A Tarde - 20/11/2013
Maria Stella de Azevedo Santos
Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá
opoafonja@gmail.com
Este é o último artigo de uma série que escrevi desmembrando meu discurso de posse na Academia de Letras da Bahia. O único objetivo desta série foi rememorar os nomes de ilustres baianos que talvez não fossem conhecidos pela nova geração. Como coincidências não existem, a referida série está sendo encerrada no Dia da Consciência Negra, momento em que aproveito para homenagear a todos que lutaram e lutam por esta causa. Consciência não é valorização! Consciência é iluminação!
Antônio Frederico de Castro Alves é o patrono da cadeira onde me firmo. Ele entoou gritos poéticos na tentativa de despertar a sociedade brasileira para a mais cruel de todas as atitudes humanas: a privação da liberdade. Em 1868, através de seu poema Vozes d'África, ele clamou:
“Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes?/ Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes/ Embuçado
nos céus?/ Há dois mil anos te mandei meu grito,/ Que embalde desde então corre o infinito.../ Onde estás, Senhor Deus?...// Qual Prometeu tu me amarraste um dia,/ Do deserto na rubra penedia/
– Infinito: galé!.../ Por abutre – me deste o sol candente,/ E a terra de Suez – foi a corrente/ Que me ligaste ao pé...”.
Se minha bisavó chegou ao Brasil presa a muitos outros negros africanos, amarrada por correntes que lhe tiraram o maior de todos os bens – a liberdade –, hoje me sinto acorrentada a todos os baianos, brasileiros, humanos, letrados ou não letrados. O Poeta dos Escravos desejava ver todos os homens tratados com igualdade de condições; queria ver os negros desacorrentados.
O baiano Castro Alves nasceu em 14 de março de 1847 na fazenda Cabaceiras, antiga freguesia de Muritiba, que é hoje a cidade de Castro Alves. Era dotado de uma constituição física frágil, mas de uma forte alma humanizada, que contestava as barbaridades típicas da época em que viveu – o século XIX. Foi corajoso o suficiente para que, comapenas 21 anos de idade, obrigasse os fazendeiros donos de escravos a escutá-lo recitar O Navio Negreiro, pois estando todos em uma comemoração cívica não seria politicamente correto retirar-se do recinto.
A poesia de caráter social de Castro Alves era típica da terceira geração do romantismo brasileiro, chamada Condoreira, pois o condor é uma ave símbolo de liberdade. Representante da burguesia liberal, Castro Alves foi o último grande poeta da geração Condoreira que, por meio da literatura, instigava o povo para exigir a abolição da escravidão e a proclamação da república, aproximando, assim, o romantismo do gênero literário seguinte – o realismo.
Se as causas sociais eram o ideal de Castro Alves, o amor era sua fonte de inspiração. E como são lindos seus poemas de amor. Escutemos com a alma seu poema As Duas Flores, que na Escola Nossa Senhora Auxiliadora, de propriedade da professora Anfrísia Santiago, eu costumava recitar para minhas colegas no horário de recreio:
“São duas flores unidas/ São duas rosas nascidas/ Talvez do mesmo arrebol,/ Vivendo, no mesmo galho/ Da mesma gota de orvalho/ Do mesmo raio de sol.// Unidas, bem como as penas/ Das duas asas pequenas/ De um passarinho do céu.../ Como um casal de rolinhas/ Como a tribo de andorinhas/ Da tarde no frouxo véu.// Unidas, bem como os prantos/ Que em parelha descem tantos/ Das profundezas do olhar.../ Como o suspiro e o desgosto/ Como as covinhas do rosto/ Como as estrelas do mar.// Unidas... Ai quem pudera/ Numa eterna primavera/ Viver, qual vive esta flor./ Juntar as rosas da vida/ Na rama verde e florida,/ Na verde rama do amor!”
Intensamente viveu Castro Alves a sua curta vida de 24 anos. Em 6 de julho de 1871 ele não pôde mais sentir na carne os prazeres do amor. Também não pôde ver os escravos desacorrentados, não pôde assistir a seu ideal concretizado. Mas sua curta vida é longa. Tanto que ainda nos deleitamos com seus versos.
Uma senhora de 96 anos, falando sobre seu primo Castro Alves, um dia me disse: "Por amor ele viveu, por amor ele morreu. Mas quem morre por amor não morre, torna-se imortal”.
quarta-feira, 20 de novembro de 2013
Futebol e religião: algumas observações - Carlos Caroso e Fátima Tavares
A Tarde / BA - 20/11/2013
Carlos Caroso e Fátima Tavares
Antropólogos e professores da Ufba
Como vários pesquisadores das ciências sociais têm apontando, desde o censo de 1991 o cenário das religiões no Brasil passou por mudanças.Entre estas transformações destacam-se o declínio do catolicismo, o incremento dos que se declaram evangélicos e dos “sem religião”.
Podemos observar essas macro tendências: temos um decréscimo dos católicos de 73,57% (2000) para 64,63% (2010), no Brasil; e, na Bahia, de 74% (2000) para 65,34% (2010).
Por outro lado, os evangélicos vêm crescendo a cada censo: passaram de 15,41% (2000) para 22,16% (2010) no Brasil. Na Bahia apresentam percentuais um pouco menores: eram 11,18% da população em 2000, passando, em 2010, para 17,41%. Com relação ao grupo dos “sem religião”, a dinâmica de crescimento é diferente dos evangélicos.
Comparando-se os dados dos censos de 2000 e 2010, verificamos que houve um discreto crescimento dos “sem religião”, no conjunto do país (7,35%e 8,04%) enoEstadoda Bahia (11,39%e12,05%),bem menor do que entre os censos de 1991 e 2000, quando esse segmento efetivamente ganhou relevância numérica.
Essas transformações podem ser observadas também no mundo do futebol, esporte, como sabemos, dominado por ídolos predominantemente provenientes da população pobre e negra desse país.
Essa origem social tradicionalmente evocava um imaginário popular recheado de histórias sobre disputas“mágicas” do vasto repertório das religiosidades afro-brasileiras – como os “trabalhos” ou “ebós” feitos para o sucesso dos times nas grandes decisões –, mas que vem perdendo espaço para as manifestações evangélicas – por exemplo, o “Ministério de Atletas de Cristo”.
O que se observa no mundo do futebol também vale para o conjunto do país. De fato, apesar da visibilidade social das religiões afro-brasileiras, seus números do censo não são expressivos no Brasil (0,31% no Censo de 2010).
Indagações sobre esse descompasso têm intrigado pesquisadores: seria fruto da antiga atitude sincrética do universo afro-católico,que,no censo, acabam identificando-se como católicos?
Outra questão é saber em que medida essas religiões ainda podem ser consideradas único e exclusivo “patrimônio cultural” das populações afrodescendentes.
De certa forma isso continua verdadeiro, pois quando comparamos os resultados do censo com as declarações de cor, sabemos que a grande maioria dos adeptos das religiões afro-brasileiras se declaram pretos e pardos.
Por outro lado, se invertermos a comparação, o mesmo não se verifica: a maior parte dos pretos e pardos do país não se declara adeptos daquelas religiões.
Positivamente essa é uma tendência que pode ser observada já há alguns anos, como indica o sociólogo Flávio Pierucci ao comentar, com base nos dados do Censo 2000, que estes sinalizam um claro deslocamento das tradições religiosas “afro” para o universo “black-evangelicals” entre pretos e pardos.
Carlos Caroso e Fátima Tavares
Antropólogos e professores da Ufba
Como vários pesquisadores das ciências sociais têm apontando, desde o censo de 1991 o cenário das religiões no Brasil passou por mudanças.Entre estas transformações destacam-se o declínio do catolicismo, o incremento dos que se declaram evangélicos e dos “sem religião”.
