segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Eduardo Almeida Reis - Preços

Há quatro anos, um filé dos mais simples, só ele, filé, custava 40 dólares%u2026 Convenhamos em que para ver mulher feia um filé por dois dólares já seria muito caro


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 22/09/2014


Preços

Famoso restaurante belo-horizontino fechou as portas depois de alguns anos de bons e caríssimos serviços prestados à gastronomia mineira. Lá, estive algumas vezes a convite de amigos ricos. Preços estratosféricos, maiores ainda que os restaurantes Ducasse, de Londres e Nova York, com a seguinte agravante: conseguia reunir em seu belo salão as senhoras mais feias de Minas. Há quatro anos, um filé dos mais simples, só ele, filé, custava 40 dólares, fora serviço, bebidas, sobremesa & companhia. Convenhamos em que para ver mulher feia um filé por dois dólares já seria muito caro.
Bem instalado em ótimo ponto, o restaurante pregou-me uma peça na tarde em que fui ao banheiro depois de me exceder nos vinhos sugeridos pelo amigo que nos havia convidado. Era sexta-feira e os demais convidados tinham encerrado os respectivos expedientes, daí a comezaina e a vinhaça.
O banheiro masculino, como descobri naquela tarde, ficava à esquerda no final de pequeno corredor. Ao entrar na estreita passagem, vi que lá do fundo vinha figura conhecidíssima, que cumprimentei com o afeto entusiasmado dos bêbados e fui correspondido na mesma moeda, porque a figura conhecida era a minha refletida no espelho do final do corredor.

Faz tempo que não como fora de casa, entre outros motivos porque tenho a melhor das cozinheiras, criatura que vi nascer e parece ter nascido para cozinhar. Pelo meu aniversário jantei num restaurante, que já elogiei muitas vezes nesta coluna imaculada de nossa mídia impressa: era ótimo e barato. Continua barato, mas deu uma piorada que vou te contar. Fio que o cozinheiro estivesse gripado ou de férias. Caso contrário, sei não. Gosto muito do verbo fiar, datado de 1009, no sentido de ter fé, acreditar, confiar. Latim *fidare por fído,is,físus sum,ère 'fiar-se, confiar'. Certa feita, Abgar Renault usou fio num discurso, gozado na mídia pelo jornalista Artur Xexéo. Comentei a gozação com o genial barbacenense, que retrucou: “Que se pode esperar de um sujeito chamado Xexéo?”.

Linguística 

Contei-lhes de um empregado que tive na roça fluminense, brasileiro fortíssimo, de letras nenhumas, que falava dificulidade. Realmente, a qualidade ou caráter do que é difícil fica muito mais forte quando transformada em dificulidade.

Ligar a tevê matinal está ficando uma dificulidade. O noticiário das 10 horas já começa com um tiroteio numa comunidade pacificada filmada ao vivo e em cores, na véspera, por um morador. Três ônibus queimados, um rapaz de 18 anos ferido na perna. Levado para o hospital, não corre o risco de morrer.

Pois sim! No Rio atual, o risco de morrer é eminente, com tem dito o moderno jornalismo: “muito acima do que o que está em volta; proeminente, alto, elevado”. Na confusão com iminente “que ameaça se concretizar, que está a ponto de acontecer; próximo, imediato”, a rapaziada acerta por tabela. Além de “próximo, imediato”, o risco é “alto, elevado”.

Fugindo dos tiroteios nas comunidades “pacificadas”, você muda para o canal de esportes e tem a fortuna de encontrar dois comentaristas inteligentes e alfabetizados, Artur Dapieve e Ruy Castro, falando sobre o insuportável Dunga. Aí, entra um jornalista de outro estado, ao vivo e em cores, pronunciando “tàrdiamente”. Não é o primeiro e não será o último a pronunciar “tàrdiamente”. Tenho visto vários com essa estranha pronúncia, que transforma tardio e tardia em tárdio e tárdia. Considerando que tardio é serôdio, já podemos pensar em seródia, tão grave quanto o reconcávo baiano inventado pela nova moça do tempo.

