segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Grupos conservadores obscuros na Rússia intensificaram sua luta contra a homossexualidade

Jornais Internacionais - Der Spiegel
Benjamin Bidder
Moscou (Rússia)

          
  • Maxim Shemetov/Reuters
    Um homem tenta rasgar a bandeira de  manifestante que participava da Parada Gay de Moscou  Um homem tenta rasgar a bandeira de manifestante que participava da Parada Gay de Moscou 
Grupos conservadores obscuros na Rússia intensificaram sua luta contra a homossexualidade, criticando recentemente a cantora pop Madonna bem como um rótulo de embalagem de leite supostamente ofensivo. Os acontecimentos enfatizam uma atmosfera crescente de intolerância no país.
A autodenominada polícia da moralidade da Rússia descobriu um novo perigo para a saúde e os valores das pessoas, e ele pode ser encontrado nos supermercados do país – na forma de laticínios da companhia americana PepsiCo. Ativistas do grupo ortodoxo chamado Conselho do Povo envolveram até promotores russos no caso.  

Veja fotos das Paradas Gay pelo mundo

Zona de conforto - VANESSA VÊ TV


VANESSA BARBARA 

vanessa.barbara@uol.com.br
Zona de conforto

Dia após dia, já se sabe exatamente o que esperar do "SPTV 2ª Edição" (Globo, segunda a sábado, às 18h55): três blocos com os assuntos de sempre, curtos e previsíveis como uma couve-flor.
Se está muito frio em São Paulo, é assim que o telejornal começa: imagens de paulistanos agasalhados na avenida Paulista, uma tirada espirituosa feita por um popular, um médico falando sobre os perigos do ar seco. Estatísticas sobre os dias mais frios dos últimos 17 anos.
No calor, podemos esperar cenas de paulistanos tomando sol no Ibirapuera, crianças nadando no chafariz da praça da Sé, especialistas dissertando sobre o filtro solar.
Em dias de chuva, "caos na cidade" será uma das expressões mais utilizadas, com cenas de trânsito engarrafado, estatísticas da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) e motoristas ilhados nas enchentes.
Na véspera e na volta de um feriado prolongado, há sempre câmeras nas rodovias, o paulistano reclamando que Bertioga amanheceu nublada, imagens ao vivo da Marginal parada. "É a volta pra casa", repete Carlos Tramontina, um tanto preocupado.
O telejornal tem 15 minutos de duração (mais os comerciais). Há dois assuntos obrigatórios: tempo e trânsito, com um espaço adicional para crimes e contravenções.
Para fechar, uma matéria mais esperançosa com o que chamam de "olhar diferenciado sobre o que acontece de relevante na cidade", segundo o release do departamento de comercialização da Globo. Trata-se de uma pauta inusitada ou singela para que Tramontina possa sorrir e esquecer as mazelas do contribuinte.
No Dia das Crianças, houve uma reportagem sobre pais e filhos jogando peteca num parque da cidade, em atividade promovida pela própria Rede Globo.
Na quarta-feira passada, o assunto foi uma feira de empreendedorismo. "Você que cansou de viver de holerite, seja bem-vindo", começa o repórter. "Essa feira é o mapa da mina para quem quer virar patrão."
A sequência é: gracinha de abertura, dois ou três clichês, uma gracinha mais discreta e a piscadela final.
Neste exemplo, uma visitante da feira falou exatamente o que o repórter queria ouvir. "Tem que se preparar, né?", indagou o jornalista. "Tem que se preparar, conhecer gente, se capacitar", repetiu a moça. "Não pode desistir."
É como se ligassem um gerador de chavões sobre contratempos climáticos, congestionamento e "temas gerais".

Nosso godzilla


FOLHATEEN
Em nova HQ, Gustavo Duarte cria versão brasileira do clássico monstro japonês






RODRIGO LEVINO

EDITOR-ASSISTENTE DA “ILUSTRADA”

Entre as muitas lembranças de infância do quadrinista Gustavo Duarte, duas são particularmente marcantes: as férias em Santos (a 77 km de São Paulo) e o exemplar da HQ "O Cavaleiro das Trevas", de Frank Miller, que ganhou do pai aos dez anos.
A passagem para um nível mais complexo de narrativa ("Até então eu só lia "Turma da Mônica" e "Zé Carioca", conta ele) alimentou o gosto pela leitura e despertou a vocação para o desenho.
Aos poucos, à pilha de gibis infantis foram se juntando títulos como "Spirit", de Will Eisner e coleções de
"Peanuts", de Charles Schulz, e "Calvin e Haroldo", de Bill Waterson.
Na época, ele morava em Bauru, no interior de SP.
"Percebi que esses quadrinhos encalhavam na banca de revistas da cidade. Quer dizer, eu tinha tudo só para mim. Foi uma festa", diz.
Mais de 20 anos depois, as lembranças se reuniram em forma de narrativa no romance gráfico "Monstros!" (Quadrinhos na Cia.), recém-lançado por Duarte.
Este é o quarto livro de sua carreira. Antes, ele lançou, aqui e nos Estados Unidos, "Có", "Taxi" e "Birds".
No quadrinho, em que não há uma palavra sequer -nem é preciso, pois ele é daqueles que traduzem facilmente mil palavras em uma imagem- monstros invadem a cidade de Santos.
Em resumo, um Deus nos acuda que será resolvido pelo herói no qual não se aposta R$ 1 à primeira vista.
GODZILLA NACIONAL
A história de seres fantásticos que saem do mar para destruir uma grande cidade remete, claro, a "Godzilla" (1954), clássico do cineasta japonês Ishiro Honda.
Duarte, que foi criado também à base de seriados enlatados do Japão, não nega a influência.
"Sempre fui fascinado pelos monstros de seriados como 'Spectreman', 'Jaspion' e 'Ultraman', que passavam na TV nos anos 1980."
A ideia de juntar as referencias da infância o levou de volta ao litoral paulistano. De câmera em punho e, como na infância, hóspede de uma tia, documentou o que havia restado da época das férias escolares. O resto ficou por conta da imaginação.
SEM PALAVRAS
A escolha por não usar legendas ou diálogos vem do exercício como cartunista e caricaturista (Gustavo Duarte também é colaborador da Folha), em que a objetividade é palavra de ordem, e já havia sido experimentada nas HQs anteriores do autor.
"E tem também a intenção de atingir o maior público possível, independentemente da idade", explica.
Um intuito fácil de alcançar; basta uma folheada em "Monstros!". Do livro também salta bastante humor, sobretudo, quando o leitor se depara com o mais improvável dos heróis: Seu Pinô, ex-pescador, dono de um bar em Santos e notório contador de "causos" aloprados.
Entediado no balcão, à espera dos clientes, Pinô nota que há algo estranho na cidade. Primeiro o silêncio, depois o caos.
O insuspeito senhor tem uma reputação secreta a zelar. É ele -e só ele sabe disso- quem pode salvar Santos da destruição. A solução e o desfecho são hilários.
Isso tanto para brasileiros como para americanos, entusiastas do trabalho de Duarte, que lançou "Monstros!" há uma semana na Nova York Comic Con, uma das maiores convenções de quadrinhos dos Estados Unidos.
"Birds", seu quadrinho anterior, foi lançado para os americanos antes de chegar ao Brasil, em 2011.
Nessa HQ, Duarte já ensaiava uma incursão mais forte por enredos surrealistas, que é uma das marca de "Monstros!".
Os protagonistas são dois pássaros caladões, sócios de um escritório de contabilidade. Nem Seu Pinô, com tanta história absurda para contar, acreditaria que algo assim é possível.

