terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Cinza é e cor mais quente - Mariana Peixoto

Cinza é e cor mais quente 

  A crítica pode chiar, os polemistas de plantão podem reclamar, mas o açucarado romance sadomasô Cinquenta tons de cinza não sai da ordem do dia. Menos de uma semana após sua estreia, o filme já arrecadou US$ 240 milhões %u2013 US$ 81,7 milhões nos Estados Unidos e US$ 158 milhões no resto do mundo. Isso é apenas a metade do que preveem analistas de mercado, que acreditam que o filme possa atingir US$ 500 milhões. A produção custou %u201Capenas%u201D US$ 40 milhões, vale lembrar. Acompanhe abaixo como as fantasias de uma dona de casa de meia-idade britânica viraram a cabeça de meio mundo e se tornaram um negócio milionário.


Mariana Peixoto
Estado de Minas: 17/02/2015






Antes do livro

Snowqueens Icedragon era uma usuária superativa em sites de fan-fic, a chamada ficção criada por fãs. Em 2009, criou Master of the universe. Fã da tetralogia Crepúsculo, ela deu um tom mais adulto à saga amorosa, adicionando boa dose de sexo. Como era uma história baseada em outra, seus personagens também se chamavam Edward e Bella. Assim que os encontros sexuais se tornaram mais pesados, ela teve que mudar os nomes dos personagens: nasciam Christian Grey e Anastasia Steele. Quando os comentários sobre a “indecência” do texto cresceram, ela criou seu próprio endereço virtual: FiftyShades.com

A autora

“Sou velha o bastante para saber das coisas, mas topo experimentar tudo pelo menos uma vez, exceto incesto e dança folclórica.” Essa foi uma das postagens de Snowqueens Icedragon, na verdade E. L. James, pseudônimo de Erika Leonard James, ex-executiva britânica de TV, filha de chilena e escocês, casada, mãe de dois adolescentes, que cria o romance Cinquenta tons     de cinza. Hoje com 52 anos, James, com um único livro, foi considerada, em 2012, uma das 100 pessoas mais influentes do mundo.

O livro

Cinquenta tons de cinza nasceu na internet, porém não demorou a ser publicado. Com a repercussão on-line, uma editora australiana, The Writer's Coffee Shop, editou o romance tanto em e-book quanto em livro físico. Quando começou a vender que nem pão quente, a Vintage Books, subdivisão da gigante editoral Random House, adquiriu o livro, num contrato de sete dígitos.     Até hoje, foram vendidos 100 milhões de exemplares,     cinco milhões no Brasil.


O enredo

A história romântica-sadomasô de Christian e Anastasia é bem simples. Ele é um bilionário de Seattle de 27 anos, com passado obscuro, que só se satisfaz sexualmente quando atua como dominador. Escolhe suas submissas e elas têm que assinar um contrato para a relação. Ela é uma recém-formado em literatura inglesa de 21 anos, virgem. Os dois se apaixonam e iniciam uma relação conturbada. Ele quer dominá-la de qualquer maneira (controla até os amigos que tem), ela sonha em viver um romance convencional. Entre idas e vindas e muitas brigas, os dois protagonizam cenas tórridas de sexo. Além da cama, os dois utilizam todo tipo de apetrecho erótico no chamado “Quarto vermelho da dor”. Chicotes, amarras e plugs anais são apenas uma parte do universo de possibilidades do personagem.


A repercusão

Mania mundial, Cinquenta tons e suas continuações (Cinquenta tons mais escuros e Cinquenta tons de liberdade) acabaram nomeando o subgênero pornô para mamães. “Filho” da era do e-book, o livro de E. L. James fez com que várias outras donas de casa “saíssem do armário” e escrevessem seus próprios romances eróticos digitais. Já no mercado editorial, a série nascida a partir do boom que fez maior sucesso é Crossfire, de Sylvia Day. Escritora de livros eróticos muito antes da explosão mercadológica, ela cria personagens tal qual os de E. L. James. Só que não há o clima sadomasô. A repercussão é tanta que a trilogia inicial deu lugar a mais dois livros.


