domingo, 21 de julho de 2013

Cozinho, logo existo - Suzana Herculano-Houzel

folha de são paulo
CIÊNCIA
Ou como as Ofélias e os Atalas da pré-história aprimoraram nosso cérebro
RESUMO O domínio da técnica de cozer alimentos representou vantagem competitiva para o homem em relação a outros animais. O aprendizado lhe permitiu obter rápida e facilmente combustível energético para alimentar 86 bilhões de neurônios e deu impulso a funções cerebrais cognitivas, não ligadas à sobrevivência.

SUZANA HERCULANO-HOUZEL

O QUE TEM o cérebro humano de tão especial? Por que nós estudamos o cérebro de outros animais, e não vice-versa? O que o nosso tem ou faz que nenhum outro alcança?
Quando me interessei por essas questões, cerca de dez anos atrás, era consenso na área que todos os cérebros de mamíferos --incluindo o humano-- eram construídos da mesma maneira, como versões maiores ou menores de um mesmo plano-padrão e, portanto, com um número de neurônios sempre proporcional ao tamanho daqueles, ainda que não linearmente.
Uma das implicações básicas desse raciocínio é que dois cérebros de um mesmo tamanho deveriam possuir número semelhante de neurônios. Considerando que neurônios são as unidades funcionais de processamento de informação do cérebro, era de esperar que os donos de cérebros de dimensões idênticas exibissem habilidades cognitivas semelhantes.
Mas não é o que se vê. Vacas e chimpanzés têm cérebros de cerca de 400 gramas; capivaras e macacos, de 70-80 gramas; mas chimpanzés e macacos são capazes de comportamentos muito mais variados, complexos e flexíveis do que seus parentes não primatas de tamanho cerebral equivalente.
(Para ser absolutamente correto, é preciso reconhecer a possibilidade de vacas e capivaras terem uma vida mental interior tão rica que até escolham não deixar suas habilidades mentais transparecerem. Mas é bem pouco provável: as diferentes habilidades de cérebros de porte igual como esses são uma primeira evidência de que órgãos diferentes não devem ser apenas versões maiores ou menores de um mesmo plano básico.)
Mais problemática ainda é a outra inferência da suposta universalidade das regras de construção dos cérebros: a de que os maiores deveriam sempre possuir mais neurônios do que os menores. Ou seja, quanto maior o órgão, mais cognitivamente capaz seu dono deveria ser. Desse modo, o maior cérebro na face da Terra também deveria ser o mais capaz.
Naturalmente, nós nos consideramos a espécie mais capaz de todas. E aqui está o paradoxo: não possuímos nem de longe o maior cérebro de todos. O de elefantes, que oscila entre quatro e cinco quilos, é cerca de três vezes maior do que o nosso, que pesa em geral de 1,2 kg a 1,5 kg. Os de baleias chegam a pesar nove quilos. Se fôssemos nos fiar pela lógica, então, elas é que deveriam estar nos estudando. (O escritor e comediante britânico Douglas Adams, morto em 2001, era quem sabia o que andava pelos pensamentos de um cachalote, conforme segredou n' "O Guia do Mochileiro das Galáxias".)
É por causa dessa discrepância que, para explicar nossa superioridade cognitiva, por muito tempo a ciência recorreu ao argumento de que o cérebro humano era especial, literalmente extraordinário: uma exceção às regras. Outros podiam até ser maiores; mas o nosso devia ser"¦ melhor.
Ele parece mais avantajado do que o "necessário" para dar conta das funções do corpo. O que significa que sobra córtex cerebral para funções cognitivas, e não meramente vegetativas.
A lógica por trás desse argumento da encefalização máxima no ser humano é a de que o tamanho do cérebro geralmente acompanha o do corpo. Por isso, uma baleia que pesa várias dezenas de toneladas supostamente precisaria ter um cérebro maior do que o humano --mas que serviria apenas para dar conta do corpo, sem "restar" córtex cerebral para tarefas mais complexas.
A maior prova da suposta enorme encefalização do homem, no entanto, viria da comparação da nossa espécie com grandes primatas. Gorilas, por exemplo, chegam a ser duas a três vezes maiores do que humanos, do que se tira que o cérebro deles deveria ser maior do que o nosso --mas, ao contrário, o humano é que é três vezes maior do que o do grande macaco.
A necessidade energética também faz o cérebro humano parecer especial. Embora represente apenas 2% do peso do corpo do homem, o órgão consome sozinho 25% de toda a energia usada por ele num dia: são cerca de 500 kcal de um total de 2.000 calorias diárias, simplesmente para manter o aparato mental funcionando. Em outros animais, em comparação, o custo relativo do cérebro chega a no máximo 8% do gasto energético total do organismo.
EXCEÇÃO Esse era o consenso quando comecei a estudar cérebros de humanos e outros bichos: o nosso é especial, por ser maior do que "deveria ser" e custar muito mais energia do que aquilo que se esperaria para o seu tamanho. Mas essa unanimidade entrava em choque com minha formação em biologia, ciência que busca entender as regras que se aplicam à vida em geral. Por que as regras da evolução deveriam se aplicar a todos os outros animais, mas nós seríamos uma exceção?
Pensei que o problema talvez estivesse na premissa básica de que todos os cérebros de mamíferos seriam construídos da mesma maneira. Talvez dois cérebros de tamanhos semelhantes pudessem na verdade conter números de neurônios bastante diferentes; talvez um órgão enorme, como o do elefante, pudesse até ter menos neurônios do que um mais modesto. Talvez o cérebro humano tivesse mais neurônios do que qualquer outro, independentemente de sua dimensão --especialmente no córtex, sede de funções como o raciocínio abstrato.
Para mim, então, a questão mais importante passou a ser quantos neurônios tem o cérebro humano, e como isso se compara com outros animais. Dizia a lenda que temos 100 bilhões de neurônios --mas nenhum de meus colegas conhecia o estudo original que teria chegado a esse número e, em todas minhas buscas, nunca o localizei. Até onde sei, ninguém havia contado o contingente de neurônios humanos ou de outros animais.
A técnica disponível até então era impossível de se aplicar à totalidade do órgão --e, de toda forma, boa parte dos cientistas parecia acreditar que a questão já estava resolvida.
Inventei uma maneira de contar células no cérebro e tive a sorte de contar com o apoio do professor Roberto Lent, da UFRJ, que me cedeu seu laboratório quando eu não tinha nenhum. Eu ia contar células"¦ em sopas de cérebro.
Soa repulsivo pensar em transformar em sopa o que um dia foi o âmago biológico de uma pessoa, eu reconheço. Mas, veja bem, não é muito diferente do que já se faz em tantos laboratórios, que é contar cérebros em pedacinhos mínimos para analisar sob o microscópio. A diferença é que meus pedacinhos seriam tão menores que o conjunto viraria líquido.
A base do método é dissolver o cérebro em um detergente que destrói todas as membranas das células, mas mantém intactos os núcleos delas, que passam assim a flutuar, soltos, em suspensão. Como o conjunto agora é líquido (com a aparência de um consomê claro), basta agitar a sopa para deixar os núcleos distribuídos homogeneamente e então extrair algumas amostras de volume definido para contá-los ao microscópio. Voilà: conhecendo-se o volume total da "sopa", basta uma regra de três para chegar ao número total de células no cérebro em apenas 15 minutos ao microscópio.
Dois anos depois, sabíamos de que eram feitos os cérebros de uma dúzia de animais, entre roedores e primatas. E foi uma agradável não surpresa descobrir que, de fato, eles são construídos de modo distinto.
Entre espécies de roedores, conforme se multiplica no cérebro a quantidade de neurônios, essas células também aumentam de tamanho, o que faz com o que o órgão infle muito mais rapidamente do que ganha neurônios. Mas entre primatas, cérebros maiores possuem mais neurônios cujo tamanho médio praticamente não aumenta --o que é uma maneira muito econômica, em termos de espaço, de ganhar neurônios. A consequência é que primatas sempre têm mais neurônios concentrados em um mesmo volume de cérebro do que roedores.
No cérebro humano, encontramos uma média de 86 bilhões de neurônios (a quem me diz que soa parecido com 100 bilhões, lembro que a diferença corresponde a um cérebro inteiro de babuíno). Desses, 16 bilhões compõem o córtex cerebral --provavelmente o maior número de neurônios em qualquer cérebro no planeta, mesmo nos maiores do que o nosso, o que acredito ser a explicação mais simples para nossa capacidade cognitiva notável.
Mas os "86 bilhões" deixam mesmo de ser apenas um número e ganham significado quando os cotejamos com o quinhão celular de outros animais.
Como descobrimos que a relação entre o tamanho do cérebro e seu número de neurônios pode ser descrita matematicamente, pudemos calcular como seria o cérebro humano se fosse construído como um cérebro de roedor: com 86 bilhões de neurônios, um roedor genérico pesaria 89 toneladas e teria um cérebro de impossíveis 36 quilos (tamanho de uma criança de dez anos). Um órgão assim não seria viável, pois colapsaria esmagado pelo próprio peso.
O fato de não termos 89 toneladas nem um cérebro descomunal ilustra, então, o que deveria ser óbvio: não somos roedores nem possuímos um cérebro grande de rato. Comparar humanos a roedores e concluir que somos especiais em comparação a eles é, portanto, enredar-se num paralelo vazio, do tipo laranjas com maçãs.
Primatas que somos, é em relação a eles que devemos nos medir. E aqui a matemática mostra que um primata genérico com 86 bilhões de neurônios teria um cérebro de 1,2 kg (o que é bem próximo da nossa média) e um corpo de 66 quilos (dentro dos padrões).
A conclusão nada surpreendente, mas ainda assim extremamente importante, porque contraria nossa suposta excepcionalidade, é uma só: temos um cérebro de primata. Nem mais, nem menos. (Divirto-me pensando que Darwin teria gostado de ler esta manchete: "Cérebro humano feito à imagem de outros cérebros de primata!".)
O cérebro humano, portanto, é notável, sim --mas não especial ou extraordinário, no sentido estrito da palavra. Fico satisfeita de ter contribuído à ciência uma descoberta que nos lembra de nosso lugar na natureza --o que deveria inspirar um pouco de humildade.
Se não é especial, por que sorve tanta energia? Como já havia dados na literatura sobre o custo energético do cérebro de humanos e outros animais, agora que conhecíamos os montantes de neurônios ficara fácil fazer as contas.
Já trabalhando em meu próprio microlaboratório, cheguei à conclusão de que cérebros humanos, de macacos, babuínos e roedores têm gasto energético semelhante: uma média de seis quilocalorias diárias por bilhão de neurônios. O custo total de energia de um cérebro é, portanto, uma simples função linear do número de neurônios que ele possui. Posto dessa maneira, o órgão humano mais uma vez apenas se encaixa no esperado: com seus 86 bilhões de neurônios, consome tanto quanto deveria --cerca de 500 kcal por dia.
ENERGIA Como conseguimos esse número notável de neurônios? E, em particular, se grandes primatas são ainda maiores do que nós, por que eles não têm mais neurônios do que nós? Quando me dei conta de quão caro é ter uma enormidade de neurônios, passei a suspeitar que talvez grandes primatas simplesmente não conseguissem energia suficiente para sustentar concomitantemente um corpanzil e um cérebro grande.
Com Karina Fonseca-Azevedo, aluna de iniciação científica, fiz as contas. Calculei, de um lado, quanta energia um primata consegue obter por dia com sua dieta típica de alimentos crus e, de outro, quanto "custa" um corpo de um certo tamanho e um cérebro dotado de um certo contingente de neurônios. Depois, busquei as combinações de tamanho corporal e número de neurônios que um primata conseguiria sustentar comendo um certo número de horas por dia.
Devido ao alto custo dos neurônios, descobri que existe um "toma lá, dá cá" entre neurônios e massa corporal. Um primata que come oito horas por dia conseguiria bancar um máximo de 53 bilhões de neurônios --mas, neste caso, não teria como pesar mais do que 25 quilos.
Para ficar maior do que isso e continuar energeticamente viável (ou seja, para não morrer de fome), seria preciso abrir mão de neurônios. Quando se come como um primata, ou se é corpulento, ou se tem um cérebro equipado com neurônios a não mais poder; não se deve aspirar a ambos.
Uma alternativa, é claro, seria passar ainda mais horas por dia comendo. Mas isso é brincadeira perigosa que logo se torna irrealizável. Gorilas e orangotangos custeiam seus cerca de 30 bilhões de neurônios comendo oito horas e meia por dia --e, convenhamos, não conseguem fazer muito mais do que isso. Nove horas diárias de alimentação parecem ser o limite prático para um primata.
E nós, humanos? Com 86 bilhões de neurônios e 60-70 quilos de massa corporal, pela lógica, deveríamos passar mais de nove horas por dia comendo --o que naturalmente não é o caso, e nem seria possível. Se comêssemos como fazem os demais primatas, não deveríamos estar aqui.
Como chegamos então aos 86 bilhões de neurônios, se nosso cérebro não custa nada a menos do que deveria e se não podemos passar o dia todo à mesa? A alternativa que resta é, de alguma maneira, extrair mais calorias das mesmas porções de alimento. Essa, sim, é uma alternativa extremamente interessante --e que casa com uma invenção creditada a nossos antepassados na época certa, cerca de 1,5 milhão de anos atrás: a cozinha.
Cozinhar é essencialmente usar fogo para pré-digerir alimentos fora do corpo. Dito assim, não soa nada apetitoso. Mas produtos cozidos, muito mais macios, podem ser facilmente mastigados e triturados na boca, o que faz com que sejam totalmente digeridos por enzimas no estômago e absorvidos no intestino.
O domínio dessa técnica permite ao homem extrair de alimentos até três vezes mais energia do que se eles fossem ingeridos crus --e o ganho é também de tempo, vale destacar. Cozinhar, pois, nos rende não só mais calorias como também tempo livre.
VANTAGEM Graças à cozinha, o que até então era um risco cada vez maior --um cérebro fervilhando com neurônios-- se tornou uma grande vantagem, principalmente agora que nossos antepassados tinham tempo disponível para direcionar seus neurônios a atividades mais interessantes do que pensar obsessivamente em comida, procurá-la e consumi-la. Essa me parece a explicação mais simples para a evolução tão rápida de um cérebro tão grande quanto o nosso --e somente do nosso.
Com um órgão cheio de neurônios mantidos por alimentos cozidos, nossa espécie passou rapidamente da comida crua à ciranda de cultura, agricultura, civilização, mercados, eletricidade, geladeiras --todo esse aparato que hoje nos permite obter todas as calorias de que precisamos em uma sentada só na lanchonete da esquina. O que um dia foi a solução hoje passou a ser o problema: fomos da incerteza de calorias diárias ao excesso em cada refeição. E, numa reviravolta irônica da evolução, agora tentamos resolver o problema"¦ voltando à comida crua das saladinhas.
(Ao pessoal do crudivorismo que perdeu sua "explicação" favorita de que "a comida crua era a alimentação dos nossos ancestrais" e me ataca dizendo que "você está errada, pois obviamente é possível comer só comidas cruas", eu respondo completando a frase deles com um ""¦hoje em dia, quando temos na esquina de casa mercados de frutas e hortaliças já plantadas, colhidas e servidas --e geladeiras para preservar tudo". Mesmo assim, o preço do crudivorismo é alto: fome permanente, perda da saúde e de peso. Bom, esta eu concedo: comer exclusivamente alimentos crus é a única dieta verdadeiramente infalível que conheço.)
Qual é, então, a vantagem de ser humano? O que nós temos que nenhum outro animal tem --e que é a explicação mais simples para nossas vultosas habilidades cognitivas? "O maior número de neurônios no córtex cerebral", eu diria. E o que nós fazemos que nenhum outro animal faz, e que, de quebra, acredito ter sido fundamental para nos permitir chegar ao número enorme de neurônios corticais? Cozinhamos o que comemos. Nenhum outro animal cozinha --e, para mim, foi o que nos tornou humanos.
Estudar o cérebro humano mudou minha maneira de pensar a comida. Hoje, toda vez que olho minha cozinha, faço reverências mentais a ela -- e agradeço a nossos ancestrais por uma invenção que nos legou a humanidade.
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Não possuímos nem de longe o maior cérebro de todos. O de elefantes, que oscila entre quatro e cinco quilos, é três vezes maior do que o nosso, que pesa em geral de 1,2 kg a 1,5 kg
Com 86 bilhões de neurônios e 60-70 quilos de massa corporal, pela lógica, deveríamos passar mais de nove horas por dia comendo --o que não é o caso
Graças à cozinha, [...] nossos antepassados tinham tempo para direcionar seus neurônios a atividades mais interessantes do que pensar em comida, procurá-la e consumi-la
Embora represente apenas 2% do peso do homem, o cérebro consome 25% de toda a energia usada por ele num dia: são cerca de 500 kcal de um total de 2.000 calorias