Depressão e suicídios, os dramas das tribos no Estado




PABLO PEREIRA - 
Agência Estado

O Estado de S. Paulo - 29/10/2012
 
 Um dos principais tormentos das tribos guarani caiová em Mato Grosso do Sul é o suicídio de jo­vens. Agripino Silva, 23 anos, um rapaz da aldeia Ipo"y, acampamen­to de uma fazenda em Paranhos, perto da fronteira com o Paraguai, foi encontrado morto na madrugada do último sábado. A suspeita é que se trate de suicídio, confor­me os primeiros relatos da comu­nidade registrados na Funai.
"O caso está sendo investiga­do pela polícia", disse ontem a indigenista Juliana Mello Vieira, da Funai de Ponta Porã, que aten­de as comunidades daquela área. A indigenista explicou que a si­tuação de Ipo"yj á está mais avan­çada que a dos índios que ocu­pam Pyelito Kue, em Tacuru. De acordo com a Funai, vivem em Ipo"y cerca de 70 famílias, entre 300 e 400 pessoas.
Para um dos líderes da região, Apyka Rendju ("luz brilhante", em guarani), que já foi ameaçado de morte e não divulga seu nome em português, o caso parece ser mais um das centenas de suicídios que ocorrem entre os caio­vá. Segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), lembra o líder guarani, cerca de 1,5 mil índios já morreram desta forma no sul de MS em mais de uma década.
DEPRESSÃO 
De acordo com Apy­ka Rendju, são pessoas que en­tram em depressão e se matam. Ele criticou a demora da polícia no episódio. "O pessoal da comu­nidade se revoltou contra a demo­ra para a retirada do corpo", disse Apyka Rendju. "O corpo ficou lá durante todo o calorento dia de sábado", afirmou. Para ele, a on­da de suicídios na região, que já dura mais de uma década, se deve à situação difícil da condição indígena em contato com a colonização branca e a indefinição da questão fundiária. "É muito difí­cil para algumas pessoas aguenta­rem a situação", conta ele, que vi­ve em Caarapó, cidade vizinha de Dourados e Ponta Porã. Uma das causas imediatas, segundo líde­res indígenas, é o alcoolismo.
Até ontem à tarde, a polícia ain­da não sabia a causa da morte. A Funai aguarda o laudo do IML para avançar na investigação. Só depois de concluído o laudo o corpo será liberado para as ceri­mônias fúnebres.

Peça de Walcyr Carrasco sobre taxista homofóbico estreia em balada de SP


As informações estão atualizadas até a data acima. Sugerimos contatar o local para confirmar as informações

DE SÃO PAULO

O monólogo "Desamor", sobre um taxista homofóbico que faz michê com seus clientes, estreia no dia 16 de novembro na casa noturna Blue Space, na Barra Funda (centro de São Paulo). Antes disso, a peça tem pré-estreia na Satyrianas, na sexta (2/11), no Satyros 1, às 0h05.
Nelson Aguilar/Divulgação
Dionísio Neto caracterizado para o monólogo "Desamor", escrito por Walcyr Carrasco
Dionísio Neto caracterizado para o monólogo "Desamor", escrito por Walcyr Carrasco
Escrita por Walcyr Carrasco, conhecido por suas novelas, o espetáculo se passa em um bar em que um solitário taxista alcoolizado conversa com um cliente imaginário, relembrando o encontro que acabou de ocorrer entre os dois.
Baseado em um acontecimento real vivenciado pelo autor, o monólogo discute a religião, o homossexualismo e a família, e é encenado pelo ator Dionísio Neto, que já trabalhou com Walcyr Carrasco na novela "Morde e Assopra" (TV Globo) e no espetáculo "Seios".
A peça fica em cartaz às sextas, até 14 de dezembro. O ingresso custa R$ 20. A pré-estreia, no Satyros 1, é gratuita. Os ingressos serão distribuídos uma hora antes do espetáculo.
Desamor - Blue Space - r. Brig. Galvão, 723, Barra Funda, centro, São Paulo, SP. Tel.: 0/xx/11/3826-7157. Estreia: 16/11. Até 14/12. Ingr.: R$ 20.

Sonho de uma noite de primavera




Por Renato Janine Ribeiro
Hoje de manhã teve lugar a convenção do PT que indicou Fernando Haddad candidato a estas eleições presidenciais de 2022. O ex-governador nos recebeu minutos antes da plenária, enquanto dava o nó na gravata. Estamos concluindo um filme sobre a cidade de São Paulo, ele só teve essa janela em sua agenda e queremos ouvi-lo sobre sua primeira campanha eleitoral:
- Parece que foi ontem! diz, com sua voz rouca. Foi bonito. Quatro [filhos de] imigrantes disputando, dois oriundi e dois árabes... Parecia o mar Mediterrâneo. Foi um marco para São Paulo, por isso nem importa tanto quem ganhou, quem perdeu. Lembro o jantar que Russomanno preparou para o quarteto depois do segundo turno, todo de comida italiana - eu levei o babaganuch e o homus, Serra, os vinhos que conhecia do Chile, e o Chalita, esfihas inesquecíveis... Jogamos canastra, até dez mil pontos, carcamanos contra turcos, berrando como loucos.
A carreira política de Haddad fora irregular. Começou concorrendo a essa eleição, que teve várias reviravoltas, antes de um final inesperado, para a Prefeitura de São Paulo:
Carcamanos contra turcos, berrando como loucos
- E nunca antes na história do Brasil se viu isso, o vitorioso convidar os concorrentes para a posse e depois formar um conselho com eles e mais alguns ex-prefeitos da cidade, do Rio, de Curitiba... Melhor discutir com eles do que com vereadores, porque afinal um candidato precisa ter propostas, e alguns legisladores têm interesses muito locais, não têm visão do conjunto.
Baixa o tom de voz, fica íntimo, confidencial:
- Aprendi muito com esse conselho, porque antes eu só fui chefe, entendeu? Tive que lidar com iguais e superiores, dizem que isso reduziu uma arrogância e vaidade que eu nunca notei em mim, mas acho que saí disso um ser humano melhor, quem sabe, um político mais humano.
Depois, foi governador. Somando tudo, ganhara duas eleições e perdera duas. A voz embargada:
- Pena que Lula não pôde vir à convenção, mas está convalescendo e há de ficar bem.
O PT é detentor de um recorde na história do país, com dois presidentes sucessivos (o mesmo número que o PSDB), só que ambos reeleitos. A sociedade reduziu a miséria ao mínimo e se aproxima cada vez mais do sonho da ex-presidenta Dilma Rousseff: ser um país de classe média. Mas a Haddad cabe uma tarefa difícil, recuperar para o partido a Presidência perdida em 2018:
- Se conseguimos devolver à política paulista o respeito mútuo, o debate de propostas, por que não faremos isso na escala do Brasil?
Estamos rodando este filme há dez anos. Começamos em 25 de outubro de 2012, às vésperas de um segundo turno para a Prefeitura de São Paulo, quando entrevistamos José Serra; foi inevitável a conversa enveredar para o ano em que ele se elegeu presidente da República, sucedendo a FHC, ou seja, 1998:
- Não foi aprovada a reeleição para o Fernando [Henrique Cardoso], então o partido convergiu para o meu nome, com uma pequena ajuda minha (risos). E assumi no meio de uma crise braba, com os emergentes desabando. Foi a primeira vez que uma crise dessas foi resolvida sem derrubar a produção. Sempre me chamaram de desenvolvimentista, fiz jus ao nome. Segurei a moeda, mas não destruí a economia.
Perguntamos se sente mágoa porque não voltou à Presidência da República depois de seu único mandato:
- Bem, vocês leram "O economista e o presidente", a entrevista em que fiz o balanço de meu governo. Mas só consegui aprovar a reeleição no Congresso porque aceitei que não valesse para mim, apenas para meu sucessor. Isso, porque a oposição dizia que não era justo mudar as regras do jogo para beneficiar (imaginem só!) quem estava no poder. Foi a diferença entre meu projeto e o dos tempos do Fernando, que perdeu por pequeno número de votos. E me envolvi mesmo na discussão no Congresso, e consegui uma quase unanimidade. Mas com isso um único brasileiro ficava proibido de concorrer em 2002, e este brasileiro era o presidente da República. Salvei a economia, e fui punido.
Ele estava de saída para o Instituto José Serra, que trabalha em dobradinha com o iFHC, embora com vocações um pouco diferentes - o primeiro foca gestão, economia e saúde, enquanto o segundo prioriza a política, a cidadania, a educação. Os dois ex-presidentes tucanos almoçam juntos pelo menos uma vez por mês.
Enquanto dava a entrevista, bebia água aos poucos, hábito saudável que adquiriu quando ministro da Saúde:
- Como foi digerir a derrota para Lula em 2006?
- Bem que eu gostaria de concluir o que começamos. Mas é assim mesmo. A gente se esforça e outro colhe os louros.
Já no fim da entrevista, quando lhe perguntamos sobre sua decisão de concorrer agora à Prefeitura de São Paulo, eleição esta que perdeu duas vezes no passado:
- Termino por onde não comecei... É bonito ser prefeito da cidade em que a gente nasceu. Mas sabe, quero dizer uma coisa. Ser presidente é muito bom. Você realiza seus ideais. [Fernando] Collor não, está sempre irritado. Mas veja o Fernando [Henrique Cardoso], que sempre foi alegre, ficou ainda mais feliz. Mesmo Lula, que tanto tempo espumou de raiva, hoje é só sorrisos. E eu fiquei de bem com a vida. Qualquer resultado que obtenha, ninguém tira de mim o que fiz.
Uma risada envergonhada:
- O sucesso torna os homens bons. O sucesso, a glória... Todo mundo devia ser presidente da República por um tempo, é melhor do que análise, do que qualquer terapia.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras
E-mail: rjanine@usp.br