Produção do filme

Mal o livro iniciava sua dominação mundial, a Universal Pictures e a Focus Features compraram os direitos de adaptação cinematográfica. O acordo foi fechado em 2012 e E. L. James teria recebido 5 milhões de libras. Fechado o acordo, começou a correria para ver quem participaria do projeto. A diretora Sam Taylor-Johnson não foi a primeira opção. Entre os cotados estavam Joe Wright, Bill Condon e Steven Soderbergh. Quanto ao elenco, a história foi mais complicada. Fãs iniciaram campanhas on-line para escalar os protagonistas, principalmente Christian Grey. Entre os mais cotados estavam Robert Pattinson, Ian Somerhalder, Ryan Gosling e Matt Bomer. Pois em setembro de 2013 saíram os escolhidos: Charlie Hunnam e Dakota Johnson. A decepção foi geral. Pois Hunnam não durou muito tempo: um mês mais tarde, saiu do projeto, alegando que havia conflito de datas com as gravações da série Sons of anarchy. Jamie Dornan foi confirmado em outubro do mesmo ano.


Os atores

Dakota johnson

Nascida em Austin, Texas, a filha de Melanie Griffith e Don Johnson e neta, por parte de mãe, de Tippi Hedren, uma das musas de Alfred Hitchcock, tem 25 anos. Até ser escalada para o papel de Anastasia, Dakota era loira como a mãe e a avó. Não teve nenhum papel de destaque antes do filme, mas participou de projetos conhecidos. Estreou no cinema em Loucos do Alabama (1999), dirigida pelo próprio padrasto, Antonio Banderas, em papel em que era filha da própria mãe e irmã de sua meia-irmã, Stella Banderas. Na década seguinte, estudou atuação e teve seus momentos de modelo. Só voltaria ao cinema em 2010, com um pequeno papel em A rede social (2010). Ainda participou de Anjos da lei e Cinco anos de noivado (ambos de 2012). Com o blockbuster, a estrela de Dakota só fez crescer. Serão lançados este ano ou no próximo três filmes com ela, agora como protagonista.

Jame Dornan

Até chegar ao papel masculino mais falado dos últimos anos, Jamie Dornan fez de tudo um pouco. Nascido em Belfast, filho de um prestigioso médico irlandês, o ator de 32 anos já teve uma banda (Sons of Jim), foi modelo (já fez campanhas com Gisele Bündchen e Kate Moss) e foi conhecido durante um bom tempo como o namorado de Keira Knightley, com quem chegou até a dividir apartamento. No cinema, fez sua estreia numa participação ínfima no badalado Maria Antonieta (2006), de Sofia Coppola. Depois de alguns filmes e séries sem expressão, começou a aparecer como Caçador da série Once upon a time (2011). Mas o papel que foi definitivo para que ele se tornasse Christian Grey foi o psicopata Paul Spector na série The fall. Com as duas primeiras temporadas disponíveis no Netflix, é esperada uma terceira para este ano. Também em 2015, Dornan participa de outros dois filmes. E se diz um cara comportado (“o oposto de Christian Grey”), é casado com a cantora Amelia Warner e tem uma filhinha.

Cena de sexo

 Para quem esperava uma explosão de sexo nas telas, a realização no cinema foi pífia. O primeiro dos três filmes de Cinquenta tons de cinza (o segundo começa a ser rodado em junho) é bem tímido nos números. São apenas quatro cenas de sexo. Não há nenhum nu frontal, apenas três parciais de Anastasia (fãs de Dornan não vão ver muito mais do que seu torso e o traseiro). A garota é amarrada por ele com cordas duas vezes, outras duas com uma gravata (cinza, claro). Ele dá cinco tapas, cinco chicotadas e meia dúzia de “cintadas” na personagem.


