano passado, soubemos que os médicos eram os que mais se afastaram do trabalho na capital, passando até mesmo os professores”, compara.
DEPOIMENTO
“Procurei ajuda quando ainda era estudante de medicina. Tinha dificuldade em dormir e não me relacionava com o sexo oposto. Meu transtorno teve a ver com o abuso sexual que sofri quando criança. Procurei tratamento. Quando me tornei médica, abusava do álcool para relaxar. Acho que poderia ter sido uma aluna melhor no meu curso, mas fui mediana.”
V.F.G, de 33 anos, cardiologista
“Procurei ajuda quando ainda era estudante de medicina. Tinha dificuldade em dormir e não me relacionava com o sexo oposto. Meu transtorno teve a ver com o abuso sexual que sofri quando criança. Procurei tratamento. Quando me tornei médica, abusava do álcool para relaxar. Acho que poderia ter sido uma aluna melhor no meu curso, mas fui mediana.”
V.F.G, de 33 anos, cardiologista
DROGAS ENTRE MÉDICOS
Principais substâncias mais consumidas entre 198 médicos. Os dados são de um estudo feito em 2004, na Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Escola Paulista de Medicina (Unifesp), intitulado Perfil clínico e demográfico de médicos com dependência química.
Álcool
» Dependência: 97 casos – 48,8%
» Uso nocivo: 47 casos – 23,7%
» Total: 144 casos – 72,7%
Cocaína
» Dependência: 42 casos – 21,2%
» Uso nocivo: 21 casos – 10, 2%
» Total: 63 casos – 31,8%
Benzodiazepínicos (BZD)
» Dependência: 31 casos – 15,6%
» Uso nocivo: 25 casos – 12,6%
» Total: 56 casos – 28,2%
Opiáceos (morfina)
» Dependência: 45 casos – 22,7%
» Uso nocivo: 8 casos – 4%
» Total: 53 casos – 26,7%
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