    Encomendas para o futuro - JOCA REINERS TERRON

    folha de são paulo
    ARQUIVO ABERTO
    MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS
    São Paulo, 1995


    PRIMEIRO, CONHECI VALÊNCIO Xavier (1933-2008) por meio de "O Mez da Grippe", a obra-prima dele que carreguei em cópia xerox para todos os lados durante a faculdade, completamente transtornado.
    Da segunda vez, conheci Valêncio Xavier por telefone, se é que é possível afirmar isso de alguém; creio que o mais correto seria dizer que fui apresentado à voz rouca e titubeante do escritor paulista em 1994, quando arrisquei ligar para um número arranjado na lista telefônica de Curitiba, cidade onde ele morava e para a qual eu viajara não fazia uma semana.
    E afinal, conheci-o pessoalmente em São Paulo, em 1995; pessoa que, aliás, reunia toda a estranheza anunciada pela gagueira telefônica, coroada por uns olhos azuis irrequietos e branca cabeleira ouriçada de russo perdido nos trópicos. Em sua desarrumação, Valêncio parecia sempre ter sido transportado pelo vento. Naquela época ainda fumava, e também era possível imaginar que recém-pousara trazido pela fumaça do próprio cigarro.
    Então eu tinha 27 anos, e ele, 62. Não que houvesse diferença de idades, ou talvez sim: eu era o ancião, e ele, uma criança de imaginação febril --Valêncio Xavier completaria 80 anos neste 2013.
    A partir daí, Valêncio me acordaria o mais cedo possível em muitas ocasiões, ligando da "Gazeta do Povo", onde cumpria expediente. Sem cerimônia, gostava de fazer seus telefonemas por volta das 6h30, horário em que a Redação estava vazia. Para ele, não fazia a menor diferença se eu tinha ou não um bebê de poucos meses em casa ("Já que não anda dormindo mesmo", disse uma vez).
    Os motivos eram variados: comprar um raro dicionário etimológico que eu encontrara no lixo, vangloriar-se, relatar histórias que andava escrevendo, anunciar-- Valêncio sempre anunciava algo, avisar era pouco para ele-- sua vinda a São Paulo.
    Nessas ocasiões, ele me chamava na portaria da editora onde trabalhei alguns anos, na rua Conselheiro Nébias. Hospedava-se na vizinhança, no apartamento de seu sobrinho, o pintor Sergio Niculitcheff. Tomávamos café no Aldino's, um bar na esquina da Helvétia com a Barão de Limeira, e dali caminhávamos até a extinta livraria Duas Cidades, na Bento Freitas.
    Por aquela altura eu planejava criar minha minúscula editora, a Ciência do Acidente, e queria estreá-la com um livro de Valêncio Xavier. Então os telefonemas, a cada dia mais madrugadores, passaram a tratar quase exclusivamente disso, da edição de seus livros.
    O primeiro a sair foi "Meu 7º Dia - Uma Novella-rébus", em 1999, e pretendíamos publicar outro em seguida, "O Corpo do Sonho", que ainda permanece inédito. O livro, como toda sua obra, deveria ter ilustrações. Só que desta vez, Valêncio --que recuperava imagens de filmes mudos e antigos anúncios publicitários -- insistia que eu deveria produzi-las.
    Como de costume, ele entregou o texto acompanhado de esboços a fim de me orientar. Os rabiscos (um deles ilustra esta recordação) eram excelentes, e tentei convencê-lo a fazê-los ele próprio, o que recusou. Então Valêncio teve Alzheimer, minha aventura editorial acidentou-se, e o livro não saiu.
    Um dia, soube que ele encomendara os mesmos desenhos ao Sergio Niculitcheff. Foi o próprio Sergio quem me contou. Anos depois, recebi um telefonema inesperado de Curitiba, do ilustrador Ricardo Humberto, relatando que Valêncio também lhe pedira idênticos desenhos para ilustrar "O Corpo do Sonho". Fico imaginando a quantos desenhistas ele solicitou as tais ilustrações, e se as repetidas encomendas se deviam ao esquecimento causado pela doença ou à sua proverbial desconfiança com editores.
    Porém, logo lembrei o sorriso maquiavélico de Valêncio e desconfiei que não, ele apenas devia estar sendo prevenido --se um furasse, outro não falharia. A verdade parece ser que todos furamos, e "O Corpo do Sonho" continua inédito e à espera de ilustrador.