Podemos observar essas macro tendências: temos um decréscimo dos católicos de 73,57% (2000) para 64,63% (2010), no Brasil; e, na Bahia, de 74% (2000) para 65,34% (2010).
Por outro lado, os evangélicos vêm crescendo a cada censo: passaram de 15,41% (2000) para 22,16% (2010) no Brasil. Na Bahia apresentam percentuais um pouco menores: eram 11,18% da população em 2000, passando, em 2010, para 17,41%. Com relação ao grupo dos “sem religião”, a dinâmica de crescimento é diferente dos evangélicos.
Comparando-se os dados dos censos de 2000 e 2010, verificamos que houve um discreto crescimento dos “sem religião”, no conjunto do país (7,35%e 8,04%) enoEstadoda Bahia (11,39%e12,05%),bem menor do que entre os censos de 1991 e 2000, quando esse segmento efetivamente ganhou relevância numérica.
Essas transformações podem ser observadas também no mundo do futebol, esporte, como sabemos, dominado por ídolos predominantemente provenientes da população pobre e negra desse país.
Essa origem social tradicionalmente evocava um imaginário popular recheado de histórias sobre disputas“mágicas” do vasto repertório das religiosidades afro-brasileiras – como os “trabalhos” ou “ebós” feitos para o sucesso dos times nas grandes decisões –, mas que vem perdendo espaço para as manifestações evangélicas – por exemplo, o “Ministério de Atletas de Cristo”.
O que se observa no mundo do futebol também vale para o conjunto do país. De fato, apesar da visibilidade social das religiões afro-brasileiras, seus números do censo não são expressivos no Brasil (0,31% no Censo de 2010).
Indagações sobre esse descompasso têm intrigado pesquisadores: seria fruto da antiga atitude sincrética do universo afro-católico,que,no censo, acabam identificando-se como católicos?
Outra questão é saber em que medida essas religiões ainda podem ser consideradas único e exclusivo “patrimônio cultural” das populações afrodescendentes.
De certa forma isso continua verdadeiro, pois quando comparamos os resultados do censo com as declarações de cor, sabemos que a grande maioria dos adeptos das religiões afro-brasileiras se declaram pretos e pardos.
Por outro lado, se invertermos a comparação, o mesmo não se verifica: a maior parte dos pretos e pardos do país não se declara adeptos daquelas religiões.
Positivamente essa é uma tendência que pode ser observada já há alguns anos, como indica o sociólogo Flávio Pierucci ao comentar, com base nos dados do Censo 2000, que estes sinalizam um claro deslocamento das tradições religiosas “afro” para o universo “black-evangelicals” entre pretos e pardos.
Negro em campo é regra, mas no comando, exceção
A Tarde / BA - 22/11/2013
ANDRÉ UZÊDA E MAÍRA AZEVEDO
BARREIRA Dentre os 20 clubes que formam a elite do futebol brasileiro há apenas dois sob o comando técnico de afrodescendentes: Bahia e Flamengo
A miudeza de um colar e um chocolate são símbolos fortes para traduzir a luta por afirmação racial nos primórdios do futebol brasileiro. A conquista de lugar no campo foi ampliada, mas para cargos de comando a luta persiste.
O personagem para começar a contar essa história é Leônidas da Silva, que, de acusado pelo furto de uma joia, virou referência de arte no futebol a ponto de dar nome a um chocolate fino: Diamante Negro, uma gostosa ironia com a acusação.
Em 1932, quando o esporte ainda era regido pelas regras do amadorismo, Leônidas da Silva, então no Bonsucesso do Riode Janeiro, virou alvo de uma campanha difamatória.
Sua presença em campo era acompanhada pela vaia das arquibancadas, o coro de reprovação dos times rivais e ataques implacáveis dos jornais.
Segundo narra o jornalista Mário Filho, no clássico O Negro no Futebol Brasileiro (1947), uma mulher da alta sociedade carioca acusou o jogador, então com 18 anos, de ter furtado um colar que ela possuía.
Leônidas virou peça de chacota dos adversários, passando a conviver com os brados impiedosos
de “olha o colar”, “preto sem-vergonha” e “negro sujo”.
O Bonsucesso chegou a pagar.
ENTREVISTA Jorge Luís Andrade da Silva
DUVIDAM DA CAPACIDADE DE UM NEGRO PARA TRABALHAR COMO TREINADOR
Como jogador, Jorge Luís Andrade da Silva,56anos, ficou conhecido pela precisão e elegância dos passes. Em 2009, era auxiliar no Flamengo quando teve que assumir o comando após a demissão do técnico Cuca. Após uma vitória contra o Santos, o Flamengo sob o comando de Andrade fez uma arrancada histórica e conquistou o Campeonato Brasileiro. Com seis títulos nacionais – cinco como jogador e um como técnico–, além de campeão da Libertadores da América e de um Mundial de Clubes, Andrade está há um ano e seis meses desempregado. O motivo, segundo ele, é o racismo.
CLEIDIANA RAMOS
Você está há quanto tempo sem treinar um time?
Um ano e meio.
Você tem uma extensa experiência comojogador etambémcomo técnico, afinal foi campeão em 2009como clube mais popular do País, que é o Flamengo. A dificuldade é por conta do racismo?
Não tenho nenhuma dúvida. Como jogadores os negros são até bem vistos, mas na hora de assumir o comando de um clube aí aparecem as dificuldades. Duvidam da capacidade de um negro como treinador e quando está trabalhando ele é, certamente, bem mais cobrado.
Como foi a sua preparação para passar da condição de jogador a treinador?
As pessoas, geralmente, pensam que eu caí de paraquedas no Flamengo e que meu papel era administrar crises. Não é assim. Eu fiz cursos e me preparei. Como técnico comecei no CFZ, ao lado de Zico, onde treinei a base, juniores e profissional na segunda divisão do Campeonato Carioca. Tive uma passagem na Seleção Brasileira treinando o Sub-17. O grupo foi campeão sul-americano. No Flamengo fui auxiliar de 11 técnicos até assumir o comando do time em 2009 e ganhar o título.
Você fez um trabalho que era difícil no Flamengo. O grupo tinha jogadores consagrados, mas com vários problemas técnicos e também políticos.
Eu sabia do potencial dos jogadores e aliei o que pensava como esquema tático a muita conversa para que, no caso de alguns, recuperassem a confiançae no caso de outros percebessem o talento que carregavam.O resultado foi o título para o Flamengo depois de 17 anos.
Em 2010 você foi demitido doFlamengo ou quis sair?
Fui demitido com 76% de aproveitamento somando a disputa do Estadual e da Libertadores da América.
Após a saída do Flamengo onde você trabalhou?
Fiz dez ou 12 jogos com o Brasiliense (na série B); três pelo Paysandu e treinei o Boa Vista no Estadual do Rio de Janeiro por sete jogos. De lápara cá é um ano e meio sem trabalhar. Será que meu currículo não é suficiente para ter uma nova chance quando os treinadores entram e saem do comando dos clubes?
ANDRÉ UZÊDA E MAÍRA AZEVEDO
BARREIRA Dentre os 20 clubes que formam a elite do futebol brasileiro há apenas dois sob o comando técnico de afrodescendentes: Bahia e Flamengo
A miudeza de um colar e um chocolate são símbolos fortes para traduzir a luta por afirmação racial nos primórdios do futebol brasileiro. A conquista de lugar no campo foi ampliada, mas para cargos de comando a luta persiste.
O personagem para começar a contar essa história é Leônidas da Silva, que, de acusado pelo furto de uma joia, virou referência de arte no futebol a ponto de dar nome a um chocolate fino: Diamante Negro, uma gostosa ironia com a acusação.
Em 1932, quando o esporte ainda era regido pelas regras do amadorismo, Leônidas da Silva, então no Bonsucesso do Riode Janeiro, virou alvo de uma campanha difamatória.
