quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Rumos da repressão contra maconha


Tendências/Debates - Folha de São Paulo


RICARDO SAYEG
TENDÊNCIAS/DEBATES
O ASSUNTO DE HOJE: RUMOS DA REPRESSÃO CONTRA A MACONHA
A maconha faz parte da armadilha
Não há humanismo em tolerar o uso pessoal. Deixá-lo à opção de cada um é ser indiferente à saúde pública e às vítimas, que entregaram a sua dignidade
A pretensa tendência de liberalização da maconha é um atentado contra todos. As drogas, inclusive a maconha, não devem ser nem sequer descriminalizadas. O seu uso pessoal extrapola as liberdades da intimidade e da vida privada das pessoas, por ser questão de saúde pública.
De fato, é certo que o usuário de drogas não é um bandido. Antes de tudo, é vítima. A sociedade atual, voltada ao consumo material e às mídias massificadoras, sujeita as pessoas à desintegração das relações humanas e familiares, bem como ao vazio de sentido, propósitos e ideais.
Os antropólogos falam da era do vazio, da era da decepção, da sociedade líquida, da antropologia da solidão. Para o desespero de Fernando Pessoa, se depender da sociedade atual, a alma será pequena.
Na pequenez da alma, a terrível armadilha moderna, que está à espreita das pessoas, em especial dos jovens e mesmo das crianças: o uso pessoal de drogas, que joga o ser humano numa espiral para baixo, abrindo as portas da dor e da ruína.
A droga acabou com as pessoas e com seus cérebros, arruinou sua dignidade, capturou suas almas, as conduziu para a criminalidade. No fim do poço, transformou-as naqueles zumbis da cracolândia, em condições infra-humanas.
Dói só de pensar nas crianças recém-nascidas, filhas das mães do crack, sofrendo crise de abstinência e já com sequelas gravíssimas.
Errado dizer que a a maconha não faz parte desta armadilha. Faz.
Está comprovado que ela não é inofensiva. Aliás, o Levantamento Nacional sobre Drogas de 2010 é alarmante e demonstrou que tem relevância estatística o uso de drogas por crianças a partir de dez anos. Mostrou também que quem usa uma droga geralmente acaba usando qualquer outra.
Não há humanismo em tolerar o uso pessoal de drogas. Ser indiferente ao uso próprio de drogas e deixá-lo ao critério da opção pessoal de cada um, especialmente por criar fácil acesso a jovens e crianças, é ser indiferente à saúde pública e na prática a todas essas vítimas que entregaram a sua dignidade.
Inegável que a capacidade de discernimento do usuário fica prejudicada -e não é ele, por si, que terá lucidez e força para pedir ajuda. Há quem defenda que se deve deixar as pessoas chegarem ao fundo do poço. Mas não dá para se omitir.
Para piorar, o usuário de drogas acaba sendo refém do traficante e, ao fim e ao cabo, financia e contribui para a indústria do tráfico, na condição de consumidor final. Crime, violência e morte, tudo isso escrito pelo vermelho do sangue das vítimas, está intimamente relacionado ao império das drogas.
Assim, o problema do uso próprio de drogas nunca é íntimo e privado, ainda que o consumo seja pessoal, íntimo e privado. É um problema grave e deve ser prioritariamente enfrentado pelas autoridades, com profundo respeito e consideração pelas famílias e vítimas desse mal.
Isto é, mesmo o uso pessoal, íntimo e privado das drogas é um problema coletivo de saúde pública que merece resposta penal. Logo, não é o caso de descriminalizar. Não para vigiar e punir, como diria Foucault, mas para cuidar e desintoxicar, ainda que compulsoriamente.
Significa que os usuários não deviam ser colocados na cadeia, muito pelo contrário, como problema de saúde pública, a resposta penal para o uso pessoal das drogas deve ser, como é, o encaminhamento para compulsório tratamento médico e desintoxicação.

    Deu errado

    DENIS RUSSO BURGIERMAN

    É inevitável que a guerra global contra a maconha acabe. Isso porque simplesmente não é possível acreditar que a humanidade continue insistindo em algo que deu tão errado. Seria muita burrice.
    A proibição global da maconha é uma estratégia recente. Surgiu nos anos 1960, em resposta à contracultura hippie. Em 1971, o então presidente americano Richard Nixon batizou essa estratégia: era a "guerra contra as drogas", uma tentativa de usar a polícia e a justiça criminal para evitar que as pessoas usassem substâncias psicoativas.
    Tendências/Debates: A maconha faz parte da armadilha
    Foi provavelmente a política pública mais desastrosa de toda história do homem na Terra.
    A tal guerra não apenas não funcionou para evitar que as pessoas fumassem maconha: ela levou a um enorme aumento do uso, graças aos lucros surreais que a ilegalidade proporciona. Ainda mais assustador é que, por causa da proibição, surgiram drogas mais potentes e perigosas, como o crack.
    O pior de tudo é que a indústria de drogas, longe da fiscalização dos governos, acabou enriquecendo bandidos e hoje há organizações criminosas milionárias com poder para adquirir armamentos de guerra e corromper polícia, justiça e governo.
    Como essa guerra, em vez de resolver o problema, faz com que ele piore, os gastos dos governos ficam maiores a cada ano. Ou seja, a proibição, além de não funcionar e de gerar uma série de novos problemas, é caríssima --e fica cada vez mais cara, desviando recursos que poderiam ser usados fins mais construtivos, como saúde e educação.
    Cesar Habert Paciornik/Folhapress
    A guerra não acabou até hoje por um só motivo: os políticos.
    É que eles são dependentes de droga. Quer dizer, não exatamente de droga: eles dependem é de que a guerra contra as drogas continue.
    Políticos sabem que a mais poderosa das emoções humanas é o medo: é muito mais fácil ganhar votos assustando as pessoas do que com um esforço racional de imaginar sistemas mais inteligentes. É por isso que, apesar de ter ficado óbvio que é preciso mudar de rumo, políticos do mundo inteiro continuam defendendo a manutenção da guerra.
    Felizmente, em praticamente todos os países de nível razoável de desenvolvimento, a sociedade civil está arrancando das mãos dos políticos as rédeas dos sistemas para lidar com drogas. Na Espanha, por exemplo, surgiu, com respaldo dos tribunais, um movimento que está se espalhando pelo mundo: cooperativas de usuários de maconha, que cultivam para seus sócios sem fins lucrativos, de maneira a tirar dinheiro do bolso dos traficantes.
    Outro movimento popular foi o que nasceu na Califórnia, em defesa do direito de pacientes de câncer, Aids, glaucoma, esclerose múltipla e várias outras doenças de usar maconha como remédio. Dezenove Estados americanos já conseguiram, através de abaixo-assinados e plebiscitos, legalizar o uso medicinal, enfraquecendo o tráfico, que perdeu milhões de clientes.
    Agora, pela primeira vez em 50 anos, alguns lugares começam a dar um passo além e legalizar a maconha, mesmo que para o uso recreativo. É o que aconteceu no mês passado, por plebiscito, nos Estados americanos do Colorado e de Washington --mais de US$ 1 bilhão de receita extra de impostos irão para a saúde e a educação. É também o que deve acontecer nos próximos meses no Uruguai, com um sistema estatal de produção de maconha.
    No Brasil, no entanto, a mudança ainda não começou, porque o debate está travado pelos políticos de todos os partidos. Paralisado pela dependência, nosso Congresso, em vez de imaginar o sistema de drogas do futuro, segue se inspirando em fracassos do passado. Quase todas as três dezenas de projetos de lei em tramitação são reedições da política de Nixon.
    Em defesa de Nixon, ele não tinha como saber que suas ideias dariam tão errado. Os políticos brasileiros sabem --ou deveriam.
    DENIS RUSSO BURGIERMAN, 39, jornalista, é diretor de Redação das revistas "Superinteressante" e "Vida Simples". Escreveu "O Fim da Guerra" (Leya), sobre as políticas de drogas