Que fazer? No caso em tela, desliguei o televisor e fugi para o computador, passa das 11 horas e continuo sem internet. Vou parando por aqui antes de dizer o que penso da empresa contratada (e paga) para me fornecer 10 megas, que vive enguiçando. Tenho por lá bons amigos ganhando bem, que devem sofrer na administração de uma das maiores bagunças do Hemisfério Sul. 

O mundo é uma bola 

22 de setembro: faltam 100 dias para acabar o ano. Em 490 a.C. Dário, rei dos Persas, é derrotado em Maratona pelos exércitos gregos. Deve-se a essa batalha, presumo, a mania mundial de maratonas, meias-maratonas e corridas do gênero, que fazem muito bem à saúde dos maratonistas, mas não conseguiram impedir, até 22 de setembro de 2014, data em que esta bela coluna está sendo publicada, que todos os maratonistas, mais dia, menos dia, passem desta para a pior.

Em 1762, coroamento de Catarina, a Grande, imperatriz e déspota russa nascida Sophie Friederike Auguste von Anhalt-Zerbst, na Alemanha, dia 2 de maio de 1729. Durante o seu reinado, expandiu o Império Russo e o modernizou, melhorou a administração, tornando-o uma das maiores potências do mundo, sem prejuízo do seu entusiasmo libidinoso.

Teve uma porção de namorados, que nomeava para altas posições no governo enquanto lhe davam prazer sexual, enviando-os para longe com grandes propriedades, pensões e empregados quando seu tesão acabava. Terminou seu caso com o love e conselheiro Gregório Alexandrovich Potemkin, em 1776, quando ele começou a escolher namorados para a imperatriz que tivessem beleza física e inteligência. Catarina sempre foi muito generosa com os rapazes. Um dos seus últimos, o príncipe Zubov, era 40 anos mais moço que ela.

Hoje é o Dia do Contador. Palmas para a contadora do Beto Youssef, Meire Bonfim Poza, que cuspiu tudo.

Ruminanças
“Raposa velha não cai no laço” (Erasmo, 1469-1536). 

Pesquisadores descobrem que remédio para colesterol pode inibir nanismo

A estatina recuperou o crescimento ósseo em ratos com a alteração genética que causa baixa estatura. Segundo autores do estudo, existe a possibilidade de o efeito ser repetido em bebês


Bruna Sensêve
Estado de Minas: 18/09/2014



Clique na imagem para ampliar (Arte/CB/D.A Press)

Um tratamento inusitado para uma condição sem cura e tratamento. Um dos tipos mais comuns de nanismo, a acondroplasia foi revertida em ratinhos de laboratório com a administração de medicação amplamente usada para reduzir os níveis de colesterol: a estatina. A incrível descoberta vem da Universidade de Kyoto, no Japão, e poderá resultar na primeira terapia efetiva para a recuperação do crescimento ósseo em bebês diagnosticados precocemente com a alteração genética que leva à deficiência de desenvolvimento dos ossos dos braços e das pernas. A nova aplicação da droga, porém, deverá enfrentar grandes desafios para a definição da dosagem — uma vez que, em alta quantidade, essa substância é tóxica ao organismo — e do momento exato de início da intervenção.

O estudo, publicado na edição de hoje da revista científica Nature, descreve uma série de experimentos com células humanas in vitro e camundongos. Os cientistas partiram de um dilema primordial e que há muito tempo ronda as pesquisas sobre a acondroplasia: a falta de modelos para a doença — formas da enfermidade criadas em laboratório que ajudem no estudo e no teste de novos tratamentos. Para superar esse problema, a equipe liderada por Noriyuki Tsumaki recolheu células-tronco pluripotentes adultas de pessoas com displasia tanatofórica e acondroplasia, tipos recorrentes de nanismo.



