quinta-feira, 23 de maio de 2013

Marcelo Miterhof

folha de são paulo

Zona Franca de Manaus
O esperado é que houvesse adensamento tecnológico e produtivo no PIM, mas o que ocorre é o contrário
A tentativa de reformar o ICMS, tema da última coluna, ao prever uma ampliação das vantagens tributárias da Zona Franca de Manaus (ZFM), chamou a atenção para o seu poder político.
Com a abertura comercial dos anos 90, as empresas brasileiras de tecnologias de informação e comunicação (TICs) --que envolvem setores como equipamentos de telecomunicação, bens de informática e automação-- viram na migração para a ZFM, que desde sua criação concentrou a produção de eletrônicos de consumo (TVs, celulares etc.), uma forma de ganhar produtividade pela compra externa de componentes, usufruindo de altas doses de desoneração tributária.
Depois, a Lei de Informática, ao conceder benefícios fiscais próximos aos da ZFM, possibilitou que o setor de TICS não saísse em peso do Sul e do Sudeste.
A reforma do ICMS, ao manter a ZFM com alíquota de 12% na origem, enquanto no resto do país haveria redução para 4% ou 7%, poderá, caso o governo a leve a cabo, desequilibrar o balanço a favor de Manaus, afetando a distribuição da indústria de TICs, inclusive desmobilizando polos no Nordeste.
A questão chama a atenção para a necessidade de avaliar a ZFM.
Em 2012, o setor de eletroeletrônicos como um todo --que engloba TICs e os eletrônicos de consumo-- do Polo Industrial de Manaus (PIM) faturou R$ 34,6 bilhões, 47% do total do PIM, empregando cerca de 50 mil pessoas (42% do total). Sua produção é voltada quase exclusivamente para o mercado interno, o que faz da Zona Franca um caso singular no mundo, pois esse tipo de arranjo produtivo em geral é voltado para as exportações.
Em defesa da ZFM, o Centro da Indústria do Amazonas, em coluna publicada na sexta, 17/05/2013, no "Jornal do Commercio", destaca que ela alivia as pressões sobre o uso da floresta e canaliza recursos para ciência, tecnologia e inovação.
Acredito que o primeiro esteja em boa parte sendo atingido. Quanto ao segundo, porém, em que pese a determinação legal de as empresas da ZFM aplicarem 5% de sua receita em pesquisa e desenvolvimento (P&D), não há indícios de que isso esteja ocorrendo com efetividade, ao menos no principal setor do PIM.
Com tal nível de P&D, significativo para os padrões internacionais da indústria eletrônica, o esperado é que houvesse adensamento tecnológico e produtivo no PIM, mas o que ocorre é o contrário.
É verdade que grande parte dos problemas da ZFM coincide com os problemas do setor de eletrônicos em nível nacional: produção incipiente de telas (displays) e de microeletrônica, cadeias fragmentadas, exigências crescentes de escala produtiva.
Contudo, a estrutura de benefícios da Zona Franca é um obstáculo adicional ao adensamento do setor no Brasil. Por exemplo, a Lei do Bem desonera o Imposto de Renda em contrapartida a gastos com P&D. No PIM, isso é desnecessário, pois não se paga IR: além de seu baixo adensamento, a competição com os benefícios fiscais da ZFM ameaça o esforço que ocorre no resto do país no setor de TICs.
Outro sintoma de debilidade é a média salarial (inclusos os encargos) no setor de eletrônicos da Zona Franca, de R$ 3.208 em 2012, quando no polo de "duas rodas", outra perna relevante da ZFM, é de R$ 4.702, mesmo sendo um setor de menor complexidade. A diferença é que neste último há uma cadeia produtiva completa e densa: no ano passado, quase 70% de seus insumos foram adquiridos no Brasil, contra 23% dos eletroeletrônicos.
Sem gerar bons empregos em seu principal setor, a ZFM acaba servindo apenas para garantir os benefícios tributários às empresas de eletrônicos nela instaladas, que restringem suas atividades às mais simples possíveis. De resto, há importação de componentes e, mesmo atividades locais de maior valor --como marketing, design ou a concepção de projetos-- acabam sendo feitas em outras regiões.
Não se trata de acabar com a Zona Franca de Manaus, como costumam sugerir opiniões mais exaltadas no Sul e no Sudeste. Mas é preciso que ela mude para ser melhor para o país e também para o Amazonas, tornando-se sustentável a longo prazo e gerando mais e melhores empregos.
Na semana que vem, tentarei refletir sobre o tema.
marcelo.miterhof@gmail.com

    Clovis Rossi

    folha de são paulo

    A impotência das democracias
    Um grupo armado libanês tem licença para matar na Síria, enquanto o Ocidente se limita a falar e esperar
    Por que o Hizbullah, o partido-milícia libanês, pode invadir a Síria, enquanto o Ocidente se limita a resmungar, como fez ontem o ministro britânico do Exterior, Wiliam Hague, para quem tal ação "está ameaçando crescentemente a estabilidade regional"?
    Será que as democracias, o pior dos regimes, fora todos os outros, como diria Winston Churchill, não conseguem ser um pouco "menos piores" e pelo menos tentar superar sua impotência/inapetência para pôr fim a uma carnificina de contornos cada vez mais extraordinários?
    A oposição a Bashar al-Assad já nem pede tanto: reunida em Madri, limitou-se a solicitar baterias anti-aéreas, para tentar nivelar o campo de jogo, já que o uso --de resto indiscriminado-- do poderio aéreo é que tem assegurado a sobrevida da ditadura.
    Tampouco foi ouvida a petição da Turquia para o estabelecimento de um corredor humanitário junto à fronteira com a Síria, para oferecer um mínimo de proteção aos que fogem da guerra. E já são 1,2 milhão os refugiados, o que, na proporção das respectivas populações, significaria 9 milhões de brasileiros em fuga, quase uma São Paulo inteira (sem contar os refugiados internos, que já são 4 milhões).
    O fato é que está acontecendo na Síria, sem intervenção, o que a sabedoria convencional disse que ocorreria se ela tivesse sido feita lá atrás, quando a revolta não havia tomado contornos de guerra civil.
    Haveria, dizia-se, uma escalada de violência. Está havendo --e só faz crescer.
    Haveria, dizia-se, uma divisão sectária. Está havendo, com sunitas matando alauítas (ramo do xiísmo) e vice-versa.
    Haveria, dizia-se, a extrapolação da crise para os países vizinhos. Está havendo. Basta lembrar os incidentes envolvendo Israel e forças sírias.
    Pior para o Líbano, o elo mais fraco. Nesse país, há um precário equilíbrio político entre sunitas, xiitas, cujo braço armado é o Hizbullah, e cristãos.
    Informa o sítio geoestratégico "Stratfor": "As tensões no Líbano aumentaram com o crescente envolvimento [do Hizbullah na Síria]. Os rebeldes [sírios, cuja maioria é sunita] atingiram a cidade libanesa de Hermel com fogo de artilharia no dia 19. E a ira que os libaneses sunitas sentem em relação ao Hizbullah ameaça transformar-se em aberto conflito armado".
    Para um país que viveu 15 anos de guerra civil, encerrada em 1990, tudo o que o Líbano não precisa é de um novo conflito.
    Mas a batalha em que está envolvido o Hizbullah é de "considerável importância", escreve Issa Goraieb, em editorial para "L"Orient le Jour", um dos principais jornais libaneses: "O controle dessa localidade [Qusair] é vital para o regime de Assad, porque assegura a ligação terrestre entre Damasco e o litoral alauíta. De outra parte, a cidade é um dos principais pontos de passagem para o abastecimento de armas e combatentes procedentes do Líbano [para os rebeldes sunitas]".
    Tudo somado, Hague tem toda a razão ao apontar o risco de desestabilização regional. Pena que ele e seus pares se limitem a falar.

    O medo de voar em seis histórias

    folha de são paulo

    DE SÃO PAULO

    Uma foi de Brasília a Buenos Aires de ônibus, outro se dopava com Rivotril quando tinha um voo a trabalho; leia o que algumas pessoas já passaram por causa do pânico.


