terça-feira, 14 de maio de 2013

Cota é ilusão de fim do problema, diz reitor da Zumbi dos Palmares

folha de são paulo

SABINE RIGHETTI
DE SÃO PAULO

A maioria dos 1.500 estudantes da Faculdade Zumbi dos Palmares é negra, veio de escolas públicas e trabalha o dia todo. Para obter o diploma, desembolsam R$ 300 por mês. "Aqui não tem riquinho como na USP, não", diz o reitor José Vicente.
Dentre os que já passaram pelas salas de aula da faculdade que levam o nome de personalidades negras como Cartola e Barack Obama, e fizeram cursos como administração e direito, alguns hoje estão em cargos de chefia. A faculdade completa neste ano dez anos de existência.
Mas a inclusão do negro no mercado de trabalho ainda é um desafio que, diz Vicente, as cotas no ensino superior não conseguem resolver. "O Brasil nunca olhou a questão do negro com afinco."
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
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INCLUSÃO
No Brasil, temos a postura de resolver o problema pela metade. Entende-se que as cotas no ensino superior podem resolver a exclusão, o apartheid social. E não é isso. O Brasil nunca teve interesse em resolver esse problema da inclusão do negro com afinco.
AÇÕES
A estrutura está contaminada pela ideia de que não existe raça ou racismo, que o problema é econômico. É preciso um sistema e não uma ação. E o mercado de trabalho? E a história do negro? E o corpo docente? E a comunicação social? Isso não está sendo discutido. Há uma ação mínima que causa a ideia de que o problema está solucionado.
ENSINO SUPERIOR
Quando a Zumbi foi criada [em 2003] havia cerca de mil instituições de ensino superior. Hoje temos mais de 2,3 mil instituições de ensino superior no Brasil e continuamos tendo apenas a Zumbi [como faculdade para negros]. Nos EUA há 130 universidades negras e 70% delas públicas.
ALTERNATIVAS
Enquanto todos estão discutindo as cotas no ensino superior, nós fizemos uma faculdade para negros. Nessa perspectiva a Zumbi foi importante para não ficar refém do debate de cotas e de quem diz que raça e racismo não existem. Há formas criativas de se responder a uma demanda e a uma necessidade da educação superior como um todo.
DEZ ANOS
Talvez sem a Zumbi nós não teríamos tantos formadores de opinião no movimento negro do Brasil. Fomos os pioneiros no ensino superior para negros e obrigamos todos a, de certa forma, mudar.
LEGISLAÇÃO
Nós temos uma lei de história do negro e história da África que nunca saiu do lugar, um estatuto da igualdade racial que nunca foi regulamentado e nunca ninguém foi preso no Brasil pro crime de racismo.
ESTADOS UNIDOS
Nos EUA houve uma série de ações civis que implicavam o negro nas universidades, no mercado de trabalho, na comunicação social. Não há um único filme norte-americano sem um negro. No Brasil, que tem 50% da população negra, não vemos negros nos filmes, mesmo que sejam feitos com dinheiro público.
PRECONCEITO
Estou cansado de me darem a chave do carro quando vou a um restaurante achando que sou manobrista. Ou que sou motorista. Existe uma ideia negativa do negro, do enegrecer, do "lado negro". O negro é aquele cara que leva chumbo da polícia na TV. Com essa perspectiva no imaginário, quem vai querer contratar negro para cargo importante?
ENADE
É possível avaliar alguém da USP como alguém da Zumbi, que trabalha o dia inteiro e mora na Cidade Tiradentes? [faculdade é nota dois no Enade]. Isso é injusto e insano. Duvido que outra instituição consiga fazer o que a Zumbi faz do ponto de vista da autoestima, do conhecimento, da conscientização.

Quadrinhos

folha de são paulo

CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIÊTE      LAERTE
LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI
ADÃO ITURRUSGARAI
BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
MALVADOS      ANDRÉ DAHMER
ANDRÉ DAHMER
GARFIELD      JIM DAVIS
JIM DAVIS

HORA DO CAFÉ      ALVES
ALVES

Jornais americanos voltam a apostar em edições impressas

folha de são paulo

Publicações reveem prioridade para as plataformas digitais
DE SÃO PAULOAlgumas empresas jornalísticas dos EUA que deixaram de ter edição diária em papel, apostando com força nas plataformas digitais como o futuro do setor, recuaram dos seus planos.
Foi o caso do "Times-Picayune", de Nova Orleans, do grupo Advance Publications. Após um ano com a versão impressa circulando só três vezes por semana, o jornal resolveu voltar atrás e passa a ser diário novamente.
A decisão do jornal de Nova Orleans acontece cerca de uma semana após o "Philadelphia Inquirer", da Filadélfia, anunciar a volta da venda em banca de sua edição de sábado. Nos últimos dois anos, o jornal reduziu a tiragem e passou a ser vendido apenas para assinantes.
O "Times-Picayune" volta agora a circular diariamente, mas em diferentes versões.
Segundas, terças e quintas em formato tabloide (sob a marca "TPStreet"), disponível apenas em banca; quartas, sextas e domingos em versão standard, para assinantes e banca.
Aos sábados, haverá uma versão impressa mais cedo, com um misto de notícias quentes e pautas especiais.
No entanto, como escreveu o colunista de mídia do "New York Times", David Carr, o Advance conseguiu, no período de um ano em que deixou de circular diariamente, perder jornalistas talentosos e relevância na cidade.
E mais: ganhou um concorrente, num mercado em que imperava sozinho. Recentemente, o grupo The Advocate lançou uma edição em Nova Orleans, aproveitando o vácuo deixado pelo "Times-Picayune" e o persistente interesse de anunciantes e leitores pela mídia impressa.
Para Carr, a decisão do grupo Advance de reduzir a frequência da impressão, "apesar de ter sido tomada em um momento de perspectivas tenebrosas para a indústria dos jornais, foi tomada com a arrogância monopolista em um mundo em transformação".
E continua: "O Advance subestimou o mercado --a cidade inteira e o Estado ficaram enlouquecidos quando as mudanças foram anunciadas-- e falhou na execução de uma estratégia digital moderna. Agora, estão em plena retirada e ganharam um competidor".