Sua presença em campo era acompanhada pela vaia das arquibancadas, o coro de reprovação dos times rivais e ataques implacáveis dos jornais.
Segundo narra o jornalista Mário Filho, no clássico O Negro no Futebol Brasileiro (1947), uma mulher da alta sociedade carioca acusou o jogador, então com 18 anos, de ter furtado um colar que ela possuía.
Leônidas virou peça de chacota dos adversários, passando a conviver com os brados impiedosos
de “olha o colar”, “preto sem-vergonha” e “negro sujo”.
O Bonsucesso chegou a pagar.
ENTREVISTA Jorge Luís Andrade da Silva
DUVIDAM DA CAPACIDADE DE UM NEGRO PARA TRABALHAR COMO TREINADOR
Como jogador, Jorge Luís Andrade da Silva,56anos, ficou conhecido pela precisão e elegância dos passes. Em 2009, era auxiliar no Flamengo quando teve que assumir o comando após a demissão do técnico Cuca. Após uma vitória contra o Santos, o Flamengo sob o comando de Andrade fez uma arrancada histórica e conquistou o Campeonato Brasileiro. Com seis títulos nacionais – cinco como jogador e um como técnico–, além de campeão da Libertadores da América e de um Mundial de Clubes, Andrade está há um ano e seis meses desempregado. O motivo, segundo ele, é o racismo.
CLEIDIANA RAMOS
Você está há quanto tempo sem treinar um time?
Um ano e meio.
Você tem uma extensa experiência comojogador etambémcomo técnico, afinal foi campeão em 2009como clube mais popular do País, que é o Flamengo. A dificuldade é por conta do racismo?
Não tenho nenhuma dúvida. Como jogadores os negros são até bem vistos, mas na hora de assumir o comando de um clube aí aparecem as dificuldades. Duvidam da capacidade de um negro como treinador e quando está trabalhando ele é, certamente, bem mais cobrado.
Como foi a sua preparação para passar da condição de jogador a treinador?
As pessoas, geralmente, pensam que eu caí de paraquedas no Flamengo e que meu papel era administrar crises. Não é assim. Eu fiz cursos e me preparei. Como técnico comecei no CFZ, ao lado de Zico, onde treinei a base, juniores e profissional na segunda divisão do Campeonato Carioca. Tive uma passagem na Seleção Brasileira treinando o Sub-17. O grupo foi campeão sul-americano. No Flamengo fui auxiliar de 11 técnicos até assumir o comando do time em 2009 e ganhar o título.
Você fez um trabalho que era difícil no Flamengo. O grupo tinha jogadores consagrados, mas com vários problemas técnicos e também políticos.
Eu sabia do potencial dos jogadores e aliei o que pensava como esquema tático a muita conversa para que, no caso de alguns, recuperassem a confiançae no caso de outros percebessem o talento que carregavam.O resultado foi o título para o Flamengo depois de 17 anos.
Em 2010 você foi demitido doFlamengo ou quis sair?
Fui demitido com 76% de aproveitamento somando a disputa do Estadual e da Libertadores da América.
Após a saída do Flamengo onde você trabalhou?
Fiz dez ou 12 jogos com o Brasiliense (na série B); três pelo Paysandu e treinei o Boa Vista no Estadual do Rio de Janeiro por sete jogos. De lápara cá é um ano e meio sem trabalhar. Será que meu currículo não é suficiente para ter uma nova chance quando os treinadores entram e saem do comando dos clubes?
Vítimas costumam desistir de levar processos até o fim - ANDRÉ UZÊDA
A Tarde / BA - 20/11/2013
Vergonha, medo ou crença no jargão “Não vai dar em nada”, típico da impunidade. No futebol, poucos são os casos de injúria racial que terminam comsanções criminais, mesmo quando há testemunhas nas ações em curso (veja relação de casos de racismo nos campos brasileiros ao lado).
De acordo com o advogado Samuel Vida, professor e ativista do movimento negro, via de regra, poucas são as vítimas de discriminação que vão adiante com as denúncias.
“O futebol apenas reflete uma situação geral da sociedade. Mesmo sendo um crime inafiançável desde a Constituição de 1988, as atitudes racistas não têm sido coibidas pelo rigor da lei”, diz.
Um dos casos mais famosos de racismo no futebol brasileiro aconteceu em 2005, no jogo São Paulo x Quilmes, pela Libertadores da América.
O jogador argentino Desábato chegou a ser preso após ter xingado o atleta Grafite de “macaco” dentro de campo. Desábato foi detido ainda no Morumbi ficando dois dias na cadeia. Ele só foi liberado após pagar R$ 10 mil de multa.
Grafite, porém, algum tempo depois, veio a retirar a denúncia por injúria racial. “Isso acontece porque o próprio jogador acha que é danoso para sua imagem estar associado a esse lado de contestação. É um erro tremendo”, analisa o doutor em antropologia Roberto Albergaria.
Desistência
Outro caso de injúria racial que parou antes mesmo da sentença final ocorreu na Bahia, também no ano de 2005. E pelo mesmo motivo de desistência. O então presidente do Vitória, Paulo Carneiro, foi acusado de racismo após, supostamente, ter chamado o goleiro Felipe de “macaco”.
Felipe acionou a Justiça, mas, assim como Grafite, desistiu da ação. “Nós insistimos para levar issoadiante, pois era uma caso grave. Eu cheguei a oferecer a denúncia, mas, infelizmente, o jogador não quis prosseguir com ela. Tentamos insistir, sem sucesso”, diz Lidivaldo Britto, procurador de justiça que foi o primeiro titular da Promotoria de Combate ao Racismo do Ministério Público da Bahia, criada em 1997.
A reportagem tentou contato com o goleiro Felipe, qu está jogando pelo Flamengo, mas não houve retorno. O dirigente Paulo Carneiro também foi procurado, mas as ligações telefônicas não foram retornadas.
De acordo com a Comissão do Negro e de Assuntos Anti- Discriminatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre os anos de 1951 e 1988, apenas nove casos de racismo foram levados para a Justiça no Brasil.
Após a Constituição, este número cresceu para cerca de 300 em todo o País. Apenas em 1998, com a regulamentação do Código Penal, foi tipificado o crime de injúria (ato ofensivo à dignidade de alguém) com o agravante do crime de preconceito racial.
“A mudança da lei, juntamente com a ação do movimento negro, tem levado a coibir manifestações racistas no Brasil. Porém, só quando as pessoas passarem a ser punidas o racismo vai acabar”, diz o advogado Samuel Vida.
CASOS DE RACISMO NO FUTEBOL BRASILEIRO
DESÁBATO X GRAFITE
O jogador argentino Desábato chamou o brasileiro Grafite de “macaco” durante jogo da Libertadores da América no ano de 2005. O argentino ficou detido por dois dias e pagou multa no valor de R$ 10 mil
TINGA
Em 2005, o volante Tinga, do Internacional, ouviu ofensas racistas vindas da torcida do Juventude, pela disputa do Campeonato Brasileiro. Toda vez que pegava na bola, era chamado de “macaco”. O atleta não chegou a registrar queixa
FELIPE X PAULO CARNEIRO
O então presidente do Esporte Clube Vitória, Paulo Carneiro, teria ofendido o goleiro do time, após a queda para a Série C, no ano de 2005. O goleiro ofereceu denúncia, mas não deu prosseguimento ao processo
DANILO X MANOEL
Os zagueiros Danilo (do Atlético-PR) e Manoel (do Palmeiras) se desentenderam durante jogo
da Copa do Brasil, no ano de 2009. O palmeirense teria cuspido no adversário e cometido injúrias raciais. O caso foi registrado como injúria qualificada por racismo e foi parar na delegacia. Os dois jogadores foram suspensos de alguns jogos
ANTÔNIO CARLOS X JEOVÂNIO
O zagueiro Antônio Carlos Zago, que já teve passagens pela Seleção Brasileira, brigou com o companheiro de time Jeovânio, durante o jogo. O caso aconteceu em 2006. Durante a discussão, Zago fez gestuais com o braço, insinuando a cor de pele do jogador. O zagueiro foi suspenso por 120 dias e disse ter se arrependido do ato racista.
