Pesquisadores descobrem de que forma os
vírus do herpes se instalam no corpo. Estudo pode ajudar no combate às
infecções e a criar terapias
Paloma Oliveto
Estado de MInas: 04/04/2013
Brasília –
Vírus são criaturas muito espertas, que enganam o sistema imunológico e
intrigam os cientistas. Mesmo com tantos avanços na tecnologia e no
conhecimento da microbiologia, ainda não se sabe como eles invadem o
organismo, para jamais sair de lá. Alguns dos mais desafiadores são os
da família do herpes, que têm alta capacidade de contágio e incidência:
estimativas mundiais dão conta que até 90% da população já teve contato
com alguns dos oito tipos que afetam humanos. Agora, uma equipe de
pesquisadores da Universidade de Northwestern, em Chicago, nos Estados
Unidos, chegou mais perto do mecanismo de ação dos herpesvírus 1 e 2,
conhecidos, respectivamente, como herpes oral e vaginal.
Ao lado das
versões 4 e 5 – o “vírus do beijo” e o citomegalovírus –, os
micro-organismos estudados são os mais comuns, sendo que o tipo 1 já
está presente na maioria das crianças. De ação rápida, todos os
herpesvírus têm a peculiaridade de, uma vez em contato, se alojarem
rapidamente no sistema nervoso periférico, conjunto de nervos e
neurônios espalhados pelo corpo que se comunicam com a medula espinhal e
o encéfalo. Como eles chegam às profundezas do organismo tão velozmente
era o que não se sabia até agora. Segundo os pesquisadores de
Northwestern, que publicaram um artigo na revista Cell Host &
Microbe, conhecer esse mecanismo é importante para que, no futuro, a
ciência seja capaz de impedir a instalação dos vírus nas células e,
consequentemente, sua replicação.
Donald H. Gilden, chefe do
Departamento de Neurologia da Universidade do Colorado, em Denver,
explica que a reprodução dos herpesvírus 1 e 2 ocorre logo que uma
pessoa saudável tem contato físico com o indivíduo infectado. “Eles se
replicam na porta de entrada, geralmente a mucosa oral e genital,
levando a infecção até a terminação dos nervos. Então, são transportados
para os gânglios neurais, onde ficam latentes”, diz o médico, que não
participou do estudo. Esses gânglios, especificamente, são neurônios –
diferentemente do que se imagina, esse tipo de célula não existe apenas
no cérebro, mas em diversos órgãos – e, embora não sejam destruídos
pelos vírus, servem de abrigo para eles.
Apesar de incomum, Gilden
conta que o herpesvírus 1 pode chegar também ao sistema nervoso central e
provocar encefalite, uma infecção muito grave que inclui febre, dor de
cabeça, letargia, irritabilidade, confusão, afasia e convulsões, com
inflamação nos lobos frontal e temporal do cérebro. “Os que sobrevivem
podem ficar com graves danos permanentes. Antes do advento do aciclovir
(antiviral para tratamento do herpes), a maioria dos pacientes que
tinham encefalite morria”, conta o médico. De acordo com ele, não se
sabe como ocorre a migração do herpesvírus 1, que normalmente só provoca
erupções na boca, para o sistema nervoso central. Contudo, ele acredita
que a transmissão do micro-organismo para os gânglios neurais pode ter
alguma relação com o processo. “Quanto mais soubermos sobre o
comportamento do vírus, mais pistas poderemos decifrar”, afirma.
Mais veloz Na
Universidade de Northwestern, a equipe chefiada pelo professor de
imunologia e microbiologia Gregory Smith isolou amostras de herpevírus 1
e 2 de humanos e animais para investigar como eles saltam tão
rapidamente das mucosas até os gânglios neurais. Depois de vários
experimentos, eles descobriram que a proteína VP1/2, codificada pelo DNA
dos vírus, ataca uma estrutura celular chamada dineína e, graças a ela,
faz os micro-organismos viajarem em alta velocidade, enganando o
sistema imunológico.
Os herpesvírus “roubam” as
dineínas, cuja função é justamente permitir a locomoção de componentes
das células, e conseguem acelerá-las para chegar mais rápido ao destino.
“Uma vez que a proteína se apodera da dineína, o vírus ‘voa’ pelos
microtúbulos, que são as ‘rodovias’ intracelulares, movendo-se da
superfície dos nervos da pele até o núcleo dos neurônios do sistema
nervoso periférico”, esclarece. Smith faz analogia com um carro: ao se
apropriar da dineína, o vírus não só aciona as rodas, como pisa fundo no
pedal para aumentar a velocidade de locomoção.
O infectologista
explica que encontrar uma forma de frear os herpesvírus poderá evitar
que eles cheguem até o gânglio neural. Como é nesse neurônio que ele se
aloja e se reproduz, caso não alcance o destino, o vírus pode até
continuar circulando no organismo, mas sem conseguir replicar o DNA.
Dessa forma, o micro-organismo torna-se inócuo. Em laboratório, a equipe
de Smith conseguiu modificar geneticamente amostras de herpesvírus 1 e
2, alterando a composição da proteína VP1/2. O resultado foi que os
vírus manipulados viajaram muito mais lentamente. “Nesse meio-tempo,
enquanto o vírus ainda está se preparando para entrar no gânglio neural,
poderemos criar uma barreira. Dessa forma, ele não conseguirá se
reproduzir”, diz o pesquisador.
De vilão a mocinho Por
outro lado, a ciência também poderá tirar proveito da capacidade de os
herpesvírus viajarem tão rápido ao destino, sem serem expulsos pelas
células de defesa. Assim como já ocorre com os adenovírus, que têm sido
modificados geneticamente para transportar terapias gênicas de
restauração da visão, os vírus do herpes começam a ser testados em
laboratórios para levar medicamentos a tumores cancerígenos, usando o
sistema nervoso como via expressa. Esse tipo de experiência foi
bem-sucedido na Universidade de Bolonha, na Itália, onde cientistas
conseguiram reprogramar herpesvírus simples para atacar metástases
cancerígenas de mama e ovário.
“Os atuais tratamentos para o câncer,
como a quimioterapia e a radioterapia, prolongam a vida do paciente,
mas os efeitos colaterais são muito fortes, então as pessoas vivem mais,
porém com baixa qualidade”, disse, em nota, a virologista Gabriella
Campadelli-Fiume. “Fomos a primeira equipe a conseguir reprogramar o
vírus do herpes tipo 2 para que conseguisse entrar nas células dos
tumores e matá-las, sem infectar as células saudáveis vizinhas”,
comentou.
O estudo italiano foi feito em ratos, nos quais
transplantaram-se tecidos cancerosos humanos. De acordo com Gabriella, o
resultado sugere que os herpesvírus são fortes candidatos a passarem de
vilões a mocinhos, tornando-se terapias menos agressivas e mais
eficazes para combater tumores em estágio avançado.