Leia mais em:
http://www.valor.com.br/eleicoes2012/2883818/sonho-de-uma-noite-de-primavera#ixzz2Ah7GTZ6S

Gigante abandonado


Primeiro arranha-céu da América Latina, edifício A Noite, no centro do Rio de Janeiro, aguarda reforma

Daniel Marenco/Folhapress
Fachada do edifício A Noite, comproteção para que o reboco não caia nos pedestres
Fachada do edifício A Noite, comproteção para que o reboco não caia nos pedestres
ITALO NOGUEIRA
DO RIO
Do terraço, se vê a cratera pela qual a Prefeitura do Rio realiza obras de revitalização da zona portuária. No 22º andar, fotos de Emilinha Borba, Cauby Peixoto e Luiz Gonzaga ainda adornam os corredores da Rádio Nacional. Mas uma tela de proteção esconde da rua o primeiro arranha-céu da América Latina.
Em posição privilegiada na região em obras, o edifício A Noite aguarda reforma há anos. A tela que o esconde compõe aparalixo (andaime de proteção) para evitar que reboco da fachada caia nos pedestres. Os corredores têm fiações expostas e piso solto.
O prédio, inaugurado em 1929, marcou a história da engenharia e do rádio no país, e a virada no crescimento urbano da cidade.
Projetado pelos arquitetos francês Joseph Gire e brasileiro Emilio Bahiana em estilo art déco -sob encomenda do jornal "A Noite", que instalou ali sua sede e lhe emprestou o nome-, o prédio foi o primeiro arranha-céu da América Latina. Foi superado anos depois pelo edifício Martinelli, em São Paulo.
O edifício está voltado para a baía de Guanabara, no coração urbano da zona portuária revitalizada. Em sua volta surgirão dois museus. A praça Mauá, à sua frente, se tornará um calçadão de 44 mil metros quadrados.
"Todo o esforço da prefeitura no processo de revitalização na região faz com que essas ambiências particulares ganhem nova vida. O MAR [Museu de Arte do Rio], o Museu do Amanhã, e a modernização do edifício A Noite permitirão que a praça Mauá retorne ao seu período de relevância", disse Washington Fajardo, presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, da prefeitura.
Três licitações para reforma do edifício já foram suspensas em 2012. De acordo com o INPI (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual), que administra o prédio, será lançado no primeiro semestre de 2013 novo edital para definir o "retrofit".
O atraso, diz o órgão, se deve a processo de tombamento no Iphan, que motivou alterações exigidas pela CGU (Controladoria Geral da União). O edifício já é preservado por decreto municipal.
A construção do prédio foi um marco na engenharia. Num cenário dominado por sobrados, a obra de 102 metros se tornou ponto turístico.
"Cada vez que colocavam uma laje, o pessoal festejava, batia palma", disse o artista plástico Roberto Cabot, bisneto de Gire que prepara livro sobre as obras do francês.
Erguido em concreto armado, formou engenheiros que depois atuariam na construção de prédios na cidade. O principal nome é Emílio Baumgart, que participaria anos depois da obra do Palácio Gustavo Capanema.
"Foi uma grande escola tecnológica para a cidade do Rio. [Descobrir] como levar água para os andares mais altos... Nosso sistema de abastecimento não tinha força suficiente para levar água numa caixa d'água naquela altura", afirmou o arquiteto e historiador Nireu Cavalcanti.
O edifício influenciou o Código de Obras na cidade. Com a sua conclusão, a segurança e viabilidade de edifícios altos foram aceitas, verticalizando as moradias.
O terraço se tornou um dos principais mirantes da cidade. Combinado com o movimento no porto, local de chegada de estrangeiros, fez a praça Mauá viver seu auge entre as décadas de 1930 e 1950.
O prédio também guarda a história do rádio do país. Nos últimos andares se instalou a Rádio Nacional.
"Os programas de Manoel Barcelos, Paulo Gracindo e Cesar de Alencar provocavam filas em volta do edifício. Todos ficavam encantados com a velocidade do elevador", contou o locutor Gerdal dos Santos, funcionário da rádio há quase 60 anos.
A decadência da praça Mauá na década de 70, em razão das atividades portuárias, arrastou o edifício. O novo projeto de revitalização da região, com investimento de R$ 8 bilhões, atraiu interesse do setor hoteleiro no prédio.
Mas o INPI afirma que a intenção é manter a ocupação atual do imóvel, com dois andares destinados à Rádio Nacional. O prédio está sendo esvaziado sob expectativa da reforma. A rádio desocupou seu espaço.
"É importante que [a reforma] não perca o 'timing' das transformações que acontecem ali", disse Fajardo.

Marcos Augusto Gonçalves


Da vila ao caos
Sou dos que pensam que as coisas estão melhorando; e também dos que sabem que ainda há situações inaceitáveis

Houve mais prefeitos nomeados em São Paulo do que eleitos. O primeiro a passar pelo crivo das urnas foi um pernambucano chamado Raimundo da Silva Duprat, o Barão de Duprat, em 1911.
"Crivo das urnas" é modo de dizer. Na República Velha as regras eleitorais eram machistas e elitistas. Votavam facultativamente homens alfabetizados com mais de 21 anos.
Os bons tempos duraram até que chegasse Getúlio Vargas, o analista de Bagé da modernização brasileira. Os Estados passaram a ser governados por interventores federais, que indicavam os prefeitos.
O primeiro paulistano da era Vargas foi Luís Inácio de Anhaia Melo. O mais célebre, porém, foi Prestes Maia, nomeado por Adhemar de Barros, em 1938. Era da faixa etária dos modernistas -tinha 26 anos em 1922 - e entrou para história como legendário urbanista e planejador da expansão de São Paulo.
Prestes Maia governou a cidade por sete anos e meio. Foi, desde os tempos do barão de Duprat, o prefeito que mais tempo exerceu o poder. Depois dele, o mais longevo -olha só - foi Gilberto Kassab.
A bem da verdade, é preciso lembrar que, antes de Duprat, o primeiro governante da cidade a receber o título de prefeito foi Antônio da Silva Prado. Começou indicado como intendente, em 1899, e deixou o cargo em 1911 -doze anos depois de assumi-lo.
Era filho do barão de Iguape, personagem que teria recebido dom Pedro 1º na vila de São Paulo logo depois do brado da Independência. Foi responsável por importantes transformações, numa época em que o poder da classe endinheirada coincidia perfeitamente com o poder político.
Membro de uma rica família de cafeicultores, que se expandiu para outros ramos, Silva Prado procurou dar à nascente metrópole do ouro verde um jeito de cidade civilizada. Fez obras de aterramento de várzeas, promoveu o embelezamento, ajardinou e planejou edificações importantes, como o Theatro Municipal, inaugurado em setembro de 1911, meses depois de ele ter deixado a função.
Hoje São Paulo é a maior e mais complexa das cidades brasileiras. Um verdadeiro país, que cresceu velozmente. Tem população equivalente à da Bolívia e PIB comparável ao de Israel. Embora a expansão demográfica e migratória desacelere, a cidade já está integrada a uma mancha urbana de proporções assustadoras, com 20 milhões de pessoas.
Sou dos que pensam que as coisas estão melhorando. E também dos que sabem que ainda sobrevivem situações inaceitáveis.
Tive a oportunidade de conhecer, há duas semanas, a comunidade Futuro Melhor, na favela do Peri Alto, na zona norte. É de chorar. Os barracos são de uma precariedade que já não se imagina, dependurados sobre as águas oleosas e imundas de um córrego onde lixo plástico e orgânico flutuam com odor repulsivo. Nas vielas, a vida vive. Crianças passam em brincadeiras. Uns mano olham enviesado. A doidona ameaça, mas fala manso. E a líder comunitária, ali, firmona.
Todos os "imóveis" da comunidade usam energia elétrica fornecida pela Gatopaulo. A água também é desviada dos canos subterrâneos - e circula por uma engenhosa e precária rede de mangueiras de plástico.
Eletrodomésticos não faltam. Máquinas de lavar, geladeiras, TVs de tela plana, anteninhas satélite e um funk rolando na vitrola sem parar. E aquela casa podre. E aquele entorno inaceitável.
Ontem elegemos um novo prefeito. Daqui a quatro anos vou lembrar de visitar o Futuro Melhor.