      Colombo ficou a ver navios - Cristina Kirchner saca o genovês do pedestal - SYLVIA COLOMBO

      folha de são paulo
      DIÁRIO DE BUENOS AIRES
      O MAPA DA CULTURA
      DEPOIS DE QUASE um mês de novela, o governo da presidente Cristina Kirchner venceu. Numa manhã do fim de junho, as TVs transmitiram ao vivo o capítulo derradeiro: a remoção da estátua do navegante genovês Cristóvão Colombo (1451-1506) do alto do monumento doado a Buenos Aires pela colônia italiana, em 1910.
      Cristina começou a travar uma guerra contra o navegante italiano quando propôs que sua imagem, segundo ela a de um conquistador vil, fosse substituída pela de Juana Azurduy (1780-1862), heroína boliviana da Independência argentina --um presente de Evo Morales.
      O país acompanhou a disputa pelos ícones como se fosse um folhetim. De um lado, a presidente e seu discurso anti-imperialista. De outro, o prefeito de Buenos Aires e a comunidade italiana, inconformados, defendendo a monumental estátua de pedra. Por ora, ganhou Cristina, e o marinheiro permanecerá alijado do pedestal, à espera de restauração e traslado para um porto mais discreto.
      EL POETITO
      Em seu notável esforço por divulgar a literatura brasileira, a editora Adriana Hidalgo lança "Antología Sustancial de Poemas y Canciones", uma completa edição em espanhol e em português de toda a obra, literária e musical, do poeta e compositor brasileiro Vinicius de Moraes (1913-1980).
      "Não dá para separar as canções da poesia. E o argentino, que já tem simpatia por Vinicius pelo personagem, agora pode conhecê-lo por completo", diz à Folha o editor Fabián Lebenglik.
      A tradução ficou a cargo de Cristian De Nápoli, e o volume é ilustrado com fotos feitas pelo filho do poeta, Pedro. A Livraria Cultura encomendou uma fornada para suas lojas brasileiras. Com proposta distinta da que guiou a edição da Companhia das Letras, a obra é cronológica, didática e prática.
      A VEZ DOS CONTEMPORÂNEOS
      O Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires vem direcionando seu foco para a produção literária contemporânea brasileira. Nos últimos meses, passaram por ali o paulistano Ferréz, que lançou a versão argentina de "Manual Prático do Ódio" (ed. Corregidor), e o amazonense Milton Hatoum, publicado pela Beatriz Viterbo.
      Na última semana, foi a vez de Marcelino Freire. Seu "Contos Negreiros" sai pela Santiago Arcos. Em debate com a tradutora Lucia Tennina e com o escritor Washington Cucurto, autor do prólogo, Freire falou da mãe, da tradição nordestina e da influência de São Paulo em sua literatura.
      Os selos pequenos e independentes argentinos têm encontrado nos escritores brasileiros contemporâneos um nicho que movimenta o mercado local.
      As grandes editoras costumam se voltar preferencialmente para o cânone e publicam nomes manjados, como Clarice Lispector, Rubem Fonseca e Jorge Amado.
      UM MUSEU PARA SABATO
      Ficou para uma data indefinida a abertura do museu dedicado a Ernesto Sabato (1911-2011), em sua casa, em Santos Lugares, na província de Buenos Aires. A razão é a alta do dólar paralelo, que já chega a valer o dobro que o oficial, e a inflação, que faz com que os preços disparem.
      Em 2011, o governo da província destinou uma verba à família para as obras. Como o valor não foi usado em tempo, justifica o filho, Mario, sofreu desvalorização. Agora, a família busca apoio privado para terminar o projeto de restauração da biblioteca no subsolo, do escritório onde o autor de "Sobre Heróis e Tumbas" trabalhou, de seu ateliê de pintura e dos aposentos onde viveu de 1945 a 2011.
      Além dos livros, desorganizados, hoje é possível ver no lugar a Olivetti com a qual ele trabalhava, mas falta catalogar seus volumes e manuscritos. A esperança de Mario era abrir o museu no último dia 24, quando o pai completaria 102 anos, mas o projeto foi adiado.
      Além de um dos nomes centrais da literatura argentina do século 20, Sabato chefiou a comissão que, nos anos 1980, realizou um completo levantamento dos desaparecidos políticos durante a última ditadura militar (1976-1983).

        O homem que falava português [Paulo Rónai] - Raquel Cozer

        folha de são paulo
        PERFIL
        O homem que falava português
        O húngaro Paulo Rónai se deleitou com o "idioma de passarinhos"
        RESUMO A obra do crítico, tradutor e professor Paulo Rónai (1907-1992) vem sendo redescoberta desde que, em 2010, a agente Lúcia Riff assumiu seu espólio. "Como Aprendi o Português..." e "Mar de Histórias" são alguns dos títulos que voltam às livrarias, mas família ainda não achou instituição disposta a adquirir sua biblioteca.
        RAQUEL COZER