    "Procurei todos os tratamentos, da cabala à regressão" (Paola Furini, 40, advogada)
    Nem sei mais quanto eu já perdi de dinheiro por causa desse medo maldito.
    Ele começou quando eu tinha 12 anos. Estava voltando dos EUA, e o avião despressurizou. Aos 19, viajei com um namorado. Mas, quando você é jovem e está apaixonada, enfrenta qualquer coisa, né?
    Entrei outras poucas vezes em um avião e sempre com algum remédio tranquilizante.
    No ano passado, estava em Porto Alegre, com a passagem de volta para São Paulo comprada, e mudei de ideia.
    Aluguei um carro por quase R$ 2.000 e fiquei 13 horas dirigindo. Louca, né? Sozinha, em uma estrada que não conhecia, cheia de caminhões... Bem mais perigoso que voltar de avião.
    Procurei todos os tratamentos. Regressão, cabala, umbanda, igreja evangélica... Tudo, mas nada adianta, o medo não passa.
    *
    "'Matava' minha mãe para fugir de reunião fora"
    No meu antigo emprego, eu "matava" mãe, pai, tio, tia... Valia qualquer coisa para fugir de um compromisso fora da cidade.
    Quando não tinha como escapar, tomava remédio. Eram 67 gotas de Rivotril (um ansiolítico). Ficava completamente dopado.
    Há anos, vou ao psicólogo. Hoje (27 de abril, após voar com o grupo de Elvira Gross), voei. É um novo começo na minha vida.
    O entrevistado não quis se identificar
    *
    "Levei 2 dias para chegar a Buenos Aires de ônibus" (Evaine Cabral, 47, professora)
    Já passei muito sufoco por causa do medo. Nas férias de 2009, fui de Brasília a Buenos Aires de ônibus.
    Paguei quase R$ 1.000 e levei mais de dois dias para chegar. Minhas irmãs foram de avião, em menos de sete horas, por R$ 250.
    O medo atrapalha demais. Comecei a senti-lo há nove anos. Estava dentro de um avião, na primeira fileira de assentos, e a comissária não conseguia fechar a porta.
    Ficou batendo com força. Aquilo me assustou e, na hora, pensei: "Vou ser a primeira a ser jogada para fora".
    Desde então, voei só uma vez, para nunca mais. Até fazer o curso [oferecido pela psicóloga Elvira Gross].
    Minha irmã ficou sabendo das aulas e me falou. Vim com ela de Brasília a São Paulo de ônibus. Fiz o curso intensivo, em três dias, e estou voando hoje (dia 27 de abril, data da entrevista).
    Agora, que consegui, ninguém me segura!
    Joel Silva/Folhapress
    A professora Evaine Cabral posa na frente de turbina de avião, durante visita a aeronave promovida pelo curso Medo de Avião
    A professora Evaine Cabral posa na frente de turbina de avião, durante visita a aeronave promovida pelo curso Medo de Avião
    *
    "Paguei R$ 25 mil, cheguei na fila do check-in e desisti"
    Em 2000, estava indo para Lisboa, e uma pessoa fumou no banheiro do avião. Houve um princípio de incêndio, e o avião se preparou para pousar no mar. Não preciso dizer que entrei em desespero.
    Depois desse episódio, viajei de avião mais duas vezes, mas, para falar a verdade, foi horrível. Só ficava pensando que teria que voltar de avião.
    A gota d'água para eu procurar ajuda foi em março. Fechei uma viagem com a minha filha adolescente para a Alemanha. Fomos até Cumbica, cheguei a ficar na fila do check-in, mas desisti.
    Íamos ficar 15 dias lá, já estava tudo pago, R$ 25 mil. Voltei para casa e fiquei quatro dias chorando, me sentindo impotente. Como o medo podia impedir que eu viajasse com a minha filha?
    É uma sensação horrível.
    A entrevistada não quis se identificar
    *
    "Em avião pequeno, não entro nem se estiver amarrada" (Flávia Carbonari, 32, consultora)
    Não é que eu ficava contando tragédia, mas, no ano passado, época mais forte do meu pânico, eu lia tudo o que saía sobre acidente aéreo.
    Sempre viajei muito, mas, há dois anos, num voo turbulento de São Paulo para o Paraguai, eu "paniquei".
    Como voar é importante para mim, fui procurar uma saída. Fiz terapia. Conversei com um piloto da Embraer. Falo sempre com as aeromoças. Já agarrei muito a mão de estranhos, não tem jeito.
    Nunca tomei remédio porque sabia que ia continuar a viajar e o medo não ia parar.
    Trabalho que é uma beleza quando estou no avião. Faço tudo para não pensar que estou voando. Mas fico apavorada. Meu marido morre de rir quando vê meus ataques.
    Nunca perdi uma oportunidade por causa do medo, mas não me mandem viajar em avião pequeno porque eu não vou. Nem amarrada.
    *
    "Mesmo com medo, quando é preciso, voo até de teco-teco (Moacyr Lopes Jr., 44, repórter-fotográfico da Folha)
    Voar para mim já foi pior. Mas ainda sinto tensão e ansiedade horas antes do embarque ou até dias antes.
    Quando o tempo está fechado, então, é um horror. Dá vontade de não embarcar.
    Mas, fazer o quê? Ainda não existe o teletransporte, que é o sonho de nós, ansiosos, que temos medo de sofrer com turbulências, falta de informação, arremetidas e problemas técnicos que somatizam nossos dramas. Sofremos por antecedência.
    Apesar do medo, meu currículo como passageiro é longo. Já fui a mais de dez países. Sobrevoei a selva amazônica em monomotor procurando a pista em meio a queimadas.
    Mas, para mim, voar vai ser sempre uma necessidade.
    Ainda mais agora que os espaços entre as poltronas estão menores, as refeições, pequenas, os aeroportos, cheios e desorganizados e os funcionários das companhias, estressados, gritando.
    Antes, podíamos visitar a cabine dos pilotos, o que dava um pouco mais de segurança. Agora, nem vemos os rostos deles.
    Há alguns anos, quase desenvolvi uma crise de pânico na véspera de uma longa viagem. A ajuda veio com um psiquiatra, que me deu um ansiolítico. Santo remédio.

    Tv Paga


    Estado de Minas: 23/05/2013 


    Um sonho de liberdade


    Estreia hoje, às 22h, no Canal Futura, o documentário De volta, que acompanha a liberdade temporária de quatro presidiários autorizados pela Justiça a passar o Natal com a família. Entre eles está Sônia (foto), de 41 anos, mãe de três filhos e presa há dois anos. O reencontro com a mãe e a filha é a parte mais forte do documentário, que registra ainda suas expectativas, as surpresas e as decepções, antes do retorno ao presídio.

    Série do SescTV conta
    a história do chorinho


    O episódio de hoje da série Coleções, às 21h30, no SescTV, vai contar a história do choro, ritmo surgido no século 19 no Rio de Janeiro e que tem como seu principal representante o maestro Pixinguinha. A Escola Portátil, no Rio de Janeiro, e os aprendizes também estão no programa.

    Nova Zelândia preserva
    um paraíso para as aves


    Há 2 mil anos, a Nova Zelândia era bem diferente do resto do mundo. Era uma relíquia de um mundo antigo e há muito tempo esquecido. A ilha Ulva é uma janela para esse mundo. Livre de predadores, ela permite que espécies nativas sobrevivam em relativa segurança, como mostra o documentário Nova Zelândia – Paraíso das aves, às 23h, no canal +Globosat.

    Documentário analisa
    outra relíquia sagrada


    Em busca do tesouro sagrado é uma das séries mais curiosas do canal History, investigando o que existe de real nos textos bíblicos. O episódio de hoje, às 18h15, vai ao Palácio de Hofburg, em Viena, onde uma relíquia atrai uma legião de visitantes: a lança de Longino, um legionário romano que cravou sua arma ao lado de Jesus quando ele estava sendo crucificado.

    Nat Geo mostra como
    é dirigir a Lamborghini


    Para quem curte carros esportivos, a pedida de hoje é o Nat Geo, com sua série Mega máquinas, às 20h30. É a chance de dar uma volta, nem que seja virtual, em uma Lamborghini Aventador, um bólido que alcança a velocidade máxima de 350km/h. Na visita à fábrica, no Norte da Itália, dá para conhecer a história da marca e a criação do novo carro, desde sua concepção até o lançamento no Salão do Automóvel.

    Assassino serial está de
    volta em Bones, na Fox


    O Universal Channel exibe hoje, às 22h, o 18º episódio inédito da primeira temporada da série Elementary, que conta com a participação especial dos atores Josh Hamilton (de The good wife) e Kenneth Tigar (Law & order). Na Fox, às 22h30, é a vez de Bones, com a volta de um personagem aterrorizante: o assassino gênio da computação Pelant.

    Muitas alternativas na
    programação de filmes


    Estreia hoje, às 20h25, no Telecine Premium, o longa de animação 31 minutos – O filme. No Telecine Action, hoje é dia da sessão Adrenalina em dose dupla, com Sylvester Stallone em Alta velocidade (19h55) e Os mercenários (22h). Na mesma faixa das 22h, o assinante tem mais oito opções: Dias e noites, no Canal Brasil; Não se preocupe, nada vai dar certo!, no Telecine Fun; As mil palavras, no Telecine Premium; O mágico inesquecível, na Cultura; Partir, no Glitz; Corrida mortal, no Space; Marcas da violência, no Max; e Tão forte e tão perto, na HBO 2. Outras atrações da programação: Escola de rock, às 20h, no Universal; e Cegos, surdos e loucos, às 22h30, no Comedy Central.