Grupo "caça" Plutão para proteger espaçonave

Grupo "caça" Plutão para proteger espaçonave

SALVADOR NOGUEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Em julho de 2015, a sonda americana New Horizons passará zunindo pelas proximidades de Plutão e suas luas. A trajetória coloca a espaçonave a grande proximidade do planeta anão, para maximizar a qualidade das observações científicas. Mas e se houver um erro de cálculo na posição exata do astro? Pode dar zebra?
Por incrível que pareça, apesar de Plutão ter sido descoberto no longínquo ano de 1930, e ter sido alvo constante de observações desde então, essa é uma possibilidade. "Nas efemérides [plutonianas] há uma falta de confiabilidade muito grande", explica Roberto Vieira Martins, astrônomo do Observatório Nacional, no Rio de Janeiro. "Isso porque ninguém costuma corrigir os dados em função da refração [causada pela atmosfera]."
Para preencher essa lacuna, Vieira Martins e seus colegas fazem sistematicamente um esforço de monitorar Plutão e tentar executar essa correção apropriada dos dados, de forma a dar mais confiança às estimativas de posição e distância do planeta anão.
Nasa/Divulgação
Concepção artística mostra a sonda americana New Horizons, com Plutão ao fundo
Concepção artística mostra a sonda americana New Horizons, com Plutão ao fundo
As medições são feitas nas ocasiões em que Plutão passa à frente de outra estrela mais distante. Ao acompanhar a variação de brilho e o sumiço temporário da estrela no céu, os pesquisadores conseguem dados importantes acerca da dinâmica do sistema plutoniano, que, além do planeta anão, inclui pelo menos quatro luas.
O trabalho, que até agora envolveu 151 noites de observação no Observatório Pico dos Dias, em Itajubá (MG), e mais 13 noites no telescópio de 2,2 metros do ESO (Observatório Europeu do Sul), compreendendo um período total de 17 anos, foi apresentado por Gustavo Benedetti-Rossi, também do ON, durante a 37ª Reunião Anual da Sociedade Astronômica Brasileira (SAB), em Águas de Lindoia (SP).
Monitorando com precisão e de forma sistemática possíveis interferências causadas pela atmosfera da Terra, ou mesmo interações entre Plutão e Caronte (a maior de suas luas), os pesquisadores brasileiros puderam "filtrar" os erros das observações, permitindo uma determinação mais precisa da posição do astro.
Além disso, os pesquisadores notaram uma possível (mas ainda não confirmada) variação periódica na posição de Plutão, que segue sem qualquer explicação. "Pode ser um efeito observacional [ou seja, algum erro que ainda não foi "filtrado" dos dados], pode ser um efeito real da dinâmica do sistema. Não sabemos", diz V
ieira Martins.
De toda forma, quanto mais consistente for o cálculo da posição de Plutão, mais segurança ele trará para a New Horizons. É fato que a Nasa ligará os sensores da nave quando ela estiver se aproximando, a fim de fazer quaisquer correções de curso de última hora.
Contudo, melhorar os dados da órbita do planeta anão ajuda a dar a certeza de que a ligação programada dos sistemas a bordo não aconteça num ponto do voo em que a correção desejada já seria inviável.

Quadrinhos



Julio e GINA

Felinos do faraó deixaram descendentes


Primeira análise de DNA de múmias de gatos mostra que animais modernos têm linhagens de seus ancestrais

Diversidade genética sugere que povo do Egito antigo foi o primeiro a produzir raças domésticas de gatos
Creative Commons
Uma das representações egípcias da deusa-felina Bastet
Uma das representações egípcias da deusa-felina Bastet


REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE "CIÊNCIA+SAÚDE"

As dinastias faraônicas que governaram o Egito por milhares de anos acabaram se extinguindo, mas o mesmo não se pode dizer de um personagem quase tão aristocrático do país do Nilo: o gato sagrado.
Ocorre que os felinos mumificados do Egito antigo deixaram descendentes na população moderna de bichanos do país, revela a primeira análise de DNA feita com múmias de gatos.
O estudo descrevendo a descoberta está na edição deste mês da revista especializada "Journal of Archaeological Science" e foi coordenado por Leslie Lyons, da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade da Califórnia em Davis.
Essa não é nem de longe a única incursão de Lyons no mundo felino. Ela participou da equipe responsável por clonar um gato doméstico pela primeira vez, em 2002.
MODELOS
Em conversa telefônica com a Folha, a pesquisadora explicou que ela e seus colegas se interessam por múltiplos aspectos da genética felina, em parte porque os bichos podem funcionar como bons modelos para doenças humanas, segundo Lyons.
No entanto, para mapear com precisão a história populacional e a variação genética dos bichanos é interessante entender como essa diversidade surgiu.
"No caso do Egito e do Oriente Médio como um todo, por exemplo, será que a diversidade atual é representativa da que existia há milhares de anos? Imaginávamos que isso era possível, mas migrações humanas poderiam muito bem ter trazido populações de outros locais."
Foi para tentar testar isso que ela e seus colegas se puseram a estudar múmias de gatos, que foram produzidas literalmente aos milhões a partir do chamado Período Tardio egípcio (entre os anos 664 a.C. e 322 a.C.).
A prática atingiu seu apogeu, contudo, nos séculos seguintes, quando o Egito foi dominado pelos macedônios e pelos romanos. "A casta sacerdotal egípcia perdeu poder e riqueza. Passou a usar a 'produção' de múmias felinas como uma espécie de indústria", explica Lyons.
Os antigos egípcios, no culto à Bastet ou Bast, sua deusa com cabeça de gato, ofereciam as pequenas múmias felinas como um presente à divindade.
MITOCÔNDRIA
O processo de mumificação dos gatos, embora preservasse a estrutura do corpo, acabou dificultando a vida de Lyons e seus colegas, porque atrapalhou a preservação do DNA. Os pesquisadores só conseguiram extrair material genético de três múmias felinas, a partir de ossos das patas e da mandíbula.
Esse DNA veio das mitocôndrias, as usinas de energia das células. Além de ser mais fácil de obter por estar presente em muitas cópias na célula, ele é útil para estudos genealógicos porque ajuda a traçar a linhagem materna (é transmitido apenas de mãe para filha ou filho).
A análise dessas sequências genéticas não deixou dúvidas: os gatos do Egito moderno ainda carregam linhagens de DNA mitocondrial presentes em seus ancestrais que viveram há 2.000 anos.
Mais importante ainda, para Lyons, a diversidade genética encontrada nos gatos egípcios antigos e modernos sugere que o povo dos faraós foi o primeiro a produzir raças domésticas de gatos.
Segundo ela, no entanto, é difícil dizer se eles foram os pioneiros na domesticação da espécie. "Nesse ponto, é difícil separar a diversidade do Oriente Médio como um todo da do Egito", afirma.

FOCO
Fósseis indicam que dinossauros ganharam penas para paquerar
DE SÃO PAULO
Pesquisadores do Museu de Paleontologia Royal Tyrrell e da Universidade de Calgary, no Canadá, podem ter achado uma pista crucial para explicar como as penas evoluíram. São fósseis de filhotes e adultos do dinossauro Ornithomimus edmontonicus, que lembrava vagamente um avestruz.
A análise dos espécimes, publicada na edição da semana passada da revista americana "Science", mostrou que tanto filhotes quanto adultos possuíam uma espécie de penugem pelo corpo.
No entanto, só os bichos maduros também apresentavam penas compridas com hastes rígidas, tal como a das aves modernas. A reconstrução ao lado mostra os animais nas duas fases da vida.
PAVÃO
Para os cientistas, liderados pela paleontóloga Darla Zelenitsky, isso sugere que as penas "completas" surgiram originalmente para funções ligadas à maturidade sexual, como a exibição de plumagem durante a "paquera" antes do acasalamento, por exemplo, já que esses animais eram grandes demais para voar.
O comportamento do ormitomimo lembra o do pavão, que exibe suas belas penas no ritual de acasalamento.
Só mais tarde as penas dos ancestrais dos pássaros teriam sido cooptadas para funções como o voo.
"A descoberta, a primeira a estabelecer a existência de penas em ornitomimos, sugere que todos os dinossauros parecidos com avestruzes tinham penas", de acordo com uma declaração do museu de Alberta, no Canadá.
Antes, pensava-se que esses dinossauros não tinham penas -e foi dessa maneira que eles apareceram no filme "Jurassic Park".
O achado foi obtido após análise de fósseis com cerca de 75 milhões de anos, encontrados em território canadense. É a primeira vez que fósseis de dinossauros com penas foram encontrados na América do Norte, de acordo com o museu. Anteriormente eles já haviam sido achados na China e na Alemanha.
Com agências internacionais