Muuuuito sexo

Vá à locadora mais próxima e deleite-se em casa com clássicos do gênero:
O último tango em Paris (Bernardo Bertolucci, 1972), mais conhecido como o filme em que Marlon Brando utiliza manteiga como lubrificante anal para Maria Schneider; Saló ou Os 120 dias de Sodoma (Pier Paolo Pasolini, 1975), inspirado na obra do Marquês de Sade, que utiliza toda sorte de perversão (incluindo coprofagia, necrofilia, mutilação) para falar sobre dominação social. Ou O império dos sentidos (Nasgisa Oshima, 1976), que mostra a relação obsessiva entre ex-prostituta e seu patrão no Japão pré-Segunda Guerra. A cena antológica é aquela em que um ovo cozido é colocado na protagonista, que depois o devolve ao amante. 

Livres do olhar alheio

Segundo cientistas dos EUA, as pessoas recorrem aos amuletos da sorte quando precisam executar performances que dependem da aprovação dos outros. Em casos que envolvem a aprendizagem, a superstição é deixada de lado


Isabela de Oliveira
Estado de Minas: 17/02/2015



Um pé de coelho ou uma roupa especial? Não interessa qual o amuleto, contanto que ele ajude no desafio a ser superado. Uma pesquisa recente publicada na revista Personality and Social Psychology Bulletin mostra que os recursos sobrenaturais são mais usados quando o desempenho da pessoa vai determinar o resultado dela na meta a ser alcançada, sendo que a performance costuma ser julgada pelos outros. Ou seja, o objeto de sorte sempre vem acompanhado da vontade e da necessidade de aprovação.

De acordo com os autores, das universidades de Boston e Tulane, ambas nos Estados Unidos, as pessoas costumam recorrer aos amuletos quando há um alto nível de incerteza e as metas não envolvem aprendizagem. Isso significa que o julgamento alheio, na realidade, é o maior motivador da fé no sobrenatural.

“Algumas estratégias são racionais, como o investir para ter uma aposentadoria estável ou estudar antes de uma prova. Outras estratégias são menos, por exemplo, recorrer à superstição para criar a ilusão de controle sobre resultados incertos”, diferencia o principal autor do estudo, Eric Hamerman, da Universidade de Tulane.

Encaixa-se no primeiro caso o músico que deseja se tornar competente como guitarrista e, por isso, passa horas treinando. Na segunda situação, a estratégia não é focar no aprendizado, mas em um objeto que dê sorte suficiente para o artista arrancar aplausos inflamados do público quando estiver se apresentando. As diferenças, analisam os cientistas, indicam que metas de desempenho tendem a ser motivadas por fatores externos e são percebidas como suscetíveis à influência de forças que não podem ser controladas.

Objetivos de aprendizagem, por outro lado, têm motivação interna, sendo, muitas vezes, encarados com o pensamento de que “o sucesso depende só de mim”. Hamerman e Carey Morewedge chegaram a essas conclusões após realizar uma série de experimentos para testar se o tipo de meta mudaria a probabilidade de um comportamento supersticioso.

Um dos testes examinou a dependência dos amuletos, analisando como as pessoas se relacionavam com itens associados à sorte ou ao azar. Os pesquisadores pediram que voluntários escolhessem um amuleto da sorte antes de perseguir um objetivo. Em um dos casos, os participantes foram informados de que uma caneta traria sucesso porque, em tarefas anteriores, quem a usou obteve resultados mais positivos. As pessoas foram convidadas a classificar a preferência para usar o objeto em duas situações: de desempenho ou de aprendizagem.

Em outro experimento, os autores associaram avatares de videogame com o sucesso ou o fracasso em uma partida. Com isso, puderam observar se os jogadores tinham alguma preferência de imagem ao participar das partidas. Na maior parte dos experimentos, as pessoas mostraram-se supersticiosas quando necessitavam atingir objetivos tanto rápido quanto de longo prazo, mas não quando precisavam concluir uma tarefa de aprendizagem.