    Nizan Guanaes

    folha de são paulo

    Viral pode ser fatal
    Campanhas que ferem a sensibilidade comum estão quebrando a cara das marcas e dos produtos
    A criatividade tem um poder inestimável. É a faculdade humana mais parecida com as faculdades divinas. Deus é criador, e o criativo também. Vendo por esse ângulo, a criação tem limites? Sim. A realidade é o seu limite.
    Quantas vezes eu fui dormir sonhando com uma campanha espetacular que horas mais tarde seria dizimada no choque com a realidade das salas corporativas.
    Passamos muito tempo enquadrados dentro de pesquisas e parâmetros, que agora são revistos. O que é bom e é perigoso. Se nem todas as revoluções são gloriosas, elas são sempre dolorosas.
    Grandes anunciantes já sentem essa dor. Campanhas cada vez mais ousadas, que deliberadamente ferem a sensibilidade comum em busca de visibilidade e viralidade, estão quebrando a cara das marcas e dos produtos que promovem.
    Reportagem do "New York Times" listou exemplos dessa perigosa busca de notoriedade num mundo cada vez mais fragmentado, dominado por novas gerações de consumidores muito diferentes dos que os que os precederam na forma como consomem conteúdos e mídias. Eles inclusive se tornaram conteúdos e mídias. O consumidor hoje fala.
    É um ambiente conflagrado e perigoso, que um publicitário fa- lando ao "Times" comparou ao Velho Oeste.
    Na Europa, um fabricante de carros fez anúncio com um motorista tentando se matar mantendo o carro ligado na garagem fechada. Mas a tentativa fracassa por se tratar de um veículo com emissão zero de poluentes. O tratamento irônico do suicídio teve repercussão muito negativa e o anúncio foi rapidamente suspenso.
    Nos Estados Unidos, uma marca de refrigerante convocou um polêmico rapper para criar anúncio no qual uma garçonete branca combalida tenta identificar seus agressores numa fila de suspeitos formada por afro-americanos e um bode. Foi também subitamente gongado pela reação popular.
    São evidências claras de como a transição do antigo regime da comunicação para o novo regime não será fácil. Tenho dúvidas inclusive se haverá tempo para consolidar um novo regime, como o do longo reinado do comercial de TV de 30 segundos, que vigorou por décadas.
    É um número tão avassalador de inovações e de conhecimento vindo de todos os lados que, por mais coisas que você esteja fazendo hoje, está quase sempre atrás da curva.
    A capacidade aguda de comunicar é o que mais nos distingue e o que nos possibilita criar organizações tão complexas. Uma capacidade que ganhou propulsão atômica com as redes mundiais instantâneas e ubíquas da nossa era.
    A capacidade de todos se comunicarem com todos em todos os lugares a todo o momento é o fenômeno mais transformador da humanidade.
    Mas toda essa intensidade deve ser tratada com muita sensibilidade. Não podemos simplesmente trocar amor por sexo, valores por performance.
    Não é apenas medir quantas vezes sua mensagem é vista, mas como ela é vista e por quem. Não adianta mais dizer "compre!". É preciso dizer "compre porque"... É o fim da marca fantasia e o começo da marca verdade.
    Se você quer acompanhar esse mundo mutante, não fique com sua cabeça enfiada dentro do seu negócio. Como o mundo é cheio de vasos comunicantes, a melhor maneira de ver seu negócio e seus produtos é vê-los também pelo lado de fora.
    E, se a novidade está por toda parte, é preciso ter em mente que o mundo não está sendo inventado agora. Por trás das coisas novas existem permanências.
    Fala-se tanto em comunidade em um mundo de redes, mas o Rotary Club, que é justamente isso, foi fundado no início do século passado. E se as pessoas em rede estão hiperconectadas, persiste muita solidão nessa tecnologia.
    Nesse caos criativo e destrutivo, é preciso agir rápido: ouvir, falar, pedir desculpas, ser proativo. Como o mundo está transparente, o consumidor cobra o que você diz que é.
    Como dizia aquele filósofo francês: a existência precede a essência.
    Não deixa de ser irônico para a propaganda. Na época da comunicação total, a verdade tornou-se a maior arma de persuasão em massa.

      Tem timba na batera - Eduardo Tristão Girão‏

      Híbrido de percussão e bateria, a percuteria ganha cada vez mais espaço em bandas de música instrumental e no acompanhamento de cantores. Mistura tem história na MPB 


      Eduardo Tristão Girão

      Estado de Minas: 14/05/2013 

      É mão no prato, é baqueta na conga, é timba debaixo das pernas, fazendo o papel de bumbo. Essas são apenas algumas das curiosas cenas possíveis com a percuteria, instrumento híbrido que mescla, como o nome indica, características de percussão e bateria. Ele permite combinações praticamente infinitas de sons (em timbre, variedade e quantidade de peças) e, consequentemente, acrescenta às músicas colorido especial e fora do habitual. Sua presença na cena musical brasileira não é novidade (um dos precursores seria Hélcio Milito, do Tamba Trio, nos anos 1960), mas a ampla aceitação atual vem chamando a atenção.

      Para se ter ideia, já existe até quem tenha rebatizado o instrumento, reclamando para si a autoria de nova versão. É o caso do percussionista mineiro Serginho Silva, que calcula tocar “timbatera” há cerca de 25 anos: “Busquei outro estilo de percussão baseado na forma que o João Parahyba tocava com o Trio Mocotó, nos anos 1970, aumentando meu recurso sonoro e timbragem”. Ele manteve a timba (para o som grave, de marcação) debaixo das pernas, mas optou por baquetas em ambas as mãos (e não apenas em uma) – e foi acrescentando novas peças.