Vergonha, medo ou crença no jargão “Não vai dar em nada”, típico da impunidade. No futebol, poucos são os casos de injúria racial que terminam comsanções criminais, mesmo quando há testemunhas nas ações em curso (veja relação de casos de racismo nos campos brasileiros ao lado).
De acordo com o advogado Samuel Vida, professor e ativista do movimento negro, via de regra, poucas são as vítimas de discriminação que vão adiante com as denúncias.
“O futebol apenas reflete uma situação geral da sociedade. Mesmo sendo um crime inafiançável desde a Constituição de 1988, as atitudes racistas não têm sido coibidas pelo rigor da lei”, diz.
Um dos casos mais famosos de racismo no futebol brasileiro aconteceu em 2005, no jogo São Paulo x Quilmes, pela Libertadores da América.
O jogador argentino Desábato chegou a ser preso após ter xingado o atleta Grafite de “macaco” dentro de campo. Desábato foi detido ainda no Morumbi ficando dois dias na cadeia. Ele só foi liberado após pagar R$ 10 mil de multa.
Grafite, porém, algum tempo depois, veio a retirar a denúncia por injúria racial. “Isso acontece porque o próprio jogador acha que é danoso para sua imagem estar associado a esse lado de contestação. É um erro tremendo”, analisa o doutor em antropologia Roberto Albergaria.
Desistência
Outro caso de injúria racial que parou antes mesmo da sentença final ocorreu na Bahia, também no ano de 2005. E pelo mesmo motivo de desistência. O então presidente do Vitória, Paulo Carneiro, foi acusado de racismo após, supostamente, ter chamado o goleiro Felipe de “macaco”.
Felipe acionou a Justiça, mas, assim como Grafite, desistiu da ação. “Nós insistimos para levar issoadiante, pois era uma caso grave. Eu cheguei a oferecer a denúncia, mas, infelizmente, o jogador não quis prosseguir com ela. Tentamos insistir, sem sucesso”, diz Lidivaldo Britto, procurador de justiça que foi o primeiro titular da Promotoria de Combate ao Racismo do Ministério Público da Bahia, criada em 1997.
A reportagem tentou contato com o goleiro Felipe, qu está jogando pelo Flamengo, mas não houve retorno. O dirigente Paulo Carneiro também foi procurado, mas as ligações telefônicas não foram retornadas.
De acordo com a Comissão do Negro e de Assuntos Anti- Discriminatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre os anos de 1951 e 1988, apenas nove casos de racismo foram levados para a Justiça no Brasil.
Após a Constituição, este número cresceu para cerca de 300 em todo o País. Apenas em 1998, com a regulamentação do Código Penal, foi tipificado o crime de injúria (ato ofensivo à dignidade de alguém) com o agravante do crime de preconceito racial.
“A mudança da lei, juntamente com a ação do movimento negro, tem levado a coibir manifestações racistas no Brasil. Porém, só quando as pessoas passarem a ser punidas o racismo vai acabar”, diz o advogado Samuel Vida.
CASOS DE RACISMO NO FUTEBOL BRASILEIRO
DESÁBATO X GRAFITE
O jogador argentino Desábato chamou o brasileiro Grafite de “macaco” durante jogo da Libertadores da América no ano de 2005. O argentino ficou detido por dois dias e pagou multa no valor de R$ 10 mil
TINGA
Em 2005, o volante Tinga, do Internacional, ouviu ofensas racistas vindas da torcida do Juventude, pela disputa do Campeonato Brasileiro. Toda vez que pegava na bola, era chamado de “macaco”. O atleta não chegou a registrar queixa
FELIPE X PAULO CARNEIRO
O então presidente do Esporte Clube Vitória, Paulo Carneiro, teria ofendido o goleiro do time, após a queda para a Série C, no ano de 2005. O goleiro ofereceu denúncia, mas não deu prosseguimento ao processo
DANILO X MANOEL
Os zagueiros Danilo (do Atlético-PR) e Manoel (do Palmeiras) se desentenderam durante jogo
da Copa do Brasil, no ano de 2009. O palmeirense teria cuspido no adversário e cometido injúrias raciais. O caso foi registrado como injúria qualificada por racismo e foi parar na delegacia. Os dois jogadores foram suspensos de alguns jogos
ANTÔNIO CARLOS X JEOVÂNIO
O zagueiro Antônio Carlos Zago, que já teve passagens pela Seleção Brasileira, brigou com o companheiro de time Jeovânio, durante o jogo. O caso aconteceu em 2006. Durante a discussão, Zago fez gestuais com o braço, insinuando a cor de pele do jogador. O zagueiro foi suspenso por 120 dias e disse ter se arrependido do ato racista.
FERNANDO BRANT » Jango
Quando houve o plebiscito para se restabelecer o presidencialismo também me entusiasmei
Estado de Minas: 20/11/2013
Estado de Minas: 20/11/2013
Era semana santa.
Estava em Diamantina, depois de alguns anos de ausência. As mesmas
pedras capistranas em que corria atrás de bola até meus 9 anos estavam
lá. As mesmas igrejas, a mesma paisagem, o mesmo povo simples. Diferente
era, bares abertos na sexta-feira, o bispo dom Sigaud abençoando
(será?) os frequentadores dos botequins. Tinha nas mãos uma inofensiva
Coca-Cola, mas também fui atingido pelos gestos episcopais. Meu irmão,
estudante com índole de líder, agitava o seminário religioso com
discurso inflamado contra o golpe que se anunciava.
Acompanhava os fatos nacionais e tinha uma impressão positiva da ação e das falas do gaúcho João Goulart. Sabia das prometidas reformas de base, que dividiam o país. Era um assunto essencial nos intervalos das aulas do Colégio Estadual. Lia os jornais de casa e assistira pela tevê ao comício do dia 13 de março, no Rio de Janeiro, quando uma multidão aplaudiu os oradores que defendiam as mudanças a serem feitas na estrutura do Brasil.
Já simpatizara, antes, com o jingle cantado por Jorge Goulart na eleição de 1960: “Na hora de votar eu vou jangar, eu vou jangar, é o Jango, é o Jango, é o Jango Goulart”. Quando houve o plebiscito para se restabelecer o presidencialismo também me entusiasmei, mesmo não tendo ainda o direito de votar (sem saber, naquele tempo, que só participaria de eleições nacionais quase 30 anos mais tarde). Torci e cantei: “Vou fazer um xis no quadrinho ao lado da palavra não, parlamentarismo não, o povo tem razão, vou fazer um não”. Em outras circunstâncias, outra realidade e mais conhecimento, iria votar no parlamentarismo já em tempos de democracia reconquistada.
Agora que o restos mortais de João Goulart chegam a Brasília, 37 anos depois de sua suspeita morte no exílio, e que seu papel em nossa história é oficialmente reconhecido, lembro-me de um texto que escrevi para o filme Jango, de meu amigo Sílvio Tendler .
Sinto que vale a pena recordar:
“Os acontecimentos daqueles dias ainda estão claros na memória:
fechado no escuro do quarto
querendo fugir do mundo
que me chegava pelo rádio
eu, pouco mais que um
menino, chorava como se fosse morte, a viagem-fuga do
presidente Jango.
Os anos passados, a maturidade
e a visão diária da injustiça e do ódio da opressão e do medo
vieram confirmar meus
sentimentos.