    MARTHA MEDEIROS - A culpa e a vergonha

    Zero Hora - 12/12/2012

    Algo que me cansaria é desconfiar de todo mundo – despende uma energia que não tenho pra gastar à toa. Portanto, costumo confiar. Se não faço mal a ninguém, se não minto a torto e a direito, se não desejo que os outros se ferrem, qual a razão de imaginar que agiriam assim comigo? Me parece lógico: nossa abertura ou retranca social reflete como agimos com quem nos cerca. Se caçoamos, temos medo de ser caçoados. Se traímos, temos medo de ser traídos. Somos nossa própria referência.

    Logo, se eu não apronto, não temo que aprontem comigo. O que nem sempre funciona, claro. Já me aprontaram ao menos duas vezes. Caí num golpe telefônico (um pedido falso de doação) e outra vez ao vivo, um teatrinho bem feito no meio da rua. O prejuízo: alguns trocados perdidos, nada demais. Me senti trouxa por 10 minutos e depois a vida seguiu seu curso.

    Por isso, fiquei impressionada pelo fato de a enfermeira que cuidava de Kate Middleton ter se suicidado. Ora, ela pode ter sido ingênua ao não perceber o trote dos radialistas australianos, mas não é pecado cair numa armação que, no caso, não teve consequência nefasta alguma. Ela não entregou segredos de Estado, não provocou uma guerra entre nações, não colocou a monarquia em risco.

    Ela simplesmente transferiu uma ligação falsa e permitiu, assim, que a duquesa tivesse seu quadro clínico desvendado – aliás, nada que todos já não soubessem: enjoos, anemia, coisas típicas de uma gestante nos primeiros meses de gravidez. A enfermeira, ao não perceber que não era a rainha da Inglaterra do outro lado da linha, demonstrou apenas sua total ausência de maldade – o que, nos dias atuais, deveria até ser comemorado.

    Mas vá saber como ela lidava com a culpa.

    Pra quem carrega o mundo nas costas, qualquer errinho vira motivo para autoflagelo. Essa moça indiana, Jacintha Saldanha, devia ser do tipo que pedia desculpas por ter nascido. Que tinha um excessivo pudor em relação às suas fraquezas. Que se martirizava a cada pequena desatenção de sua parte. Ao ser designada para tomar conta de uma integrante da família real, viu-se no auge da sua responsabilidade, e não aguentou a chacota justo quando nada podia falhar. Mas as coisas falham, à nossa revelia.

    Trote, quando prejudica os outros (caso de quem inventa falsos acidentes para a polícia, os bombeiros etc.) é uma leviandade que pode se tornar criminosa. Nos casos menos graves, é uma criancice. Nunca é um exemplo a seguir, mas os radialistas não me pareceram ter agido de má-fé, eles apenas não dimensionaram o tamanho da encrenca que viria.

    Pessoas são sensíveis. Pessoas são frágeis. Como essa enfermeira que se penalizou de uma forma drástica e desproporcional ao fato. Ou, vai ver, sou eu que, vivendo no Brasil das mil e uma bandalheiras, do Brasil onde todos tiram o corpo fora, me desacostumei com a existência de um ser humano que ainda se envergonha.

    FERNANDO BRANT » Roda pião, bambeia pião‏


    Estado de Minas: 12/12/2012 
    Estou na cozinha da casa de Vera Brant, cercado, como é de hábito, por gente sensível, inteligente e criativa. Lá fora, na noite, o flamboyant impera. Tenho ao meu lado, no melhor lugar de todas as casas, o maestro Jobim e Gonzaguinha. Diante de quem tem o que dizer, e pensa com profundidade mesmo as coisas do cotidiano, prefiro falar pouco e ouvir.

    A cerveja molha as gargantas e os bolinhos de feijão nos alimentam. A música, a poesia, as pessoas e o mundo eram nossos assuntos e o tempo parecia não existir. Mas estou agora ouvindo uma seresta à frente de nossa casa, em Caldas, Minas Gerais, na véspera do dia em que meu pai, juiz da comarca, se despedia da cidade para assumir o mesmo cargo em Diamantina. As imagens são nubladas quando me lembro do ocorrido. Não tinha completado 5 anos. Ficaram os sons da saudade dos que ficavam e da gratidão dos que partiam. 

    E agora estou, de calças curtas e mirando o presente, pisando nas pedras capistranas do Tijuco com minhas sandálias de sola de pneu, que nunca acabam. Vou comprar a revista O Cruzeiro para meus pais e aproveito e adquiro o primeiro exemplar brasileiro da Luluzinha e sua turma.

    O Zé Aparecido me leva para jantar com ele no Palácio dos Buritis. Eu e o Hildebrando Pontes nos surpreendemos com a presença iluminada e bem-humorada do Oscar Niemeyer. Foi uma alegria sem precedentes, dessas que só o Zé tinha capacidade e generosidade de oferecer aos amigos.

    No Bar Scotelaro, em Belo Horizonte, rompo a madrugada bebendo cerveja com Dedé, Caetano Veloso e minhas irmãs Vina e Ana. Ali mesmo iniciara, numa noite de novembro, a comemoração pelo nascimento de minha primeira filha e, mais tarde, da segunda.