        PAULO RÓNAI TINHA 30 anos e já sabia latim, grego, italiano, francês e espanhol quando descobriu o português. À primeira audição (e única, por muito tempo, já que o português nunca esteve exatamente em voga em Budapeste), a língua lhe pareceu "alegre e doce como um idioma de passarinhos". Entre tantos vernáculos neolatinos, virou o xodó.
        No ano seguinte, 1938, o jovem intelectual publicou suas primeiras traduções de poetas brasileiros para o húngaro. Um biênio transcorreu até, numa temporada em Portugal, ele enfim travar contato diário com o português. E descobrir que não entendia "patavina".
        Por sorte, o português cuja sonoridade ele lembrava com apreço não só existia como era falado no Brasil, destino final da viagem que lhe rendera a escala em Lisboa.
        "O Brasil recebia-me com uma linguagem clara, sem mistérios. Ainda não desembarcara e já não perdia nenhuma das palavras do carregador, que, em compensação, perdeu uma das minhas malas", relata Rónai (1907-1992) em "Como Aprendi o Português e Outras Aventuras" *[Casa da Palavra, 264 págs., R$ 34]*, cuja caprichada reedição engrossa uma série de lançamentos ligados à sua atividade de tradutor e ensaísta.
        A vinda ao Brasil representara uma espécie de casamento forçado com o idioma que o encantara --em 1940, na Segunda Guerra, o autor, judeu, chegou a passar seis meses num campo de trabalhos forçados em Budapeste.
        Mas o enlace não poderia ter resultado mais harmônico. Se Rónai (pronuncia-se "rônói") deixou Budapeste com um passaporte "não válido para retorno", encontrou aqui, aos 33, um país de braços abertos. Seu visto foi expedido em 1940, após o embaixador do Brasil lhe enviar carta garantindo condições para estudar no Rio.
        Outra missiva chegara antes, em 1939, assinada pelo presidente Getúlio Vargas, em agradecimento pelo recebimento de "Brazilia Üzen" (mensagem do Brasil), publicado no Leste Europeu com traduções de Rónai. "Um serviço digno de todo o louvor", dizia o texto.
        A antologia montada pelo húngaro não era módica. Sem nunca ter colocado os pés no Brasil, ele reunira nomes em plena atividade, como Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Cassiano Ricardo e Manuel Bandeira.
        "Era algo espantoso. Não havia nos anos 1930 grandes antologias de brasileiros em atividade. Ninguém sabia que jovens dariam certo, Drummond ainda não era Drummond, e ele imediatamente sacou quem importava", diz o poeta e tradutor Nelson Ascher, autor de ensaios sobre a contribuição de Rónai à literatura brasileira.
        Foi um impulso robusto, que inclui desde a elogiada organização de "A Comédia Humana", de Honoré de Balzac, cuja reedição a Globo começou a publicar no fim do ano passado, até a tradução e apresentação ao país de clássicos como "Os Meninos da Rua Paulo" (Cosac Naify), de Ferenc Molnár.
        MUSA Paulo Rónai já era reconhecido na Hungria quando desembarcou no Brasil, como mostra Zsuzsanna Filomena Spiry na dissertação de mestrado "Paulo Rónai, um Brasileiro Made in Hungary", defendida em 2009 na USP.
        "A obra dele é muito maior do que se enxerga aqui. Ele trouxe uma tradição de crítica literária de um país que valorizava imensamente essa área", diz a pesquisadora, agora doutoranda em Rónai.
        A minuciosa pesquisa inclui um achado: um poema de 1929 no qual Rónai, então um aspirante a poeta de 22 anos, reconhecia que a musa o abandonara. A verdadeira inspiração, ele dizia, só o visitava quando o escritor se dedicava aos ensaios. Autocrítica incomum para um jovem com ambições literárias.
        As oportunidades como tradutor não lhe caíram no colo. Após dois anos estudando em Paris, de 1929 a 1931, voltou para uma Hungria em crise. Colaborou com revistas literárias, deu aulas, mas por um período precisou fazer bicos em tradução comercial e técnica.
        "Os assuntos variavam da descrição de patentes a certidões de casamento, bulas de remédio [...]. Parte desse trabalho era-me pedida por um escritório de traduções, outra por tradutores juramentados, que sublocavam tarefas a ghost-translators' necessitados e exploráveis", descreve Rónai em *"A Tradução Vivida" [José Olympio, 256 págs., R$ 36]*, volume que reúne conferências sobre o ofício, reeditado no ano passado ao lado de "Escola de Tradutores".
        Mas a atuação como professor e em revistas como a "Nouvelle Revue de Hongrie" lhe garantiu estima. "O círculo de Rónai era central na Hungria. Eram os Antonios Candidos e Haroldos de Campos da geração dele", compara Ascher.
        Chegando ao Brasil, o húngaro logo travou amizades com autores como Drummond e Cecília. Ficou próximo também de João Guimarães Rosa, de quem Antonio Candido e ele resenharam no mesmo dia, 11 de julho de 1946, "Sagarana" --o primeiro para o "Diário de São Paulo", com foco em aspectos sociais, o segundo para o "Diário de Notícias", no Rio, partindo de critérios filológicos e literários.
        O amigo de toda a vida foi Aurélio Buarque de Holanda. A parceria gerou uma das antologias de contos mundiais mais ambiciosas de que se tem notícia, "Mar de Histórias", com dez tomos ao longo de 45 anos, e que será reeditada pela Nova Fronteira neste semestre.
        "Aurélio traduziria os textos escritos em francês e castelhano, eu os escritos em grego, latim, inglês, italiano, alemão, russo e húngaro; além disso, ele faria a revisão de todas as traduções que não lhe coubessem", conta o autor de "A Tradução Vivida". A revisão era necessária porque Rónai vertia para idioma que não era o seu de origem, como tradutores costumam fazer.
        FOFO "No geral, ele era desligado, mas era bonitinho. Era tão perfeito em tudo. Eu o achava um fofo", diz a viúva, Nora Rónai, 89, professora de arquitetura aposentada da UFRJ e campeã de natação na faixa dos 85 aos 89 anos.
        Nora era o braço forte da família, segundo a filha mais nova, a flautista Laura, 57, professora da UniRio --a outra é a jornalista Cora Rónai, 59. "Mamãe era prática, papai ficava mergulhado nas leituras dele. Ele não gastava nada, não tomava uísque importado, vestia qualquer roupa", lembra.
        O centenário de nascimento de Rónai, em 2007, passou em branco, mas desde 2012, quando se completaram 20 anos de sua morte, sua obra começa a aparecer. Não apenas pela efeméride.
        Após um período sob os cuidados do agente Alexandre Teixeira, responsável pelo espólio de Cecília Meireles e Manuel Bandeira, a obra do tradutor foi transferida para uma das principais agentes do país, Lúcia Riff, que recebeu da família a orientação de fazer o nome dele voltar a aparecer.
        Foi uma coincidência feliz que a troca de guarda tenha acontecido quando Ana Cecilia Impellizieri, editora da Casa da Palavra e estudiosa de Rónai, pensou em editá-lo. "Ele precisa ser reconhecido na totalidade de sua contribuição para o país, além do notável trabalho como tradutor, pelo qual é mais celebrado hoje."
        Além de "Como Aprendi o Português...", a Casa da Palavra editará "Encontros com o Brasil", "Não Perca o Seu Latim" e "Contos Húngaros". Outra reedição prevista para breve é a de "Pois É" (José Olympio). "Ninguém na família vive dos direitos autorais de papai, e isso tem vantagens e desvantagens", diz Laura. Uma vantagem é que as herdeiras não colocam empecilhos à circulação da obra. No outro extremo, não têm condições de se dedicar exclusivamente ao acervo.
        Nos últimos anos, a família vem buscando instituição disposta a receber a biblioteca que ele organizou, meticulosamente, no sítio Pois É, em Nova Friburgo (RJ). Ainda não apareceu quem tope pagar em torno de R$ 800 mil, segundo avaliação preliminar.
        "Recebi propostas de doações, mas não acho justo com a família nem com a memória de papai, que pagou por aqueles livros. Está na hora de o país reconhecer um pouco o que ele deu ao Brasil."
        Zsuzanna Spiry foi quem levantou os 7.843 livros da biblioteca, que inclui uma brasiliana, com cerca de 4.000 volumes, dos quais 70% estão dedicados a Rónai pelos autores, e um setor de literatura universal. Além disso, há a produção do próprio autor, como títulos que prefaciou (mais de 60) e artigos de jornais (mais de 400).
        "Ele tinha um senso organizacional apuradíssimo. Encontrei várias pastas de recortes, ordenados por ordem cronológica, com uma folha índice no começo, feita a mão, com a indicação de cada recorte contido na pasta, data, título e respectivo jornal", escreve a pesquisadora na dissertação.
        Isso no que diz respeito a trabalho conhecido. Não se sabe, por exemplo, a extensão do esforço nunca creditado a Rónai na revisão de "Em Busca do Tempo Perdido" (Globo), de Marcel Proust. Mas foi em outra ocasião, ao omitir crédito e notas de "A Comédia Humana", que a Globo tirou o homem do sério.
        "O advogado disse que ganharíamos um processo. Papai acabou fazendo um acordo. Disse que, se saísse outra edição, com o nome dele, não processava. Papai era um otário", acha graça Laura.
        Era também "fofo". Em certa ocasião, ela lembra, bravo por vê-la estudar pouco, ele lhe deixou um pito por bilhete. Na forma de um poema. "Respondi também por poema que estudava, sim."
        Embora tenha vaticinado cedo o abandono da musa, Rónai nunca deixou de rascunhar versos, de brincadeira, para amigos. Em 1970, presenteou seu cunhado Américo, bagunceiro convicto, com uma pasta para documentos acompanhada dos seguintes versos: "Arquivados, classificados,/ Em bom lugar conservados,/ Todos na pasta competente,/ Para serem encontrados facilmente."
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        'No geral, ele era desligado, mas era bonitinho. Era tão perfeito em tudo. Eu o achava um fofo', diz a viúva, Nora Rónai, campeã de natação na faixa dos 85 aos 89
        Sem nunca ter colocado os pés no Brasil, ele reunira nomes em plena atividade, como Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Cassiano Ricardo e Bandeira

          A conversão do pentecostalismo - REGINALDO PRANDI

          folha de são paulo
          ARTIGO
          Plano evangélico de expansão esbarra em certos pilares da cultura brasileira
          RESUMO Depois de trocar o discurso do desapego material pela apologia do consumo, o pentecostalismo brasileiro se vê instado a afrouxar sua moral conservadora para conquistar segmentos mais abastados e escolarizados. Na trilha para se tornar a força religiosa dominante no país, ele terá de se dobrar ao éthos nacional.


          O AVANÇO ACELERADO das igrejas evangélicas anuncia para breve um Brasil de maioria religiosa evangélica. Se isso vier a acontecer, o país se tornará também culturalmente evangélico? Traços católicos e afro-brasileiros serão apagados, assim como festas profanas malvistas pela nova religião predominante?
          Deixarão de existir o Carnaval, as festas juninas, o famoso São João do Nordeste? Rios, serras, cidades, ruas, escolas, hospitais, indústrias, lojas terão seus nomes católicos trocados? A cidade de São Paulo voltará a se chamar Piratininga? E mais, mudarão os valores que orientam a vida por aqui?
          Provavelmente não, porque a religião mudaria antes. Ela se reconfigura em resposta a demandas sociais, e essa recauchutagem é tão mais profunda quanto maiores forem a consolidação e a difusão da crença. Deixa de ser radical e sectária, ajusta-se. Vê-se isso na história recente das próprias religiões evangélicas.
          Igrejas pentecostais pregavam uma ética de afastamento do mundo, com profundas restrições ao consumo. Ao preconizar vida simples e despojada, ofereciam um modelo ideal de conduta para uma classe proletária então destinada a ganhar mal e comprar pouco.
          Quando a âncora da economia muda do trabalhador que produz para o consumidor (garantidor do crescimento), o pentecostalismo tem de rever sua posição sobre o consumo, até então encarado como ponte para o mundanismo.
          Dessa forma, acompanhou a mudança e adotou a teologia da prosperidade --coisa de gênio. Abandonou o princípio de que o dinheiro é do diabo e largou mão do velho ascetismo, mantido na esfera da sexualidade. Adequou-se às aspirações de classe média no que diz respeito a vestir-se, educar os filhos, ter tudo de bom em casa, comprar carro, viajar a turismo e muito mais.
          A nova teologia promete que se pode contar com Deus para realizar qualquer sonho de consumo. Em suma, já não se consegue, como antes, distinguir um pentecostal na multidão por suas roupas, cabelo e postura. Tudo foi ajustado a novas condições de vida num país cujo governo se gaba do (duvidoso) surgimento de certa "nova classe média", de fato cliente preferencial das lojas de R$ 1,99.
          Incapazes de influir nos grandes temas da sociedade, as igrejas pentecostais ajustaram o foco na velha preocupação com a vida íntima. Agarraram-se a uma moralidade mesquinha e reacionária, tão fácil de impor aos descontentes com sua vida pessoal.
          A maioria dos pentecostais é de recém-convertidos, e conversão precisa de motivo forte, subjetivo, que tenha elo direto com felicidade e capacidade de viver bem.
          IMPOSIÇÃO DA LEI A interferência da religião nos costumes poderia vir agora também pela imposição da lei. Para fazer mudanças a seu gosto, o credo da nova maioria contaria com as casas legislativas, onde vai ampliando suas fileiras. Bem no tom de ameaça do pastor e deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP).
          Ao perder uma batalha em sua guerra homofóbica travada nas trincheiras da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que espantosamente continua a presidir, ele acenou para um revide amparado na possibilidade de a bancada evangélica dobrar numericamente na próxima legislatura.
          O instituto Datafolha confirma: se dependermos da opinião expressa por pentecostais, o Brasil pode retroceder em matéria de família, sexualidade e liberdade de escolhas e abandonar normas e direitos fixados após longas lutas.
          A pesquisa publicada hoje pela Folha mostra que, no continuum da moralidade, as posições estão bem marcadas: os pentecostais formam o segmento mais atrasado. Os católicos são tão avançados quanto a população média do país, maioria que são. Os evangélicos não pentecostais ocupam posição intermediária entre católicos e pentecostais; já tiveram sua fase de sectários e poderiam representar hoje os pentecostais de amanhã.
          Os sem religião, espíritas e umbandistas tendem a ter posição condizente com os avanços da sociedade, à frente dos católicos, mas são muito minoritários. Outras religiões, pelo pequeno número de seguidores na população, nem aparecem na amostra.
          É preciso lembrar que, independentemente de religião, os mais pobres e os menos escolarizados, camadas em que os pentecostais arregimentam preferencialmente seus adeptos, estão menos afeitos ao avanço dos costumes e direitos.
          Religião e posição social se atraem e se somam. Por outro lado, se o pentecostalismo também sonha em ser uma religião de classe média ilustrada, terá de mudar.
          Ainda que majoritária, condição aqui apenas hipotética, a religião evangélica, sobretudo pentecostal, seria a crença de indivíduos convertidos um a um, e não a que funda uma nação e fornece os elementos formadores de sua cultura, lugar ocupado pelo velho catolicismo. O processo que culminaria no redesenho do cenário da fé seria diferente daquele que modelou a cultura no Brasil. Por tudo isso, em vez de o Brasil virar culturalmente evangélico, a religião evangélica pode bem se converter ao Brasil.
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          O país se tornará culturalmente evangélico? Deixarão de existir o Carnaval, as festas juninas, o São João? Provavelmente não, porque a religião mudaria antes
          Incapazes de influir nos grandes temas, as igrejas pentecostais ajustaram o foco na preocupação com a vida íntima. Agarraram-se a uma moralidade mesquinha e reacionária
          Ainda que majoritária, a religião evangélica seria a crença de indivíduos convertidos um a um, e não a que funda uma nação e fornece os elementos formadores de sua cultura