As células foram reprogramadas para um estado embrionário e, ao se tornarem ósseas, produziram cartilagem degradada. O resultado era esperado, e o modelo estava pronto para ser testado. Na etapa seguinte, as células que receberam as estatinas tiveram um desenvolvimento normal. Depois, a terapia foi testada em camundongos, que receberam injeção com o equivalente a 1mg por quilo de rosuvastatina, um tipo de estatina. O crescimento ósseo foi mais uma vez restaurado. Os pesquisadores explicam que a ideia de usar a droga contra o colesterol alto veio de uma observação clínica em pacientes que são tratados com ela de forma crônica: eles apresentam uma alteração na cartilagem.

A dose usada nos animais equivale a 70mg por dia em um humano de 70kg. O valor é quase liminar, uma vez que os ensaios clínicos indicam que uma dose de 80mg por dia pode provocar efeitos tóxicos. Dessa forma, apesar de as estatinas representarem um tratamento promissor para doenças ósseas e de cartilagem, a dosagem pode ser um desafio. “Como têm sido administradas a um grande número de pacientes por muitos anos, há abundante informação disponível sobre a segurança delas, apesar de seus efeitos sobre bebês, crianças e adolescentes ainda serem em grande parte desconhecidos”, afirma Tsumaki. Para ele, o importante, nesse estágio do estudo, é que o tratamento salvou ambos os modelos da doença em células humanas e em camundongos, sugerindo que as estatinas podem ser eficazes e aplicáveis em pacientes com displasia tanatofórica e acondroplasia.

Modificação celular Segundo o chefe do Serviço de Genética Médica do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, Roberto Giugliani, os testes feitos pelos pesquisadores do Japão apostaram em duas formas de nanismo causadas por uma alteração genética em um receptor celular ligado ao fator de crescimento existente nas células. “A medicação tem um efeito inusitado de promover o crescimento nos camundongos que têm esse defeito genético, como se ela fosse um tipo de tratamento para essa condição.”
Giugliani lembra que não se trata de uma terapia gênica. “Não há modificação genética. Em função desse defeito, os camundongos não crescem. Essa medicação causa alguma modificação celular no organismo das cobaias que faz elas voltarem a crescer.” O médico explica que nem mesmo os pesquisadores souberam detalhar o mecanismo de ação óssea.
Uma das vantagens do uso de estatina apontada pelo geneticista é que ela vem sendo usada há anos e é comprovadamente segura, sem grandes efeitos colaterais. Se for comprovado nos humanos o mesmo que ficou descrito nos camundongos, os benefícios seriam inestimáveis. A acondroplasia é uma doença genética que acontece em um a cada 10 mil nascimentos. “Isso significa que, no Brasil, tem mais de 250 pacientes que nascem a cada ano com essa doença. Se esse medicamento for eficaz e essas pessoas, tratadas, será um ganho muito significativo.”

Expressão exagerada Na acondroplasia, o gene está mais ativo que o normal e produz proteínas de maneira excessiva. Ricardo Fernando Arrais, do Departamento de Endocrinologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, explica que, pela literatura médica, já se sabe que, quando o gene responsável pelo defeito não consegue se expressar, o crescimento é maior. “A ideia dos pesquisadores era encontrar uma estratégia para diminuir a expressão desse gene, e uma das possibilidades acabou sendo a estatina.” 

Arrais resume que os resultados mostraram uma resposta clara nas culturas de células: onde não havia estatinas, as estruturas humanas acometidas pela doença não se desenvolviam; e, nas que receberam medicação, houve uma replicação de cartilagem e uma resposta em termos de crescimento. Ainda assim, o especialista considera importante fazer algumas ressalvas.
 Primeiro, não é possível saber se essas drogas vão promover um crescimento adequado em humanos. “Esse é um dado preliminar. Precisamos saber como será o crescimento real do tecido, além de garantir a segurança do tratamento com estatina em indivíduos muito jovens.” Ele reforça que, atualmente, essas substâncias são prescritas apenas para pacientes com 10 anos ou mais, ainda assim de forma cuidadosa por conta da toxicidade. Um dos efeitos colaterais pode ser a lesão muscular. “Eles mesmos (os pesquisadores) levantam esses problemas. Não temos nada em humanos, apesar do indício bastante promissor e interessante.”