      No corpo da timba, por exemplo, colocou plaquinhas de metal que a protegem das baquetas e geram novo som. “Eu até poderia ter colocado um pedal para acionar o som da timba, mas aí começaria a virar bateria e a curiosidade das pessoas em torno do som grave, que não sabem de onde vem, acabaria”, brinca Serginho, que atualmente toca quase exclusivamente percuteria. “Para quem canta é uma maravilha, pois é tranquilo, não faz aquela barulhada e dá liberdade para os outros instrumentos”,  justifica o músico. Ele chega a tampar metade da pele da timba com fita adesiva para não deixar som “sobrando”.

      Outro mineiro que aderiu à percuteria (e influenciado por Serginho) é Abel Borges. “Há 15 anos, fiquei maravilhado ao vê-lo tocando sua timbatera num trio de jazz”, lembra. Seu set tem cajón, tamborim, congas e pratos e ele diz que é difícil falar num conjunto fixo de peças, já que procura sempre se adequar ao estilo que vai tocar e conversar com o compositor para se aproximar o máximo possível da ideia original da música. “A percuteria tem estética sonora diferenciada principalmente pelas inúmeras possibilidades de se montar um set e pela sutileza sonora que a torna um tanto independente”, observa.

      A liberdade de poder personalizar o instrumento nos mínimos detalhes e ampliar significativamente a gama de sons é algo que realmente motiva os percuteristas. É o caso do paulista Felipe Roseno, que dificilmente repete um set de percussão. “No caso da turnê passada do Ney Matogrosso, Beijo bandido, montei set híbrido com moringa, derbak, cajón, caixa, chimbal, pandeirão de bumbo e bloco de pé. Na nova, Atento aos sinais, quis explorar outro tipo de combinação, com surdo virado, chimbal flutuante, caixa, surdo e chapa de pé. Enfim, o importante é se adequar ao espetáculo na forma que ele precisa”, diz.

      “Tenho visto muita gente tocando percuteria, o que acho maravilhoso, pois o músico brasileiro é muito criativo. Quanto mais gente a estiver tocando, melhor para a evolução dessa fusão da bateria com a percussão. Inclusive, os melhores músicos tocando percuteria, na minha opnião, são os brasileiros. Muitos deles nem moram no Brasil, como o Zé Luis Nascimento e o Adriano DD. O Marcos Suzano também já faz isso há muito tempo e há também grandes mestres, como o Trilok Gurtu”, avalia Felipe.

      Emprego Termômetro do interesse em torno desse instrumento singular, aula de percuteria foi ministrada em abril em São Paulo. O professor foi o paulistano Bruno Balan, que é percussionista e baterista e, gradativamente, acoplou peças de percussão à sua bateria. “O motivo era o desafio da coordenação e fazia isso também pela diversão de ser uma escola de samba de um homem só”, lembra Bruno. Suas peças preferidas para formar o set são cajón, djembe, alfaia, talking drum e repique de mão. “A lista completa nunca acaba. Sempre que ouço algum instrumento que me agrada, tento incluí-lo em meu set”, diz ele.

      Segundo ele, é importante tocar com “unidade, propriedade e domínio”: “Isso é que os outros músicos reparam e se eles se sentem bem enquanto você toca, sempre haverá trabalho. O que não adianta é bater em 19 coisas ao mesmo tempo sem fluidez, sem harmonia, com o andamento degringolando. A música não respira, fica sem ginga”. O fato de tocar num set híbrido, completa, obriga o músico a tocar diferente e isso traz “colorido” especial à música em que é acrescentado. Juntar instrumentos de técnicas distintas (e tocados com os pés ou as mãos) pode ser bem complicado, mas vale a pena, garante.

      “Muitos colegas estão empenhados nisso e obtendo grande êxito. Os cantores e instrumentistas já estão pedindo sets que sejam de percuteria. A questão da versatilidade ainda é a mais forte. Em lugares onde não cabe uma bateria por exemplo, se o músico tocar cajón ele salva o trabalho. A percuteria não está aí para virar uma tendência única e revolucionária, é somente mais uma opção de fazer música”, sintetiza Bruno.

      quatro perguntas para...
      João Parahyba
      Baterista e percussionista


      Muitos músicos se referem a você como o possível inventor da percuteria. Isso é verdade?
      Agradeço a lembrança de muitos músicos das novas gerações, mas a percuteria faz parte há muito tempo da história da música. A própria bateria, em essência, já é uma percuteria, com vários tambores e pratos acoplados na nossa recente história. Gostaria de lembrar de Hélcio Milito, que nos anos 1950 já modificara sua bateria com timbas, as quais chamava de tamba.

      Na sua opinião, o que a percuteria tem de especial? Ela traz algo de novo?
      A percuteria é nada mais nada menos que a volta à liberdade de escolha e de timbres para criar ritmos. Deixamos de pensar como especialistas presos a instrumentos e formas e nos tornamos genéricos. Ela democratiza as funções dos que fazem ritmo.

      Em geral, a opção dos músicos pela percuteria é mais por estética sonora ou por questão de versatilidade e praticidade?
      Acredito que num primeiro momento a versatilidade e a praticidade foram importantes, mas hoje em dia, com as ferramentas eletrônicas, sequencers, DJs e samplers, a tendência é pela estética sonora e procura de novos timbres.