    Com paletó do Toninho Horta, calça preta minha e gravata borboleta de não sei quem, subo ao palco do Maracanãzinho entupido de gente para, a seu lado, assistir ao meu parceiro, Milton Bituca do Nascimento, cantar a nossa Travessia, que abria todos os horizontes para nós.

    No meio de todo esse rodopio temporal e geográfico, a memória me leva e traz pelos caminhos de minha existência. Não me lembro como começou nem sei como se encerrará. Mas aprendi muito, disso tenho certeza. Quando olho para os que me cercam, a vontade que tenho é de gritar ao mundo que é com afeto, compreensão, carinho que seremos saudáveis parceiros na construção de um mundo mais justo.

    A consciência de que podemos conviver em harmonia e a sede de beleza que só a amizade, o amor e a cultura podem nos ofertar me embala a fazer rodar o pião que vai encantar as crianças do mundo.

    Frei Betto -Trabalho escravo‏

    No Brasil, estima-se em 25 mil o número de pessoas submetidas a condições degradantes de trabalho, inclusive crianças 

    Frei Betto
    Estado de Minas: 12/12/2012 
    Em janeiro de 2004, três auditores fiscais do trabalho e um motorista foram assassinados em Unaí (MG) ao investigar trabalho escravo em uma lavoura de feijão. Em janeiro próximo se completam nove anos de impunidade. Até agora ninguém foi condenado pela chacina que tirou as vidas dos auditores Eratóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage, Nelson José da Silva, e do motorista Ailton Pereira da Silva.

    O Brasil possui uma eficiente fiscalização do trabalho degradante. O Grupo Móvel começou a a- tuar em 1995 e, desde 2003, já libertou mais de 35 mil trabalhadores, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Há obstáculos permanentes a enfrentar, como aponta meu confrade Xavier Plassat (Prêmio Nacional de Direitos Humanos 2008), como a burocracia que atrasa a apuração de denúncias; dificuldades operacionais para agilizar a Polícia Federal, que atua como polícia judiciária; resistência de algumas superintendências regionais a fiscalizações efetivas.

     A fiscalização, entretanto, tem melhorado. Apenas 1/3 das denúncias continua sem investigação. Isso não significa que libertar trabalhadores faz cessar a escravidão. Ela deita raízes profundas no solo brasileiro: tivemos o mais longo período de escravidão nas Américas, 358 anos (1530-1888), e, hoje, a ganância, a miséria e a impunidade favorecem esse crime hediondo.

     A escravidão não ocorre apenas em áreas rurais. Expande-se aos grandes centros urbanos, como em confecções de São Paulo, que exploram a mão de obra de imigrantes bolivianos e asiáticos. Em 2010, 242 pessoas foram libertadas de situações análogas à escravidão em atividades não agrícolas, como construção civil (175 em obras do PAC!). Na zona rural, 2/3 dos casos, entre 2003 e 2010, ocorreram na pecuária (desmatamento, abertura e manutenção do pasto); 17% em lavouras de cana-de-açúcar, soja, algodão, milho, café e reflorestamento; e 10% em carvoarias a serviço de siderúrgicas.

    A maioria dos libertados trabalhava na pecuária e no corte de cana, sobretudo na região amazônica, principalmente nos estados do Pará, Tocantins, Maranhão e Mato Grosso, onde se destaca a voz profética do bispo dom Pedro Casaldáliga, ainda hoje, aos 84 anos, ameaçado de morte por defender os oprimidos (Prêmio Nacional de Direitos Humanos 2012).

    Por que trabalho escravo em pleno século 21? O lucro! E, quando flagrado, o proprietário finge não saber o que ocorria em suas terras e culpa o capataz. Fazendeiros, parlamentares, magistrados, artistas de TV figuram entre proprietários rurais que adotam trabalho braçal de baixo custo em condições subumanas – o trabalho escravo. Daí a dificuldade de a Câmara dos Deputados aprovar, após espera de oito anos, a emenda constitucional que propõe cancelar a propriedade da terra de quem adota mão de obra escrava. Felizmente, a PEC 438 foi aprovada em maio e, agora, aguarda aprovação do Senado.
    Hoje, o proprietário rural não é mais dono do servo, nem responsável por sua manutenção e reprodução de sua prole, como acontecia no Brasil colonial. Ele usa e abusa da mão de obra escrava, arregimentada sob promessas enganosas, e a descarta três ou quatro meses depois. Carvoeiros, roçadores de pasto e cortadores de cana têm, em pleno século 21, expectativa de vida inferior aos escravos do século 19.

    O trabalho escravo está presente nas principais cadeias produtivas do agronegócio brasileiro: carne e madeira (metade das denúncias); cana e demais lavouras (metade dos libertados) e carvão vegetal.

    Há uma estreita vinculação entre expansão do agronegócio no contexto da economia globocolonizada e a precarização das relações trabalhistas. Eis a contradição, alerta frei Xavier Plassat: o mesmo governo que estimula as monoculturas de exportação corre atrás dos enormes prejuízos que ela provoca, inclusive à imagem do Brasil no exterior.

    A Organização Internacional do Trabalho (OIT) calcula que, atualmente, haja no mundo de 12 a 27 milhões de trabalhadores escravos. No Brasil, estima-se em 25 mil o número de pessoas submetidas a condições degradantes de trabalho, inclusive crianças. É hora de as centrais sindicais descruzarem os braços quanto a essa nódoa do cenário brasileiro.

    Marcos Coimbra - O aparelhamento das agências reguladoras‏

    "É do jogo que a oposição critique o governo, com acusações verdadeiras e outras nem tanto" 

    Marcos Coimbra
    Estado de Minas: 12/12/2012 
    Faz tempo que o assunto está na moda. A rigor, desde o primeiro ano do governo Lula. Começou lá a queixa das oposições, políticas e midiáticas, contra o que chamam “aparelhamento do Estado”. 

    É uma expressão que pode ser usada livremente, para descrever a nomeação de funcionários e dirigentes do setor público com base em critérios políticos, quaisquer que sejam. 

    Mas entrou em nosso vocabulário político com um sentido estrito. Tornou-se sinônimo de “colocar gente do PT em cargos de confiança do governo”.

    Há quem ache que vem da palavra aparelhar, cujo principal significado, nos dicionários, é munir, preparar, equipar. Quando, no entanto, se fala em aparelhamento do Estado, a origem é outra. 