Em nome da verdade e da
história eu, adulto, reafirmo o menino: as lágrimas derramadas em 1964 continuam justas”.
Acompanhava os fatos nacionais e tinha uma impressão positiva da ação e das falas do gaúcho João Goulart. Sabia das prometidas reformas de base, que dividiam o país. Era um assunto essencial nos intervalos das aulas do Colégio Estadual. Lia os jornais de casa e assistira pela tevê ao comício do dia 13 de março, no Rio de Janeiro, quando uma multidão aplaudiu os oradores que defendiam as mudanças a serem feitas na estrutura do Brasil.
Já simpatizara, antes, com o jingle cantado por Jorge Goulart na eleição de 1960: “Na hora de votar eu vou jangar, eu vou jangar, é o Jango, é o Jango, é o Jango Goulart”. Quando houve o plebiscito para se restabelecer o presidencialismo também me entusiasmei, mesmo não tendo ainda o direito de votar (sem saber, naquele tempo, que só participaria de eleições nacionais quase 30 anos mais tarde). Torci e cantei: “Vou fazer um xis no quadrinho ao lado da palavra não, parlamentarismo não, o povo tem razão, vou fazer um não”. Em outras circunstâncias, outra realidade e mais conhecimento, iria votar no parlamentarismo já em tempos de democracia reconquistada.
Agora que o restos mortais de João Goulart chegam a Brasília, 37 anos depois de sua suspeita morte no exílio, e que seu papel em nossa história é oficialmente reconhecido, lembro-me de um texto que escrevi para o filme Jango, de meu amigo Sílvio Tendler .
Sinto que vale a pena recordar:
“Os acontecimentos daqueles dias ainda estão claros na memória:
fechado no escuro do quarto
querendo fugir do mundo
que me chegava pelo rádio
eu, pouco mais que um
menino, chorava como se fosse morte, a viagem-fuga do
presidente Jango.
Os anos passados, a maturidade
e a visão diária da injustiça e do ódio da opressão e do medo
vieram confirmar meus
sentimentos.
Em nome da verdade e da
história eu, adulto, reafirmo o menino: as lágrimas derramadas em 1964 continuam justas”.
Frei Betto - Inconsciência branca
Inconsciência branca
Esta data deveria ser comemorada nas escolas com lições históricas sobre o preconceito e discriminação, e depoimentos de negros
Frei Betto
Estado Minas : 20/11/2013
Por ser data de
comemoração de Zumbi dos Palmares (1655—1695), último líder heroico do
mais importante quilombo brasileiro, 20 de novembro é dedicada à
consciência negra. É também “Dia da Inconsciência Branca”. Foram as
armas que deram aos colonizadores europeus o poder opressor sobre as
nações da África negra. Em nome de Deus e de um projeto civilizatório,
invadiram o continente africano e submeteram o seu povo ao jugo da
escravidão.
Obrigado a aceitar o batismo cristão, a marca do sacramento era gravada nas peles negras a ferro e fogo. O propósito: livrá-los, após esta vida, das chamas eternas do inferno, por culpa de suas crenças animistas e rituais eróticos. Destinava-os, porém, nesta terra, ao suplício do trabalho árduo, das sevícias, das chibatas, das torturas e da morte atroz. De tal arrogância se nutria a inconsciência branca que, ao qualificar de raça a mera diferença de coloração epidérmica, elevou-a à categoria de pretensa ciência. Buscou-se na Bíblia a caricatura de um deus maldito que, após o dilúvio universal, teria criado a descendência negra da Cam (Cão), um dos filhos de Noé.
No Brasil, o preconceito à negritude deita raízes na mais longa história de escravidão das três Américas: 350 anos! Ainda que, hoje, nossas leis condenem a discriminação, sabem os negros que, aqui, eles são duplamente discriminados: por serem negros e pobres. Ao escravo liberto se negou o acesso à terra, que ele tão bem sabia cultivar. Impediu-se ainda o acesso à carreira eclesiástica, aos quartéis (exceto como soldado e bucha de canhão na guerra do Brasil contra o Paraguai), às escolas particulares.
Na década de 1950, no Colégio Dom Silvério, em Belo Horizonte, ouvi irmão Caetano Maria, procedente de Angola, apregoar na sala de aula que negros eram inaptos à matemática e às ciências abstratas, vocacionados à música e aos trabalhos manuais. A inconsciência branca viceja, ainda hoje, na promoção turística da mulata carnavalesca, ela sim liberada, por leis e censores, a exibir em público seu corpo nu. É a inconsciência branca que protesta contra o direito de cotas para negros nas universidades; encara com suspeita o negro encontrado em espaços predominantemente ocupados por brancos; induz a polícia a expor garras ferozes ao revistar jovens negros.
O profetismo heroico de Zumbi, Mandela, Luther King e tantos outros ainda não logrou descontaminar nossa cultura do ranço do preconceito e da discriminação. Quantos executivos negros ocupam cargos de direção em nossas empresas? Apenas 5,3%. Quantos garçons e chefs de cozinha? Quantos apresentadores de TV e animadores de auditório?
A violência com que médicos brasileiros, todos brancos, submeteram, em Fortaleza “ao corredor polonês da xenofobia” – na expressão do ministro Padilha, da Saúde – o médico cubano Juan Delgado, um negro, a quem a presidente Dilma pediu desculpas em nome do povo brasileiro, bem comprova a inconsciência branca. Essa inconsciência também adota o preconceito às avessas. Festejou-se a eleição de Obama, o primeiro negro na Casa Branca, como uma pá de piche (cal é branca) na política terrorista do presidente Bush. Esqueceu-se que Obama, antes de ser negro, é estadunidense, convencido do direito (divino?) de supremacia dos EUA sobre as demais nações do mundo. Por que haveria ele de pedir desculpas por espionar a presidente Dilma se não está disposto a abdicar dessa violação? Obama é tão guerreiro e cínico quanto Bush.
Com frequência vemos o preconceito às avessas expressar-se na negação da negritude, como se ela fosse um estigma, por meio de eufemismos como afrodescendente. Sou branco, embora traga nas veias sangue indígena e negro, e nunca me chamaram de iberodescendente ou eurodescendente.
A data de 20 de novembro deveria ser comemorada nas escolas com lições históricas sobre o preconceito e discriminação, e depoimentos de negros. De nossa população carcerária, hoje beirando 500 mil detentos, 74% são negros. Nos EUA, de cada 11 presos, apenas 1 é branco. Só a consciência negra é capaz de combater a inconsciência branca e despertá-la, tornando hediondos todos os crimes de preconceito e discriminação.
Obrigado a aceitar o batismo cristão, a marca do sacramento era gravada nas peles negras a ferro e fogo. O propósito: livrá-los, após esta vida, das chamas eternas do inferno, por culpa de suas crenças animistas e rituais eróticos. Destinava-os, porém, nesta terra, ao suplício do trabalho árduo, das sevícias, das chibatas, das torturas e da morte atroz. De tal arrogância se nutria a inconsciência branca que, ao qualificar de raça a mera diferença de coloração epidérmica, elevou-a à categoria de pretensa ciência. Buscou-se na Bíblia a caricatura de um deus maldito que, após o dilúvio universal, teria criado a descendência negra da Cam (Cão), um dos filhos de Noé.
No Brasil, o preconceito à negritude deita raízes na mais longa história de escravidão das três Américas: 350 anos! Ainda que, hoje, nossas leis condenem a discriminação, sabem os negros que, aqui, eles são duplamente discriminados: por serem negros e pobres. Ao escravo liberto se negou o acesso à terra, que ele tão bem sabia cultivar. Impediu-se ainda o acesso à carreira eclesiástica, aos quartéis (exceto como soldado e bucha de canhão na guerra do Brasil contra o Paraguai), às escolas particulares.