    Marina Colasanti-De sangue e máquina‏


    Estado de Minas: 23/05/2013 


    Não vi o vídeo – e agradeço ter escapado desta –, mas vi as fotos do rebelde sírio Khalid al-Hamad, nome de guerra Abu Sakkar, arrancando e mordendo o coração ainda quente do inimigo morto.

    Não se trata de inovação e faltou polimento. Corações foram melhor arrancados pelos astecas, com intenções que à época pareciam boas. E corações foram mais bem comidos pelos tupinambás, igualmente movidos por intenções respeitáveis.

    Abu Sakkar, que se declarou pronto a enfrentar tribunais, explicou que o gesto canibal devia-se à visão, nos celulares dos inimigos mortos, de fotos e vídeos mostrando como haviam estuprado mulheres, matado crianças, queimado corpos e decepado a mão de um homem vivo. Foi um ato de vingança, barbárie em resposta à barbárie. Uma escalada.

    Os corações astecas também eram colhidos em uma escalada, a dos degraus da pirâmide ao alto da qual ficava a pedra do sacrifício. Mas o ritual nascia de um raciocínio lógico aparentemente impecável. Acreditando que para manter em funcionamento a máquina do mundo era necessário fornecer-lhe combustível, os sacerdotes concluíram que o único combustível adequado para essa máquina produtora de sol, calor, luz, água e caça, ou seja, vida, era a força vital entregue por meio de um sacrifício humano.
     
    Os tupinambás eram um tanto mais personalistas, comiam os guerreiros inimigos mais valentes – com seus miúdos – para assimilar-lhes o valor. E passá-lo à descendência.

    Nenhum escândalo, nenhum arrepio. Todos estavam de acordo, inclusive as vitimas, que consideravam uma honra terem sido escolhidas como acepipe, ou como combustível da vida. O gesto de Abu Sakkar, ao contrário, aconteceu a contrapelo, justo no dia em que o anúncio da clonagem de embriões humanos nos fazia acreditar, pelo menos por alguns momentos, que vivemos em tempos civilizados e modernos. Foi uma espécie de freada de arrumação, que nos devolveu à realidade imutável da nossa ferocidade.

    Tupinambás e astecas ritualizavam o gesto de tal maneira que a ferocidade ficava encoberta. Preparavam a vítima – se vítima se pode chamar quem vai sorrindo – cercando-a de cuidados. Primeira providência, uma virgem formosa para alegrar seus últimos dias, ou meses. Uma, para os nossos índios, mas quatro para aquecer o leito do escolhido mexicano mais importante, aquele considerado representação viva – por uns tempos – do deus Texcatlipoca .

    Boa comida parece indispensável para adoçar a boca de quem logo deixará de comer para sempre – a tradição perdura na escolha à la carte para a última ceia dos condenados à morte das prisões americanas. Não se trata de cevar, como fazia a bruxa com João e Maria, mas de dar prazer. E faz sentido, já que prazer é vida, e é de vida – não de morte – que tratam esses sacrifícios. Boa comida para eles, então, farta. E música – os mexicanos até aprendiam a tocar flauta.

    À vítima de Abu Sakkar – vítima, esta sim, duplamente morta, pelas armas primeiro, pela desonra depois – nada disso foi concedido. Nem mulher, nem comida, nem reverência. E nem consentimento. Seu coração arrancado à revelia não foi oferecido aos deuses, sua coragem de guerreiro não foi transmitida a ninguém. Seu nome permanece ignorado. Não é desse sangue que se alimenta a máquina do mundo. Mas é dele que se envergonha.

    Tereza Cruvinel-O jogo nos estados‏

    Estão surgindo nos estados movimentos contraditórios com os alinhamentos nacionais, indicando dificuldades para Dilma, Aécio e Eduardo Campos 


    Tereza Cruvinel

    Estado de Minas: 23/05/2013 


    Os partidos brasileiros são nacionais, mas abrigam uma soma de interesses na política real de cada estado, embora isso não signifique que sejam artificiais ou “de mentira”. Trata-se de herança da República Velha, dominada por partidos regionais com forte influência nacional. Ela subordina, ainda hoje, a própria eleição presidencial aos arranjos estaduais. Olhemos, pois, para o que vem ocorrendo nos estados. Em muitos deles, estão surgindo movimentos contraditórios com os alinhamentos nacionais, indicando dificuldades tanto para a presidente Dilma Rousseff como para o concorrente da oposição tucana, Aécio Neves, bem como para o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, do PSB.


    Desencontro no Rio

    Nas últimas horas, a sucessão do governador Sérgio Cabral (RJ) voltou ao noticiário com o aviso de que ele deu ao comando peemedebista, no jantar de anteontem com o vice-presidente Michel Temer, que não apoiará Dilma se o PT não impedir a candidatura do senador Lindbergh Farias. É real a possibilidade de que isso ocorra, pois Lindbergh não está disposto a desistir e a cúpula do PT não tem a menor disposição para repetir as desastradas intervenções do passado na seção do Rio. Cabral tem laços contraparentais com Aécio Neves e o prefeito Eduardo Paes, presente ao jantar, já vem colocando alguns tucanos em cargos comissionados em sua administração. Com Lula presidente, Cabral choramingava e sempre era atendido. Com Dilma, isso mudou. E, como ela não gosta de ameaças, as coisas tendem a azedar. No próprio PMDB, ouvia-se ontem que o governador, ao esticar a corda, está conseguindo é dar maior projeção a Lindbergh e evidenciar a debilidade de seu candidato, o vice Pezão. Esta querela promete.


    Racha no PSD-SC

    Pouco dada a gentilezas com seus aliados, a presidente Dilma acertou quando convidou o senador Luiz Henrique (PMDB-SC) para acompanhá-la na viagem à Rússia. Depois disso, ele se afastou do grupo oposicionista do PMDB e vem costurando uma aliança para dar um bom palanque a ela em Santa Catarina. A chapa teria o atual governador Raimundo Colombo, do PSD, disputando a reeleição, com um vice do PMDB e um candidato do PT ao Senado. Possivelmente uma candidata, a ministra Ideli Salvatti. O ex-senador Jorge Bornhausen, que se filiou ao PSD levando junto Colombo, que havia ajudado a se eleger pelo DEM, jamais participará de uma aliança com o PT, ao qual endereçou a frase “vamos acabar com essa raça”. Já pensa em deixar o PSD, que ajudou a fundar. Se o PT tiver juízo, aceitará o acordo. O partido teve 30% dos votos na disputa de 2002, 14% em 2006 e 12% em 2010. E já perdeu as maiores prefeituras que teve no estado.


    Indefinições em Minas

    Em Minas, a novidade é a indefinição. Até agora, o PSDB, de Aécio Neves, não tem candidato certo para disputar a sucessão do governador tucano Antonio Anastasia. Existem quatro postulantes, mas Aécio precisa combatibilizar a escolha com a montagem de sua candidatura presidencial. Marcou a sagração para o fim do ano. Estão na fila o secretário Nárcio Rodrigues e o presidente da Assembleia, Dinis Pinheiro. Corre por fora o vice-governador Alberto Pinto Coelho, do PP, partido que tende a apoiar Dilma, embora muitos prefiram Aécio.

    Eduardo Campos também tem problemas em Minas. Ele terá por estes dias um novo encontro com o prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda, cobrando uma definição sobre a candidatura dele a governador para lhe garantir um palanque no estado. O prefeito, eleito com o apoio decisivo de Aécio, resiste. Estaria propenso até a migrar para o PSDB. Campos busca um plano B. O deputado Leonardo Quintão diz ter sido por ele convidado a trocar o PMDB pelo PSB para concorrer ao governo. Quintão é ressentido com o PMDB e com Dilma. Deixou de ser candidato a prefeito no ano passado para apoiar o petista Patrus Ananias, no estrépito do racha local entre o PT e PSB, com a promessa de um ministério. O premiado acabou sendo o deputado Antônio Andrade, hoje ministro da Agricultura. O PT é o único dos grandes partidos que tem candidato certo e em franca movimentação, o ministro Fernando Pimentel. Mas ele pode não ter o apoio do PMDB, onde o senador Clésio Andrade aspira à candidatura e ainda existe o movimento para a filiação do empresário Josué Alencar para disputar o governo. As definições em Minas devem tardar, exatamente porque vão impactar muito a disputa nacional.


    Poderes opacos

    A OAB celebrou ontem com um seminário o primeiro ano da Lei da Transparência, originária de projeto do senador Alberto Capiberibe (PSB-AP). No dia 27, termina o prazo para que todas as prefeituras disponibilizem contas e dados em sites. Capiberipe até admite dificuldades para as pequenas prefeituras, mas não contemporiza com a desobediência do Poder Legislativo, nos estados, e do Judiciário, a começar do STF, que não disponibiliza todas as informações. Não se sabe, por exemplo, qual é a cota de viagens dos ministros. Nos tribunais estaduais, a opacidade é quase total, diz ele. 