      Como se monta um set de percuteria? Quais são as regras ou dicas?
      Regra número um: estudar todos os instrumentos que o atraírem. Regra número dois: esqueça as regras, tudo serve para fazer ritmo. Regra número três: procure montar um set com o maior número de timbres, recursos de som e possibilidades rítmicas. Regra número quatro e mais importante: toque o máximo possível de ritmos brasileiros, pois eles darão o molho especial que você precisará em qualquer situação e em qualquer estilo, pois você é brasileiro, não se esqueça.

      Tereza Cruvinel - A superfície e o fundo‏

      É certo que a fidelidade da coalizão à presidente Dilma vem encolhendo. Mas também é certo que ninguém na base está querendo ir para a oposição. A rebeldia no caso da MP dos Portos é para forçar a presidente a rever seu relacionamento com os aliados 


      Tereza Cruvinel

      Estado de Minas: 14/05/2013 

      É cedo para saber se o que está havendo entre o governo e sua base parlamentar tem relação direta e exclusiva com a MP dos Portos, matéria que envolve enormes interesses econômicos e naturalmente mobiliza os grupos setoriais organizados no Congresso, ou se expressa movimentos de águas mais profundas da política. Os muitos e variados elementos que se misturam na montagem do cabo de guerra em torno da medida, realmente estratégica para o país, impedem uma visão mais nítida. Mas uma coisa é certa: a fidelidade da base governista à presidente vem encolhendo gradualmente e chegou agora a seu ponto mais crítico.

      Mas outra coisa também é certa: ali, ninguém está querendo ir para a oposição. O mais provável é que a rebeldia combine a associação entre os interesses econômicos portuários (que acabam se conectando com o financiamento eleitoral) com a oportunidade de dar um grande susto no Planalto, forçando-o a mudar a natureza de seu relacionamento com os partidos aliados. Destacou-se naturalmente a rebeldia do PMDB, por ser o maior deles e por ter como líder um deputado aguerrido como Eduardo Cunha (RJ), que não se dispõe a ser vassalo.

      Na tentativa de garantir a aprovação da matéria pela Câmara ontem, no máximo hoje, para que o Senado descasque o abacaxi na undécima hora, o governo acionou todos os tratores e guindastes. Afora apelos e pressões, prometeu uma fortuna em liberação de emendas e certamente algumas nomeações. Mas resta saber também se cedeu apenas para salvar a MP ou se Dilma está disposta a mudar no relacionamento com a coalizão. Ninguém se escandalize: isso significará ser mais generosa na liberação de emenda, num ano que precede as eleições para ela, mas também para os deputados e senadores, e pode significar a ampliação de espaços para os partidos no governo e maior autonomia aos ministros na execução do orçamento e das políticas públicas. Eduardo Cunha afirmou, em entrevista ao jornal Valor Econômico, que teria muito irritado a presidente, que o poder de decisão dos ministros peemedebistas é próximo de zero. Os outros partidos dizem basicamente o mesmo de seus ministros, só que não o declaram abertamente.

      Não devemos nos escandalizar porque estes são os ingredientes do que se convencionou chamar de presidencialismo de coalizão. Muito simples: num sistema político com dezenas de partidos, o mais votado dos presidentes dificilmente terá maioria no Congresso, especialmente na Câmara. Para governar, precisa montar uma coalizão e alimentá-la com fatias de poder. Com esse sistema lidaram todos os presidentes pós-transição, não porque gostem do toma lá dá cá, mas porque não há outro caminho, embora alguns ministros do STF estranhem a necessidade do arranjo. Alguns presidentes lideram com maior ou menor habilidade, especialmente Fernando Henrique e Lula. Dilma é mais voluntariosa e muito mais centralizadora e isso está na origem de boa parte de seus conflitos com os aliados. Se pudesse, só nomearia técnicos e não liberaria emendas.

      Como sair desse sistema? Com reformas no sistema político, especialmente com o enxugamento do quadro partidário, para começar. Mas quando o Congresso tenta barrar as migrações, impedindo pelo menos que os trocadores de camisa levem junto o tempo de televisão e a fração do fundo partidário, o STF intervém na votação e a gritaria diz que é casuísmo.

      Esses são problemas do sistema e habitam a superfíce política. Os governantes não podem escapar deles e os cidadãos devem saber que esse é o jogo. Aparentemente, não há problemas nas águas mais profundas. O governo vai bem e ninguém na base está querendo romper com Dilma.

      Um novo estilo

      Eduardo Cunha está impondo um novo estilo no relacionamento entre um partido aliado e o governo. Como diz e repete, não se sente obrigado a concordar com tudo que o governo propõe. Nunca houve tal compromisso. Essa cultura, de negociação caso a caso entre aliados e governo, nunca floresceu aqui. Hoje ele se encontra com o vice-presidente Michel Temer, que certamente lhe falará dos humores palacianos com sua atuação.

      Ainda esta semana, a Comissão Executiva do PMDB vai se reunir para examinar o pedido de Cunha de que o partido patrocine uma representação contra o deputado Anthony Garotinho (PR-RJ) junto ao Conselho de Ética por conta das acusações que lhe fez na semana passada, de estar patrocinando interesses privados na contenda dos portos. Só os partidos apresentam denúncias ao conselho. Se o PMDB não acolher seu pedido, Cunha representará contra Garotinho junto à Corregedoria.

      Abolição

      Quem passar pela biblioteca do Senado não pode deixar de entrar para apreciar a belíssima exposição sobre os 125 anos da abolição da escravatura, no que diz respeito às sucessivas legislações, iniciadas em 1831, com o fim do tráfico, para terminar em 1888, com a Lei Áurea. Os autógrafos estão expostos, além das belas imagens de Rugendas e Debret sobre essas trevas. Com todos os seus defeitos, ainda que tangido pela voz das ruas, o Congresso esteve sempre no centro das mudanças. Um dia aprovará a reforma política
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      Maria Esther Maciel-Uma amiga argentina‏


      Estado de Minas: 14/05/2013 


      Acho que foi em meados de 1996 que a conheci em Buenos Aires. Na ocasião, lá acontecia um congresso de literatura e teatro, sediado no imponente Teatro Cervantes. Participamos da mesma mesa e, ao final, conversamos bastante. Ela contou-me, em bom português, que era professora de literatura brasileira na Universidade de Buenos Aires e adorava o Brasil. Disse-me ainda que ia com certa frequência a Pernambuco, pois realizava estudos sobre a obra de Ariano Suassuna. Iniciava-se, nesse instante, uma boa amizade entre nós, continuada através de cartas, trocas de livros pelo correio, eventuais telefonemas e poucos encontros. Ela não gostava de e-mails e pouco usava a internet.