ENTREVISTA DA 2ª - ANTONIO DONATO


Haddad reaproximará PT da classe média na cidade, diz chefe da campanha
COTADO PARA ASSUMIR A SECRETARIA DE GOVERNO, VEREADOR AFIRMA QUE PARTIDO NÃO ERROU AO FAZER ALIANÇA COM MALUF

BERNARDO MELLO FRANCO
DE SÃO PAULO

Coordenador da campanha de Fernando Haddad, o presidente municipal do PT, vereador Antonio Donato, diz que o prefeito eleito buscará manter mais diálogo com a classe média do que as gestões anteriores do partido em São Paulo.
Os petistas já governaram a cidade duas vezes, com Luiza Erundina (1989-92) e Marta Suplicy (2001-04). Ambas deixaram o poder sem eleger o sucessor.
Cotado para assumir a Secretaria de Governo, Donato diz que Haddad dedicará atenção especial à periferia, mas sem voltar as costas à região central, que concentra os eleitores mais ricos.
Ele defende a aliança com o ex-prefeito Paulo Maluf (PP), que é procurado pela Interpol e corre risco de ser preso se deixar o país, e afirma que a vitória do estreante Haddad não foi um fenômeno de marketing.
Folha - O que a eleição de Haddad representa para o PT?
Antonio Donato - É muito importante ganhar na maior cidade do país. Os governos Lula e Dilma já permitiram ao partido superar alguns preconceitos e reatar o diálogo com setores que tinham se afastado.
A crise do mensalão ajudou a afastar a classe média do PT, mas em São Paulo isso já vinha acontecendo antes. Sem dúvida, o perfil de Haddad vai ajudar na tarefa de reaproximação.
Qual será a diferença do novo governo para as gestões petistas de Marta e Erundina?
Vamos ter traços de continuidade e de superação. De continuidade, a forte presença de políticas sociais. De superação, uma visão mais consolidada do futuro da cidade e do seu desenvolvimento.
Isso está expresso no projeto do Arco do Futuro, que prevê uma reorganização da cidade rompendo com o paradigma de Prestes Maia [que concentrou as atividades econômicas no centro].
As outras gestões do PT desprezaram a necessidade de planejar o futuro?
Não. É um processo de maturação. Nós governamos em duas situações difíceis socialmente. Marta e Erundina enfrentaram cenários de recessão e estagnação econômica.
Pela primeira vez, vamos governar com os mais pobres melhorando de vida. É preciso continuar com as políticas sociais, mas também precisamos ter uma visão global da cidade, do seu futuro e dos desafios como metrópole mundial.
Marta e Erundina tiveram problemas com a classe média, concentrada na região central. O que essa área da cidade pode esperar do governo de Fernando Haddad?
Uma postura de quem quer unir a cidade. Haddad vai cuidar dos mais pobres, mas com a preocupação de ter uma cidade democrática, em diálogo com todos.
Queremos uma prefeitura que se preocupe com o meio ambiente e tenha cuidado com os bairros centrais.
Haddad não será um prefeito que dará as costas para o centro da cidade.
Qual é o impacto nacional da eleição paulistana?
Nossa vitória tem consequências políticas porque o candidato derrotado é o principal líder da oposição.
Mas o governo não será pautado pela disputa de 2014. Isso foi um recado do eleitor. Ele quer um prefeito 100% voltado para a cidade.
A derrota encerra a carreira política de Serra?
Em política é perigoso ser tão definitivo, mas é evidente que ele sai muito enfraquecido. O PT está fazendo um esforço de renovação geracional, e o PSDB não foi capaz de perceber que também precisava fazer isso.
Se o candidato tucano fosse outro, seria mais difícil?
É difícil falar em hipótese. Havia muito desgaste da gestão Kassab, da qual o PSDB fez parte, e isso não seria apagado com outro candidato. Por outro lado, ficou patente um cansaço do eleitor com a figura de Serra.
Disseram que o Geraldo Alckmin estava acabado quando perdeu a eleição para prefeito em 2008, e ele virou governador. É precipitado dar uma sentença definitiva. Hoje, 70 anos [idade de Serra] não é o fim da vida.
O que explica a vitória de Haddad?
O determinante foi a vontade de mudança diante de uma administração municipal muito mal avaliada.
O PT teve sensibilidade para escolher um nome que expressou bem este sentimento da cidade.
Kassab quase apoiou Haddad, com aval de Lula. Isso teria impedido a vitória?
O que elegeu Haddad foi o discurso de mudança. Isso não seria possível com o Kassab ao lado.
O PSD do prefeito deve aderir formalmente ao governo da presidente Dilma. Ele também pode apoiar o governo Haddad em São Paulo?
Na Câmara, não teremos nenhum problema em fazer aliança com o PSD. Se eles estiverem na base do governo Dilma e vierem se aliar a um programa de mudança, quem terá que se explicar são eles, não nós. Não vamos vetar apoios.
Qual foi o momento mais difícil da campanha?
O fim do primeiro turno. A campanha foi montada para um embate com o Serra. Quando vimos, havia duas eleições acontecendo. Na propaganda, era Haddad e Serra. Na vida real do povo, na periferia, era Haddad e Celso Russomanno. Ele era uma trava que nos impedia de crescer com nosso eleitor.
A decisão [de atacar o candidato do PRB] era difícil porque incluía muitos riscos. Se a gente errasse a abordagem, o Serra se fortaleceria.
O sr. e o PT se arrependem do acordo com Maluf?
Era uma aliança necessária. Nosso sistema político tem suas contradições, mas é nele que nós estamos. O PP está na base do governo federal, tem um ministério e não podia nos apoiar em São Paulo?
Tínhamos um candidato novo, que precisava de tempo de TV. A figura do Maluf não estaria presente na campanha. E não esteve.
A foto de Haddad e Lula abraçados a ele vai entrar para a história.
É, mas não foi decisiva para a eleição.
A aliança levou Erundina a desistir de ser vice de Haddad. Ela fez falta?
Ela fez campanha do seu jeito. Nós não tínhamos condições de voltar atrás [com Maluf]. E nem queríamos.
Como foi chefiar a campanha de um estreante que tinha vergonha até de cumprimentar eleitores na rua?
Haddad cresceu muito ao longo da campanha. Ao mesmo tempo em que se mostrou preparado, ele foi pegando traquejo e conseguiu se aproximar do eleitor mais pobre.
Ele é muito disciplinado, sempre se empenhou muito. É evidente que estava num mundo que não era dele, que ele nunca frequentou [nas visitas à periferia].
A ligação com a população mais pobre foi construída quando ele abandonou a postura fria de pesquisador e deixou o coração falar mais.
A eleição de alguém com esse perfil mostra que o marketing pode transformar qualquer pessoa num candidato competitivo?
Haddad não foi um produto de marketing. O primeiro programa de TV expressou o que ele falava há um ano: o Brasil mudou da porta de casa para dentro, mas a vida do povo não melhorou da porta para fora.
O marketing deu a forma, mas o conteúdo era dele.

FRASES
"Nossa vitória tem consequências políticas porque o candidato derrotado é o principal líder da oposição"
"Em política é perigoso ser tão definitivo, mas é evidente que ele [Serra] sai muito enfraquecido. O PT está fazendo um esforço de renovação geracional, e o PSDB não foi capaz de perceber que precisava fazer isso"


RAIO-X - ANTONIO DONATO
IDADE
52 anos
QUEM É
Vereador e presidente do diretório municipal do PT em São Paulo, coordenou a campanha de Fernando Haddad à prefeitura
TRAJETÓRIA
Secretário das subprefeituras durante a gestão Marta Suplicy (2001-2004). Em 2012, foi o 13º vereador mais votado na capital paulista, com 47.039 votos


PAINEL


VERA MAGALHÃES - 



Primeiros passos

Fernando Haddad encomendou a assessores que devem atuar na transição diagnóstico técnico, jurídico e orçamentário para dar a largada a medidas emblemáticas de seu programa de governo já nos primeiros cem dias de mandato. A ideia do petista é delinear a ruptura de um ciclo, sinalizando ao eleitor providências imediatas quanto ao fim da taxa da inspeção veicular, a implantação dos 31 centros de saúde da Rede Hora Certa e a adoção do Bilhete Único Mensal.