    Irmãos de cor - Walter Sebastião‏

    Livros do crítico Márcio Sampaio chamam a atenção para a obra dos pintores Nello Nuno e Eliana Rangel. Nomes emblemáticos da arte mineira, eles ainda são pouco conhecidos 


    Walter Sebastião

    Estado de Minas: 23/05/2013 




    Os dragões, pintura de Nello Nuno: estética pós-Guignard

    Dois artistas, dois irmãos: Nello Nuno (1939-1975) e Eliana Rangel (1941-2003). Nome de referência das artes visuais em Minas Gerais, ele é pintor celebrado, mas pouco conhecido – e menos ainda estudado. Autora de obra que se valeu da abstração, ela investigou as relações entre matéria, cor e superfície. Ambos acabam de ganhar livros escritos pelo crítico Márcio Sampaio, que foi casado com Eliana. O lançamento será amanhã, em Ouro Preto, com direito a pequena – e preciosa – exposição.

    “Esse livro significa a concretização de um sonho”, afirma Anna Amélia Lopes, viúva de Nello Nuno, que acalentava o projeto desde a morte do marido, em 1975. “Fico muito feliz em ver obras fortes sendo divulgadas. Nello trouxe nova direção para a arte em Minas Gerais: deixou a influência de Guignard e optou por representação mais solta, fazendo a leitura do cotidiano com cores e composições muito livres”, explica.

    Artista plástica, Anna chama a atenção para o legado de um criador irrequieto, sempre em busca de novas formas de expressão. Com rapidez, Nello trocava a dedicação intensa a uma pesquisa por outros caminhos. A viúva revela que tamanha inquietação provocava surpresa, chegando a dificultar a venda de quadros. “As pessoas queriam o que ele parou de fazer, enquanto a nova fase ainda soava estranha para elas. Nello nunca gostou de explicar seu trabalho, considerava que arte devia ser sentida. Se precisasse explicar, melhor seria se tornar escritor”.

    Autodidata, Nello se formou por meio dos livros de arte e de obras literárias. Carinhoso com os filhos, era homem alegre, generoso e tranquilo – o que se vê nas cores de seus quadros. “Muito boêmio, ele me acostumou a não esperá-lo para jantar, a ouvir o ‘vou ali e volto já’ e só aparecer no dia seguinte. Sofri, mas o achava um artista tão genial que compreendi: meu marido precisava do tempo dele”, diverte-se a viúva.

    Nello tinha uma postura tão relaxada diante da vida que qualquer um – pessoas simples, intelectuais, pobres ou ricos – sentia vontade de conversar com ele, relembra Anna Amélia. “Gostava de qualquer assunto, tinha humor e era supercarismático. Amigos vinham de Belo Horizonte para Ouro Preto, onde moro até hoje, só para tirar uma prosa. Adorava ir ao Bar do Tóffolo para ler jornal e jogar xadrez. Era ótimo no xadrez e tinha mesa cativa lá”, recorda.

    Terapia
    Apesar de otimista, Nello enfrentou momentos de infelicidade que o fizeram procurar a terapia. Amigos chegaram a criticá-lo, temendo que a análise prejudicasse sua criatividade. “Não concordo, acho que a terapia ajudou. A arte dele ficou incrível”, defende a viúva. Na opinião dela, justamente desse período surgiram as melhores obras do marido, como as realizadas pouco antes de ele morrer.
    Nello teve um amigo ilustre que o ajudou nos momentos difíceis: o escritor Murilo Rubião. O pintor ilustrou vários textos do escritor e foi influenciado por ele – sobretudo nos quadros em que experimentou a estética ligada ao fantástico.

    Anna Amélia está feliz com o livro sobre o legado do marido, mas sonha com uma ampla retrospectiva de seus trabalhos. “Adoraria que a cidade de Viçosa voltasse a promover o Salão Nello Nuno”, acrescenta, referindo-se ao evento organizado pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). “Um salão com formato mais tradicional é ótima oportunidade para quem está começando a carreira”, acredita.


    Oportunidade A pequena exposição de trabalhos de Nello Nuno e Eliana Rangel no Museu Casa dos Contos dará ao público a chance de conhecer a obra dos irmãos. O crítico Márcio Sampaio diz que a mostra vai ressaltar e reconhecer as qualidades e a originalidade de cada um.


    Embora criações independentes e um tanto diversas, as obras de Nello e Eliana têm linguagens e temas próximos. “O conjunto apresenta alto teor poético e expressivo. O público poderá ver ali ressonâncias afetivas, o diálogo entre o trabalho dos irmãos”, conclui Sampaio.


     EM OURO PRETO

    Lançamento dos livros Nello Nuno: a poética do cotidiano e Eliana Rangel, construções afetivas, de Márcio Sampaio. Amanhã, às 19h, no Museu Casa dos Contos, Rua São José, 12, Centro Histórico de Ouro Preto. Informações: (31) 3551-1444. Entrada franca. Exposição com obras dos irmãos ficará em cartaz até 2 de junho.


    Unidos na arte




    Detalhe de Terra, ritmo (tríptico, parte 2), de Eliana Rangel

     Netos do escritor Godofredo Rangel, Nello Nuno e Eliana Rangel nasceram em Viçosa, na Zona da Mata mineira. Ainda crianças, os irmãos se mudaram para Belo Horizonte com o pai, o médico Nello de Moura Rangel, catedrático da Escola de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

    Eliana trabalhou como técnica de laboratório da Escola de Medicina da UFMG e atuava como desenhista e ilustradora de obras científicas. Orientada inicialmente por Nello e a cunhada, Anna Amélia Lopes, ela começou a transpor a experiência na área científica para o campo da arte. Primeiro trabalhou com o desenho e depois se dedicou à pintura.

    Pintor, desenhista, ilustrador e professor, Nello Nuno conviveu em BH com os artistas plásticos Maria Helena Andrés, Álvaro Apocalypse, Terezinha Veloso, Jarbas Juarez, Eduardo de Paula e Chanina. Morou em Lagoa Santa, já casado com Anna Amélia. Em 1965, o casal se mudou para Ouro Preto e criou escola ligada à Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop).

    Professor da Faop e das escolas Guignard e de Belas-Artes da UFMG, Nello morreu aos 35 anos, no auge da carreira. A causa teria sido botulismo contraído em patê ingerido durante noitada regada a vinho em Lagoa Santa, com amigos – entre eles o escultor Amilcar de Castro. Há quem assegure que a meningite matou o pintor.

    Registro histórico - Sérgio Rodrigo Reis‏

    Editado há 15 anos, livro sobre o Museu do Oratório tem reedição revista e ampliada. Obra, que terá lançamento hoje, reúne 162 oratórios e mais de 300 imagens dos séculos 17 ao 19 


    Sérgio Rodrigo Reis

    Estado de Minas: 23/05/2013 
     
    A primeira experiência da empresária Angela Gutierrez de doar parte significativa de sua coleção particular de obras de arte sacra para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) ocorreu em 1998, quando inaugurou o Museu do Oratório, em Ouro Preto. “Aprendi a fazer museus e vivi a situação de transformar um acervo particular em público. Foi uma decisão difícil”, lembra. Dali em diante, ela repetiu o feito quando abriu, em Belo Horizonte, o Museu de Artes e Ofícios (MAO). Agora, prepara-se para abrir, em Tiradentes, o Museu das Santanas. A instituição, que deverá ser inaugurada no ano que vem, terá 260 imagens da coleção de Angela. Elas também serão doadas ao patrimônio nacional. Os primeiros capítulos importantes dessa história foram relatados no livro Museu do Oratório, numa edição rapidamente esgotada. Devido ao interesse despertado, a obra acaba de ser revista e o lançamento (para convidados) será hoje, às 19h30, no MAO.

    Em 180 páginas, a obra apresenta 162 oratórios e mais de 300 imagens, datados dos séculos 17 ao 19. As peças integram a coleção permanente do Museu do Oratório, idealizado e coordenado pela colecionadora e empresária. Para além do aspecto artístico, o oratório é objeto devocional, em forma de nicho, em que se entronizam imagens sacras e perante o qual se faz a oração. Como arte, exprime esteticamente o sentimento religioso, revelando universo de características culturais presentes naquele momento da colonização do país, e que, de alguma forma, perpetua até o presente nas tradições.

    A primeira versão do livro foi editada há 15 anos. A repercussão foi tanta que não demorou para a edição de luxo se esgotar rapidamente. Revista e ampliada, em publicação colorida e produzida em papel couchê fosco, a nova edição, com coordenação editorial de José Eduardo Gonçalves e Silvia Rubião, da Conceito Editorial, ganhou atualizações. As imagens foram ampliadas em tamanho e quantidade. O livro, que vem com DVD contendo visita virtual ao Museu do Oratório, traz a classificação completa dos oratórios: de alcova; de algibeira; bala; de viagem; pingente; de convento; de esmoler; de esmoler dos mercedários; de salão; ermida; ermida de esmoler; afro-brasileiro; rústico de salão; lapinha; bala erudito; e conchas.