      Voltei a Buenos Aires algumas vezes depois disso. Em todas, Mónica Serra foi uma anfitriã e tanto. Costumava organizar jantares em sua casa, junto com a irmã Silvia e a amiga Elena. Morava em Olivos, região Norte da Grande Buenos Aires. É lá que fica a Estação Borges, por onde passa o colorido Tren de la Costa, que vai até Tigre – charmosa cidadezinha às margens do Rio da Prata.

      Conheci belos vinhos na casa de Mónica Serra. Lá também comi as melhores empanadas argentinas de minha vida. Lembro-me especialmente de uma de queijo com cebolas. As conversas se animavam ao som de tangos e milongas. Falávamos sobre literatura, política argentina e brasileira, cinema e fatos do cotidiano. A certa altura, o português e o espanhol se misturavam nas falas, de forma divertida. Mónica tinha uma voz incisiva, que combinava bem com sua personalidade firme. Silvia também mostrava uma certa energia na voz, embora um pouco mais contida. Elena, por sua vez, era risonha e afetiva.

      No decorrer do tempo, porém, nossos encontros foram ficando escassos, devido a outras demandas do trabalho e da vida. Deixei de ir a Buenos Aires com a frequência de antes, e ela, tampouco, veio ao Brasil no período. Mas nunca deixei de pensar nela com carinho e saudade. De vez em quando, trocávamos algum cartão ou telefonema. Cheguei a dedicar-lhe um artigo sobre Fernando Pessoa algum tempo atrás. Mas há mais ou menos cinco anos perdemos contato.

      Na semana passada, numa rápida viagem a Buenos Aires para uma atividade acadêmica, resolvi procurá-la. Liguei para sua casa assim que cheguei, mas ouvi uma mensagem dizendo que a chamada não podia ser completada. Tentei outro número, e nada. No dia seguinte, fiquei por conta do trabalho. À noite, quando saí para jantar com os colegas, perguntei a uma professora se podia me passar o número atualizado do telefone de Mónica Serra, pois queria muito falar com ela antes de ir embora. Foi quando ouvi: “Mas ela morreu. Você não soube?”. Na hora, fiquei perplexa. Estava com uma taça de vinho na mão e a mantive parada no ar, sem saber o que fazer ou dizer. Ela percebeu meu susto e acrescentou: “Foi há uns três anos. Ela ficou doente e morreu em poucos meses”. Encerrou o assunto com um “lo siento”, sem me olhar diretamente nos olhos. Resolvi, então, não insistir nas perguntas. A primeira coisa que me ocorreu foi beber um gole de vinho em homenagem a ela, brindar à vida que teve e ao que dela permaneceu na memória das pessoas que tiveram o privilégio de conhecê-la.

      Buenos Aires, agora, já não é mais a mesma. 

      Sempre um papo-Um repórter em ação - Carlos Herculano Lopes‏


      Estado de Minas: 14/05/2013 

      Dando sequência ao projeto Minas – Pernambuco, que começou no ano passado com a ida de alguns artistas mineiros ao Recife, o Sempre um papo traz a Belo Horizonte o jornalista Geneton Moraes Neto, para a exibição do documentário Garrafas ao mar: a víbora manda lembranças, sobre o jornalista Joel Silveira, e para conversar com o público a respeito da crise no texto do jornalismo.

      Repórter com muitos anos de estrada, Geneton Moraes falará sobre algumas das mais importantes entrevistas que fez ao longo da sua carreira, entre elas com Paulo Francis, com o jornalista norte-americano Gay Talese e com Nelson Rodrigues, feita durante um jogo da Seleção Brasileira. É de Geneton a mais reveladora entrevista com Carlos Drummond de Andrade, realizada duas semanas antes da morte do poeta.

      Nascido no Recife, em 1956, Geneton Moraes Neto é também autor dos livros Cartas ao planeta Brasil, Hitler/Stalin: o pacto maldito, em parceria com Joel Silveira; Nitroglicerina pura, também com Silveira; Dossiê 50: os onze jogadores revelam os segredos da maior tragédia do futebol brasileiro, sobre a derrota do Brasil para o Uruguai na Copa de 1950; e O dossiê Drummond. Para incentivar o hábito da leitura, os primeiros 100 exemplares do livro sobre Drummond, na noite de hoje, estarão sendo vendidos a preço promocional, com direito a autógrafo do autor.

      GARRAFAS AO MAR
      Exibição do documentário de Geneton Moraes Neto e debate sobre o tema “A crise no texto do jornalismo”. Hoje, a partir das 19h30, no Teatro João Chesciatti do Palácio das Artes, Av. Afonso Pena, 1.537, Centro. Informações: www.sempreumpapo.com.br e (31) 3261-1501.