    Ao dizer que “o PT aparelhou o Estado”, alude-se à ideia de apparatchik, termo pejorativo do russo coloquial que designa os militantes do antigo Partido Comunista da União Soviética (PCUS) que ocupavam postos na estrutura do governo apenas por seus vínculos partidários. Não tinham experiência ou formação. 

    Os apparatchiks atrapalhavam as pessoas e o país. Mandavam sem legitimidade e aumentavam a taxa geral de ineficiência do governo.

    Quando começaram a dizer que o PT “aparelhava” o governo, as oposições sugeriam que algo semelhante estava em curso aqui. Que, depois da vitória de Lula, nossa administração pública estaria sendo transformada em coisa parecida ao que existia na velha União Soviética. 

    A analogia sempre foi forçada, a começar por uma questão de escala. No final dos anos 1980, o PCUS tinha quase 20 milhões de filiados – que representavam cerca de 10% da população adulta – espalhados no país inteiro. Números como esses nunca existiram no Brasil, seja em relação ao PT ou a qualquer partido. 

    Implícita na tese do aparelhamento está a ideia de que o PT teria modificado, para pior, um padrão pré-existente – que seria bom. Que, antes que começasse a aparelhá-los, os cargos públicos no Brasil eram preenchidos de outra maneira. 

    Que não existiam os apadrinhados, os protegidos, os afilhados dos poderosos. Que ninguém era nomeado para uma função no governo por ser correligionário de alguém. 

    Nestes dias, em função da prisão de dois dirigentes de agências reguladoras na Operação Porto Seguro, da Polícia Federal, voltou a subir a grita contra o aparelhamento. No caso, considerado ainda mais pernicioso, ao afetar instituições criadas para realizar a gestão técnica e apartidária de áreas sensíveis.

    É claro que, confirmadas as suspeitas contra eles, ambos merecem a punição da lei. Mas não é só isso que está em tela. 

    Vinda dos partidos de oposição, a denúncia do aparelhamento petista é apenas mais uma na luta ideológica, que sequer precisa ter fundamento real. É do jogo que a oposição critique o governo, com acusações verdadeiras e outras nem tanto. Até mesmo que queira pegar carona em surrados preconceitos anticomunistas, abrasileirando uma expressão com conotação “soviética”. 

    Extraordinário é o modo como o assunto é tratado pelos meios de comunicação e seus formadores de opinião. Ao invés de discuti-lo, que apenas façam coro às denúncias de um lado, calando sobre os atos praticados pelos que hoje são acusadores. 

    Triste sina a das agências reguladoras. A começar pela mais vistosa e a que mais influência tem no mundo dos negócios, a Agência Nacional do Petróleo (ANP). 

    Criada em 1997, seu primeiro presidente, David Zylbersztajn, foi indicado por Fernando Henrique Cardoso.

    Era um quadro do PSDB. Havia sido secretário de Energia do governo Covas em São Paulo. Mais tarde, assessorou a campanha Serra. 

    Fernando Henrique pôs na chefia da ANP um tucano de quatro costados. Que a administrou com visão partidária, tomando decisões que podiam ser tudo, menos neutras e consensuais.

    Seria, por acaso, “técnica” sua intenção de privatizar a Petrobrás? 

    Por coincidência, além de apparatchik do PSDB, Zylbersztajn era genro de FHC. Na sua indicação, fundiam-se aparelhamento e uma pitada de nepotismo – tanto que o ex-sogro o forçou a pedir demissão quando se separou da filha.

    Nessa, como em inúmeras questões importantes para o Brasil, o silêncio seletivo da imprensa em nada ajuda. Ficar gritando contra o PT não é o caminho.

    TV PAGA

    Estado de Minas - 12/12/2012

    Seleção brasileira

    Quarta-feira é o dia das grande esteias de filmes no Canal Brasil. A atração desta noite, às 22h, é Espiral (foto), de Paulo Pons. A trama mostra o encontro de sete desconhecidos em uma casa que ninguém sabe de quem é. Lá, eles se deparam com o corpo de um suicida, mas decidem forjar um assassinato enquanto procuram descobrir mais sobre eles mesmos. No elenco, Nelson Freitas, Tânia da Costa, Isabel Guerón e Cristina Flores, entre outros.

    Muitas alternativas na 
    programação de filmes


    Outro destaque do pacote de filmes hoje é a produção alemã Whisky com vodka, às 22h, na Mostra Internacional de Cinema na Cultura. No Megapix, quatro filmes foram reunidos numa sessão batizada Apocalipse zumbi, exibindo em sequência os longas Extermínio (17h55), Extermínio 2 (20h05), Resident evil 3 – A extinção (22h) e Rec 2 – Possuídos (23h50). No FX, Will Smith enfrenta os alienígenas em Independency Day (20h) e MIB – Homens de preto 2 (22h30). No TCM, a mostra de filmes de James Bond caminha para o final com mais duas fitas esta noite: 007 marcado para a morte (22h) e 007 – Permissão para matar (0h30). Na concorrida faixa das 22h, o assinante tem mais seis opções: O jardineiro fiel, no Universal; Tropa de elite, no Space; O discurso do rei, na HBO2; Gabriela, no Telecine Cult; O solteirão, no Telecine Touch; e Golpe baixo, no AXN. Outras atrações da programação: Segredo de sangue, às 21h, no ID; e Jerry Maguire – A grande virada, às 22h15, na Fox.

    Globosat revela a vida 
    secreta dos pássaros


    No segmento dos documentários, o +Globosat estreia, às 23h, Secret life of birds, em que o especialista em vida selvagem Iolo Williams analisa o comportamento das mais variadas espécies de pássaros. Mais cedo, às 22h, o canal History apresenta episódio duplo de Humanidade: a história de todos nós, enfatizando o progresso e as revoluções do mundo moderno. E à meia-noite, no NatGeo, a série Segundos fatais reconstitui o massacre ocorrido em 22 de julho de 2011 na Noruega, quando o atirador Anders Behring Breivik assassinou 68 jovens em um parque, depois de matar nove em um atentado a bomba em Oslo.

    Cresce o consumo de 
    alimentos orgânicos

    Existe uma culinária sustentável? Saiba como é isso em Private chefs of Beverly Hills, às 20h15, no Fox Life. Os chefs entram na onda ecológica quando exibem produtos sustentáveis durante uma refeição organizada para impressionar os compradores de alimentos orgânicos. 

    Gaiato metido a besta 
    vira é piada no vídeo


    Outra novidade de hoje é a estreia de Os vídeos mais idiotas do mundo, às 23h, na truTV. Motoristas atrapalhados, cidadãos alcoolizados, sujeitos intrépidos e toda sorte de pessoas sem noção são flagradas em momentos indiscretos ou inapropriados. 