            Pontífice enfrentará riscos reais em viagem ao desconhecido - JOHN L. ALLEN JR. DA “NATIONAL CATHOLIC REVIEW

            folha de são paulo
            ANÁLISE
            A viagem do papa Francisco ao Brasil quase certamente será vista como um sucesso absoluto. Ele provavelmente atrairá multidões entusiasmadas, seu estilo caloroso e informal deve ser bem recebido e sua preocupação com os pobres deve calar fundo numa sociedade onde justiça social é uma ideia fixa.
            Além disso, em meio a uma onda de descontentamento, os brasileiros parecem ansiar por uma narrativa positiva a seu próprio respeito. Quando tudo terminar, a manchete dominante provavelmente será algo como: "Francisco traz a paz e conquista corações".
            Mas cada viagem pontifical é uma viagem para o desconhecido, e Francisco enfrenta riscos reais desta vez.
            As ruas brasileiras entraram em ebulição recentemente, e uma das principais causas é a percepção de que o governo gasta rios de dinheiro com eventos como a Copa do Mundo e a Olimpíada, enquanto educação, saúde e transportes vão de mal a pior.
            Teoricamente falando, os brasileiros podem ver a Jornada Mundial da Juventude como mais um caso em pauta e descarregar suas frustrações no papa. Mas há pelo menos três razões pelas quais isso parece muito improvável.
            Para começar, há uma dinâmica básica nas viagens papais. Tempestades potenciais, como o ressentimento gerado pelos custos e a reação pública à mensagem do papa, dominam a cobertura da mídia no período que antecede a visita. A partir do momento em que o pontífice desembarca, as coisas se desenrolam melhor que o esperado, e ao final a viagem é qualificada como sucesso.
            Em segundo lugar, Francisco chegará gozando de alto nível de popularidade, além da percepção de que ele se solidariza com as preocupações que empurraram os manifestantes brasileiros às ruas.
            Poucos movimentos de qualquer vertente dedicados à busca da justiça iriam querer desentender-se com ele. Em vez disso, os antagonistas nas tensões internas do Brasil parecem estar competindo entre eles para ver quem consegue demonstrar mais deferência e respeito a Francisco.
            Ativistas anunciaram que farão protestos gritando: "Papa, veja como somos tratados!". O que se presume é que expor os erros da classe política nacional diante dos olhos do papa Francisco pode envergonhar os políticos, levando-os a promover reformas.
            Pode não ser de bom agouro para os políticos, mas não parece prenunciar qualquer reação antipapal maciça.
            Em terceiro lugar, não há comparação entre a Copa e a Olimpíada, de um lado, e a Jornada Mundial da Juventude, de outro, em termos do volume de recursos públicos investidos, que é muito menor no caso do evento católico.
            Quando os brasileiros se derem conta da disparidade, provavelmente terão menos inclinação para incluir a viagem papal no rol dos outros alvos de seu ressentimento.
            Sempre que um líder mundial aparece em público, existe um pequeno risco de violência. Embora não haja razões para imaginar que isso seja mais provável no Brasil que em outro lugar, também não existem razões para pensar que seja menos provável.
            DISPUTAS INTERNAS
            Outro risco é que palavras e atos de Francisco sejam explorados por políticos, ativistas, analistas e veículos da mídia para reforçar posições nas disputas internas do país.
            Perguntei a um jornalista brasileiro veterano qual será a reação se, por exemplo, o papa Francisco disser algo genérico sobre pobreza em seu primeiro encontro com a presidente Dilma Rousseff, na tarde desta segunda-feira.
            Sem parar para pensar, eis o que o jornalista respondeu: "Imprensa brasileira: 'Papa pressiona Dilma a fazer mais pelos pobres'. Manifestantes: 'O papa está do nosso lado!' Oposição política: 'Papa apoia necessidade de mudanças'. Facção de Dilma: 'Papa endossa nosso programa'."
            No final da viagem ainda existe um risco de que ela seja interpretada como presente político para alguém, com o potencial de antagonizar o lado visto como perdedor.
            Mas provavelmente o maior risco que o papa enfrentará é que sua viagem seja um sucesso no curto prazo, mas não traga as consequências de longo prazo que ele sem dúvida gostaria que tivesse.

            Evangelho dos excluídos - Reinaldo José Lopes

            folha de são paulo
            O PAPA NO BRASIL
            Evangelho dos excluídos
            Ênfase de Francisco na defesa dos pobres e habilidade no emprego desímbolos religiosos explicam popularidade do novo papa
            REINALDO JOSÉ LOPESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHAFrancisco pode não ser ainda um pop star como João Paulo 2º, mas é tão habilidoso no emprego de símbolos como seu antecessor polonês.
            Seu cuidado em expressar um "programa de governo" --"uma Igreja pobre e para os pobres"-- começou nos primeiros minutos de seu papado com a escolha do nome e sua ênfase na humildade.
            Nunca um pontífice tinha pedido a bênção ao povo reunido para aclamá-lo, nem feito tanta questão de se referir a si mesmo como bispo de Roma, e não como papa.
            Até certo ponto essa ênfase foi uma surpresa porque Jorge Mario Bergoglio, quando arcebispo de Buenos Aires, se mostrara arredio diante da Teologia da Libertação, a corrente católica mais preocupada com a injustiça social.
            Ex-subordinados de Bergoglio chegaram a acusá-lo de colaborar com a ditadura militar argentina nos anos 70, o que nunca ficou provado.
            A preocupação de Francisco em transformar a imagem papal em algo menos principesco continuou com o anúncio de que não moraria no palácio papal, mas num quarto da Casa de Santa Marta, a "hospedaria" do Vaticano.
            Para Moisés Sbardelotto, da Unisinos, a decisão é um exemplo da intenção do papa de parecer o mais próximo possível dos fiéis comuns.
            Em seu primeiro compromisso oficial fora do Vaticano, o papa foi até a ilha de Lampedusa, palco de vários naufrágios de imigrantes ilegais tentando chegar à Europa. "Ele fez uma defesa muito radical de acolhimento a essas pessoas, e todos os paramentos litúrgicos, do altar ao báculo, foram feitos com madeira de destroços desses naufrágios", diz Sbardelotto.
            O papa também mostrou certa despreocupação com o estilo tradicional do Vaticano ao anunciar a canonização conjunta de dois antecessores, João 23 e João Paulo 2º.
            O primeiro é o herói da esquerda da igreja por ter convocado o Concílio Vaticano 2º, que abriu a hierarquia católica ao diálogo com o mundo moderno, e o segundo é visto como o pontífice que deteve essa abertura. "Com as canonizações, Francisco parece estar dizendo: todos vocês têm lugar aqui dentro", afirmou o vaticanista John Allen Jr.
            O papa tem sido mais discreto sobre alterações na estrutura do Vaticano. Sua maior inovação foi nomear um grupo de cardeais para aconselhá-lo sobre a reforma da Cúria --o aparelho burocrático central que governa a igreja, sobre o qual pairam acusações de corrupção.
            Francisco anunciou sua intenção de acabar com as irregularidades no Banco do Vaticano, mas o assunto rendeu o primeiro escândalo de seu papado. Para cuidar da faxina no banco, o papa nomeou Battista Ricca, o qual, segundo a revista "L'Espresso", teria sido frequentador de boates gays. O Vaticano nega.
            O escândalo não parece ter arranhado a popularidade de Francisco. Mau sinal, para o vaticanista Sandro Magister: ele diz que o papa só continua com imagem positiva porque se esquiva de temas polêmicos e não tem "coragem" de atacar o aborto, a eutanásia e o casamento gay.

              O sexo persegue o Vaticano - Clovis Rossi

              folha de são paulo
              Novo escândalo envolvendo importante prelado e o abuso contra crianças estarão na pauta do papa?
              O papa Francisco chega ao Brasil à sombra de mais um escândalo no Vaticano, ligado à sexualidade. Ou, no caso, à homossexualidade.
              A edição da revista "L'Espresso" nas bancas desde quinta-feira trata do caso que, ao que tudo indica, provocou uma menção de passagem do próprio papa ao "lobby gay" faz pouco. Trata-se do dossiê sobre monsenhor Battista Ricca, prelado para o IOR (Instituto para Obras Religiosas), o banco do Vaticano, foco permanente de escândalos.
              Mas o dossiê da revista não trata do IOR e, sim, da "conduta escandalosa" de Ricca e de seu íntimo amigo Patrick Haari, um capitão do Exército suíço. O termo "conduta escandalosa", sempre de acordo com "L'Espresso", aparece em dossiê enviado ao Vaticano pelo núncio apostólico em Montevidéu, Janusz Bolonek, relatando fatos ocorridos durante estada na capital uruguaia de Ricca e de Haari.
              O porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, negou validade à reportagem de "L'Espresso", mas a direção da revista disse que não adianta fingir que não há dossiê.
              Não é o único problema ligado a sexo que o papa em tese será obrigado a abordar durante a visita ao Brasil, se ele pretende mesmo --como disse outro dia Frei Betto-- fazer de sua estada "a semana inaugural do papado".
              O Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas está se preparando para questionar a Igreja Católica sobre seu comportamento ao tratar de abusos sexuais de crianças por parte de clérigos --uma mancha que vem de longe, foi subestimada no papado de João Paulo 2º, enfrentada com mais energia por Bento 16 e acabou sobrando para seu sucessor.
              Agora, o Comitê pelos Direitos das Crianças, com base em Genebra, prepara uma lista de temas para apresentar ao Vaticano, desafiando-o a fornecer os registros das compensações financeiras dadas às vítimas de abuso e os acordos secretos que foram feitos para preservar a reputação da igreja.
              É justo dizer que o papa Francisco parece ainda mais determinado que seus antecessores a lidar vigorosamente com o tema, tanto que já propôs endurecer a legislação a respeito, movimento muito mais significativo do que trocar papamóvel por jipe, dormir em um quarto simples e outros detalhes do gênero. São gestos simpáticos, mas que não tocam nas feridas ainda abertas na pele da igreja.
              Se a Jornada Mundial da Juventude seguir o "script" imaginado por dom Cláudio Hummes, o papa muito provavelmente será sabatinado em torno desses temas. O cardeal Hummes disse à rádio Vaticana que não basta falar aos jovens ou celebrar a missa com eles. É preciso que "os jovens façam as perguntas sobre os temas que quiserem; devem mostrar-nos o que lhes interessa saber, quais são as grandes questões que levam no coração e na mente".
              Parece impossível que os jovens católicos (e os não católicos também, é claro) gostariam de saber do novo papa como vai limpar a mancha dos abusos sexuais e, também, se tratará do homossexualismo de uma maneira menos preconceituosa. A ver.

