BRIAN CLEGG
DO "OBSERVER"- Folha de São Paulo
Do DNA aos átomos que nos compõem, o corpo humano é uma maravilha científica
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1 - APÊNDICE VITAL
O apêndice tem má fama. É geralmente tratado como uma parte do corpo que perdeu sua função há milhões de anos. Ele parece só servir para infeccionar e causar uma apendicite de vez em quando. Mas recentemente se descobriu que o apêndice é muito útil para as bactérias que auxiliam no funcionamento do nosso sistema digestivo.
Lá elas podem descansar da frenética atividade intestinal e encontram um lugar para se reproduzir, mantendo assim em bom estado a população bacteriana do intestino. Por isso, trate seu apêndice com respeito.
2 - MOLÉCULAS GIGANTES
Praticamente tudo que vemos é composto por moléculas. Elas variam em tamanho de um simples par de átomos, como uma molécula de oxigênio, até complexas estruturas orgânicas. Mas a maior molécula da natureza reside em nosso organismo --é o cromossomo 1.
Uma célula humana normal tem 23 pares de cromossomos em seu núcleo, sendo cada um deles uma única e longuíssima molécula de DNA. O cromossomo 1 é o maior deles, contendo cerca de 10 bilhões de átomos, para acomodar toda a informação codificada na molécula.
3 - CONTAGEM DE ÁTOMOS
É difícil ter uma noção de como são pequenos os átomos que compõem nosso organismo, a menos que você dê uma espiada nesse número impressionante: um adulto é composto por cerca de 7.000.000.000.000.000.000.000.000.000 (7 octilhões) de átomos.
4 - NUS EM PELO
Pode ser difícil de acreditar, mas temos em nosso corpo mais ou menos a mesma quantidade de pelos que um chimpanzé. A diferença é que nossos pelos são inúteis, pois ficam quase invisíveis de tão finos que são. Não sabemos ao certo por que perdemos nossa pelagem protetora.
Já se sugeriu que pode ter sido para ajudar os primeiros humanos a suarem com mais facilidade, ou para dificultar a vida de parasitas como piolhos e carrapatos, ou mesmo porque nossos ancestrais eram parcialmente aquáticos.
Mas a ideia mais atraente talvez seja a de que os primeiros humanos precisaram de mais cooperação ao descerem das árvores para a savana. Quando os animais são criados para cooperarem, como já fizemos com os lobos para produzir os cães, eles se tornam mais parecidos com seus filhotes. Numa fascinante experiência de 40 anos iniciada na década de 1950, raposas russas foram cruzadas para gerarem proles mais dóceis.
Ao longo desse período, as raposas adultas foram adquirindo cada vez mais o aspecto de filhotes grandes --passavam mais tempo brincando e desenvolveram orelhas caídas, caudas flexíveis e pelagem malhada. De forma semelhante, os humanos têm algumas características de macacos bebês --cabeça grande, boca pequena e, o que é mais significativo nesse caso, pelos mais finos.
5 - A EVOLUÇÃO DO ARREPIO
O arrepio é um vestígio dos nossos antecessores evolutivos. Ele ocorre pela contração de pequenos músculos ao redor da base de cada pelo, deixando os pelos mais eretos. Com uma pelagem decente, isso inflaria a cobertura sobre o corpo, colocando mais ar entre os pelos e melhorando seu isolamento térmico. Mas, como os pelos humanos são tão finos, o arrepio só serve para deixar nossa pele com um aspecto estranho.
Da mesma forma, sentimos nossos pelos se eriçarem quando ficamos assustados ou nos lembramos de algo comovente. Muitos mamíferos eriçam seus pelos quando estão ameaçados, para parecerem maiores e, portanto, mais perigosos. Os humanos costumavam ter uma defesa semelhante eriçando seus próprios pelos, mas, de novo, esse efeito visual está atualmente arruinado. Ainda sentimos a sensação do "cabelo em pé", mas não ganhamos volume visual.
6 - TRAUMA ESPACIAL
A julgar pelos filmes de ficção científica, coisas terríveis aconteceriam se nosso corpo fosse atirado para fora de uma nave espacial sem um traje adequado. Mas isso é basicamente ficção. Haveria algum desconforto, já que o ar dentro do corpo se expandiria, mas nada daquelas explosões corporais que Hollywood tanto gosta. Embora os líquidos de fato fervam no vácuo, nosso sangue é mantido sob pressão pelo nosso sistema circulatório, e ficaria tudo bem. E, embora o espaço seja muito frio, você não perderia calor de forma particularmente rápida. Como demonstram as garrafas térmicas, o vácuo é um ótimo isolante térmico.