Maioria Disposto a cooperar politicamente com Haddad, Gilberto Kassab contabiliza, em relatos a aliados, que o futuro prefeito deverá contar com o apoio de 28 a 30 dos 55 vereadores. A matemática inclui o bloco liderado pelo atual prefeito, formado por PSD, PSB, PV e PP.
Lá... Ocupando a vaga de Marta Suplicy, Antonio Carlos Rodrigues (PR) diz a interlocutores que quer permanecer no Senado, desencorajando tratativas para a presidência da Câmara paulistana.
... e cá A volta de Rodrigues a São Paulo levaria ao Senado o petista Paulo Frateschi. Se ficar em Brasília, sua cadeira de vereador será herdada pelo ex-comandante da PM Álvaro Camilo (PSD).
Terapia... Aliados de José Serra lamentavam ontem, no QG tucano, o tempo gasto na mobilização de evangélicos contra o kit anti-homofobia do MEC na gestão Haddad e o adiamento da divulgação do programa de governo.
... de grupo Lembravam que os dois temas mais relevantes da reta final -parcerias na saúde e a ampliação do Bilhete Único- só surgiram após tardio cotejo dos planos de Serra e Haddad.
Alta ansiedade Roberto Cláudio (PSB), eleito em Fortaleza após disputa acirrada, disse ter engordado na campanha. Ouviu de um aliado que o pior está por vir: a transição nada amistosa com a prefeita Luizianne Lins (PT).
Day after Guido Mantega convocou os governadores para uma reunião na quinta-feira, em Brasília. Na pauta, temas polêmicos de interesse dos Estados, como a divisão de royalties do pré-sal e a nova regulamentação do Fundo de Participação dos Estados.
Tudo dominado O diagnóstico feito por Lula e Dilma ontem, em conversa após a vitória de Haddad, é que o PSDB foi dizimado no Sul e no Sudeste. Citaram, além de São Paulo, Vitória como uma das principais derrotas dos tucanos. Avaliaram que o PSB de Eduardo Campos conquistou terreno da oposição.
Nem tudo Já Aécio Neves lista as vitórias de Arthur Virgílio (PSDB) em Manaus e de ACM Neto (DEM) em Salvador para relativizar o triunfo de Lula e Dilma. "Não há esse messianismo. Onde foram mais agressivos, perderam."
Aceno Aécio afirma que Serra terá peso na definição dos rumos dos tucanos. "Ele foi candidato porque o partido insistiu muito, contra sua vontade. Fez um sacrifício pessoal e sempre será ouvido e reconhecido no PSDB."
Vitrine Eduardo Campos, por sua vez, destaca a vitória do PSB em Campinas. "Abre a perspectiva de crescimento em São Paulo, vital para qualquer partido com aspiração nacional."
Parabéns O governador de Pernambuco telefonou para Lula no sábado para cumprimentá-lo pelo aniversário. Numa conversa rápida, ficaram de se encontrar para falar sobre política.
Petit comité Apesar de ter ficado fora da foto oficial, o ex-ministro Antonio Palocci estava entre os poucos convidados (entre eles Dilma) da festa de aniversário de Lula na sexta, em São Bernardo.

TIROTEIO
"O PT acha que manda nas camadas mais humildes. Mas a vitória de ACM Neto em Salvador mostrou que a pobreza sabe pensar."

CONTRAPONTO
Ouvido atento
Depois de votar, ontem, José Serra saía do colégio Santa Cruz com os netos Antonio, 9 anos, e Gabriela, 5 anos. A menina, ao avistar Gilberto Kassab, perguntou:
-O Kassab vai ser prefeito?
Seu irmão foi rápido na intervenção:
-Não, ele já é prefeito. Agora vai ser governador...
Antes que Geraldo Alckmin, também presente, se constrangesse, o neto de Serra emendou:
-É que o Alckmin vai ser presidente.
O vereador Floriano Pesaro brincou:
-Criança é assim: ouve os adultos e fala a verdade.

TENDÊNCIAS/DEBATES


HUGO POSSOLO


O ASSUNTO DE HOJE: PROPOSTAS PARA AS PRÓXIMAS ELEIÇÕES

Que contem os nulos

Votar nulo é protestar de modo civilizado. Tais votos têm de ser contados. Se maioria, façamos uma eleição nova e diferente. Hoje, sai favorecido o voto útil

Eu voto nulo há muito tempo. Mas me sinto desrespeitado em minha cidadania, já que meu voto é igualado ao voto em branco. Nas lições mais primárias de democracia, o voto nulo é um protesto, e o voto branco significa aceitação do resultado.
Ao não contabilizar o voto nulo, o Estado está me indicando que não posso protestar civilizadamente por meio da eleição. Ou seja, teria que fazê-lo de outra forma. Qual? Não quero pegar em armas ou atravessar lugares públicos pelado para chamar a atenção...
A história está carregada exemplos onde se procurou anular a eleição pela vitória dos votos nulos. Se os votos nulos forem contados e formarem maioria, significa a convocação de novas eleições ou até um processo eleitoral diferente do anterior.
Podem dizer que é pouco provável, mas temos de ter essa possibilidade para que a democracia fique perto de ser realmente plena. É fato que não acredito que tal situação vá acontecer, mas tenho de tentar.
A obrigatoriedade do voto, outra anomalia brasileira, impõe decisões levianas a muitos que não querem participar do processo eleitoral ou não são conscientes do valor de seu gesto na urna. Não à toa, há quem escolha o personagem mais esdrúxulo do momento para votar, como se fosse um protesto.
Esses eleitores merecem, claro, o mesmo respeito republicano que os outros cidadãos. Mas um direito não pode ser uma obrigação.
Pesquisas e análises da imprensa e de especialistas, na maioria, ignoram a grande quantidade de pessoas que até às vésperas da eleição não sabem ou não querem escolher entre os candidatos. Números que, somados, muitas vezes ultrapassam 20% do eleitorado. Muito mais que alguns candidatos almejariam.
Por mais contraditório e absurdo que possa parecer, muitas vezes são os indecisos que decidem uma eleição. Especialmente quando ela é polarizada em duas opções, como acontece no segundo turno.
Com o voto nulo contabilizado, uma terceira possibilidade se abre, tirando o clima violento de torcida organizada que vem favorecendo o maniqueísta voto útil.
Não faço campanha para que votem nulo, mas quero meu direito de marcar posição. Quem sabe no futuro, com o voto nulo fazendo parte do jogo democrático, eu me empenhe numa campanha assim. O voto nulo não custaria aos cofres públicos, sua campanha não lesaria o bolso do povo como fazem os partidos ao receber os fundos públicos a cada eleição.
No horário gratuito, não há ideias, apenas publicidade de candidatos maquiados pelos marqueteiros, que encaram o eleitor como consumidor. Ignorar brancos e nulos na contabilidade dos votos válidos é autoritário ao ignorar aqueles que discordam disso. Por hora, o voto nulo é um faz-de-conta: ele é permitido, mas não significa nada.
Tudo bem que a urna eletrônica não permite mais escrever frases de efeito, piadas ou palavrões como sinal de revolta. Mas quem não tem vontade de soltar um palavrão diante da maneira como é conduzida a política em nosso país?
HUGO POSSOLO, 50, é palhaço, dramaturgo e diretor do grupo teatral Parlapatões. É autor dos livros "Palhaço-Bomba" (Parlapatões) e "Excêntrico" (Giostri)