                Ênfase na pobreza reanima ala progressista dos católicos

                folha de são paulo
                O PAPA NO BRASIL
                Visita de Francisco alimenta expectativa com ação social mais forte da igreja
                Opção pelos pobres vira tema dominante em discursos do papa, que visitará áreas carentes do Rio nesta semana
                DIÓGENES CAMPANHADE SÃO PAULO
                A visita do papa Francisco ao Brasil poderá contribuir para renovar o fôlego das alas mais progressistas da Igreja Católica no país, que viram sua influência diminuir com o avanço dos grupos católicos carismáticos e dos evangélicos nos últimos tempos.
                Desde que foi escolhido como papa em março e adotou seu nome como homenagem a são Francisco de Assis, o argentino Jorge Mario Bergoglio tem dado ênfase à pobreza e à desigualdade social em seus discursos e suas ações.
                O pontífice disse que buscaria uma "igreja pobre e para os pobres", lavou os pés de menores infratores na semana da Páscoa e criticou o uso de carros de luxo por padres.
                Sua programação na próxima semana inclui visitas a um hospital e uma favela do Rio de Janeiro e um encontro com jovens detentos. O papa chega ao Brasil nesta segunda para participar da Jornada Mundial da Juventude.
                Para muitos religiosos, gestos como os que Francisco tem feito podem ajudar a fortalecer correntes que questionam a desigualdade e defendem o uso da igreja como uma espécie de alavanca para promover transformações sociais.
                "Francisco quer reforçar que a igreja vá às ruas e esteja próxima dos mais simples", diz o padre e teólogo João Batista Libanio, jesuíta como Francisco. "Os setores mais críticos, com padres com trabalho pastoral junto às camadas populares, vão se sentir mais prestigiados."
                Primo de Frei Betto, Libanio é adepto da Teologia da Libertação, corrente bastante difundida no Brasil na ditadura militar e que defende um catolicismo próximo aos pobres e alinhado a movimentos sociais de esquerda.
                Combatida pelos dois últimos papas, João Paulo 2º e Bento 16, essa teologia perdeu espaço ao mesmo tempo em que movimentos mais voltados à espiritualidade e considerados mais conservadores, como a Renovação Carismática, cresceram na igreja.
                Com o apelo do papa Francisco para que os católicos se voltem para os pobres, há a expectativa de que algumas bandeiras da Teologia da Libertação sejam recuperadas, mas não mais com o viés ideológico das décadas passadas, ao qual, inclusive, o papa se opõe com clareza.
                Em abril, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) deu um sinal nessa direção ao propor o fortalecimento das comunidades eclesiais de base (CEBs), grupos que no passado cresceram muito influenciados pela Teologia da Libertação.
                Para a CNBB, as comunidades de base poderiam ajudar a igreja a recuperar o espaço perdido para os evangélicos na periferia das grandes cidades nos últimos anos.
                Invocando Bento 16, o cardeal dom Raymundo Damasceno, arcebispo de Aparecida (SP), afirma que a ênfase do papa Francisco nos pobres deve ser entendida mais como uma orientação espiritual do que como um posicionamento de natureza política.
                "Ele é motivado, inspirado pelo evangelho nas atitudes", diz. "Não é nenhuma motivação política, ideológica."
                O conceito é compartilhado por dom Angélico Bernardino, bispo emérito de Blumenau (SC) e militante da Teologia da Libertação. "A opção evangélica pelos pobres é de Jesus. Não há nada de novo nos gestos do papa."
                Nada disso significa que a igreja pretende relegar a segundo plano os carismáticos, atualmente os principais responsáveis por atrair os jovens para a igreja e trazer de volta os católicos não praticantes.
                Em 2007, quando Bento 16 visitou o Brasil, o mais famoso dos padres cantores, Marcelo Rossi, foi impedido de se apresentar para o papa. No próximo domingo, ele e o padre Fábio de Melo estarão ao lado de Francisco no palco armado em Guaratiba (RJ).
                "O papa vai dar espaço para todos, na simplicidade, na humildade e no espírito alegre", afirma dom Fernando Figueiredo, bispo da diocese de Santo Amaro, na capital, e superior do padre Marcelo.

                Painel Vera Magalhães

                folha de são paulo
                Currículo na mesa
                Enquanto Dilma Rousseff não bate o martelo sobre a reforma ministerial, que incluiria trocas nas Relações Institucionais e na Fazenda, um ex-ministro do governo Lula tem defendido junto ao ex-presidente o nome de Otaviano Canuto para a cadeira de Guido Mantega. Economista com carreira na Unicamp, ele trabalhou com Antonio Palocci na pasta, em 2003. Hoje, é consultor do Banco Mundial e visto como um nome apara "recuperar a credibilidade" do governo no mercado.
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                Dupla jornada Setores do PMDB defendem que, em vez de endossar o substituto de Ideli na coordenação política, o vice-presidente, Michel Temer, assuma diretamente as Relações Institucionais, para devolver o prestígio da pasta junto à base.
                Roubada Aliados de Temer, no entanto, afirmam que, diferentemente da Defesa, que José Alencar acumulou quando era vice de Lula, com sucesso, a pasta de Ideli só traz desgastes ao titular.
                Tropa de Elite Reclamando de "descaso" de José Eduardo Cardozo (Justiça) com as reivindicações da categoria, a Federação Nacional dos Policiais Federais vai realizar manifestação na terça-feira, no Rio, durante a visita do papa Francisco.
                Mapa O Palácio do Planalto ainda insistia em mudar o local do encontro de Dilma e do governador Sérgio Cabral com o papa. O Palácio Guanabara é considerado muito vulnerável.
                Vapt-vupt Setores do governo sugeriram que a audiência oficial com o papa acontecesse na própria base aérea do Galeão, logo após o desembarque de Francisco.
                Sai da rua Se em 2005 houve corrida de políticos brasileiros para ir aos funerais de João Paulo 2º, parlamentares e governantes adotam postura discreta na vinda de Francisco. "Não há clima para ser papagaio de pirata'', admite um senador.
                Livre Embora publicamente mantenha o discurso de apoio a Dilma, Gilberto Kassab já diz a interlocutores que, se a eleição fosse hoje, o PSD ficaria independente na disputa presidencial. Seria a melhor forma de eleger uma grande bancada de deputados --sua prioridade.
                Próximos... Apesar de correr o risco de perder o apoio do PPS, Eduardo Campos (PSB) tem dito que apoia a filiação de José Serra ao partido de Roberto Freire para concorrer ao Palácio do Planalto em 2014.
                ... capítulos Para o pernambucano, a candidatura do ex-governador paulista dificultaria a entrada de Aécio Neves (PSDB) em São Paulo e daria à eleição ares de reprise da disputa entre Dilma, Serra e Marina Silva, o que favoreceria novos nomes.
                Nova direção O PSDB vai aproveitar uma lista de e-mails de cabos eleitorais de Serra na campanha presidencial de 2010 para montar banco de apoio para a candidatura de Aécio na internet.
                Copyright O nome Rede 45, usado em 2010, terá de ser mudado graças ao futuro partido de Marina Silva.
                Negócios... Parentes de expoentes do PSDB paulista estão debandando do partido. No dia 25, o PTB nomeará como presidente do núcleo sindical Antonio Ramalho Júnior, filho do presidente de grupo similar tucano.
                ... à parte O genro do prefeito tucano de Praia Grande será candidato pelo PMDB em 2014. O irmão do prefeito de Cotia, do PSDB, deve disputar um cargo pelo PSC. A irmã do prefeito de Americana, também tucano, se aproximou do PC do B. E o irmão do prefeito de Taubaté, do PSDB, embarcou no PTB.
                com ANDRÉIA SADI e BRUNO BOGHOSSIAN
                -
                TIROTEIO
                "Se o PMDB está defendendo a redução de ministérios, a primeira coisa a fazer deveria ser devolver as pastas que ocupa."
                DO LÍDER DO PMDB NO SENADO, EUNÍCIO OLIVEIRA (CE), que discorda da reforma proposta pelo presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN).
                -
                CONTRAPONTO
                Cancelando a assinatura
                Uma semana depois de ser eleito papa, em 13 de março deste ano, Jorge Bergoglio telefonou de Roma para seu jornaleiro Daniel, na calle Bolivar, em Buenos Aires.
                --Alô, Daniel, aqui fala o padre Jorge.
                --Pare com isso, Mariano, deixe de ser cretino! --reagiu o jornaleiro, julgando ser trote de um amigo.
                --Estou falando sério, é Jorge Bergoglio. Ligo para agradecer seu serviço todos esses anos e para pedir que não me envie mais o La Nación'. Lembranças à família!
                O relato foi feito por Daniel ao jornalista Andrea Tornielli e consta do livro Francisco'', sobre o papa.