Na prática, o que poderia matar você no espaço seria simplesmente a falta de ar. Num teste feito em 1965, ocorreu um vazamento de um traje espacial numa câmara de vácuo da Nasa. A vítima, que sobreviveu, permaneceu inconsciente por cerca de 14 segundos. O limite exato de sobrevivência é desconhecido, mas provavelmente seria de 1 a 2 minutos.
7 - COLAPSO ATÔMICO
Os átomos que compõem nosso corpo são feitos principalmente de espaço vazio, então, apesar de serem tantos, sem esse espaço você ficaria comprimido em um volume minúsculo. O núcleo, que compõe a maior parte do volume de matéria em um átomo, é tão menor que a estrutura total que poderia ser comparado ao tamanho de uma mosca numa catedral. Se você perdesse todo o seu "vazio" atômico, seu corpo caberia em um cubo com menos de 0,002 cm de aresta.
Estrelas de nêutrons são compostas por uma matéria que passou por exatamente esse tipo de compressão. Em um único centímetro cúbico de material de uma estrela de nêutrons há cerca de 100 milhões de toneladas de matéria. Uma estrela de nêutrons inteira, mais pesada do que o nosso Sol, ocupa uma esfera que tem mais ou menos o diâmetro da ilha de Wright.
8 - REPULSA ELETROMAGNÉTICA
Os átomos que compõem a matéria jamais se tocam. Quanto mais se aproximam, maior é a repulsa entre as cargas elétricas de suas partes constituintes. É como tentar juntar dois ímãs poderosíssimos, polo norte com polo norte. Isso se aplica inclusive para objetos que parecem estar em contato. Quando você se senta numa cadeira, não toca nela. Você flutua a uma ínfima distância sobre o assento, suspenso pela repulsa entre os átomos. Essa força eletromagnética é vastamente mais forte que a gravidade --cerca de 1 bilhão de bilhões de bilhões de bilhões de vezes mais forte. Você pode comprovar essa força relativa segurando um ímã de geladeira perto de uma geladeira, e soltando-o em seguida. A força eletromagnética do diminuto ímã supera a atração gravitacional de toda a Terra.
9 - POEIRA DE ESTRELAS
Cada átomo do nosso corpo tem bilhões de anos. O hidrogênio, elemento mais comum no universo e muito presente no nosso organismo, foi produzido no Big Bang, há 13,7 bilhões de anos. Átomos mais pesados, como o carbono e o oxigênio, foram forjados nas estrelas entre 7 e 12 bilhões de anos atrás, e espalhados pelo espaço quando essas estrelas explodiram. Algumas dessas explosões foram tão poderosas que também produziram elementos mais pesados que o ferro, os quais as estrelas são incapazes de construir. Isso significa que os componentes do nosso organismo são realmente antigos: você é poeira de estrelas.
10 - O CORPO QUÂNTICO
Um dos mistérios da ciência é como algo tão aparentemente sólido e evidente como nosso corpo pode ser formado por partículas quânticas de comportamento estranho, como os átomos e seus constituintes. Se você pedir à maioria das pessoas para que desenhe um dos átomos do seu corpo, elas vão apresentar algo como um sistema solar em miniatura, com um núcleo no lugar do Sol, e elétrons zunindo ao redor, como planetas. Esse foi, de fato, um dos primeiros modelos do átomo, mas percebeu-se depois que tais átomos desmoronariam num instante. Isso ocorre porque os elétrons têm uma carga elétrica, e acelerar uma partícula carregada, o que seria necessário para mantê-lo em órbita, faria o elétron emitir energia na forma de luz, caindo em espiral na direção do núcleo.
11 - SANGUE VERMELHO
Quando você vê o sangue jorrando de um corte no seu dedo, pode supor que ele é vermelho por causa da presença do ferro, assim como a ferrugem tem um tom avermelhado. Mas a presença do ferro é apenas coincidência. O vermelho ocorre porque o ferro se liga na hemoglobina a um anel de átomos chamado porfirina, e é o formato dessa estrutura que produz a cor. A hemoglobina pode ser mais ou menos vermelha, dependendo da existência de oxigênio vinculado a ela. O oxigênio, quando presente, altera o formato da porfirina, dando às células vermelhas do sangue um matiz mais vívido.