    LIVRO MUSEU DO ORATÓRIO
    Lançamento para convidados hoje, às 19h30. Museu de Artes e Ofícios, Praça da Estação, s/nº, Centro. A obra será vendida a partir de julho, no Museu do Oratório e no Museu de Artes e Ofícios. Informações: (31) 3248-8600.

    Visita obrigatória

    Desde a inauguração, em 1998, o Museu do Oratório se tornou destino obrigatório dos turistas e amantes da cultura que visitam a histórica Ouro Preto. Também pudera. A coleção que representa é algo único no país, fruto do trabalho incansável do empresário Flávio Gutierrez, que, mais adiante, encontrou no entusiasmo da filha fiel e importante aliada na preservação desse legado dos tempos coloniais. Caracterizando-se pela diversidade de tipos, de tamanhos e de materiais, o acervo oferece detalhes valiosos da arquitetura, pintura, vestuário e costumes da época em que foram produzidos.

    Desde a sua inauguração, a repercussão da instituição tem sido intensa, tendo sido visitada até hoje por cerca de 1,5 milhão de pessoas. O que mais atrai as atenções é a forma como foi pensada expograficamente, dispondo os oratórios em três andares, de acordo com as tipologias, funcionalidades, curiosidades e beleza rara das peças. Há outra curiosidade que cerca o museu. O casarão histórico do século 18 foi onde, durante algum tempo, viveu o maior artista brasileiro de todos os tempos: Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814). Situado no adro da Igreja do Carmo, o prédio setecentista foi especialmente recuperado e equipado com modernos recursos tecnológicos para a atual destinação. 

    Eduardo Almeida Reis - Motel‏

    Tivesse a Esplanada dos Ministérios meia dúzia de arrumadeiras de motéis, este país grande e bobo já seria a primeira economia do mundo


    Eduardo Almeida Reis

    Estado de Minas: 23/05/2013 

    Pensado pelos norte-americanos como hotel para simplificar a vida dos que viajam de automóvel, o estabelecimento evoluiu, no Brasil, como local que aluga quartos para encontros amorosos. Bill Gates, marido de Melissa, cavalheiro puro de sentimentos, diz em seu dicionário: Motorists’ hotel, a hotel intended to provide short-term lodging for traveling motorists, usually situated close to a highway and having rooms accessible from the parking area. Diz ainda que a palavra foi criada no princípio do século 20: blend of motor + hotel. Todo brasileiro sério conhece blend dos rótulos dos uísques: é mistura ou misturar. E aqui temos a primeira contradição moteleira em nosso lindo país: senhora da minha afeição tinha consultório em Belo Horizonte com vista para a entrada de movimentado motel. Durante o dia, segundo me contou, era bem maior a entrada de automóveis sem blend, do que veículos conduzindo homem e mulher.

    De seu posto de observação involuntária, a doutora notou que entravam mais carros com dois homens, ou com duas mulheres, do que veículos conduzindo um casal daqueles que existiam no tempo de antigamente. Algo me diz que esta crônica vai longe, mas não tem nada: a gente divide em duas ou três, porque é assunto de interesse geral, sobretudo para um amigo nosso que morou, literalmente residiu cinco anos num motel, chegando cedo e saindo ao cair da noite, bandalho que era.

    Primeiro problema: nas regiões de clima frio, cobertor de motel é um problema. Banheiros, lençóis, toalhas e pisos as arrumadeiras limpam e trocam num átimo, mas cobertor é de uma imundície que vou te contar. Arrumadeira de motel desmente a crença de que o brasileiro não é eficiente, produtivo, trabalhador, rápido, dinâmico. Tivesse a Esplanada dos Ministérios meia dúzia de arrumadeiras de motéis, este país grande e bobo já seria a primeira economia do mundo.

    Nasci no Rio, onde só havia um motel, o Trampolim do Diabo, na pista que subia o morro em que hoje existe a Favela da Rocinha. Pista que servia para as corridas de Fórmula 1, com Fangio, González, Carlo Pintacuda e muitos outros. Motel singular, porque você estacionava no pátio e procurava o apartamento que estivesse de porta aberta e luz acesa, sinal de que estava “limpo” e disponível para o casal recém-chegado. Bebidas e comidas eram pedidas tocando uma campainha, sem telefones ou interfones. O garçom batia na porta para anotar a encomenda. E a gente vivia.

    Muitos hotéis normais exigiam – pasme o leitor – certidão de casamento. Parece mentira, mas é a mais pura verdade e não foi há mil anos. Maridos sérios, sozinhos ou em sociedade com amigos, mantinham graçonnières, pequenos apartamentos destinados a encontros amorosos, com todos os percalços imagináveis: limpeza, troca de lençóis e toalhas, chaves em duplicata e aviso aos sócios sobre os horários que seriam ocupados num determinado dia. Amanhã conto o resto, ok?


    Porecamecra
    Procurando nos dicionários porco monteiro, isso é, porco doméstico que se asselvajou, encontrei porecamecra e berrei: “Isto dá samba!”. Não havia definição para porecamecra, mas explicação: o mesmo que purecamecra. Melhorou: talvez fosse purê de camecra. Fui ao Google, porque é inadmissível que um cavalheiro de certa idade não saiba o que é porecamecra, sobretudo depois de aprender que os substantivos e os adjetivos de dois gêneros são relacionados com o Maranhão, glorioso estado brasileiro pertencente ao acadêmico José Sarney. Eis a explicação do abençoado buscador: Macro-Gé (Macro-Jê), velika jezicna porodica amerièkih Indijanaca raspršena po velikim predjelima tropske Ju%u017Ene Amerike. Velika porodica dobiva ime po porodici Gé, kojoj su još pridodane druge porodice, to su , prema Masonu (1950):1. Ge, 2. Caingang, 3. Camacán, 4. Mashacalí, 5. Purí (Coroado), 6. Patashó, 7. Malalí 8. Coropó. Davis (1968): 1. Jê 2. Maxakalí 3. Karajá 4. Jeikó 5. Ofayé 6. Kamakan 7. Purí (Coroado) 8. Botocudo 9. Borôro (?) 10. Fulniô Greenberg 1987 u nju klasificira porodice: 1. Bororo, 2. Botocudo, 3. Caraja, 4. Chiquito, 5. Erikbatsa, 6. Fulnio, 7. Ge-Kaingang 8. Guató, 9. Kamakan, 10. Mashakali, 11. Opaie, 12. Oti, 13. Puri, 14. YabutíPrava Gé porodica bez Cainganga, grana se na. Aí é que está: informado de que YabutíPrava Gé porodica bez Cainganga, grana se na, tirei nossos times de campo, o meu e o do caro e preclaro leitor de Tiro e Queda.


    O mundo é uma bola
    23 de maio de 1498: por ordem do papa Alexandre VI, o dominicano Girolamo Savonalora é condenado e queimado em Florença, Itália. Bem feito, para deixar de ser talentoso, estudioso de medicina e filosofia: fogueira nele! Em 1533, anulado o casamento de Catarina de Aragão com Henrique VIII, um ingrato. Além de cortar e costurar as camisas do rei da Inglaterra, Catarina era fluente em espanhol, latim, grego e francês, antes de aprender inglês. Ninguém anula casamento com mulher que faz camisas e fala grego e latim. Em 1707, nasceu Carl von Linné ou Carolus Linnaeus, botânico, zoólogo e médico sueco, o pai da taxonomia moderna.