MARCO ANTONIO RAMOS DE ALMEIDA

TENDÊNCIAS/DEBATES

O ASSUNTO DE HOJE: PROPOSTAS PARA AS PRÓXIMAS ELEIÇÕES

Nossos vereadores sem representatividade
Os eleitos tiveram só 33,6% dos votos, se somados. No Brasil, o cidadão vota em um vereador e acaba elegendo outro. É preciso adotar logo o sistema distrital
É comum o cidadão ser acusado de não se lembrar do vereador ou deputado no qual votou na última eleição. Mas isso não é culpa do cidadão. É que, normalmente, a imensa maioria do eleitorado vota em candidatos que não são eleitos. Foi o que mais uma vez aconteceu na eleição do dia 7 de outubro último.
Em São Paulo, 1.167 candidatos que disputavam uma das 55 vagas na Câmara Municipal.
Os 55 vereadores eleitos obtiveram juntos, exatos 2.367.187 votos -33,6% do total dos votos computados. Ou seja, 4.659.261 eleitores -ou seja, 66,3% dos que votaram, excluindo as abstenções- não votaram diretamente em nenhum dos eleitos.
Além disso, 67 candidatos não eleitos tiveram, cada um deles, mais votos que o candidato eleito menos votado (que teve apenas 8.722 votos).
Esses números demonstram a absoluta incongruência do atual sistema adotado no Brasil para a eleição de vereadores e deputados -o sistema proporcional.
Por ele, conta-se os votos que cada partido teve ao todo. A partir disso, determina-se quantas cadeiras aquele partido vai ocupar. O número mínimo de votos que o partido precisa ter para ocupar uma vaga é chamado de quociente eleitoral. São considerados eleitos os mais votados da coligação ou partido.
Dos eleitos nesta última eleição, só três -os candidatos Roberto Tripoli (PV), Andrea Matarazzo (PSDB) e Goulart (PSD)- atingiram, individualmente, o quociente eleitoral.
Isso acontece porque, nesse sistema, a imensa maioria dos eleitores vota num candidato, mas elege outro, ainda que da mesma coligação. Os adversários de um candidato não são os candidatos dos outros partidos, mas sim seus companheiros de legenda, que ele precisa superar para ganhar sua vaga.
Como o cidadão vota em um e elege outro, os eleitores não têm vínculos com os eleitos e vice-versa.
Além disso, é impossível que o eleitor consiga sequer saber quem são os mais de mil candidatos para poder, dentre eles, escolher aquele para o qual vai para dar seu voto.
Em contraponto a esse sistema, há o sistema distrital, adotado na imensa maioria das democracias.
No caso de São Paulo, pelo sistema distrital a cidade seria dividida em 55 distritos eleitorais, com aproximadamente 160 mil eleitores cada. Cada partido ou coligação indicaria um único candidato por distrito. Os eleitores de cada distrito escolheriam seu representante (vereador) dentre poucos candidatos, que teriam a oportunidade de discutir seus planos e ideias com a comunidade local. Inclusive poderiam ser promovidos debates entre os candidatos de um mesmo distrito.
Seria eleito o candidato mais votado do distrito. Alguns países adotam inclusive o segundo turno para eleições legislativas, quando o candidato mais votado não supera a marca de 50% dos votos.
Para os candidatos, a campanha eleitoral seria muito mais focada, pois, em vez de trabalhar com um conjunto teórico de quase 9 milhões de eleitores, trabalhariam com um conjunto real de cerca de 160 mil, agrupados numa mesma região.
Uma vez eleito, o vereador passa a ser o vereador de toda a comunidade do seu distrito. E é à comunidade do seu distrito que o vereador tem de prestar contas de sua atuação. E é dele que a comunidade do distrito tem de cobrar atitudes e votos no Legislativo municipal.
Isso também evitaria, ou pelo menos minimizaria, a preocupante tendência, que cada vez mais se observa, de vereadores representarem setores específicos e corporativos como igrejas, categorias profissionais, clubes de futebol, perueiros e outros setores organizados, em detrimento do interesse coletivo.
Mais simples e compreensível, menos susceptível ao poder econômico, mais fácil para o eleitor controlar a atuação dos eleitos. Talvez por isso não seja o adotado entre nós.
MARCO ANTONIO RAMOS DE ALMEIDA, 67, é superintendente da Associação Viva o Centro
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

AÉCIO NEVES


Após as eleições
Acabado o segundo turno das eleições, é hora de os partidos e seus líderes se esforçarem para dar significado político ao resultado das urnas.
Teima-se em usar a lógica das eleições locais, ignorando suas circunstâncias próprias, como viés determinante para projetar o futuro. Assim, busca-se ajustar os resultados às conveniências do momento, daqueles que venceram ou sucumbiram ao voto popular.
A contabilidade mais importante, a que interessa, porém, é outra. Passadas a euforia e as comemorações, os novos prefeitos vão ter que se haver com uma dura realidade: o enfraquecimento continuado das nossas cidades -cada vez mais pobres em capacidade financeira e, por consequência, sem autonomia política.
Os novos administradores terão que governar com arrecadações e transferências de recursos em queda e responsabilidade administrativa cada vez maior, sem a necessária contrapartida financeira. Obrigatoriamente, serão instados pela realidade a esquecerem a briga política e os palanques para buscar parcerias e fazer funcionar uma inventividade gerencial, a fim de cumprirem os compromissos assumidos com os eleitores.
Lembro que a Constituição de 1988 tratou da distribuição de recursos entre os diferentes entes federados de acordo com suas obrigações e deveres com a população. Movia os constituintes a lúcida percepção de que não pode existir país forte com Estados e municípios fracos e dependentes, de pires na mão. Um crônico centralismo redivivo aos poucos permeou governos de diferentes matizes e se exacerbou agora, incumbindo-se de desconstruir a obra federativa criada naquele momento histórico, de revisão constitucional.
Fato é que, hoje, do total arrecadado no país, mais da metade fica nos cofres federais. Os Estados e os mais de 5.000 municípios brasileiros têm que sobreviver com percentuais muito inferiores, incluídas as transferências obrigatórias. Cada vez menos a União participa com recursos e responsabilidades das principais políticas públicas nacionais. Basta fazer as contas: nas principais áreas, a presença federal é minoritária, quando não decrescente.
A consequência, óbvia, consta de recente estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro: 83% dos municípios brasileiros simplesmente não conseguem se sustentar.
Impassível diante dessa realidade, o governo central ignora Estados e municípios como parceiros e poderosas alavancas para a produção de um crescimento diferenciado, descentralizado, mais inclusivo e também mais democrático, fundamental neste momento de crise, em que as fórmulas tradicionais estão esgotadas e fechamos o ano na lanterna dos países emergentes.
AÉCIO NEVES escreve às segundas-feiras neste espaço.

RUY CASTRO


Neurônios demais

RIO DE JANEIRO - Pesquisa de cientistas brasileiros, divulgada internacionalmente, comprovou que o cérebro humano só se diferenciou do dos outros primatas quando o homem aprendeu a cozinhar. Mas, atenção -não significa que você tenha um cérebro superior ao dos seus amigos apenas porque às vezes cozinha um macarrão para eles no seu apartamento.
A pesquisa se refere ao princípio do uso do fogo pelo homem, entre 600 mil e um milhão de anos atrás. Naqueles tempos pré-internet, uma novidade levava séculos para viajar de uma caverna a outra, mas o fogo foi algo tão espetacular que se disseminou como um viral. Os alimentos cozidos, mais fáceis de mastigar e digerir, permitiram maior absorção de calorias, levando ao aumento da massa encefálica e do número de neurônios do cidadão. Ato contínuo, ele desceu da árvore e começou a ler Kierkegaard. Bem, deu no que deu.
A ideia é a de que, enquanto passava a folhas, sementes, raízes e outros alimentos hoje preconizados pelos naturebas, o homem não consumia calorias suficientes para uma produção decente de neurônios. Além disso, o esforço de mastigação requerido por aquela dieta crua fazia com que não tivesse tempo para mais nada. O cozimento dos alimentos deu-lhe horas livres, que ele usou para desenvolver sua vida social -como sair para almoçar com a turma, do que resultaram ainda mais neurônios.
De repente, o homem se viu até com mais neurônios do que precisava -86 bilhões, pela última contagem. E, de certa forma, até hoje é assim, razão pela qual as pessoas se dedicam a apagar alguns milhões de uma sentada, tomando porres, queimando fumo ou lendo "Crepúsculo".
Os orangotangos e os gorilas, ex-colegas de turma do homem, continuaram com a sua dieta básica e ficaram para trás, repetindo ano. Mas, na sua modéstia, não estão se queixando.