Na década de 1950, no Colégio Dom Silvério, em Belo Horizonte, ouvi irmão Caetano Maria, procedente de Angola, apregoar na sala de aula que negros eram inaptos à matemática e às ciências abstratas, vocacionados à música e aos trabalhos manuais. A inconsciência branca viceja, ainda hoje, na promoção turística da mulata carnavalesca, ela sim liberada, por leis e censores, a exibir em público seu corpo nu. É a inconsciência branca que protesta contra o direito de cotas para negros nas universidades; encara com suspeita o negro encontrado em espaços predominantemente ocupados por brancos; induz a polícia a expor garras ferozes ao revistar jovens negros.
O profetismo heroico de Zumbi, Mandela, Luther King e tantos outros ainda não logrou descontaminar nossa cultura do ranço do preconceito e da discriminação. Quantos executivos negros ocupam cargos de direção em nossas empresas? Apenas 5,3%. Quantos garçons e chefs de cozinha? Quantos apresentadores de TV e animadores de auditório?
A violência com que médicos brasileiros, todos brancos, submeteram, em Fortaleza “ao corredor polonês da xenofobia” – na expressão do ministro Padilha, da Saúde – o médico cubano Juan Delgado, um negro, a quem a presidente Dilma pediu desculpas em nome do povo brasileiro, bem comprova a inconsciência branca. Essa inconsciência também adota o preconceito às avessas. Festejou-se a eleição de Obama, o primeiro negro na Casa Branca, como uma pá de piche (cal é branca) na política terrorista do presidente Bush. Esqueceu-se que Obama, antes de ser negro, é estadunidense, convencido do direito (divino?) de supremacia dos EUA sobre as demais nações do mundo. Por que haveria ele de pedir desculpas por espionar a presidente Dilma se não está disposto a abdicar dessa violação? Obama é tão guerreiro e cínico quanto Bush.
Com frequência vemos o preconceito às avessas expressar-se na negação da negritude, como se ela fosse um estigma, por meio de eufemismos como afrodescendente. Sou branco, embora traga nas veias sangue indígena e negro, e nunca me chamaram de iberodescendente ou eurodescendente.
A data de 20 de novembro deveria ser comemorada nas escolas com lições históricas sobre o preconceito e discriminação, e depoimentos de negros. De nossa população carcerária, hoje beirando 500 mil detentos, 74% são negros. Nos EUA, de cada 11 presos, apenas 1 é branco. Só a consciência negra é capaz de combater a inconsciência branca e despertá-la, tornando hediondos todos os crimes de preconceito e discriminação.
TV
TV paga
Estado de Minas: 20/11/2013
Uma família da pesada
Entrar em uma comunidade cigana não é nada fácil. Sair de lá com imagens e relatos de quem vive ali é mais raro ainda. Pois é isso que o programa Irmãs ciganas vai fazer: revelar os segredos de uma tribo de West Virginia (EUA), mais precisamente a família Stanley, um orgulhoso clã que segue à risca tudo o que manda a tradição de seus antepassados. O curioso nessa série que estreia hoje, às 10h, no canal TLC, é que quatro mulheres lideram essa família. Nettie, Laura, Mellie e Kayla (foto) levam tudo ao extremo, inclusive as brigas e o amor.
SescTV reúne virtuoses da música instrumental
Os músicos Nailor Proveta (sax e clarinete), Dante Ozzetti (violão), Arismar do Espírito Santo (violão e guitarra) e André Mehmari (piano, teclados e acordeom) se reúnem em um concerto climático sobre as estações da natureza. Para realizar o espetáculo, cada um levou um parceiro instrumentista para completar a banda. São eles Fábio Peron (bandolim), Neymar Dias (baixo e viola caipira), Sergio Reze (bateria e percussão) e Walmir Gil (trompete). Confira às 22h, no SescTV.
Astros do pop dão canja no desenho dos Simpsons
Por falar em música, Jorginho do Império, filho de Mano Décio da Viola – um dos fundadores da Império Serrano –, conta histórias e, com o pandeiro em mãos, interpreta Choro verde e branco, Água no feijão e O que você tem garota? na edição de hoje de Enciclopédia do samba, às 18h45, no Canal Brasil. Já às 21h30, em Sangue latino, Eric Nepomuceno entrevista a cantora argentina Adriana Varela. E na Fox, a partir das 20h, a Noite amarela vai emendar episódios de Os Simpsons com os astros do pop Katy Perry, Cindy Lauper, R.E.M., Elton John, U2 e Lady Gaga.
SescTV invade o ateliê de Rivane Neuenschwander
A mineira Rivane Neuenschwander é a personalidade da vez na série Artes visuais, hoje, às 21h30, no SescTV. Natural de Belo Horizonte, a artista plástica ficou conhecida por desenvolver um trabalho ligado à linguagem, ao jogo de palavras, à memória, formas e cores. O programa rendeu tanto material que terá uma segunda parte, que será exibida quarta-feira que vem, no mesmo horário.
PC Siqueira vai contar tudo o que sabe da vida
Um dos vlogueiros mais populares no Brasil, PC Siqueira é o convidado de hoje de Cauê Moura, Pathy dos Reis e Fábio Rabin no programa Wébico, às 21h, no Multishow. Criador do canal virtual MASPOXAVIDA, PC já teve programa também na MTV. Em meio a vídeos engraçados e clássicos da internet, ele vai falar sobre sua carreira, suas esquisitices e a diversidade que se encontra na rede mundial de computadores.
Telecine emenda dois filmes de Woody Allen
O Telecine Cult continua a seleção de filmes de Woody Allen na sessão Drive-in, reservando para hoje as comédias Manhattan (20h10) e Vicky Cristina Bracelona (22h). Na concorrida faixa das 22h, o assinante tem mais oito opções: Todo mundo tem problemas sexuais, no Canal Brasil; Projeto X, na HBO 2; João e Maria: caçadores de bruxas, no Telecine Pipoca; Um método perigoso, no Telecine Touch; Terror na Antártida, no Space; Fomos heróis, na MGM; Gangues de Nova York, no Sony Spin; e Os donos da rua, no TCM Outras atrações da programação: Distrito 9, às 22h40, no Universal Channel; Eu, meu irmão e
nossa namorada, às 23h, no Comedy Central; e Indiana Jones
e a última cruzada, às 23h55,
no Megapix.
CARAS E BOCAS »
Fonte de inspiração
Simone Castro
simone.castro@uai.com.br
Renata Sorrah fala sobre papeis marcantes e revela que sente-se mais à vontade no palco do que na vida real |
Convidada do Damas da TV desta quarta-feira, às 21h, no Viva (TV paga), a atriz Renata Sorrah, intérprete da inesquecível Nazaré Tedesco, da novela Senhora do destino, conta que para viver sua primeira vilã na telinha inspirou-se em Medeia, personagem mitológica retratada na tragédia grega de Eurípedes, que ela encenou no teatro pouco antes da estreia da novela: “Não existe uma mulher pior do que a Medeia. Ela mata os próprios filhos. Então, eu já estava treinada”. Ainda sobre a personagem da novela, Renata afirma: “Acho que a grande coisa dela é o humor. Nada dava certo e ela não era maquiavélica. Era uma coitada, uma maluca, doida, mas um personagem adorável”.
A atriz relembra outra personagem marcante, a Heleninha Roitman, de Vale tudo, que era alcoólatra. Para saber mais sobre o alcoolismo, Renata foi várias vezes ao Alcoólatras Anônimos. O nome da personagem virou sinônimo de excesso de bebida. “A Heleninha foi milênios atrás. Uma geração toda não tinha visto. Por causa da reapresentação no Viva, quando saem para beber hoje em dia falam: ‘Olha, cuidado, vai dar uma de Heleninha’”. Renata Sorrah iniciou a carreira no teatro e confessa que se assustou com a fama e com a aproximação dos fãs quando começou a fazer sucesso na telinha. “Sou atriz, mas não posso carregar isso da hora que acordo até a hora de dormir. Não é um título como se eu fosse uma rainha, uma princesa.”A atriz, porém, confessa que se sente mais segura atuando: “Sei viver em cima de um palco. Tenho dificuldade de viver a vida, no palco sei lidar com a situação melhor”.