    Ruminanças
    “As feministas querem reduzir a mulher a um macho mal-acabado.” (Nelson Rodrigues, 1912–1980)

    Painel - Vera Magalhães

    folha de são paulo

    União estável?
    O casamento de conveniência entre Geraldo Alckmin e Fernando Haddad no reajuste simultâneo e com iguais valores para as tarifas de ônibus urbanos, metrô e trens não garante o entendimento para a adesão do governo do Estado ao projeto de Bilhete Único Mensal, mote da campanha do petista à prefeitura. Assessores de Haddad acham que Alckmin sinaliza que vai aderir ao plano. Mas o Palácio dos Bandeirantes ainda tem restrições técnicas à viabilidade da nova modalidade.
    -
    Bonde Nem os incidentes da Virada Cultural atrapalharam a costura de Alckmin e Haddad. Os dois se falaram para acertar detalhes do anúncio das novas tarifas.
    Censo 1 O PSB-SP fará levantamento em todos os diretórios municipais do Estado para saber quantos apoiam o projeto presidencial de Eduardo Campos. Outros Estados devem fazer o mesmo.
    Censo 2 SP tem a maior parte (32%) dos delegados que votam no congresso da sigla que decidirá sobre a candidatura própria. Rio Grande do Sul (8%), Distrito Federal (3%) e Pernambuco (11%) completam a maioria de 54% de delegados que devem opinar pró-Campos.
    É nossa "Quem conhece a composição numérica do nosso congresso sabe que o jogo está jogado e o resto é me engana que eu gosto", diz o deputado Márcio França.
    Agora vai? A CPI da Petrobras foi protocolada por Leonardo Quintão (PMDB-MG) na Câmara com 199 assinaturas. Ele aproveitou o quorum da sessão da MP dos Portos na semana passada e colheu mais 50 adesões.
    Onde pega O empenho para investigar a estatal é fruto da insatisfação com a perda de diretoria da Petrobras que era da cota do PMDB mineiro. Agora, depende do presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), a instalação dos trabalhos.
    Mão dupla O programa do PSC que vai ao ar hoje mostra imagens de manifestações contra o deputado Marco Feliciano (SP). O vice-presidente da sigla, Everaldo Pereira, diz que alguns querem "impor ideias gritando", mas que a legenda prefere trabalhar de forma "serena".
    Non grata O PSD protocola hoje representação no Conselho de Ética da Câmara contra Anthony Garotinho (RJ) pelas acusações feitas na votação da MP dos Portos. É a primeira sigla a pedir investigação contra o líder do PR.
    Pressa O Senado vai criar comissão especial para reformar a lei de licitações. O presidente será Vital do Rêgo (PMDB-PB) e a relatora, Kátia Abreu (PSD-TO). Segundo ela, a ideia é modernizar a lei para melhorar a eficiência do gasto e reduzir a burocracia.
    Trégua O presidente da Câmara paulistana, José Américo (PT), entrou em acordo com Haddad e não vai mais tentar derrubar o veto a projeto de lei de sua autoria. Vai reapresentar a proposta reduzindo de 30% para 25% a proporção de produtos não editoriais que podem ser vendidos em bancas de jornal.
    Novela Julgamento do STJ (Superior Tribunal de Justiça) reabriu a discussão sobre a regularidade do licenciamento do shopping Bourbon, na zona oeste da capital. O STJ determinou que o Ministério Público do Estado prossiga com ação civil pública de 2006 que o Tribunal de Justiça havia julgado extinta.
    Visita à Folha Maria Silvia Bastos Marques, presidente da Empresa Olímpica Municipal do Rio de Janeiro, visitou ontem a Folha, a convite do jornal, onde foi recebida em almoço. Estava acompanhada de Mariza Louven, assessora de mídia.
    com ANDRÉIA SADI e LUIZA BANDEIRA
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    TIROTEIO
    "O balcão de negócios instalado em nome da governabilidade alimenta os chupins da República e esgota a capacidade de investir."
    DO SENADOR ALVARO DIAS (PSDB-PR), sobre o contingenciamento de R$ 28 bilhões do Orçamento anunciado ontem pelo governo federal.
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    CONTRAPONTO
    Vida de ex-prefeito
    Durante evento com prefeitos em Santos no mês passado, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, deu uma longa entrevista. Falou sobre alianças da sigla para as eleições de 2014, possibilidade de nomeação do vice-governador paulista Guilherme Afif (PSD) como ministro e outros temas a respeito do cenário político nacional.
    Ele já ia embora quando um jornalista quis fazer mais uma pergunta sobre o assunto. O ex-prefeito respondeu prontamente, levando todos às gargalhadas:
    --Para quem enfrentou maratona de perguntas sobre buracos de rua por anos, mais uma de política é moleza!

      LIVRO » Fé, luta e utopia


      estado de Minas: 23/05/2013 

      Frei Betto é o convidado de hoje do projeto Sempre um papo
      Escritor militante – afinal de contas, publicou nada menos de 56 livros –, o mineiro Frei Betto lança hoje seu novo trabalho, O que a vida me ensinou (Saraiva). “O desafio é sempre imprimir sentido à existência”, avisa ele na capa do volume.

      Mais que livro de memórias, O que a vida me ensinou reúne uma coleção de reflexões e referências de Frei Betto – “peregrino de Deus viajando a bordo de um paradoxo”, de acordo com suas próprias palavras.

      Frade dominicano, escritor e articulista, ele relembra sua trajetória como ativista social – de militante do movimento estudantil na BH dos anos 1950 a assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. “Nasci atolado nessa coisa chamada política”, resume.

      Homem profundamente comprometido com a justiça social e os movimentos populares, seu novo livro traz também reflexões sobre espiritualidade e religião sob o enfoque da Teologia da Libertação e da crítica ao capitalismo.

      O QUE A VIDA ME ENSINOU
      Lançamento do livro de Frei Betto. Hoje, às 20h. Chez Fumoir, Rua Alagoas, 642, Savassi, (31) 3261-1501. Informações: www.sempreumpapo.com.br

      Venezuela no Tendências/debates

      folha de são paulo

      NEY FIGUEIREDO
      TENDÊNCIAS/DEBATES
      Uma eleição inesquecível
      Um mito pode ser derrotado, desde que se use a estratégia certa. Capriles teve o cuidado de não fazer da desconstrução de Chávez o fulcro da campanha
      Todos aqueles que já participaram profissionalmente de uma eleição direta sabem o quanto é difícil derrotar um mito ou um líder carismático. Quando as condições são adversas, como no caso das recentes eleições venezuelanas, a missão é quase impossível.
      A estratégia a ser aplicada é de difícil equação. Era impossível negar que os programas sociais de Hugo Chávez, graças à renda proveniente do petróleo, tiraram uma boa parcela da população da miséria absoluta. Durante seu tratamento contra o câncer em Cuba, vigílias oravam por seu pronto restabelecimento. E eram transmitidas ao vivo.
      Quando ele morreu, após ter sido eleito para um quarto mandato, analistas achavam que as oposições seriam de novo derrotadas pelo mito Chávez. E a certeza era fortalecida pelo fato de elas terem sido banidas das rádios e TVs, que estavam sob a tutela governamental.
      Daí a grande surpresa quando as urnas foram abertas, revelando que a vitória do candidato situacionista tinha sido de pouco mais de 1% dos votos. Se é que realmente ocorreu, pois os indícios de fraude apontam que o resultado pode ter sido outro.
      Essas eleições memoráveis guardam ensinamentos importantes. Os mitos podem ser derrotados, desde que se utilize a estratégia correta.
      Preliminarmente, a oposição tratou de ter um candidato viável, Henrique Capriles, governador da importante província de Miranda, que já havia concorrido outras vezes.
      Depois, teve o cuidado de não transformar a desconstrução de Chávez no fulcro da campanha, mas sim de demonstrar aos mais pobres o estado lamentável da economia.
      A violência e a corrupção haviam chegado a um nível alarmante. O futuro estava ameaçado pelo mais cruel dos impostos, a inflação, que rondava os 30% anuais. Explicou-se que o petróleo não era eterno e que o país caminhava para o desastre.
      Capriles defendeu a reunificação da Venezuela, tendo a habilidade de explicar em linguagem bem simples que a "revolução bolivariana" pregada por Chávez inseria-se na cultura do nacional-estatismo comum na América Latina: Estado intervencionista, amplas alianças, apoio das Forças Armadas, credo nacionalista, controle dos meios de comunicação e uma figura carismática para dar sinergia ao processo.
      A fórmula estava exaurida e havia fracassado no continente.
      Mesmo com o domínio absoluto da mídia tradicional, governo algum consegue controlar a mente das pessoas. Populismo funciona por um tempo, mas não sempre.
      Os últimos acontecimentos no Oriente Médio e na África revelam um novo ator que desestabiliza qualquer esquema de força: a internet. Foi assim no Egito. Foi assim na Tunísia. E agora na Venezuela.
      A situação do Brasil nada tem a ver com a da Venezuela, mas a equação continua válida. Em um regime democrático, só pode haver alternância de poder quando existe um candidato oposicionista viável e uma proposta de programa de governo que enseje melhores dias para o conjunto da sociedade.