Mais confiantes Os autores reforçam que, quando pressionadas pela incerteza — ou seja, se não se sentem confiantes —, as pessoas se apoiam mais na superstição. Por exemplo, a “caneta da sorte” fez mais sucesso do que uma caneta associada à inteligência no teste de desempenho, uma vez que as pessoas não preferiram nenhum amuleto quando precisavam simplesmente estudar.

Hamerman lembra, no entanto, que a pesquisa não investiga se a crença em superstições tem um efeito real sobre o desempenho. Mas mostra, incontestavelmente, que a confiança das pessoas aumenta quando estão munidas com os amuletos. Os autores dizem, entretanto, que o acréscimo na sensação de amparo e segurança pode aumentar as chances de um resultado positivo.

Os rituais supersticiosos costumam ser usados para aumentar a sensação de controle pessoal, fazendo com que os ansiosos sejam um grupo muito afeito à fé. Isso porque, quase como um remédio, essas crenças acalmam temores e tranquilizam. Por outro lado, quando há redução na sensação de ameaça e incerteza, as pessoas se tornam menos inclinadas a recorrer à superstição. A percepção de capacidade, ao contrário, é negativamente associada à crença de que uma força externa é a solução.


Incertezas Para Jennifer Whitson, pesquisadora da Universidade do Texas, os resultados de Hamerman têm fundamento. Segundo ela, emoções que refletem a incerteza sobre o mundo — por exemplo, preocupação, surpresa, medo, esperança — , em comparação com sentimentos simples e bem definidos — raiva, felicidade, repugnância, contentamento— , ativam a necessidade de medidas compensatórias.

Em um estudo semelhante ao de Hamerman, publicado recentemente na revista Journal of Experimental Social Psychology, a autoafirmação eliminou os efeitos das emoções incertas com controles compensatórios relacionados às superstições. “Esses estudos estabelecem uma ligação entre a experiência de emoções e o desejo de estrutura. Emoções incertas ativam uma necessidade de impregnar o mundo com ordem. Elas aumentam a defesa e a crença em conspirações governamentais, por exemplo, e também no paranormal”, diz a pesquisadora, que não participou do trabalho de Hamerman.

Em seus estudos, Whitson observou que a incerteza tem os mesmos aspectos que a falta de controle, embora ambas as emoções sejam conceitualmente distintas. “Nossas pesquisas estabelecem que as duas representam uma construção ampla, que incita a necessidade de estrutura. A incerteza, por si só, é suficiente para conduzir estratégias compensatórias de controle”, analisa a especialista.

 Para essas pessoas, portanto, as superstições são positivas, por as ajudar a lidar com as dificuldades do mundo. “Quando a ansiedade é incapacitante, comportamentos supersticiosos podem ser eficazes por aumentar a autoconfiança e melhorar as expectativas de desempenho”, explica Whitson.

Palavra de especialista

Agnaldo Cuoco Portugal, professor de filosofia da religião da Universidade de Brasília (UnB)
Termo pejorativo
“Os resultados eram esperados, pois o aprendizado, ao contrário do desempenho, é um processo mais interno. A superstição é uma tentativa de controlar elementos incertos, sendo basicamente uma crença falsa, e não fundamentada racionalmente. É importante notar que a superstição não é exatamente religiosa, e as religiões estabelecem essas crenças como algo negativo. Grandes pensadores religiosos da Idade Média entendiam que as superstições eram mais perigosas para a religião do que o ateísmo. Hoje, mesmo vivendo em uma era de grandes processos científicos, a incerteza é parte da vida e nunca vai deixar de ser. Embora a ciência diminua a ignorância, a incerteza fica e a superstição tenta cobrir essa lacuna. Na realidade, o termo superstição é pejorativo e tem carga de valoração negativa de princípios. Entretanto, do ponto de vista psicológico, é importante porque ajuda a combater a ansiedade. Mas, além disso, por oferecer uma reposta à insatisfação humana, aos elementos passageiros, incertos e pouco sólidos.”