12 - DIFUSÃO VIRAL
Surpreendentemente, nem todo o DNA útil em nossos cromossomos vem dos nossos ancestrais evolutivos --parte dele foi emprestado de outro lugar. Seu DNA inclui os genes de pelo menos oito retrovírus. Esses são um tipo de vírus que aproveita os mecanismos celulares de codificação do DNA para dominar uma célula. Em algum momento da história humana, esses genes foram incorporados ao nosso DNA. Esses genes virais no DNA atualmente desempenham funções importantes na reprodução humana, embora sejam inteiramente alheios à nossa ancestralidade genética.
13 - OUTRAS VIDAS
Em termos apenas de contagem de células, há mais vida bacteriana dentro de você do que vida humana. Você tem cerca de 10 trilhões de células próprias, mas dez vezes mais bactérias. Muitas das bactérias que consideram você como seu lar são amistosas, no sentido de que não fazem mal. Algumas são benéficas.
Na década de 1920, um engenheiro americano investigou se os animais poderiam viver sem bactérias, na esperança de que um mundo livre de bactérias seria mais saudável. James "Art" Reyniers dedicou sua vida a montar ambientes onde animais pudessem ser criados livres de bactéria. O resultado foi claro. Era possível. Mas muitos dos animais de Reyniers morreram, e os sobreviventes precisavam consumir ração especial. Isso ocorreu porque as bactérias intestinais ajudam na digestão. Você pode existir sem bactérias, mas sem a ajuda das enzimas produzidas por essas bactérias em seu intestino você precisa consumir alimentos com mais nutrientes do que numa dieta comum.
14 - INVASORES DE CÍLIOS
Dependendo da sua idade, é bastante provável que você tenha ácaros nos cílios. Essas minúsculas criaturas vivem em células cutâneas velhas e no óleo natural (sebo) produzido pelos folículos capilares humanos. São geralmente inofensivas, embora possam causar uma reação alérgica em uma minoria de pessoas. Os ácaros dos cílios geralmente crescem até um terço de milímetro e são quase transparentes, então dificilmente você os verá a olho nu. Mas coloque um cílio ou pelo de sobrancelha sob um microscópio e você os encontrará, já que eles passam a maior parte do tempo bem na base do pelo, junto à pele. Cerca de metade da população humana os possui, uma proporção que cresce entre as pessoas mais velhas.
15 - DETECTORES DE FÓTONS
Seus olhos são muito sensíveis, capazes de detectar alguns poucos fótons de luz. Se você procurar numa noite muito clara do Hemisfério Norte a constelação de Andrômeda, encontrará uma pequena luz embaçada, quase invisível a olho nu. Se conseguir distinguir aquele minúsculo borrão, estará enxergando à maior distância humanamente possível sem auxílio da tecnologia. Andrômeda é a galáxia grande mais próxima da nossa Via Láctea.
Mas "próxima" é um termo relativo no espaço intergaláctico --a galáxia de Andrômeda fica a 2,5 milhões de anos-luz de distância. Quando os fótons de luz que atingem nosso olho iniciaram sua jornada, não havia seres humanos. Ainda estávamos por evoluir. Você está observando uma distância quase inconcebível, e olhando para um passado de 2,5 milhões de anos atrás.
16 - SENTIDOS ADICIONAIS
Apesar do que provavelmente lhe disseram, você tem mais do que cinco sentidos. Eis um exemplo simples: coloque a mão a alguns centímetros de um ferro quente. Nenhum dos seus cinco sentidos pode lhe dizer que o ferro irá queimá-lo. Mas você pode sentir à distância que o ferro está quente, sem tocá-lo. Isso ocorre graças a um sentido adicional --os sensores térmicos da sua pele. Da mesma forma, conseguimos detectar a dor e saber se estamos de ponta-cabeça.