    Alpinistas vão escalar 
    o Morro Dois Irmãos


    A comemoração do primeiro aniversário do canal Off prossegue hoje com o especial Montanhistas, às 21h. Bernardo Biê e Sílvio Neto partem para a conquista de uma nova via de escalada na parede norte do Morro Dois Irmãos, no Rio de Janeiro. Por mais de 20 anos o acesso ao local foi proibido por causa do crescimento acelerado da Favela da Rocinha. Com a pacificação da área, os praticantes do esporte puderam voltar a escalar a via.

    CIÊNCIA » Dificuldade de engravidar pode ser herdada - Paloma Oliveto‏

    Pesquisa dinamarquesa indica que mulheres cujas mães entraram na menopausa precocemente tendem a ter um reservatório menor de óvulos 

    Paloma Oliveto
    Estado de Minas: 12/12/2012 

    A idade em que a mulher decide ser mãe é considerado o fator mais decisivo para prever se a tentativa de engravidar terá sucesso. Sabe-se que, depois dos 35 anos, a quantidade de óvulos férteis decai significativamente, diminuindo bastante as chances de gestação. Um estudo conduzido pelo Hospital Universitário de Copenhague, porém, demonstrou que outra variável pode influenciar nessa questão: a hereditariedade. Os pesquisadores constataram que existe uma forte relação estatística entre a idade em que a mãe entrou na menopausa e o reservatório de óvulos da filha, independentemente da faixa etária em que ela se encontra.

    Há muito tempo já foi demonstrado que mulheres cujas mães entraram na menopausa antes do tempo previsto, com menos de 45 anos, correm risco de passar pela mesma situação. O estudo dinamarquês, porém, é o primeiro a fazer uma relação entre a menopausa materna e a redução anual da quantidade de óvulos, mesmo em mulheres que ainda se encontram no período reprodutivo. O trabalho, publicado no jornal científico Human Reproduction, avaliou 527 voluntárias, que responderam a questionários e fizeram dois testes utilizados para prever o potencial fértil da mulher. 

    Os pesquisadores compararam a idade em que a mãe das participantes entraram na menopausa com os resultados dos exames. Um deles analisa os níveis no hormônio antimülleriano (AMH) no sangue e o outro faz uma contagem dos folículos na fase antral (veja infografia). A relação encontrada foi forte. Com um intervalo de confiança de 95%, o estudo revelou que filhas de mulheres que pararam de menstruar precocemente têm uma queda anual do AMH de 8,6% e um decréscimo de folículos antrais de 5,8% no mesmo período. Já as participantes cujas mães entraram na menopausa na idade normal, de 46 a 54 anos, sofreram reduções menores: 6,8% e 4,7%, respectivamente. O contrário também é verdade — quanto mais avançada a menopausa materna, menores são os índices que sugerem a diminuição da fertilidade. 

    “Os casais, muitas vezes, adiam a gravidez até depois dos 30 anos, sem perceber que algumas mulheres já são estéreis nessa idade, devido à sua predisposição natural. Os níveis de AMH no sangue revelam o número de folículos presentes no ovário. Esse estoque é que permite a reprodução, assegurando a ovulação mensal. Uma queda no estoque leva à infertilidade”, afirma Jeroen van Disseldorp, do Centro Médico da Universidade de Utrecht, na Holanda. O ginecologista, que não participou do estudo sobre a relação da menopausa materna e a idade reprodutiva das filhas, acredita que a avaliação dos níveis de hormônio e da quantidade de folículos antrais pode ajudar no planejamento familiar. “Saber que você está ficando menos fértil pode ter um impacto importante na decisão de ter um filho”, acredita. 

    Sem pânico
     A principal autora da pesquisa da Universidade de Copenhague, porém, vê os resultados com mais cautela. “A idade da menopausa materna é um fator entre muitos que podem ser considerados a fim de avaliar o potencial de fertilidade de uma mulher. Mas, atualmente, não temos testes que preveem a fertilidade com precisão”, diz Janne G. Bentzen, pesquisadora do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital Universitário. De acordo com a médica, embora os exames mostrem o declínio do hormônio e do folículo, eles não conferem um atestado de infertilidade. Bentzen também diz que as mulheres cujas mães entraram cedo na menopausa não devem entrar em pânico. “Não acredito que elas devam ficar preocupadas excessivamente se suas mães tiveram uma menopausa precoce. O melhor conselho, em geral, continua o mesmo: quanto mais jovem a mulher tentar ter um bebê, mais chances terá de ser bem-sucedida”, afirma. 

    Bentzen acredita que a principal implicação do artigo foi confirmar a hipótese de que fatores hereditários têm um impacto sobre o potencial de fertilidade de uma mulher. “Para o campo dos estudos epidemiológicos, acredito que nossa pesquisa é bastante útil. Vamos continuar esse projeto, fazendo um acompanhamento daqui a cinco anos nas voluntárias que participaram. Todas elas serão examinadas novamente”, conta. Com os testes refeitos, a pesquisadora afirma que será possível chegar a evidências mais conclusivas. Isso porque, para estabelecer uma relação definitiva entre a redução dos níveis de hormônio antimülleriano e o fim do ciclo reprodutivo, é preciso mensurar sua presença no sangue até a menopausa. Quando a segunda parte da pesquisa começar, muitas das voluntárias, hoje na faixa dos 20 aos 40 anos, já terão chegado a esse estágio. 

    Diretriz “O estudo ainda não está completo, mas já dá uma diretriz, a partir da dosagem do hormônio antimülleriano e da contagem dos folículos. Isso fornece um direcionamento”, acredita a especialista em ginecologia e obstetrícia Hitomi Miura Nakagava, diretora científica do Genesis — Centro de Assistência em Reprodução Humana, em Brasília. Ela conta que, quando há casos familiares de menopausa precoce, principalmente se for a mãe ou a irmã, mesmo antes dos 30 anos algumas mulheres já têm dificuldade de engravidar. De acordo com Nakagava, o primeiro sinal de que a fertilidade encontra-se em declínio são os ciclos menstruais mais curtos. 

    A partir dos 35 anos, alerta a especialista, o estado é preocupante. Porém, ela lembra que o interesse em alavancar a carreira e a vontade de investir na continuidade dos estudos costumam adiar a decisão de engravidar. Além disso, muitas pessoas passam dos 30 anos e ainda não encontraram um parceiro ideal. Nesses casos, Nakagava recomenda o congelamento de óvulos. “Não espere os resultados dos exames ficarem alterados para fazer isso, porque o óvulo, como qualquer outra célula, sofre processos oxidativos e, quando perde a qualidade, fica mais difícil fazer o congelamento”, diz.