                  Alice mora aqui - Denise Fraga

                  folha de são paulo

                  Alice mora aqui


                  Fiquei ali, vendo o esquilo cochilar. De repente, acordei. O que eu estava fazendo? Por que eu estava vendo um vídeo no qual um esquilo cochilava no ombro de um rapaz?
                  Me assustei. Tive uma espécie de branco, não conseguia me lembrar de como tinha chegado ali.
                  Fechei a tela correndo. Outra se abriu. Fechava uma e dava em outra. E outra. E mais outra.
                  Eu tinha aberto umas cinco telas sem perceber. Fui reconhecendo o caminho percorrido, mas agora não tinha mais tempo.
                  Sentei ali pra passar um e-mail, mas minha descuidada curiosidade foi fisgada por um quadradinho do mosaico que nos arremessa no caleidoscópio ciclônico do País das Maravilhas.
                  Ilustração Zé Vicente
                  Acho que tenho certa resistência à internet justamente por reconhecer que possuo um ingrediente fatal para a plena adição a ela: sou curiosa.
                  Entro para assistir a um vídeo qualquer e já me ouriço toda por aqueles outros tantos quadradinhos estrelados que aparecem ao lado me dizendo: "Se quis ver este, não pode perder estes".
                  O incrível é que todos os outros vídeos, de alguma forma, têm a ver com o meu interesse.
                  Nessas horas, tenho vontade de olhar bem no centro da tela e perguntar: "Quem está aí?! Quem é você?! Não quero que saibam meu perfil para me oferecerem coisas que eu possa querer!".
                  Confesso que preferiria que não me oferecessem tantas coisas. Ainda acredito que não precisamos de tanto pra viver, e a internet me atordoa com sua multiplicação frenética.
                  É claro que sei quem mora lá dentro. É o Sr. Mercado, nosso grande irmão, que obviamente não nos oferece tudo isso à toa. Vem nos treinando.
                  Ultimamente, insatisfeito com suas sutilezas virtuais, resolveu pegar pesado. Teve ontem o descaramento de me interromper um clipezinho de três minutos com um comercial. Que é isso, big brother? Assim não tem graça.
                  Acho que sei porque cliquei pra ver um esquilo cochilando. Buscava um oásis, um refresco qualquer para toda essa histeria.
                  Arquivo Pessoal
                  Denise Fraga é atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e "Retrato Falado" (ed. Globo). Escreve a cada duas semanas na versão impressa do caderno "Equilíbrio".

                  A agonia da pesquisa clínica no Brasil - João Massud Filho

                  JOÃO MASSUD FILHO
                  TENDÊNCIAS/DEBATES
                  Milhares de pacientes são prejudicados pela falta de pesquisas clínicas com novos medicamentos, que muitas vezes são a última esperança
                  Em 1996, o Conselho Nacional de Saúde deu um passo à frente ao fixar diretrizes para a condução ética das pesquisas com seres humanos. No entanto, desde então, a comunidade científica tem manifestado sua preocupação com a burocracia e o viés ideológico e científico que pautam a agenda da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.
                  Em diversas ocasiões, buscou-se o diálogo franco. Sistematicamente, ouvia-se o mesmo discurso preparado tal qual serviço de atendimento ao consumidor sem que nada se resolvesse.
                  Após 15 anos de lutas, parecia haver uma luz no final do túnel com a publicação da consulta pública feita pelo Ministério da Saúde sobre o tema. A receptividade foi incomum. Foram quase 2.000 sugestões, que, em sua essência, buscavam simplificar o processo de aprovação das pesquisas clínicas sem, contudo, infringir conceitos éticos.
                  No entanto, o Conselho Nacional de Saúde descartou a maioria das sugestões e apresentou nova resolução, que acaba de ser publicada. No fundo, é mais do mesmo. Não muda o essencial.
                  Com essa atitude, houve nítido enfrentamento ao processo democrático que a consulta pública trouxera e um desrespeito a todos aqueles que se manifestaram.
                  A presidenta Dilma Rousseff defende ardentemente o Ciência sem Fronteiras e a inovação. Mas a atitude do Conselho Nacional de Saúde praticamente inviabiliza o desenvolvimento da pesquisa acadêmica e especialmente aquela voltada a novos medicamentos.
                  A indústria farmacêutica mundial investe mais de US$ 80 bilhões em pesquisa e desenvolvimento, anualmente. O Brasil é a sexta economia e um dos dez maiores mercados farmacêuticos do mundo. Assim, justo seria imaginar que pudéssemos receber uma percentagem significativa daquele investimento e não míseros números inferiores a 1%.
                  A razão do disparate é a falta de uma agenda comum de interesses entre governo, indústria, pesquisadores e academia, a exemplo do que a Coreia do Sul fez brilhantemente. A área econômica do governo reclama do deficit na balança comercial referente a farmoquímicos. Se fôssemos pensar só pelo lado econômico, poderíamos zerar o deficit com a vinda de 10% do investimento em pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos.
                  A indústria nacional se ressente da burocracia que dificulta o processo de inovação e pesquisa de novos fármacos. Do ponto de vista humano, há de se lembrar que milhares de pacientes são prejudicados pela falta de pesquisas clínicas com novos medicamentos, que muitas vezes são sua última esperança.
                  Lamentavelmente, os mais pobres são as principais vítimas. Os demais podem buscar ajuda em outros países, como aconteceu com o ex-vice-presidente José Alencar, que se deslocou a Houston para participar de um estudo experimental para o tratamento do câncer. Aqui no Brasil, provavelmente um cidadão comum morreria antes das aprovações ética e regulatória, sem a menor chance de recorrer.
                  A insensibilidade do Conselho Nacional de Saúde faz com que as manifestações de dezenas de sociedades médicas e de pesquisa se tornem um grito no deserto sem eco. A dicotomia entre os programas federais de inovação e o posicionamento do Conselho Nacional de Saúde faz lembrar o presidente De Gaulle quando, diz a lenda, questionava se o Brasil não era um país sério.

                  Henrique Meirelles

                  folha de são paulo
                  Novo problema, novo remédio
                  Na economia, como na medicina, diagnóstico correto é o primeiro passo para tratamento correto. O segundo é que o remédio aplicado deve ser adequado ao problema.
                  Já mencionei aqui a reação da política econômica à crise de 2008 e relatórios do FMI e de outros órgãos considerando a ação brasileira como modelo de enfrentamento de crise de crédito. O mais importante é entender precisamente qual era o problema, o que (e como) foi feito e aprender com isso.
                  A quebra do banco Lehman Brothers, nos EUA, levou a um colapso das linhas de crédito internacionais, que eram cerca de 20% do total do crédito no Brasil. Isso gerou crise de liquidez em dólares e reais e dúvidas sobre a solvência de empresas e bancos. A resposta do Banco Central foi liberar liquidez em dólares, em reais e nos mercados futuros de forma rápida e decisiva.
                  A melhor definição que vi para uma crise de crédito é compará-la a um ataque cardíaco. Se a resposta for rápida, precisa e com equipamento adequado, o ataque pode deixar poucas sequelas ou nenhuma. Caso demore, mais problemas causará ao coração, às artérias e ao cérebro, gerando danos irreparáveis ao corpo.
                  O mesmo acontece na economia. Quanto mais dura for a crise, maiores os danos para toda a economia e, portanto, maior a dificuldade de resolver o problema.
                  No caso do Brasil, em 2008, a economia se recuperou rapidamente, e as empresas retomaram as vendas depois do tombo da produção industrial de 20% em dois meses e da queda anualizada do PIB de 13% no último trimestre. No início de 2010, a economia já estava normalizada, e o BC ajustou os níveis de liquidez.
                  A resposta com oferta de crédito naquele momento foi adequada, já que a prioridade era restaurá-lo, uma vez que sua contração era exatamente o problema. A resposta fiscal visando a retomada do consumo, em queda livre devido às restrições de crédito, também colaborou para restaurar o dinamismo.
                  Hoje, examinando o Brasil, é possível diagnosticar que o problema é de custos elevados e baixo investimento. Essa carência importante é acentuada pelas incertezas da economia brasileira e pelo momento global, no qual os EUA consolidam sua recuperação e atraem capitais investidos em outros países.
                  Portanto, o caminho do Brasil agora é transmitir confiança e credibilidade aos investidores por meio de regras estáveis, trajetória fiscal clara e política monetária firme. Assim, poderemos criar as condições para o aumento dos investimentos, principalmente para elevar a produtividade e reduzir os custos. Dessa maneira estaremos enfrentando de forma efetiva o problema do momento.

                  Tv Paga


                  Estado de Minas: 21/07/2013 

                  Aventura A partir de amanhã, o canal Off estreia nove novas temporadas de programas nacionais, todos voltados para quem é amante de aventura, adrenalina e paisagens deslumbrantes. Para esta segunda-feira são duas as novidades: Califorfun, com as feras do skate, como Bob Burnquist (foto), às 19h30, e a quarta edição de Pela rua, às 22h30.

                  Documentário Na véspera do desembarque do papa Francisco no Rio de Janeiro para participar da Jornada Mundial da Juventude, o canal History exibe hoje, às 22h, o documentário O papa do fim do mundo. No Discovery, às 22h30, vai ao ar o especial Francisco: o papa das Américas, que explora a figura de Jorge Mario Bergoglio, ex-arcebispo de Buenos Aires, eleito sucessor de Bento XVI em 13 de março de 2013.



                  Enlatados 

                  Mariana Peixoto - mariana.peixoto@uai.com.br

                  Ponte das desigualdades
                  O canal FX exibe hoje, às 22h30, o primeiro episódio de The bridge. A série chega ao Brasil com alarde, já que sua estreia nos Estados Unidos, há duas semanas, superou as expectativas, com 3 milhões de telespectadores, perdendo somente para The americans, recorde de audiência da emissora. Baseada na produção sueca Bron, The bridge é estrelada por Diane Kruger e Demian Bichir. Os dois são policiais – ela americana, ele mexicano – que vão instigar a morte não de uma, mas de duas pessoas. Isso porque na fronteira entre o México e os EUA (a ponte que dá título à série, que separa Ciudad Juarez e El Paso) é encontrado um corpo. Metade dele é de um juiz americano que foi contra a reforma da imigração; a outra parte, de uma prostituta mexicana. Diante disso dá para imaginar que a narrativa vai girar em torno de desigualdade, violência e imigração.