      E tome diálogo - Rosely Sayão

      folha de são paulo

      Conversei com um pequeno grupo de mulheres, amigas entre si e mães de adolescentes, a respeito dos desafios que elas enfrentam na educação dos filhos. E eles não são poucos, não é verdade? Em tempos em que há tanto adulto querendo viver como adolescente, para os verdadeiros jovens é duplamente difícil passar por essa fase.
      Bem, nessa conversa que durou pouco mais de uma hora, algumas questões centralizaram a atenção de todas. As opiniões das mães eram semelhantes, por isso achei interessante trazer algumas delas para nossa reflexão.
      O primeiro ponto, unanimidade entre elas, foi o que elas chamaram de "diálogo com os filhos". Essas mães procuram resolver quase tudo na base da conversa. O problema, elas contaram, é que essa estratégia considerada tão importante não funciona.
      Primeiramente, pedi que explicassem o que consideram "diálogo com os filhos" e em quais situações usam o recurso. Surpresa! Disseram usar o tal diálogo para tudo.
      Dialogam para cobrar as responsabilidades dos filhos, para negar um pedido deles que consideram inadequado, para mostrar que o que fizeram é errado etc. E tome diálogo o dia todo!
      Pedi que uma das mães explicasse como usa o diálogo com a filha de 14 anos, toda vez que ela pede para ir a uma balada para menores.
      A mãe disse que explica à filha que ela ainda não tem idade, que nesses locais há oferta de bebida alcoólica e o cérebro dela não está preparado para isso, que ela terá tempo para fazer isso etc.
      E por que não funciona? Porque a filha já mentiu para a mãe que ia dormir na casa de uma amiga e foi para uma balada. A mãe descobriu porque, coincidentemente, um amigo dela estava no local, viu a garota e a avisou.
      Foi difícil essas mães entenderem que isso que elas pensam ser diálogo, na verdade, não é. O que elas fazem são tentativas de convencer os filhos com palavras, argumentos e discursos de que a posição delas é a certa e, por isso, eles devem aceitá-la.
      Que ingênuo engano, não é verdade? Como tentar convencer os jovens de que eles ainda devem obedecer às normas familiares? Essa é uma batalha perdida de antemão.
      Os pais de adolescentes precisam aceitar que, em determinadas situações, não há diálogo, ainda. Há troca de informações, de opiniões, mas, se os pais não aceitam o pedido feito, negado está. Tratam-se de decisões que dizem respeito à vida dos filhos --poucas, de fato-- que os pais tomam e ponto final.
      Outro exemplo dado foi o "diálogo" que as mães tentam travar com os filhos sobre a vida deles. Elas querem saber de quase tudo para que possam, segundo elas, orientá-los. Querem saber quem eles namoram, com quem ficam nas festas, se usaram alguma droga e por aí vai.
      Os filhos escapam, dão respostas monossilábicas, desviam do assunto, dizem que a conversa não tem nada a ver. Com razão, defendem sua privacidade, já que, nesse caso, não há diálogo algum.
      Outro ponto interessante foi que várias mães acham "normal" que o filho tenha documento falsificado com idade maior. Uma, inclusive, disse que ajudou o filho a tirar o documento. Elas disseram que, como fizeram isso na adolescência, consideram normal também que os filhos façam a mesma coisa.
      Este é o problema: muitos pais fizeram mesmo isso quando jovens. Mas de maneira diferente, porque faziam bem escondido dos pais e isso significava assumir a responsabilidade pelo que faziam. De qualquer maneira, não são mais jovens. E pais sempre serão caretas para os seus filhos.
      Além disso, o mundo mudou. Uma mãe disse que tinha documento falso para entrar no cinema. Hoje, usam em baladas regadas a álcool, situação bem mais arriscada.
      Educar filhos adolescentes não tem sido tarefa fácil, principalmente porque o mundo adulto tem pensado e agido de forma bem parecida com a deles. Quem tem filhos nessa idade precisa assumir sua maturidade, não é verdade?
      rosely sayão
      Rosely Sayão, psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia-a-dia dessa relação. Escreve às terças na versão impressa de "Equilíbrio".

      Tv Paga


      Estado de Minas: 14/05/2013 


      Faroeste no sertão


      Filme que marca a estreia de Jimi Figueiredo na direção de longas-metragens, Cru (foto)é um drama psicológico cujo cenário é o interior do Brasil. Fã confesso de nomes consagrados do faroeste – o italiano Sergio Leone e o americano Sam Peckinpah são seus preferidos –, Figueiredo faz uma incursão pelo gênero, mas optando por priorizar a tensão e os dilemas internos dos personagens. A produção vai ao ar às 22h, no Canal Brasil.

      As melhores fitas vão
      ao ar sempre às 22h


      Ainda na concorrida faixa das 22h, o assinante tem pelo menos oito boas opções: Homem-Aranha 3, no FX; Pequenos segredos, no Sony Spin; Rede de mentiras, no Space; Gantz – Perfect answer, no Max Prime; John Carter – Entre dois mundos, no Telecine Premium; Se beber, não case, na TNT; O porto, no Max; e Os amores de Picasso, no TCM. Outras atrações da programação: 2 coelhos, às 22h25, no Megapix; Uma noite de amor e música, às 22h30, no Comedy Central; e Billy Elliot, também às 22h30, no Studio Universal.

      Vigilante Carlos caça
      ladrões em Ouro Preto


      Original da década de 1960, a cultuada série O vigilante rodoviário vem sendo reprisada há tempos pelo Canal Brasil, atualmente na faixa das 13h. A grande novidade de hoje é o capítulo gravado em Ouro Preto. Uma ladra e seu comparsa roubam uma tela de Portinari e o próximo furto planejado será uma valiosa escultura de Aleijadinho na histórica cidade mineira. A dupla adota uma estratégia perigosa, mas o inspetor Carlos (Carlos Miranda) está determinado a capturá-los.

      Céu conta sua história
      num giro por São Paulo


      Outro programa produzido no Brasil, Back track vai ao ar às 21h, no canal VH1. A partir de uma velha fotografia de seu primeiro show, a cantora Céu lembra o começo da carreira, em entrevista gravada em seu selo Urban Jungle, num passeio pelo Bixiga e na Galeria Ouro Fino, no centro comercial da capital paulista. Mais cedo um pouco, às 20h, o Quarteto Abayomi é a atração de Movimento violão, do SescTV, com um show gravado ano passado no Sesc Bom Retiro.