    No caso das mulheres que querem ser mães um dia, mas preferem adiar a gestação, a médica recomenda que o congelamento seja realizado até os 35 anos. Depois disso, além de ser mais difícil fertilizar a célula, aumentam os riscos de doenças genéticas no futuro bebê, e as taxas de aborto natural são maiores. Para o procedimento, a mulher faz uma avaliação clínica e começa a estimulação com hormônio injetável. De oito a 12 dias, é realizada uma ultrassonografia para avaliar se os folículos estão maduros. Em caso positivo, programa-se a captação dos óvulos. “Com uma agulha, aspiramos os folículos, que são como bolhas d’água. Aspiramos de 10 a 15. Com eles, vêm os óvulos”, conta a médica. Hitomi Nakagava lembra, no entanto, que o congelamento das células não garante que a mulher vá engravidar, pois nem todos os óvulos produzidos podem ser fertilizados. “Nessa situação, ainda existe a perspectiva da recepção de óvulos”, lembra a especialista.

    Vias aéreas liberadas - Carolina Lenoir‏

    Diante da pouca prática de visitar um pneumologista como rotina, muitas pessoas subestimam a asma e a doença pulmonar crônica, que matam, juntas, 42,5 mil pessoas anualmente no Brasil 

    Carolina Lenoir
    Estado de Minas: 12/12/2012 

    Quando se pensa nos médicos especialistas que devem constar na lista de consultas e checapes periódicos, é fácil lembrar do cardiologista, do ginecologista ou mesmo de um clínico. Dificilmente alguém incluiria um pneumologista, mesmo com um histórico de tabagismo ou de dificuldades respiratórias. O universo de enfermidades com as quais a especialidade lida é grande, desde pneumonia até câncer de pulmão, passando pela tuberculose. Mas duas doenças em especial têm impacto na população que é constantemente subestimado: a asma e a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Dados do Ministério da Saúde (MS) indicam que, no Brasil, a asma mata cerca de 2,5 mil pessoas por ano, ou seis por dia. Já a DPOC é responsável pela morte de aproximadamente 40 mil pessoas anualmente, o equivalente a quatro pacientes por hora.

    De acordo com o pneumologista Renato Maciel, que presidiu o Congresso Brasileiro de Pneumologia e Tisiologia, realizado em Belo Horizonte no começo do mês, a asma, uma doença inflamatória das vias aéreas que afeta o sistema respiratório, acomete cerca de 20 milhões de brasileiros, uma prevalência de 10% da população. Porém, os pacientes, em geral, consideram a doença pouco grave: apenas 20% a 30% deles seguem o tratamento corretamente. “Metade dos casos de asma é leve e, por isso, as pessoas sequer vão ao médico e a confundem com outras doenças, como bronquite. Nas crises, têm que ir para o pronto-socorro, com tosse, falta de ar e expectoração. Os asmáticos moderados ou graves precisam ter acesso frequente e facilitado ao médico e ao medicamento. As complicações podem ser prevenidas desde que haja um tratamento constante”, explica o pneumologista.

    Atualmente, a asma é a quinta maior causa de internação no país e a prevalência da doença tem aumentado em crianças e adolescentes. Para o pneumologista Adalberto Sperb Rubin, diretor da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), a maior preocupação é com os pacientes com asma grave de difícil controle, que correspondem a 5% dos asmáticos e demandam um cuidado mais complexo. “A asma grave deve-se a dois fatores. O primeiro é quando a pessoa já nasce com uma tendência a desenvolver o tipo de difícil controle, e o segundo, por não ter tratado a doença corretamente.” Os principais sintomas são falta de ar, chiado no peito e dificuldade para fazer atividades diárias, sinais comuns à asma, mas com o diferencial da intensidade e da frequência das crises, bem maiores nos casos graves.

    De acordo com levantamento do MS, os portadores da forma mais grave da doença procuram 15 vezes mais as unidades de emergência médica e são hospitalizados 20 vezes mais do que os asmáticos moderados. As crises são súbitas e podem ser agravadas por fenômenos externos, como fatores alérgicos (pólen, ácaros e fungos, por exemplo), infecciosos (viroses), climáticos (clima mais seco ou mais úmido) e até emocionais. “Pacientes com asma têm que ter, obrigatoriamente, o seu pneumologista, para fazer revisões periódicas do tratamento, mesmo que esteja se sentindo bem. É errado que nos momentos de crise tenham que viver do atendimento emergencial”, afirma Rubim, esclarecendo que o tratamento da asma é feito basicamente por inalação de medicamentos broncodilatadores, que desobstruem as vias e facilitam a entrada de ar, e de anti-inflamatórios por meio de inaladores, as chamadas bombinhas.

    EFISEMA Outro mal pneumológico grave é a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), antigamente conhecida apenas como efisema pulmonar. A prevalência da enfermidade em pessoas acima de 40 anos é de 15,9% da população, mas estima-se que mais de 80% não saiba que têm a doença, por ser pouco reconhecida e frequentemente confundida com envelhecimento ou falta de atividades físicas. “No início, os sintomas são muito discretos e a progressão é lenta, por isso muitos pacientes não percebem que estão com uma limitação grave”, explica Renato Maciel.

    Intimamente ligada ao tabagismo – causa de 85% dos casos da doença –, a DPOC aumenta em até duas vezes a probabilidade de uma pessoa ter infarto ou acidente vascular cerebral (AVC, popularmente conhecido como derrame). No Brasil, especialmente em Minas Gerais, outra causa conhecida da enfermidade é a inalação da fumaça saída do fogão a lenha. “Temos pacientes de 60 anos que vivem no interior ou na roça e inalaram essa fumaça por pelo menos quatro décadas”, conta Maciel. 

    O diagnóstico da DPOC é feito por meio de um exame chamado espirometria, que avalia a capacidade respiratória (velocidade do ar ao entrar e sair dos pulmões), por meio de um aparelho no qual a pessoa sopra em um bocal (o espirômetro). O resultado pode indicar um quadro de DPOC e a necessidade de outros exames confirmatórios. Durante o congresso em Belo Horizonte, a SBPT, em parceria com o laboratório Novartis, realizou a campanha “Inspire respire”, que ofereceu o exame gratuito a 150 pessoas acima de 40 anos. O objetivo da iniciativa foi alertar a população sobre a importância do diagnóstico precoce de uma doença extremamente debilitante.