Outro teste rápido: feche os olhos e toque o seu nariz. Você não está usando os "cinco grandes" sentidos para encontrá-lo, e sim a propriocepção. Esse é o sentido que detecta onde cada parte do seu corpo se encontra em relação às demais. É um metassentido, combinando o conhecimento que seu cérebro tem a respeito do que seus próprios músculos estão fazendo, e uma sensação ligada ao tamanho e formato do seu corpo. Mesmo sem usar seus cinco sentidos básicos, você pode guiar uma mão para tocar inequivocamente seu nariz.
17 - IDADE REAL
Assim como uma galinha, sua vida começou num ovo. Não uma coisa volumosa e com casca, mas mesmo assim um ovo --ou melhor, um óvulo. No entanto, há uma diferença significativa entre um óvulo humano e um ovo de galinha, com um efeito surpreendente sobre a sua idade. Os óvulos humanos são minúsculos. Eles são, afinal de contas, apenas uma única célula, e tem habitualmente em torno de 0,2 mm de diâmetro --mais ou menos o tamanho de um ponto final impresso. Seu óvulo foi formado na sua mãe --mas o surpreendente é que ele foi formado quando ela era um embrião.
A formação do seu óvulo, e da metade do seu DNA proveniente da sua mãe, pode ser considerada o primeiríssimo momento da sua existência. E isso aconteceu antes da sua mãe nascer. Digamos que sua mãe tinha 30 anos quando teve você, então se pode dizer que no seu 18º aniversário você já tem mais de 48 anos de idade.
18 - INFLUÊNCIA EPIGÊNICA
Estamos habituados a pensar nos genes como sendo o fator controlador que determina o que cada um de nós é fisicamente, mas os genes são apenas uma pequena parte do nosso DNA. Os outros 97% eram considerados lixo até recentemente, mas agora percebemos que a epigenética --os processos ocorridos fora dos genes-- também tem grande influência sobre o nosso desenvolvimento.
Algumas partes atuam para controlar os "interruptores" que ligam e desligam os genes, ou para programar a produção de outros compostos cruciais. Durante muito tempo, foi um quebra-cabeça entender como cerca de 20 mil genes (bem menos do que algumas variedades de arroz) bastavam para especificar exatamente como seríamos. A percepção agora é de que os outros 97% do nosso DNA são igualmente importantes.
19 - AÇÃO CONSCIENTE
Se você é como a maioria das pessoas, irá localizar sua consciência mais ou menos atrás dos olhos, como se houvesse uma pessoinha sentada lá, dirigindo o autômato muito maior que é o seu corpo. Você sabe que não existe de fato uma pequena figura lá, puxando as alavancas, mas sua consciência parece ter uma existência independente, dizendo ao resto do corpo o que é preciso fazer.
Na realidade, grande parte do controle vem do seu inconsciente. Algumas tarefas se tornam automáticas com a prática, de modo que você não precisa mais pensar nas ações básicas. Quando isso acontece, o processo é assumido por uma das partes mais primitivas do cérebro, próxima do tronco cerebral. No entanto, mesmo uma ação claramente consciente, como apanhar um objeto, parece ter alguns precursores inconscientes, com o cérebro sendo "aceso" antes que você tome a decisão de agir. Há uma considerável discussão a respeito de quando a mentalidade consciente desempenha o seu papel, mas não há dúvida de que devemos muito mais ao nosso inconsciente do que costumamos admitir.
20 - DELÍRIO ÓPTICO
A imagem do mundo que "vemos" é artificial. Nossos cérebros não produzem uma imagem da mesma forma que uma câmera de vídeo. Em vez disso, nosso cérebro constrói um modelo do mundo a partir de informações fornecidas por módulos que mensuram a luz e a sombra, as bordas, a curvatura e assim por diante. Isso simplifica a tarefa cerebral de preencher o ponto cego, a área da sua retina à qual o nervo óptico se conecta, onde não há sensores. Isso também compensa os rápidos movimentos espontâneos dos olhos, chamados movimentos sacádicos, criando uma falsa imagem de visão estável.
Mas o outro lado desse processo é que ele torna nossos olhos fáceis de serem enganados. A televisão, o cinema e as ilusões de óptica funcionam ao enganar o cérebro a respeito do que o olho está vendo. Também é por isso que a Lua parece ser muito maior do que é e variar de tamanho: o verdadeiro tamanho óptico da Lua é semelhante ao de um buraco aberto por um furador, quando seguro à distância de um braço.
Tradução de RODRIGO LEITE.