      Canal Fox volta com a
      série Contos de Edgar


      Produção original da parceria com a O2 Filmes de Fernando Meirelles e direção de Pedro Morelli, a série Contos do Edgar retorna com episódios inéditos, mas a sequência vem desde o segundo, “Priscila” (foto), a partir de hoje, às 22h30, no canal Fox. Os cinco capítulos adaptam contos do escritor norte-americano Edgar Allan Poe para a realidade atual, com a atmosfera de suspense e terror, e ambientados na cidade de São Paulo.

      Cinemax também está
      retomando Revolution


      Depois de um breve intervalo, a série Revolution está de volta ao Cinemax, na faixa das 19h45. A segunda parte da primeira temporada começa no 11º episódio e vai até o 22º. A produção executiva é de J. J. Abrams, dos cultuados Alias e Lost, e tem Giancarlo Esposito à frente do elenco, no papel de um líder de milícia, em um mundo devastado em que todos os recursos da tecnologia – computadores, aviões, carros, telefones e até a eletricidade – estão inoperantes.

      Uma rasteira no cotidiano - Denise Fraga

      folha de são paulo

      Dia desses, precisei pingar um remédio no nariz e deitei na cama pra fazer isso. O remédio desceu pelas minhas narinas, mas eu não conseguia mais me levantar.
      Meu pé foi capturado pela delícia de um raio de sol que costuma atravessar o meu quarto àquela hora do dia.
      Eu fiquei ali parada, deitada sobre a colcha, esquentando os pés enquanto olhava uns reflexos dançando no teto. Minha cabeça começou a caminhar.
      Não fosse o meu nariz congestionado, não estaria ali. Eu me assustei. Não conseguia me lembrar de uma única vez que eu tivesse deitado na minha cama assim, no meio do dia, sem exata serventia. Uma coisa tão simples, tão boa e por que tão rara? Por quê? Por que não faço isso mais vezes?
      Sempre tenho a sensação de que levamos uma vida inventada. Inventamos ser assim, agitados, ansiosos, o tempo inteiro correndo atrás de algo que não se pode perder.
      A vida cotidiana sempre me parece excessiva, mas eu também me rendo ao que parece ser a ordem natural das coisas e vivo correndo de um lado para outro com meu celular na mão.
      Fiz uma coisa tão banal! Deitei na minha cama de dia e entrei numa bolha subversiva de calma e prazer. Dei uma rasteira no cotidiano.
      Experimente, caro leitor. Experimente deitar-se fora de hora. Cuide para não dormir, apesar do cansaço dos dias. Deite-se simplesmente, dez minutos que seja. Sem função. Sem ser para tomar sol ou fazer exercícios. Deite-se para ouvir-se.
      Sempre tive uma curiosa inveja desses trabalhadores de praças e jardins da prefeitura que vejo à sesta, depois do almoço, deitados nos tristes gramados urbanos.
      Apesar do serviço duro, são capazes de deitar na grama no meio do dia, enquanto nós continuamos no trânsito passando séculos sem ver uma árvore de baixo para cima. Quando estou num táxi e vejo um deles, eu me lembro de recostar a cabeça no banco de trás para, no mínimo, ver uma inédita cidade passando pelo céu.
      Por que abandonamos certos prazeres ao privilégio de nossa infância? No outro dia, lembrei-me de fazer uma coisa deliciosa que fazia quando menina: deitei no asfalto morno. Coisa difícil achar uma rua onde se possa fazer isso, mas experimente um dia ver o caminhar das nuvens deitando-se no asfalto depois do pôr do sol de um dia quente.
      Pura delícia. Se alguém vier lhe socorrer, diga que paradoxalmente caiu ali, porque resolveu dar uma rasteira no cotidiano.
      Arquivo Pessoal
      Denise Fraga é atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e "Retrato Falado" (ed. Globo). Escreve a cada duas semanas na versão impressa do caderno "Equilíbrio".

      VIDA DE CIENTISTA » Fuga de talentos é realidade-Carolina Cotta‏

      Vivência no exterior é inerente à pesquisa e base do Ciência sem Fronteiras, que quer globalizar a inovação nacional. No entanto, muitos pesquisadores temem voltar e enfrentar dificuldades

      Carolina Cotta
      Estado de Minas: 14/05/2013 

      Aos 38 anos, o paulista Alysson Muotri é professor de medicina na Universidade da Califórnia em San Diego. Conseguiu aquilo que muitos brasileiros que investem em formação no exterior procuram: fazer pesquisa com a melhor estrutura possível. Estudioso de células-tronco e neurociência, o pesquisador expatriado convive com pessoas de todo o mundo, inclusive outros brasileiros. San Diego, “reformulada” para ser um polo de pesquisa, respira ciência. Muotri saiu do Brasil em 2008 para fazer seu pós-doutoramento. Segundo ele, não há massa crítica em células-tronco no Brasil. “É uma área nova. Precisamos gerar mão de obra especializada.” Mas, em termos de financiamento, acredita que nosso país está melhor que os Estados Unidos nestse momento. “Entretanto, faltam verbas para infraestrutura e importação, o que dificulta a pesquisa.” Apesar de adorar a possibilidade de voltar, ele acha que sua contribuição lá fora é mais forte. “Mas voltaria se tivesse no Brasil as mesmas condições que tenho aqui.”