        MAXIMILIEN ARVELÁIZ
        TENDÊNCIAS/DEBATES
        O que quer a oposição na Venezuela
        Capriles reconheceu os benefícios sociais do governo. Tão logo terminou o pleito, foi desmascarado pelos atos violentos que incentivou
        Os acontecimentos violentos que sucederam a vitória de Nicolás Maduro na Venezuela são reveladores do comportamento intransigente e oportunista de uma elite saudosista do tempo em que era dona absoluta do petróleo e obediente às ingerências dos Estados Unidos.
        Incapaz de fazer qualquer concessão aos trabalhadores, essa elite organizou várias tentativas de desestabilização desde que Hugo Chávez chegou ao poder.
        A onda de violência que resultou na morte de nove pessoas (todas apoiadoras do governo), após o pleito de 14 de abril, soma-se a uma coleção de práticas autoritárias da direita. O Henrique Capriles que hoje incita a população a realizar protestos violentos e insiste em não aceitar a derrota é o mesmo que participou ativamente do golpe de Estado contra Chávez em 2002, invadindo a embaixada cubana e prendendo um ministro ilegalmente.
        Do mesmo modo, os deputados oposicionistas da Assembleia Nacional que hoje não reconhecem Nicolás Maduro como presidente e tumultuam as sessões do plenário são os mesmos que apoiaram a greve patronal da PDVSA e que boicotaram as eleições de 2005.
        A oposição recorre a mecanismos desesperados e nada democráticos porque não consegue vencer por meio da lei. Bem que tentou. Em 2004, convocou um referendo revogatório para perguntar à população se Chávez deveria ser retirado da presidência, mas saiu derrotada.
        Aqui vale uma observação. Por obra do próprio Chávez, a "ditadura" na Venezuela prevê, como um direito constitucional, a convocação de um referendo revogatório no terceiro ano do mandato do presidente, desde que se recolham as assinaturas necessárias.
        Mas o que mais soa incoerente e oportunista é o fato de questionarem a lisura do processo eleitoral que levou Maduro à Presidência.
        Em dezembro de 2012, quando Capriles ganhou a eleição pelo governo do Estado de Miranda, por uma diferença de somente 45 mil votos, a segurança do processo nunca foi posta em dúvida. Tal eleição foi organizada pelo mesmo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), presidido pela mesma pessoa, utilizando-se do mesmo sistema de votação do último pleito. Também não detectaram nenhuma fraude nas eleições primárias organizadas pelo CNE que escolheram Capriles como candidato oficial da oposição.
        Por que questionam agora algo que nunca questionaram antes, principalmente quando obtiveram resultados positivos nas urnas? Gostaria de ver essa pergunta sendo feita pelos mesmos analistas da mídia que insistem em taxar de autoritário o governo da Venezuela.
        Ao não reconhecer o resultado da eleição, a oposição pretende desintegrar as instituições democráticas que a revolução bolivariana construiu, desgastando um governo que quer trabalhar para aprofundar o processo de mudanças em curso e avançar na resolução dos problemas que ainda afligem a população.
        Se observarmos a estratégia adotada pela direita nas últimas campanhas eleitorais, fica ainda mais fácil detectar o oportunismo. Aproveitando-se da fragilidade causada pela doença e pela morte prematura do presidente Chávez, Capriles centrou sua campanha no reconhecimento dos benefícios das missões sociais do governo, prometendo incrementá-las. Tão logo terminou o pleito, foi desmascarado pelos atos violentos que incentivou ao não aceitar a derrota.
        Nicolás Maduro é fruto da história recente do nosso país. Conhece muito bem a herança violenta da direita que, desde o Caracazo, recorre à repressão contra a população que luta por melhores condições.
        Para que cesse a violência, o presidente está instituindo o que chama de "governo de rua", fazendo o debate das ideias com o povo organizado, em busca da paz, da união dos venezuelanos, da independência e da preservação do legado de Chávez. Que nos deixem trabalhar.

          O dinheiro fala - Kenneth Maxwell

          folha de são paulo

          O dinheiro fala
          A LGBT Capital é uma companhia sediada em Londres e Hong Kong, especializada em administração de ativos e consultoria para empresas, com serviços dirigidos à comunidade de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros.
          Cofundada por Paul Thompson e Anders Jacobsen, a LGBT Capital oferece consultoria de investimento especializada para o crescente mercado gay. Thompson e Jacobsen são gays.
          A LGBT Capital estima que a população LGBT mundial seja de mais de 400 milhões de pessoas, com poder aquisitivo de US$ 3 trilhões --dos quais, de acordo com estimativas, os EUA respondem por US$ 750 bilhões, a Europa por US$ 870 bilhões, a Ásia por US$ 800 bilhões e a China por US$ 300 bilhões.
          Em fevereiro, a LBGT Capital lançou o fundo LBGT Wealth, uma nova joint venture com a Financial Partners, de Hong Kong, dirigida à comunidade LGBT na Ásia. As grandes empresas financeiras estão lentamente seguindo a tendência. O Credit Suisse tem uma iniciativa LGBT em sua divisão de serviços bancários privados nos EUA. Continua a existir, porém, grande disparidade no mercado aos que têm estilos de vida não tradicionais e vivem uniões homossexuais.
          Problemas de planejamento financeiro, aposentadoria, saúde, responsabilidade familiar e herança para casais homossexuais não são simples. E a questão não passa sem contestação, como descobriu, nesta semana, o premiê britânico, quando parlamentares conservadores da Câmara dos Comuns votaram em grande número contra a proposta de legalização do casamento gay que ele apresentou, e o governo precisou de apoio dos parceiros de coalizão liberais-democratas e da oposição trabalhista para aprovar a medida.
          E o assunto tampouco é menos contencioso no Brasil. O deputado-pastor Marco Feliciano é feroz em sua homofobia, e ele é nada menos que o presidente da Comissão de Diretos Humanos e Minorias da Câmara. Feliciano chegou a justificar o assassinato de John Lennon dizendo que ele havia sido punido por Deus por afirmar que os Beatles eram mais populares que Jesus Cristo.
          Pelo menos a Assembleia-Geral da Igreja Presbiteriana da Escócia votou nesta semana pela permissão de que homens e mulheres assumidamente homossexuais se tornem pastores. A igreja da Escócia insiste que sua política tradicional, segundo a qual o sexo deve acontecer como parte do casamento heterossexual, continua intacta. A mudança é que congregações progressistas agora podem recrutar pastores envolvidos em relacionamentos homossexuais. Uma revolução, ainda assim.
          Paradas gays são uma coisa. Mas, como a LGBT Capital acredita, o dinheiro também tem voz.

          Claridade que não deixa dormir -Vilhena Soares‏

          Em artigo na revista Nature, médico de Harvard afirma que a luz branca, como a emitida por tablets e computadores, é especialmente prejudicial à qualidade do sono 


          Vilhena Soares

          Estado de Minas: 23/05/2013 


          Smartphones, tablets e laptops. Pode não parecer, mas o uso desses equipamentos está diretamente ligado às noites maldormidas de muita gente. E não só porque eles têm a capacidade de prender a atenção até altas horas da madrugada. O problema está também na claridade que sai das telas. É o que argumenta, em comentário publicado esta semana na revista Nature, o neurologista Charles Czeisler, chefe da Divisão de Medicina do Sono da Universidade de Harvard. Para o especialista, a mudança no tipo de luz emitida pelos aparelhos pode ajudar a aumentar a qualidade do sono das pessoas e trazer importantes benefícios para a saúde delas.

          Czeisler afirma em seu texto que, muitas vezes, a culpa de uma noite insone é colocada no café, mas as pessoas geralmente ignoram um fator essencial: a exposição constante a luzes artificiais. “Muitas razões pelas quais as pessoas têm sono insuficiente começam cedo, no trabalho ou na escola, ou estão em comidas e bebidas ricas em cafeína. Mas o fator principal é muitas vezes desvalorizado: o avanço tecnológico. A luz artificial afeta nosso ritmo circadiano e é mais poderosa do que qualquer droga”, escreve o pesquisador.

          De acordo com o médico, o corpo humano é muito afetado pela luz que chega à retina. E ele não parece estar preparado para esse excesso de claridade artificial que prossegue depois de anoitecer. Assim, o ciclo diário do corpo acaba desregulado, prejudicando, entre outras funções, o sono. “A luz artificial que atinge a retina entre o anoitecer e o amanhecer exerce efeitos fisiológicos por meio da visão. Inibe substâncias necessárias para promover o sono, ativa neurônios e cria uma excitação que suprime o lançamento noturno da melatonina, hormônio responsável por produzir o sono”, enumera o especialista.
          Para Czeisler, a luz branca, utilizada na maioria dos eletrônicos, é uma das principais responsáveis por desregular o sono diário, devido à forte incandescência, que mantém os olhos alertas. Para acabar com esse problema, ele propõe a mudança dessa cor. “Os efeitos adversos da luz sobre o sono e os ritmos circadianos podem ser reduzidos pela substituição da luz branca pela azul enriquecida com vermelho ou a laranja enriquecida com luz branca.”

          A utilização também dessas cores pode ser adotada em outras situações, como em aviões. Algumas empresas até já implementaram medidas do tipo em voos noturnos, mas o especialista norte-americano diz que muitas ainda usam a estratégia de forma errada. “Infelizmente, o uso desse controle de cor, recém-descoberto, tende a ser equivocado: algumas companhias aéreas, por exemplo, usam nas cabines de avião uma luz azul monocromática à noite. Mas esse azul é a cor ideal para a supressão de melatonina, o que acaba perturbando o sono”, destaca. “Devemos usar esse conhecimento para desenvolver intervenções e mitigar esses efeitos nocivos, para que a luz não nos prejudique nem afete a solidez do sono”, complementa o especialista no trabalho.

