Companheiros de
papo e copo disseram: 'Você é muito mais reacionário do que nós, mas
vende a figura de esquerdista, de progressista'
Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 27/02/2015Pensar e opinar é direito de cada um, mas causa espécie que imbecis completos continuem externando suas opiniões em alguns muito veículos de nossa imprensa. Só existe uma explicação: têm velha ligação com o esquerdopetismo que infesta a maioria das nossas redações.
Na década de 90, dois amigos de festejado colunista mineiro, companheiros de papo e copo nas noites de BH, disseram: “Você é muito mais reacionário do que nós, mas vende a figura de esquerdista, de progressista”. O colunista admitiu: “Se não vender, estou liquidado”. Os dois amigos, jornalistas mineiros que me contaram a confissão do cronista, aí estão para confirmar a história.
Muitíssimo a propósito, apraz-me comentar um texto de Cora Rónai, publicado no O Globo, dia 22 de janeiro. No planeta, a crônica inteligente, mais que inteligente, genial, Cora Rónai divide do pódio com uma colega de jornal e as outras cronistas vêm depois, muito depois das duas campeãs. Filha do imenso Paulo Rónai, Corinha, grande amor da vida do imenso Millôr, passou uma semana em Cuba, neste janeiro de 2015, e nos deu um Diário de Havana, que é um primor como tudo que sai de sua pena, salvo quando fala de gatos e capivaras.
No processo de restabelecimento de relações diplomáticas com os Estados Unidos, Cuba ainda é castrista e expõe aos que a visitam um quadro desolador. Há cinco anos tive convite oficioso para passar 20 dias naquele país hospedado na “melhor casa de Havana” e visitando as áreas tabacaleras em carro oficial. Josemar Gimenez, à época nosso diretor de redação, entusiasmou-se com a ideia, menos pelos charutos que ganharia, do que pela oportunidade de ter um colaborador visitando boa parte daquele país. Não aceitei o convite feito pelo dono “da melhor casa de Havana”, meu amigo, porque seria incapaz de reportar uma viagem oficial omitindo tudo de errado que porventura visse na excursão.
Corinha viajou por sua conta fazendo um diário que deve se transformar em livro. Transcrevo pequeno trecho do diário: “Se você acordar cedo, fizer café e ficar parado na porta de casa vendendo cada xícara a um peso, no fim do dia terá ganhado mais do que se trabalhar um mês inteiro”, disse o motorista que me levou para ver Havana.
E prossegue: “O motorista é engenheiro. Formou-se em Cuba, fez pós-graduação na Ucrânia, fala três línguas e tem um Lada velhíssimo com que tenta pagar as contas. Deixou de trabalhar na profissão porque não conseguia viver com o salário de 400 pesos. Apenas com o tour que fizemos pela manhã, ganhou 20 CUCs, ou 500 pesos. /.../ Infelizmente, ele não tem muitos tours na agenda, porque os turistas preferem os belos carros americanos antigos ao seu belo carrossauro soviético. Eu também preferiria, mas não tive coração de recusar os seus serviços por causa de uma questão automobilística. Sua mulher é médica, tem duas especialidades e ganha um dinheirão em termos cubanos: 1,7 mil pesos, o equivalente a US$ 68 mensais. Com isso, pode comprar nove copos de vidro numa loja de importados”.
Problemão
Pelos 70 anos da libertação dos prisioneiros de Auschwitz, campo de concentração em que os nazistas mataram mais de 1 milhão de pessoas, a Itatiaia ouviu um historiador brasileiro que mora em Israel e fez judiciosas observações sobre os riscos das democracias. Em linhas gerais, observou que Hitler não usurpou o poder: foi eleito democraticamente pelo povo de um dos países mais adiantados daquele tempo. Há 100 anos, a Alemanha não era um Gabão, um Burundi, mas um país adiantadíssimo do coração da Europa, se bem que derrotado na Primeira Grande Guerra Mundial.
A Venezuela que elegeu Chávez, o Brasil que reelegeu Dilma, a Argentina que vem elegendo peronistas e outros países capazes de votar em gente assim têm democracias, donde se conclui que o problema é de solução difícil. Enquanto as ditaduras são aquilo que se viu, as democracias são isto que se vê.
Terra de Beethoven, de Bach, de Wagner, a Alemanha produziu Goethe, que disse: “Sinto não raro profunda tristeza ao pensar no povo alemão, tão estimável individualmente, tão desafortunado na coletividade”.
O mundo é uma bola
27 de fevereiro de 1510: Afonso de Albuquerque conquista Goa. O Grande, o César do Oriente, o Leão dos Mares, o Terrível, o Marte Português foi um fidalgo, militar e o segundo governador da Índia portuguesa, cujas ações militares e políticas foram determinantes para o estabelecimento do Império português no Oceano Índico. Em 1594, Henrique IV é coroado rei da França. Era o tal que não se lavava, porque homem não toma banho. Comia com as mãos sujas, como li num livro sobre Montaigne. Palmas para o socialista François Mitterrand, presidente francês, que papava lindas afro-brasileiras residentes em França e seria o pai biológico da lindíssima... deixa isso pra lá. Em 1844, a República Dominicana em boa hora consegue tornar-se independente do Haiti. Hoje tem resorts maravilhosos e produz charutos muito bons, enquanto o Haiti continua sendo o Haiti. Hoje é o Dia do Livro Didático e o Dia do Agente Fiscal da Receita Federal.
Ruminanças
“Em tuas faces / Brilha serena / A cor morena/ Do buriti: / Teus lábios vertem / Róseas frescuras, / Cheiro e doçura / do jataí” (João Salomé Quiroga, 1810-1878).