    Em Minas, além dos particulares, cinco serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) realizam a espirometria, considerada tão importante quanto um eletrocardiograma: os postos de atendimento médico (PAM) Padre Eustáquio, Sagrada Família e Campos Sales, o Hospital Júlia Kubitschek, o Hospital das Clínicas e a Santa Casa. Para realizá-los, é preciso antes passar por um posto, fazer uma triagem e ter o encaminhamento de um pneumologista.

    A DPOC piora a qualidade de vida dos pacientes, com reflexos em ações cotidianas, como subir alguns lances de escada ou trocar de roupa. Os sintomas mais comuns são falta de ar excessiva, além de tosse e produção de catarro – com ou sem chiado no peito – e são eventualmente confundidos com o envelhecimento natural. Apesar de não ter cura, a doença pode ser prevenida e controlada. A retirada do fator de risco, principalmente o tabagismo, as mudanças nos hábitos de vida e a adoção do tratamento com medicamentos broncodilatadores retardam a progressão da doença. A recomendação da SBPT é que fumantes e ex-fumantes principalmente acima dos 40 anos consultem um pneumologista anualmente para avaliação médica. 

    Estudo atesta eficácia da
    união de medicamentos


    O número de internações causadas pela asma poderia ser menor se o tratamento correto fosse adotado. A escolha do medicamento adequado, que facilita a adesão do paciente com ação rápida e efetiva, é um diferencial para obter melhores resultados e evitar crises, quadro que leva muitos pacientes ao serviços de pronto-socorro. Um estudo inédito no país, realizado na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, publicado no Jornal Brasileiro de Pneumologia e apresentado no Congresso Brasileiro de Pneumologia e Tisiologia, comprovou a eficácia na associação das substâncias formoterol (broncodilatador) e budesonida (anti-inflamatório hormonal) em cápsula única no tratamento da asma. Isoladamente, o broncodilatador dá a sensação de alívio e o corticoide (anti-inflamatório) trata a base da doença, que é a inflação das vias aéreas. É comum aos asmáticos fazer uso de vários medicamentos conjuntamente.

    Porém, já existem no mercado medicamentos aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que unem as duas substâncias, com a proposta de facilitar a vida dos portadores de asma com a administração de uma cápsula única, inalada diariamente de manhã e à noite. “A proposta do estudo foi saber se a união de dois medicamentos amplamente prescritos no país funciona melhor quando se coloca em uma cápsula única, ou seja, se é mais eficaz que isoladamente e se é seguro. Os resultados dão uma sustentação científica de que é mais eficaz e tão seguro quanto”, explica o pneumologista Roberto Stirbulov, presidente da SBPT e líder da equipe que realizou a pesquisa, feita com 181 pacientes durante 12 semanas. Basicamente, a associação das duas moléculas tem efeito terapêutico melhor nas pequenas vias aéreas, melhora a expiração e inspiração matinal e é eficaz no controle da asma. (CL)

    PENSãO ALIMENTÍCIA » O inferno dos devedores - Mateus Parreiras‏

    Ex-detento vira porta-voz de pais presos em BH por não pagar benefícios a filhos. Em cartas, eles denunciam condições da prisão e reclamam de ser tratados como delinquentes perigosos 

    Mateus Parreiras
    Estado de Minas: 12/12/2012 
    Confinados em um espaço projetado para 50 pessoas, 108 homens se espremem passando as noites intercalados em colchões estendidos no chão de concreto. No ambiente escuro e úmido, ficam durante os dias sem acesso a livros ou atividades ao ar livre, tendo de beber a água sem filtrar em uma torneira e de tomar banhos gelados. O cotidiano se completa com ameaças e castigos de agentes de segurança. A descrição feita por internos lembra os piores cadeiões brasileiros. Mas, nesse caso, os detentos não são criminosos comuns: são pais de família, trabalhadores, e entre eles há até um engenheiro inglês, de 68 anos, que não consegue sequer se comunicar com os agentes. Todos foram presos por dívida de pensão alimentícia com os filhos. Os relatos que descrevem como é o dia a dia desses homens constam de várias cartas, que o representante comercial Robson dos Anjos Bastos, de 51 anos, trouxe consigo ao ser libertado no mês passado. Com o objetivo de cobrar melhorias do poder público, elas mostram que a ala reservada aos devedores de pensão no Centro de Remanejamento Prisional (Ceresp) da Gameleira, na Região Oeste de BH, em pouco difere das acomodações destinadas a delinquentes perigosos.

    Robson diz ter deixado de pagar pensão aos cinco filhos depois que a ex-mulher se mudou do país com as crianças, sem a autorização dele, e se estabeleceu em endereço desconhecido, em Portugal. “Meus advogados aconselharam que me apresentasse na delegacia voluntariamente, para não ser detido em uma blitz ou acidente”, conta o representante comercial. A esperança de ter tratamento diferente do que de um criminoso de alta periculosidade, principalmente por ter direito a uma ala separada, se dissipou logo que encontrou o delegado. “Eles me algemaram e me atiraram em um camburão. Quando a gente entra na ala separada do Ceresp e vê todo mundo de uniforme vermelho, deitado pelo chão e em péssimas condições, leva um baque, porque lembra um campo de concentração. Nos sentimos marginais, mas somos gente comum”, disse.

    Na chamada “Ala W”, reservada aos devedores de pensão, os detentos contam que alguns agentes os tratam de forma abusiva. “Tinha um professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV) que estava triste, com saudades do pai. Resolveu cantar uma música do Roberto Carlos e os agentes penitenciários não gostaram”, lembra. Robson conta que dois agentes subiram para a carceragem muito alterados, sem as identificações nos uniformes, procurando o cantor. Como ninguém quis delatar o professor, os responsáveis pelo manejo de presos borrifaram spray de pimenta na cela e ameaçaram trazer cães da próxima vez. “Foi um pânico só. Imagine mais de 50 homens se espremendo no banheiro para molhar toalhas e panos para cobrir o rosto. Muita gente vomitou, passou mal. O spray age por 30 minutos. Nunca na minha vida imaginei que sentiria um spray de pimenta na minha cara. É degradante”, critica.