          Inimiga Segundo o neurocientista da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Fernando Louzada, a luz artificial é uma grande inimiga do sono, já que o cérebro não sabe diferenciá-la da luz natural. “A nossa espécie fica em repouso quando está escuro. Como é que o corpo sabe se está escuro ou não? O olho é que tem que fazer a distinção. O cérebro não diferencia a luz artificial da natural. Se fico acordado e exposto à luz, o cérebro interpreta que é dia e que não é preciso dormir. Isso gera uma série de alterações no organismo, e uma das consequências é a redução da duração do horário em que dormimos. Isso acarreta problemas sérios de saúde”, destaca.

          Uma noite maldormida eventualmente não parece prejudicial a curto prazo. Contudo, se o problema se estende, os danos podem ser muitos. Um dos primeiros estudos sobre o tema, feito em 1999 por pesquisadores da Universidade de Chicago, por exemplo, monitorou pessoas com deficit de sono e descobriu que elas tinham uma queda nos níveis do hormônio do crescimento (HGH) e do cortisol, responsável pela ativação da memória.

          A neurologista da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Clelia Franco explica os efeitos prejudiciais dessa queda de substâncias: “Não dormir bem atrapalha o crescimento das crianças e até o desenvolvimento dos adultos, que sofrem um envelhecimento mais acelerado. Nosso corpo não consegue produzir as substâncias necessárias para um bom funcionamento”.

          Franco explica que cuidados com a rotina e com o ambiente onde se dorme podem reduzir a dificuldade para adormecer. “O ideal seria realizar a troca da luz branca pela amarela, que é menos prejudicial. Mas, se isso não for viável, alguns hábitos podem ajudar, como reservar uma hora antes de dormir para ficar longe de aparelhos eletrônicos, evitando que eles mantenham a pessoa alerta. Tirar qualquer tipo de ruído do quarto e arrumar a cama e o travesseiro de maneira correta também ajuda. São cuidados essenciais que farão muita diferença para a saúde”, complementa.

          Um dia
          O ritmo circadiano designa o período de aproximadamente 24 horas no qual se baseia o ciclo biológico de quase todos os seres vivos. Ele é fortemente influenciado pela variação de luz, mas outros fatores, como a temperatura e até fenômenos como marés e ventos, podem afetá-lo. Além de regular o sono, ele orienta a digestão, o apetite, o controle da temperatura corporal e a renovação das células do organismo. O ciclo é uma espécie de marca-passo interno, ligado a uma área cerebral chamada núcleo supraquiasmático, que fica no hipotálamo.  

          Os fungos que habitam você-Paloma Oliveto‏

          Atlas das leveduras encontradas na pele humana indica as áreas do corpo preferidas pelas espécies. Trabalho vai ajudar a compreender diversos problemas, do pé de atleta ao melanoma 


          Paloma Oliveto

          Estado de Minas: 23/05/2013 


          Brasília – Nem a mais higiênica das pessoas está livre de ter o corpo superpovoado por bactérias e fungos. Esses últimos, que formam um reino à parte na natureza, habitam lugares tão diversos quanto florestas, queijos e a pele humana. Uma vez que as comunidades de leveduras – gérmens unicelulares – são difíceis de serem cultivadas em laboratório, pouco se sabia sobre elas. Agora, pesquisadores dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos fizeram um atlas dos fungos que colonizam a epiderme de indivíduos saudáveis. Encontraram milhões deles, distribuídos por todas as partes: do meio da testa ao dedão do pé.

          Em um artigo publicado na revista Nature, eles explicam que retiraram amostras de 4cm da pele de 10 voluntários entre 18 e 40 anos, sem problemas de saúde e que não haviam sido expostos a microbicidas nos seis meses anteriores à pesquisa. Usando uma metodologia adaptada a seres invisíveis a olho nu, os cientistas sequenciaram o DNA dos micro-organismos identificados e conseguiram medir a quantidade de cada um deles nas amostras. No total, foram achados 5 milhões de fungos, o que dá 500 mil por pessoa.

          A área com maior diversidade de leveduras foi o pé: só no calcanhar, vivem espécies pertencentes a 80 gêneros. No dedão, os cientistas encontraram 60, e no espaço entre os dedos, 40. Como no restante do corpo, predomina o tipo Malassezia, que inclui os micro-organismos causadores de caspa e dermatite, por exemplo. Nas mãos, as colônias de fungos são poucas, comparando-se a bactérias: há cerca de 30. Já a parte central (tórax e abdômen) é a menos atraente aos fungos, sendo colonizada por entre duas e 10 comunidades diferentes.

          “Aplicar o sequenciamento de DNA no estudo dos fungos da pele é um avanço no entendimento sobre a vida microbiana que coexiste em nossos corpos”, disse, em nota, Daniel Kastner, diretor científico do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano (NHGRI) dos EUA, um dos órgãos que participou da análise. “Aliada ao sequenciamento recente que definiu a diversidade das bactérias, essa pesquisa nos fornece um quadro mais completo”, acrescentou. “Os fungos representam um dos maiores ramos da árvore da vida. Já os humanos têm um bioma riquíssimo e heterogêneo. À medida que aprendemos como esses micro-organismos interagem entre eles e com nosso corpo, seremos capazes de desvendar mecanismos associados a várias doenças, incluindo o câncer de pele, minha área de investigação”, conta Heidi Kong, coautora do estudo e cientista do Departamento Dermatológico do Centro de Pesquisa de Câncer dos EUA.

          Unha encravada A dificuldade de cultivar fungos em laboratório se deve ao fato de eles demorarem muitas semanas para se desenvolver fora do ambiente hospedeiro. Com isso, males menos complexos que tumores malignos também podem ficar sem solução. Diagnosticar unha encravada, por exemplo, parece bem fácil: basta olhar o dedão inchado. Tratar corretamente, contudo, já não é tão simples.

           Diferentemente do que ocorre com infecções provocadas por bactérias, em que é possível identificar corretamente a espécie causadora do problema, não há exames de cultura de leveduras. Ainda que existam antifúngicos no mercado, o micro-organismo diretamente envolvido na inflamação pode não ser atingido pelo remédio. Dependendo do caso, a consequência de um sapato apertado acaba sendo intervenções cirúrgicas.

          O sequenciamento genético realizado pelos Institutos Nacionais de Saúde mostrou, inclusive, que a dinâmica biológica de unha encravada é mais séria do que parece. Apesar de saudáveis, 20% dos participantes tinham problemas como esse nos pés. Os cientistas constataram que, enquanto infecções no calcanhar envolvem a mesma comunidade fúngica, no caso das unhas inflamadas diferentes tipos de leveduras entram em ação.

          Heidi Kong esclarece que os fungos fazem parte do ecossistema humano, não sendo, naturalmente, ameaças à saúde. “A pele reúne as condições ideais para o crescimento das leveduras: é quente e ácida. Mas eles vivem apenas na superfície porque a epiderme é uma barreira física formidável, resistindo à penetração dos micróbios no organismo. Além disso, a pele se renova constantemente, sendo descamada junto das bactérias e dos fungos”, diz.

          Contudo, perturbações no organismo podem fazer com que as populações de hóspedes até então inofensivas proliferem, causando doenças. É o caso da candidíase, infecção que ataca principalmente o órgão sexual feminino, embora também apareça na boca (sapinho). O fungo Candida albicans, que desencadeia sintomas como coceira e inchaço, habita a epiderme sem perturbá-la. Quando o sistema imunológico está deficiente, porém, as colônias crescem desordenadamente e precisam ser contidas com medicamentos.

          Desconhecimento “Qualquer pessoa pode sofrer de diversas condições provocadas por fungos, de pé de atleta a infecções sistêmicas que ameaçam a vida”, lembra Arturo Casadevall, microbiólogo e imunologista da Faculdade de Medicina Albert Einstein, em Nova York, que não participou do estudo. “Os fungos também podem predispor a doenças como asma e alergia. Mas, apesar da frequência de infecções do tipo, elas ainda são difíceis de diagnosticar e tratar. Quando se deparam com uma infecção fúngica sem diagnóstico exato, os médicos são forçados a passar remédios para os pacientes sem saber se eles vão funcionar ou só farão as pessoas perderem seu tempo e dinheiro”, conta.

          Para Casadevall, integrante da Academia Americana de Microbiologia e coautor do estudo “O reino dos fungos: diversidade e papéis essenciais no ecossistema da Terra,” é preciso ampliar o banco de dados genético desses micróbios. “A falta de identificação de espécies e gêneros dificulta o controle de patógenos fúngicos. Consequentemente, a população fica mais exposta”, acredita. De acordo com o especialista, a pesquisa publicada na Nature fornece uma boa ideia sobre a circulação de micróbios na epiderme. Apesar de reconhecer que esse é apenas o começo da exploração de um bioma complexo, ele afirma que os dados revelados pelo estudo são “extremamente valiosos para a comunidade médica e científica”.