                  Casa de ferreiro – Com a estreia de Ray Donovan (amanhã, às 21h, na HBO), Liev Schreiber volta à TV e Jon Voight faz seu primeiro personagem na telinha. Schreiber faz o personagem-título, homem que é responsável por fazer o serviço sujo para os poderosos de Los Angeles. Com 12 episódios, começa quando o pai de Ray, interpretado por Voight, sai inesperadamente da prisão, provocando uma série de acontecimentos que abalam a família Donovan. Aparentemente, Ray pode fazer os problemas de todo mundo desaparecerem, menos os dele próprio.

                  Marilyn –Também hoje estreia, às 21h, no Studio Universal, a segunda temporada de Smash, produção sobre os bastidores da montagem de um espetáculo da Broadway sobre a vida de Marilyn Monroe. Este segundo ano traz a participação da atriz Jennifer Hudson.

                  Reta final –O Universal exibe amanhã, às 22h, o penúltimo episódio de Beauty and the beast. Em “Date night”, Cat (Kristin Kreuk) e Vincent (Jay Ryan) têm uma conversa sobre o futuro, que não inclui casamento, filhos ou uma vida normal. Como a série termina na semana que vem, o canal exibe sábado, a partir das 14h, maratona com os quatro últimos episódios exibidos
                  .  

                  AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA -O poder e os sonhos‏

                  É um curioso exercício pensar o que aconteceria se entregassem o poder aos idealistas do passe livre 


                  AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA

                  Estado de Minas: 21/07/2013 


                  O que a peça de Calderón de la Barca La vida es sueño (A vida é sonho) tem a ver com a realidade atual brasileira? O que um autor espanhol tão antigo (1600 –1681), que foi soldado e padre, pode nos sugerir sobre o poder hoje?

                  Vamos à sua peça, resumidamente: ele conta que Basílio, rei da Polônia, havia lido nos astros que seu filho Segismundo era um malsinado. Para nascer, o menino provocou a morte da mãe e estava vaticinado que, adulto, destronaria o pai. O rei, precavendo-se, encerrou o herdeiro numa torre. Mas com o passar do tempo, cheio de dúvidas se o filho seria mesmo o que lhe predisseram, resolveu dar-lhe uma chance. Fez com que o adormecessem e assim o transportaram ao palácio, onde o despertaram, porém, investido do poder de rei.

                  O resultado foi trágico: o herdeiro, exercendo atabalhoadamente o poder, insulta o pai, enamora-se de suas mulheres, joga ao mar um dos conselheiros e a outro quer matar. Só a lisonja o atrai.

                  Entristecido de novo, o rei se aproveita do sono do filho e ordena que o conduzam à prisão. Ali, o príncipe desperta atordoado sem saber se viveu uma realidade ou sonho. Ficaria para sempre na masmorra, não ocorresse o imprevisto: uma rebelião em que o povo o conduz de novo ao poder. Refaz-se o jogo de reflexos entre sonho e realidade. Segismundo, porém, agora se comporta de modo diferente. Tendo aprendido atrozmente que a realidade e o sonho se mesclam, modifica seu comportamento optando por uma atitude ética no poder e assim descobre que o caminho da virtude é o mais sábio.

                  Então, repito: o que tudo isso tem a ver conosco, com o Brasil, o poder e com a clamorosa e voraz voz das ruas?

                  A primeira coisa que me ocorre é que o poder exige aprendizado. Ele tem um lado ruidoso, mas muitas vezes é exercido em silêncio e até em extrema solidão. Você não pode chegar ao poder e ir fazendo tudo que lhe der na telha. Ou seja, aprende-se rápido que o poder pode, mas não pode. Até os ditadores se queixam de que não podem fazer o que querem. Sem precisar lembrar que Getúlio, impotente diante dos inimigos, matou-se, foram muitas as queixas de Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo. Os militares achavam que podiam. Ou seja, podiam, mas não podiam. Vejam também o que ocorreu na Rússia, na China e em Cuba.

                  Vejam aqui mesmo alguns exemplos gritantes e recentes. O jovem Lula, quando simples candidato, dizia que o Congresso estava cheio de ladrões. Quando foi eleito, teve que compor com o Congresso para ter maioria. E dá-lhe, mensalão. Outro exemplo: Fernando Henrique se apoiava em Antônio Carlos Magalhães e Sarney, teve Renan Calheiros como ministro da Justiça. No entanto, como dizia Shakespeare naquele famoso discurso de Marco Antônio aos senadores romanos, Fernando Henrique “is a honorable man”.

                  Tirando os famigerados black bloc que armam as quebradeiras e são um caso de distúrbio hormonal, de testosterona desgovernada (têm ódio de qualquer governo), é um curioso exercício pensar o que aconteceria se entregassem o poder aos idealistas do passe livre.

                  Descobririam logo que o poder pode, mas não pode. Descobririam que o sonho democrático é lento e a ditadura, que acha que pode tudo, é um pesadelo. E olha que admiro os que ocuparam pacificamente as ruas, por muitas e urgentes razões! Possivelmente, a função deles é acertadamente pressionar o poder. A pressão sistemática, inteligente e bem conduzida pode dar mais resultado do que a utopia revolucionária que tem uma dose congênita de autoritarismo.

                  A peça de Calderón de la Barca tem ainda vários ensinamentos. Se por um lado la vida es sueño e los sueños sueños son, não se pode viver sem sonhar. O sonho é que move a história. Como alguém disse: Marx se enganou, não é o trabalho que move a história, o que move a história é o desejo. 

                  MPB » De bem com a juventude (Sérgio Ricardo)-Ailton Magioli‏

                  Sérgio Ricardo diz que seus contemporâneos sumiram e celebra o contato com os jovens. Músico teve cinco discos remasterizados 


                  Ailton Magioli

                  Estado de Minas: 21/07/2013 


                  Longe de querer se tornar um retrato na parede, aos 81 anos, Sérgio Ricardo comemora a proximidade de sua música com a juventude, em especial a parceria com o carioca Marcelo Caldi, de 33 anos. “Minhas canções pelo menos funcionam com jovens, não são obra do passado,” afirma. O cantor, compositor, cineasta e escritor, paralelamente à conclusão do primeiro romance (Igarandé: uma aldeia de dois caminhos), tem os cinco primeiros discos remasterizados pelo selo Discobertas.

                  Além do surpreendente instrumental Dançante nº 1 e de dois álbuns de bossa romântica, que ele lançou via Odeon, nos anos 1960, o box traz as lendárias trilhas que Sérgio compôs para Deus e o diabo na terra do sol (1963), de Glauber Rocha, e Esse mundo é meu, do ano seguinte, de sua própria autoria. Para ele, escrever um romance foi o caminho natural para quem mexe com cinema, meio em que, além de escrever roteiros, há que se saber lidar com dramaturgia.

                   “Por que não um romance?”, interroga-se, vislumbrando inclusive adaptação do futuro livro, ainda sem editora, para as telas. Anteriormente, ele havia publicado o livro de poesia Elo, ela; Quem quebrou meu violão, no qual faz análise pessoal da cultura brasileira; e O elefante adormecido, espécie de cordel sobre o país, voltado para o público infantojuvenil. A propósito da rejeição ao passado, o próprio episódio do violão quebrado e jogado ao público, no festival de 1967, é solenemente ignorado pelo artista. “É bom não falar dessa história, que não tem mais novidade. Já nem sei o que ocorreu, de tanto que se tem contado”, desconversa.

                  Empolgado com a remasterização da discografia, Sérgio Ricardo lembra que a música foi o seu carro-chefe em termos de concentração. “É a única vertente do meu trabalho que não desprezei”, diz, lembrando que enquanto o cinema depende de dinheiro e gente, a música flui sozinha. Sérgio, que começou como pianista da noite carioca, em uma boate do antológico Beco das Garrafas, gravou o primeiro disco no instrumento certo de que levaria o gênero adiante. “Um dia, a dona da boate cismou que eu tinha de cantar. Daí para a frente, comecei a explorar outras vertentes”, recorda, salientando o fato de “o provável” Dançante nº 2 jamais ter aparecido na carreira.

                  A bossa nova foi muito importante na trajetória do músico. “Johny Alf, João Donato e eu armamos a cama para a bossa. Então, é natural que ela tenha sido importante em minha trajetória, assim como fui para ela”. A inclusão de Zelão já no disco A bossa romântica de Sérgio Ricardo, no entanto, indicou o caminho da participação política do artista, que trocou a bossa nova pela música de protesto. “Tom Jobim deu o salto qualitativo e quantitativo da bossa, enquanto João Gilberto cuidava dos detalhes da batida e da rítmica do violão”, pondera, atribuindo aos dois a transformação da MPB.

                  Inéditas Com repertório suficiente para fazer pelo menos dois discos de inéditas, Sérgio Ricardo lembra que hoje a convivência dele é com a juventude, já que seus contemporâneos sumiram. Dia destes, o artista travou embate, no Facebook, com Carlos Lyra. “Sou inteiramente a favor das mudanças aprovadas na arrecadação e distribuição dos direitos autorais, que na verdade vão acabar com a roubalheira na área”, posiciona-se. Sérgio acredita que este seja o momento ideal para aprovar mudanças na Câmara e no Senado, diante da pressão popular nas ruas.

                  A composição da antológica trilha sonora de Deus e o diabo na terra do sol, do amigo Glauber Rocha, foi vital para o artista. “Ela me auxiliou na opção por uma música mais condizente com o social, com o protesto contra a ditadura”, justifica Sérgio Ricardo, lembrando que a base da proposta do trabalho foi valorizar a cultura brasileira. “O que me fez voltar para o Nordeste, onde descobri ritmos maravilhosos. Somos um país rico em diversidade musical”, comemora a oportunidade de ter trabalhado com Glauber, um artista lúcido, excepcional. “Não havia como não ser amigo dele”, conclui.


                  Vida no morro

                  Morador da favela do Vidigal há mais de 40 anos, Sérgio Ricardo lembra que ele vive na comunidade (construiu um apartamento) por opção. “Hoje, o que pinta de gringo por aqui”, constata o modismo, admitindo que a vida no morro melhorou devido à luta do povo.
                  “A resistência a uma remoção imposta, na década de 1970, foi fundamental”, recorda, salientando a presença do advogado Sobral Pinto no episódio. “Foi a partir de então que começou a pintar a consciência política, a participação social, que resultaria na instalação do grupo Nós do Morro”, acrescenta, lembrando da encenação atual do espetáculo Bandeira de retalhos, de sua autoria, na sede do grupo.