    A mesma sensação está retratada na carta de três páginas escrita em inglês pelo engenheiro aposentado da Real Marinha Britânica Robert Sidney King, que mostra a perplexidade do britânico com a falta de condições da prisão. “Aqui estou, aos meus 68 anos, sentado em uma prisão de Belo Horizonte. Um lugar de tédio absoluto, onde livros não são permitidos ou qualquer outra atividade para se passar o tempo. Comemos, conversamos e dormimos”, inicia a correspondência. “Como cheguei aqui? Roubando um banco ou atacando alguém? Não, foi ao comparecer a uma audiência de renegociação de pensão para meu filho. Uma audiência que tentei marcar por três anos e a qual a mãe do meu filho fez de tudo para postergar e atrasar. Em vez de ser ouvido, descobri que um juiz de São Paulo me sentenciou (à prisão por não pagamento de pensão) sem sequer me ouvir.”

    O homem faz uma crítica ao Judiciário e às leis. “Como, em um país com uma constituição, uma pessoa pode ser sentenciada à prisão sem ser ouvida? Por cinco ou mais anos tentei audiências em cortes de São Paulo. Minha mãe estava morrendo e não consegui autorização para levar meu filho para vê-la. Ela morreu dois anos depois. Uma ação para visitas temporárias (ao filho) aguarda sete anos sem ser julgada. Os juízes parecem não querer trabalhar, a não ser quando é para mandar alguém para a cadeia sem ouvi-lo.” 

    A reportagem do Estado de Minas solicitou, mas não teve acesso à carceragem do Ceresp. De acordo com a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), a visita não é autorizada porque a instituição não consegue garantir a segurança.

    o que diz a lei
    Quem deve pensão alimentícia tem três dias, depois de citado, para pagar, provar pagamento ou justificar a impossibilidade de fazê-lo, de acordo com o Código de Processo Civil. Se isso não ocorrer o juiz pode decretar prisão de um a três meses, que pode ser interrompida pelo pagamento do débito. O Código Penal define que deixar de prover a subsistência do cônjuge ou de filho menor de 18 anos ou inapto para o trabalho tem pena de detenção de um a quatro anos e multa de um a 10 salários mínimos. A Lei 5.478, de 1968, determina que o cumprimento da pena de prisão não determina extinção da dívida, podendo o juiz determinar penhora de bens e até pagamento por parte dos avós.

    Enquanto isso...
    …UNIDADE ESPECIAL AGUARDA IMÓVEL
    A Subsecretaria de Administração Prisional (Suapi) ainda procura um local que atenda às necessidades do projeto de construir o Centro de Referência para Devedores de Alimentos, com cerca de 100 vagas só para esse tipo de infrator. Os números crescem a cada dia. Em dezembro de 2010 eram 179 presos no sistema estadual por esse motivo. No mesmo período do ano passado, o número cresceu 11%, chegando a 199 pais e responsáveis detidos por não pagamento do benefício. A quantidade disparou, chegando a um crescimento de 33% em fevereiro deste ano, quando alcançou 238 internos, e hoje se mantêm em 208. Como a prisão é de 30 a 90 dias, a quantidade de detidos muda mensalmente. 

    Da dívida até o xadrez
    Os passos da prisão por não pagamento de pensão

    Uma ação de pensão alimentícia é aberta na Justiça para estabelecer com quanto o responsável deve contribuir mensalmente para o sustento do dependente
    Se o pagamento atrasa, uma ação de execução alimentícia pode ser aberta para cobrar o benefício
    O juiz cita o responsável, que recebe intimação de um oficial de Justiça para comparecer ao fórum em até três dias
    Lá, o devedor deve justificar de forma satisfatória o não pagamento, comprovar que está em dia ou quitar o que é devido
    Nos casos em que o devedor não se justifica, o juiz determina a prisão por prazo de 30 a 90 dias, segundo o Código de Processo Civil

    Memórias e denúncias do cotidiano na cadeia 

    Entre homens que admitem não ter pago pensão aos filhos por omissão e outros que ainda disputam o mérito na Justiça, as cartas de todos os detidos na Ala W do Ceresp Gameleira não discutem os atos que os levaram ao encarceramento, mas a falta de condições e o tratamento rude na prisão. “Tem até um preso de 69 anos que tem mal de Parkinson e deveria estar em casa, sendo tratado. Um outro, que é epiléptico, caiu do beliche e se machucou todo. Pedimos o dia inteiro por ajuda e 12 horas depois é que o levaram para a enfermaria para tomar pontos”, conta o representante comercial Robson Bastos. Outros detentos relatam em suas cartas que as coisas que seus familiares enviam, como rádios de pilha, livros e guloseimas, acabam desviados.

    Entre as histórias contadas lá dentro há relatos de advogados que os extorquem, prometendo liberdade. “Tem algumas pessoas que são ludibriadas. O advogado pede R$ 2 mil para quitar a pensão e fala que vai livrar a pessoa. Daí, diz depois que não deu e pede mais R$ 10 mil. A família vai pagando. Outros, não pegam os comprovantes de depósito. E tem aqueles devedores que não pagam porque são malandros mesmo”, conta Robson. Na carta que enviou, o britânico Robert King diz que vinha pagando benefícios para o filho e que vinha tendo problemas com seus advogados. “Transferi dois apartamentos para o nome do meu filho. Pago R$ 4 mil por mês (de pensão) e ainda seu plano de saúde”, escreveu.

    Não são apenas pessoas humildes que acabam detidas por não pagar pensão. Em 2009, o tetracampeão de futebol Romário, hoje deputado federal pelo PSB-RJ, chegou a ficar preso em casa por não quitar o benefício da filha. No ano anterior, o ator Mário Gomes foi detido pelo mesmo motivo. Em 2007, Werley di Camargo, irmão da dupla Zezé di Camargo e Luciano, foi preso em Belo Horizonte por razão semelhante.

    SECRETARIA NEGA Por e-mail, a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) informou que a Ala W do Ceresp Gameleira tem 27 beliches, atualmente ocupados por 50 detentos, e tem banheiro com chuveiro. “Não há registros de ocorrências de desvios de pertences de presos. Como o prazo de permanência é de até 90 dias, eles não são matriculados em escolas regulares para estudo, no entanto, têm acesso a livros. Vale destacar que, se o preso manifestar interesse de realizar alguma atividade voluntária dentro da unidade, é oferecida a oportunidade de trabalho em uma horta”, diz a mensagem. No caso do inglês detido, a Seds diz contar com um profissional da área jurídica que fala fluentemente a língua inglesa e que atende presos com esse perfil. “Além de receber um dicionário de inglês/português, ele recebe a visita regular de seu advogado”, diz a nota. Sobre os direitos dos presos, a secretaria destaca que podem ter banho de sol, acesso a estudo e trabalho. Dos 43.500 presidiários de Minas, 13 mil trabalham e 6,5 mil estudam.