COMEDIANTE GOSTAVA DE CONTAR PIADAS NA ESCOLA
Fábio Porchat relembra o período escolar entre os anos de 1990 a 2000, quando era aluno no ensino fundamental e médio no Colégio Nossa Senhora do Morumbi, em São Paulo, em episódio do Tempos de escola, que vai ao ar no sábado, às 19h30, no Futura (TV paga). Ele conta que era uma criança muito extrovertida e tinha o hábito de contar histórias e piadas. Muito agitado, Fábio vivia correndo pela escola e o momento mais esperado do dia era o futebol, quando jogava como goleiro do time. O ator recorda-se, particularmente, de um episódio que ganhou fama no colégio, quando ele sofreu um “frango” no gol e a torcida invadiu a quadra de esportes. Em sua trajetória estudantil, o ponto alto era a criatividade. O comediante criou um banco imobiliário personalizado com informações dos amigos e uma crônica humorística para um livro do colégio.
PERSONAGENS DA HISTÓRIA DO BRASIL EM CENA DE SÉRIE
Cartola, Chica da Silva, Bispo do Rosário, Dom Obá e Maria Firmina são alguns dos nomes que fizeram história no Brasil. Eles e mais 11 personagens formam o rol de homenageados da terceira temporada de Heróis de todo mundo, que estreia, hoje, Dia da Consciência Negra, no Futura. Os episódios resgatam personalidades marcantes da cultura afro-brasileira. Os 15 interprogramas da série têm dois minutos de duração cada um e a linguagem ficcional se mistura a elementos documentais. Além disso, conta com criteriosa pesquisa de imagens para mostrar as trajetórias dos “heróis” que servem de exemplo para muitos brasileiros até hoje. A série vai ao ar nos intervalos da programação de quarta a sexta-feira,
às 19h55.
CANTORA QUER MERYL STREEP PARA VIVÊ-LA NAS TELONAS
Susan Boyle, que foi revelada ao mundo depois de uma participação fenomenal no Britain’s got talent, em 2009, quer a atriz Meryl Streep para vivê-la no cinema, em filme que a Fox vai produzir. “Não gostaria de estar no filme. Queria que outra pessoa me interpretasse, provavelmente a Meryl Streep. Sei que ela já foi abordada”, contou ao Metro UK. A atriz ainda não teria dado uma resposta. O filme, um musical, será batizado de I dreamed a dream, que faz referência à música de Os miseráveis, que Susan Boyle interpretou para o reality show britânico.
MUSA DOS PRESIDIÁRIOS
A ex-chacrete Rita Cadillac falou sobre suas participações em filmes pornôs e das fases em que teve que se prostituir. Mas, apesar de tudo, afirmou que “é muito família” em entrevista a Marília Gabriela (foto) no Gabi quase proibida desta quarta-feira, à meia-noite, no SBT/Alterosa. “Sou a Rita Cadillac que é doida e põe a bunda de fora, mas sou muito conservadora, muito família.” Rita contou que se casou virgem e só teve relações sexuais uma semana depois. “Tinha 15 anos e ele, 24.” Ex-dançarina do programa Discoteca do Chacrinha, ela se tornou musa dos presidiários. Sobre os filmes pornôs que fez, relembra: “Precisei ficar bêbada para fazer as cenas. Fui parar no hospital para tomar soro depois. Não me arrependo de nada que fiz na vida. Tudo o que fiz foi consciente”.
VIVA
Mais uma vez, show de Mateus Solano na cena em que Félix é desmascarado em Amor à vida.
VAIA
Autor Walcyr Carrasco se repete em cenários de barracos e dinâmica das cenas em Amor à vida.
Eduardo Almeida Reis - Prosaico e fundamental
Prosaico e fundamental
Tenho a fortuna de preservar faqueiro idoso, de prata Wolf, que me custou R$ 800, quando já era vendido por R$ 2 mil
Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 20/11/2013
Pelo fato de ser prosaico, destituído de nobreza, de belos ideais, aferrado ao lado prático e material da vida, o assunto não deixa de ser importantíssimo e merece comentário nesta bela coluna. Refiro-me, como o leitor de Tiro & Queda, vai entender, à problemática intestina. Nada pior do que intestinos preguiçosos. Se as tripas funcionam como relógios de quartzo, a exemplo das minhas durante decênios, o cavalheiro e a dama começam os seus dias na maior felicidade.
O passar dos anos, problemas emocionais e diversos outros fatores contribuem para a desorganização do quartzo, forma cristalina da sílica, que ocorre em abundância tanto nas rochas ígneas, quanto nas metamórficas ou sedimentares, usado como gema, em objetos ornamentais e na indústria eletrônica.
Nessas emergências, há produtos naturais que funcionam à maravilha, como linhaça dourada moída, mas não muito, no liquidificador: duas colheres de sobremesa, cheias, misturadas numa xícara grande com suco doméstico de laranja, água ou suco adquirido no supermercado. A internet, que hoje dirige nossas vidas, recomenda quatro colheres grandes rasas de linhaça, suponho que dos faqueiros modernos, ordinários, em que a colher “grande” tanto serve para as sopas como para as sobremesas e o resto.
Tenho a fortuna de preservar faqueiro idoso, de prata Wolf, que me custou R$ 800, quando já era vendido por R$ 2 mil. Comprei-o de segunda mão de um mineiro que anunciou nos jornais. Nele, faqueiro, há colheres de sopa e de sobremesa decentes, bem como facas de dois tamanhos.
Em termos intestinais, a linhaça dourada é um tiro de fuzil, mas se o leitor sonhar com um tiro de canhão basta incluir em sua dieta diária uma laranja comum, descascada, ainda com aquela parte branca que fica por baixo do alaranjado da casca. Gelada, comida aos pedaços com a parte branca, de preferência antes do jantar se ingerir a linhaça pela manhã. Veja o pacientíssimo leitor que só falei de uma laranja à noite. Andei comendo duas e o tiro de canhão foi excessivo, exigindo duas visitas diárias ao trono de louça, exagero assaz exagerado, falou?
Texto e figura
Circula por aí um cavalheiro, filho de acadêmico sério, que cultiva a imagem de um aborto da natureza humana: tatuagens, roupas estranhas, unhas pintadas, óculos de hospício e o mais que consiga imaginar pour épater le bourgeois. Mais grave que isso: de vez em quando, arranja quem se case com ele, como vi na tevê. É verdade que a moça tinha tatuagem num pé, mas o resto era apresentável e tinha cara de quem toma banho com frequência.
Parece que o referido cavalheiro ganha sua vida do jeito que se apresenta, dá entrevistas na televisão, publica e vende livros: tudo bem. É melhor do que viver liderando uma facção do PCC ou na bancada federal do PT.
Só não dá para entender que pessoas de bem me encaminhem textos escritos pelo tal cavalheiro. No mundo moderno, parece-me, o texto é inseparável da figura. E a figura do sujeitinho é muito mais que ascorosa.
Primor
Primorosa, encantadora a reprodução fac-similar do Manifesto dos Mineiros providenciada pela Imprensa Oficial, hoje dirigida pelo grande Eugênio Ferraz. Já lhes disse e repito aqui: Eugênio é o retrato são-lourenciano do saudoso coronel Juca, de Curvelo, surpreendido à noite fazendo xixi numa esquina da cidade que nos deu Evaristo Soares de Paula.