MELCHIADES FILHO


Velhos hábitos

BRASÍLIA - Lula saiu inteiro, se não fortalecido, da eleição que procurou, achou e consagrou o novo.
A humilhação sofrida em Recife, a falta de pernas em Salvador, o vexame em Teresina, a anemia em Porto Alegre, o despejo em Fortaleza e Diadema, a pulverização recorde do voto entre partidos: o ex-presidente recebeu múltiplos recados de que o eleitor não tem dono e de que nem todo "poste" ilumina.
Mas Lula viu e ajudou o PT a consolidar sua cobertura nacional. A sigla foi a única que cresceu em todas as regiões, nos pequenos e grandes municípios. Não deixou de colher vitórias em capitais também, casos de Goiânia, João Pessoa e Rio Branco, além da "barriga de aluguel" em Curitiba. E houve o extraordinário triunfo em São Paulo, desde sempre a prioridade zero.
A eleição de Fernando Haddad, aliada ao triunfo petista em outras prefeituras paulistas importantes, não apenas tira Lula da sombra de Dilma, mas o garante no comando, de fato, do partido no pós-eleição.
É Lula quem vai definir se o Planalto repactuará de imediato ou deixará em modo de espera as relações com o governador Eduardo Campos (PSB-PE), outro vencedor de 2012.
Se Dilma montará um cerco a Aécio Neves, agora o tucano a ser abatido. Se o senador Lindbergh Farias romperá o pacto com o PMDB fluminense e se lançará num voo solo em 2014. Qual será o quinhão do neoparceiro Gilberto Kassab (PSD). E quem será o candidato do PT ao governo de São Paulo, fronteira final do projeto hegemonista do partido -um calouro como Dilma e Haddad (Alexandre Padilha), um sobrevivente (Aloizio Mercadante) ou o veterano supremo (ele próprio, Lula).
É para proteger esse líder redivivo da mácula e dos desdobramentos do mensalão que o PT começa hoje mesmo a tentar empastelar as condenações, com atos de rua, abaixo-assinados e ataques coordenados à imprensa e ao Judiciário.
melchiades.filho@grupofolha.com.br

Vinicius Mota


SP, 35 graus

SÃO PAULO - Este domingo foi o dia mais quente do ano na capital paulista. Em plena primavera, mais de 35 graus. Foi-se o tempo em que um Mário de Andrade podia brincar com as inconstâncias e as surpresas do clima na cidade. Quase sempre faz calor, muito calor.
Quase sempre a chapa esquenta, como se diz, para quem se aventura a conduzir a cidade. São Paulo queima currículos políticos. Vota pela mudança na prefeitura. Quase sempre.
A eleição de ontem não fugiu à regra. A maioria negou às forças que compuseram a administração Kassab mais quatro anos na prefeitura. Assume Fernando Haddad, o "homem novo" do velho PT.
Ganhar é um grande trunfo, decerto, para Haddad, para Lula -que repetiu o feito de inventar um candidato e derrotar José Serra- e para os petistas. Mas governar esta metrópole é uma tarefa da qual poucos saíram maiores do que entraram.
Luiza Erundina e Marta Suplicy que o digam. As duas tentaram reeleger-se prefeitas depois de terem passado quatro anos na administração da capital. Fracassaram.
Com Erundina, um PT ainda selvagem multiplicou as arestas e as frentes de combate sem ter divisões para tanto. Na versão mais adocicada, com Marta, operou pela primeira vez a inversão que depois marcaria suas votações na capital. Tornou-se a legenda preferida nas populosas e mal assistidas periferias da cidade.
Agora, um discurso se unifica no partido. Da presidente Dilma Rousseff aos vereadores no entorno de Haddad, a palavra de ordem é "conquistar a classe média", seja lá o que se entenda por classe média.
Mas como operar na prática essa distensão com o eleitorado, também populoso, que habita o centro expandido de São Paulo? Eis o enigma que Haddad terá quatro anos para decifrar, se pretende sobreviver àquela que talvez seja a maior prova de fogo da política brasileira -governar a capital paulista.
vinimota@uol.com.br

EDITORIAL



editoriais@uol.com.br

Mudança, de novo

São Paulo volta a optar pela troca das forças no comando da cidade; estrangulamento financeiro impõe a Haddad renegociar dívida municipal
Entre manter ou trocar a aliança de partidos que governa a cidade desde 2005, a maioria do eleitorado paulistano decidiu pela segunda opção. Fernando Haddad, do PT, jejuno em eleições até este ano, debutará como chefe do Executivo à frente da maior e mais complexa metrópole da América do Sul.
Não é de hoje que o eleitorado da capital rejeita as forças no poder. Dos oito pleitos desde 1985, quando adotaram-se as votações diretas para prefeito, a situação prevaleceu em apenas dois -a eleição de Celso Pitta (apoiado por Paulo Maluf), em 1996, e a recondução de Gilberto Kassab, em 2008.
Nesses dois casos excepcionais, a economia nacional havia crescido acima de 4% ao ano, em média, ao longo do mandato anterior. Os outros seis governos não contaram com ambiente tão favorável e acabaram sucedidos por opositores.
O prefeito de São Paulo, obviamente, não interfere em ciclos econômicos nacionais. Sofre, entretanto, efeitos das recaídas do PIB.
A cidade quebrou em meados dos anos 1990. Quando os cofres municipais foram resgatados pela União em 2000, o acordo estrangulou sua capacidade de investir.
O caixa se esvai com a obrigação de repassar 13% da receita disponível ao Tesouro Nacional, a título de saldar o custo do socorro. A dívida, cujo montante supera um Orçamento anual, inviabiliza tomar recursos para investimentos. Ela é determinante para o sucesso ou o fracasso da administração.
Daí a premência, para o prefeito eleito e para a cidade, da renegociação dos termos do acordo financeiro com a União. A taxa de correção vigente nesse contrato, que tem chegado a 17% ao ano, foge à realidade de um país que derrubou os juros básicos.
É preciso abater os repasses anuais e o montante da dívida, a fim de recuperar margem para investir, prioritariamente, na sobrecarregada infraestrutura urbana -em especial a rede de transportes, corredores de ônibus à frente- e na habitação popular -cujos padrões precários conflitam com os ganhos no poder de consumo dos trabalhadores nos últimos anos.
Nem tudo se resume à disponibilidade de recursos estatais, entretanto. A prefeitura, com ajuda da Câmara Municipal, tem poder de intervenção na cidade maior que o seu Orçamento, mesmo menos engessado, seria capaz de propiciar.
Enquanto a prefeitura luta para investir R$ 6 bilhões ao ano, o mercado imobiliário movimenta R$ 15 bilhões só em unidades novas. O setor privado constrói a cidade de fato, como seria de esperar, mas pode fazê-lo de modo mais vantajoso para o interesse público.
Será o caso de manter a permissão para vagas de garagem em edificações novas nas localidades bem servidas por transporte coletivo? Que contrapartidas urbanísticas exigir de empreendimentos que atraem multidões de usuários?
Em que regiões se devem incentivar desenvolvimento e construção? Onde e sob que critérios favorecer a instalação de empresas?
É melhor permitir que as torres fiquem mais altas ou que a cidade se espraie? Como assegurar que o boom imobiliário também beneficie famílias mais pobres?
São exemplos de intervenções na alçada da municipalidade que conformarão investimentos multibilionários. Prevista para começar até o fim deste ano, a revisão do Plano Diretor -lei que orienta o desenvolvimento urbano por mais de uma década- ganha contornos de "constituinte" paulistana.
Parcerias com a sociedade em outras áreas também podem ajudar o futuro prefeito a contornar a inelasticidade de recursos e a baixa eficiência da máquina pública. Este é o caso da saúde e da educação, setores em que as administrações petistas têm dificuldade de resguardar o interesse público do assédio corporativista e sindical.
Melhorar a débil fiscalização das organizações sociais que administram unidades municipais de saúde é o caminho, sem dúvida, para legitimar o modelo e afastar desse segmento grupos incompetentes ou mal-intencionados. Mas voltar ao esquema estatal seria um retrocesso a prejudicar, em primeiro lugar, os usuários desses serviços.
No ensino, a desaceleração da demanda por vagas no nível fundamental -em razão da queda na fecundidade das mulheres- abre espaço para incrementar a qualidade. Como um mínimo de 31% do Orçamento precisa ser destinado à educação, haverá cada vez mais dinheiro por aluno matriculado.
Aumentar a carga horária efetiva -sobretudo em português e matemática- é um meio reconhecido de diminuir a desigualdade de oportunidades entre pobres e ricos.
Se fosse um país, a capital paulista seria o sexto mais populoso da América do Sul. Seus problemas e oportunidades, sem dúvida, se comparam aos de uma nação.
"Sic transit gloria mundi" (assim passa a glória do mundo). O famoso aviso aos papas católicos recém-empossados serve como alerta e desafio ao eleito Fernando Haddad. Que faça um bom governo.