      Diogo Magnani, de 30, escolheu a Universidade de Wisconsin para seu doutorado, sete anos atrás. Atualmente é pesquisador na Universidade de Miami, onde investiga vacinas para dengue e HIV. São boas as perspectivas por lá, mas ele considera voltar um dia. “Sinto que posso contribuir muito com minha experiência para desenvolver a ciência e biotecnologia brasileira.” A internacionalização é inerente à pesquisa e base de um dos mais audaciosos programas do governo federal brasileiro. O Ciência sem Fronteiras, lançado em 2011, quer consolidar, expandir e globalizar a ciência e a tecnologia, a inovação e a competitividade nacional. A iniciativa conjunta dos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Educação (MEC) prevê a emissão de 101 mil bolsas até 2015. Até agora já foram quase 40 mil bolsas, a maior parte delas para a graduação no exterior.

      Apesar dos altos investimentos do projeto, os pesquisadores vão e voltam. Alguns apenas para a visita anual à família. É preciso matar saudade do boteco, da comida caseira, do calor brasileiro. Diogo Magnani faz questão. Sente saudades. Mas muitos ficam por lá. A fuga de talentos é uma realidade. O MCTI não tem dados sistematizados de quantas pessoas saem e não voltam. Segundo o secretário-executivo da pasta, Luiz Antonio Rodrigues Elias, o país está aberto e quer construir um programa para mostrar a esses pesquisadores expatriados a ambiência que o país tem hoje. “Mas mesmo esses pesquisadores que passam por uma universidade de excelência no exterior e acabam ficando mantêm rede de colaboração com o Brasil”, defende Elias.
      Caso de Alysson Muotri. Seu laboratório treinou praticamente toda a primeira geração de pesquisadores em células-tronco pluripotentes humanas no Brasil. “Formamos mais de 30 pessoas que estão espalhadas pelo país, tentando fazer pesquisa de ponta. Só conseguimos isso porque meu laboratório tem um vínculo positivo e parceria com o Brasil”, explica.

      Meritocracia Lucas Pinto, de 29, engrossa o time de cientistas que por enquanto vão se manter nos Estados Unidos. Ele nasceu lá, durante o doutorado do pai, mas foi na Universidade Federal de Minas Gerais que iniciou sua formação. A escolha por um doutorado fora teve vários motivos, entre eles o fato de acreditar que na sua área, a neurociência, teria uma formação mais sólida e mais oportunidades.

      Terminando o quarto ano de doutorado na Universidade da Califórnia, em Berkeley, considera o mecanismo de fomento norte-americano mais meritocrático. “O sistema brasileiro desfavorece os pesquisadores no começo de carreira. A distribuição de verbas para pesquisa precisa ser reformulada para ser mais baseada nos méritos científicos das propostas de financiamento e menos no nome dos pesquisadores”, sugere.

      A mesma crítica vai para os indicadores de produtividade. Lucas vê com preocupação o fato de no Brasil o número de artigos publicados ter mais peso que a qualidade e impacto das publicações. “Para financiamento, os pesquisadores aqui são forçados a publicar artigos em grande quantidade, o que inevitavelmente dilui a contribuição de cada trabalho para a ciência. Outra diferença é a massa crítica de cientistas, muito maior nos EUA. Isso gera maior colaboração, ventilação de ideias e inserção na comunidade científica, o que é essencial, dado que a ciência é um esforço comunitário.”

      Valores de bolsas são criticados


      O doutorado sanduíche é a segunda modalidade mais atendida pelo Ciência sem Fronteiras e levou Matheus Pereira Porto, de 30 anos, a uma das instituições de ensino mais consagradas do mundo: a Universidade da Califórnia, onde está desde outubro e se dedica a estudar refrigeração e armazenamento de energia renovável. Doutorando em engenharia mecânica pela UFMG, se impressiona com o empreendedorismo. “Aqui se tem toda uma estrutura para fazer pesquisa ganhando dinheiro. Infelizmente, o Brasil ainda não está preparado para isso.” Ele e colegas veem falhas no programa, como a falta de plano de saúde para os intercambistas.

      Em pós-doutoramento no Salk Institute for Biological Studies, na Califórnia, Maximiller Dal-Bianco  Costa, de 31, reclama dos valores das bolsas. “Recebemos abaixo do mínimo exigido por lei para trabalhar aqui. Somos contratados com funções diferentes da que desempenhamos e aceitamos por ser uma oportunidade única. Está na hora de parar de justificar o ‘investimento na carreira’ como forma de pagar pouco. Como é que um profissional desenvolve experimentos caríssimos e recebe uma porção ínfima para seu sustento? Está errado”, desabafa Maximiller, doutor em ciências biológicas pela Universidade de São Paulo.

      Pessoalmente, ele quer voltar para o Brasil – exigência do Ciência sem Fronteiras –, profissionalmente, não. “A perspectiva aqui é muito melhor. É difícil pensar em voltar para um lugar com estrutura inferior. No entanto, tem o investimento colocado em nossas carreiras pelo governo e o retorno que podemos levar para o nosso país. O modelo do Ciência sem Fronteiras é perfeito e está funcionando bem. No entanto, é só um pontapé inicial. O país terá que abrir mercado para abrigar esta nova geração de cientistas”, diz.

      Em 2012, a aluna de farmácia Marina Santos, de 24 anos, estudou na University of Missouri, nos EUA, e fez um estágio na Amgen, uma das maiores empresas de biotecnologia do mundo. Constatou que as pesquisas nos Estados Unidos ocorrem de forma mais rápida e contam com muito mais recursos. “No Brasil o processo de pesquisa ainda é burocrático e demorado. Se por um lado isso dificulta o desenvolvimento dos trabalhos, por outro os brasileiros desenvolvem a ‘técnica do improviso’: saber se virar frente às dificuldades é essencial em um contexto de inovação. Percebi que os brasileiros têm maior experiência com relação à pesquisa do que um americano com o mesmo nível de escolaridade. A questão aqui é onde e como esse trabalho está sendo empregado”, acredita a bolsista de iniciação científica.