Naquele tempo, as mocinhas se assustavam quando avistavam o aparelho reprodutor externo de um representante da espécie Homo sapiens. Saídas de um baile, as mocinhas se assustaram com o coronel, em pé, ao lado de seu fordinho. O fazendeiro foi admirável: “Podem passar, meninas. Precisam ter medo, não. O bicho é brabo, mas tá na mão de homem!”.
Na administração pública mineira, a Imprensa Oficial sempre foi bicho dos mais brabos, mas com Eugênio está na mão de homem. Nele, Manifesto, encontro os nomes de Mário Brant, meu avô, e de seu amigo Tristão da Cunha, avô desse menino Aécio Neves da Cunha. Palmas para a Imprensa Oficial.
O mundo é uma bola
20 de novembro de 1512: naufrágio da nau Frol de la Mar navegando de Malaca para Goa conduzindo Antônio de Albuquerque e o valioso espólio da conquista de um dos mais antigos sultanatos malaios. Malaca, ou Melaka, tem 1.664km2 e cerca de 800 mil moradores em 2010. Consta que foi fundada por Parameswara, um príncipe proveniente de Palimbão, em Srivijaya, um reino malaio da Sumatra, que fugiu de lá depois de um ataque majapahita em 1377. Acho que fez muito bem e admito que também fugiria dos ataques majapahitas. Não existe a palavra frol no Dic. da Real Academia Española. Parece que o galeão português se chamava Flor de la Mar.
Em 1695, tropas do bandeirante Domingos Jorge Velho matam Zumbi no Quilombo dos Palmares. Em 1819, afunda o navio baleeiro Essex, depois do ataque de um cachalote, baleia dentada da família dos fiseterídeos (Physeter catodon), encontrada em todos os oceanos e mares do mundo, com até 20m de comprimento, coloração cinzenta ou preta, cabeça enorme e de formato quase quadrangular.
Hoje é o Dia do Biomédico, do Esteticista e da Consciência Negra no Brasil.
Ruminanças
“Nenhum dever é mais importante do que a gratidão.” (Cícero, 103–46 a.C.)
Tenho a fortuna de preservar faqueiro idoso, de prata Wolf, que me custou R$ 800, quando já era vendido por R$ 2 mil
Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 20/11/2013
Pelo fato de ser prosaico, destituído de nobreza, de belos ideais, aferrado ao lado prático e material da vida, o assunto não deixa de ser importantíssimo e merece comentário nesta bela coluna. Refiro-me, como o leitor de Tiro & Queda, vai entender, à problemática intestina. Nada pior do que intestinos preguiçosos. Se as tripas funcionam como relógios de quartzo, a exemplo das minhas durante decênios, o cavalheiro e a dama começam os seus dias na maior felicidade.
O passar dos anos, problemas emocionais e diversos outros fatores contribuem para a desorganização do quartzo, forma cristalina da sílica, que ocorre em abundância tanto nas rochas ígneas, quanto nas metamórficas ou sedimentares, usado como gema, em objetos ornamentais e na indústria eletrônica.
Nessas emergências, há produtos naturais que funcionam à maravilha, como linhaça dourada moída, mas não muito, no liquidificador: duas colheres de sobremesa, cheias, misturadas numa xícara grande com suco doméstico de laranja, água ou suco adquirido no supermercado. A internet, que hoje dirige nossas vidas, recomenda quatro colheres grandes rasas de linhaça, suponho que dos faqueiros modernos, ordinários, em que a colher “grande” tanto serve para as sopas como para as sobremesas e o resto.
Tenho a fortuna de preservar faqueiro idoso, de prata Wolf, que me custou R$ 800, quando já era vendido por R$ 2 mil. Comprei-o de segunda mão de um mineiro que anunciou nos jornais. Nele, faqueiro, há colheres de sopa e de sobremesa decentes, bem como facas de dois tamanhos.
Em termos intestinais, a linhaça dourada é um tiro de fuzil, mas se o leitor sonhar com um tiro de canhão basta incluir em sua dieta diária uma laranja comum, descascada, ainda com aquela parte branca que fica por baixo do alaranjado da casca. Gelada, comida aos pedaços com a parte branca, de preferência antes do jantar se ingerir a linhaça pela manhã. Veja o pacientíssimo leitor que só falei de uma laranja à noite. Andei comendo duas e o tiro de canhão foi excessivo, exigindo duas visitas diárias ao trono de louça, exagero assaz exagerado, falou?
Texto e figura
Circula por aí um cavalheiro, filho de acadêmico sério, que cultiva a imagem de um aborto da natureza humana: tatuagens, roupas estranhas, unhas pintadas, óculos de hospício e o mais que consiga imaginar pour épater le bourgeois. Mais grave que isso: de vez em quando, arranja quem se case com ele, como vi na tevê. É verdade que a moça tinha tatuagem num pé, mas o resto era apresentável e tinha cara de quem toma banho com frequência.
Parece que o referido cavalheiro ganha sua vida do jeito que se apresenta, dá entrevistas na televisão, publica e vende livros: tudo bem. É melhor do que viver liderando uma facção do PCC ou na bancada federal do PT.
Só não dá para entender que pessoas de bem me encaminhem textos escritos pelo tal cavalheiro. No mundo moderno, parece-me, o texto é inseparável da figura. E a figura do sujeitinho é muito mais que ascorosa.
Primor
Primorosa, encantadora a reprodução fac-similar do Manifesto dos Mineiros providenciada pela Imprensa Oficial, hoje dirigida pelo grande Eugênio Ferraz. Já lhes disse e repito aqui: Eugênio é o retrato são-lourenciano do saudoso coronel Juca, de Curvelo, surpreendido à noite fazendo xixi numa esquina da cidade que nos deu Evaristo Soares de Paula.
Naquele tempo, as mocinhas se assustavam quando avistavam o aparelho reprodutor externo de um representante da espécie Homo sapiens. Saídas de um baile, as mocinhas se assustaram com o coronel, em pé, ao lado de seu fordinho. O fazendeiro foi admirável: “Podem passar, meninas. Precisam ter medo, não. O bicho é brabo, mas tá na mão de homem!”.
Na administração pública mineira, a Imprensa Oficial sempre foi bicho dos mais brabos, mas com Eugênio está na mão de homem. Nele, Manifesto, encontro os nomes de Mário Brant, meu avô, e de seu amigo Tristão da Cunha, avô desse menino Aécio Neves da Cunha. Palmas para a Imprensa Oficial.
O mundo é uma bola
20 de novembro de 1512: naufrágio da nau Frol de la Mar navegando de Malaca para Goa conduzindo Antônio de Albuquerque e o valioso espólio da conquista de um dos mais antigos sultanatos malaios. Malaca, ou Melaka, tem 1.664km2 e cerca de 800 mil moradores em 2010. Consta que foi fundada por Parameswara, um príncipe proveniente de Palimbão, em Srivijaya, um reino malaio da Sumatra, que fugiu de lá depois de um ataque majapahita em 1377. Acho que fez muito bem e admito que também fugiria dos ataques majapahitas. Não existe a palavra frol no Dic. da Real Academia Española. Parece que o galeão português se chamava Flor de la Mar.
Em 1695, tropas do bandeirante Domingos Jorge Velho matam Zumbi no Quilombo dos Palmares. Em 1819, afunda o navio baleeiro Essex, depois do ataque de um cachalote, baleia dentada da família dos fiseterídeos (Physeter catodon), encontrada em todos os oceanos e mares do mundo, com até 20m de comprimento, coloração cinzenta ou preta, cabeça enorme e de formato quase quadrangular.
Hoje é o Dia do Biomédico, do Esteticista e da Consciência Negra no Brasil.
Ruminanças
“Nenhum dever é mais importante do que a gratidão.” (Cícero, 103–46 a.C.)
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