Prevenir é o melhor remédio

Pesquisa da Ufop desenvolve metodologia para detectar precocemente doenças cardiovasculares em adultos e crianças. Trabalho foi primeiro lugar no Prêmio Henri Nestlé


Ana Clara Brant
Estado de Minas: 22/09/2014



Prevenir é o melhor remédio. Esse ditado popular, mais do que nunca, se aplica a uma pesquisa da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) que desenvolveu uma metodologia para detectar precocemente doenças cardiovasculares em adultos e crianças. O trabalho, fruto da dissertação de mestrado da nutricionista Ana Luiza Gomes Domingos, conquistou, no mês passado, o 1º lugar no Prêmio Henri Nestlé, na categoria nutrição em saúde pública. Segundo a pesquisadora, é durante a infância que as pessoas começam a apresentar os fatores de risco de uma doença cardiovascular e identificar isso com antecedência pode prevenir vários males. “Na faixa etária pediátrica, a presença da obesidade é um importante fator de risco para a ocorrência de doenças cardiovasculares na idade adulta. A constatação de que as doenças cardiovasculares podem ter sua origem na infância e adolescência configura a necessidade de que esses fatores sejam amplamente investigados durante esse período”, destaca.

Tudo começou quando foi descoberto que, dentro do cenário epidemiológico, as doenças cardiovasculares eram a principal causa de morte em Nova Era, na Região Central de Minas. Só para se ter uma ideia, em 2008, de acordo com o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS), 37,8% da população da cidade acima de 20 anos tinha como causa mortis alguma doença do aparelho circulatório. Ana Luiza acrescenta que, desde 2004, havia no município um monitoramento nutricional feito anualmente, por meio da Secretaria Municipal de Educação, que identificou que o sobrepeso e a obesidade na população de escolares superavam os índices de baixo peso entre os estudantes da rede municipal de ensino. “O perfil nutricional encontrado nos escolares da rede municipal de ensino, associado às condições socioeconômicas dos munícipes, fez com que a nutricionista Adriana Cotote Moreira, da prefeitura, procurasse a professora Silvia Nascimento de Freitas, orientadora do projeto na Escola de Nutrição da Ufop, para a realização de uma parceria. O meu projeto surgiu daí”, recorda.

Ana Luiza, que é mestre em saúde e nutrição pela Ufop, e começou a desenvolver sua pesquisa na iniciação científica, ainda na graduação e com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), se concentrou nos marcadores inflamatórios dos escolares de Nova Era, pois poucos são os estudos que analisam suas alterações em crianças de 6 a 10 anos.
Segundo uma definição da Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva, um marcador é uma variável mensurável, podendo ser encontrada por meio de uma amostra de sangue, urina, ou tecidual. Um marcador pode medir o estado fisiopatológico da doença, avaliar o progresso do tratamento e ainda predizer eventos futuros. Vários desses marcadores foram estudados como preditores de risco de um evento cardiovascular. Um exemplo comum de marcador inflamatório são as citocinas, proteínas de baixo peso molecular, produzidas por diferentes tipos de células.

BIOMARCADORES “O foco da minha pesquisa foi o estudo de biomarcadores inflamatórios e a avaliação nutricional. Esse tipo de estudo é de suma importância para a detecção precoce de grupos em risco cardiometabólico. Nosso estudo indica uma relevante associação entre variáveis antropométricas (perímetro da cintura, pregas cutâneas, peso, altura), de composição corporal, clínicas, bioquímicas e as concentrações da adiponectina, proteína C-reativa e a resistência à insulina, em crianças obesas e não obesas”, explica.

A nutricionista acrescenta que, a partir das alterações dos indicadores de composição corporal (percentual de gordura corporal), dos antropométricos, dos níveis séricos de glicemia, insulina e colesterol total e frações, e alteração da pressão arterial das crianças de 6 a 10 anos, se pode estabelecer um critério diagnóstico para os escolares sob risco nutricional, que pode repercutir na incidência maior de doença cardiovascular na vida adulta e, assim, ainda na vida escolar, se promover ações que possam reverter esse quadro precocemente. “O interessante desse estudo é que, mesmo com a garotada que estava no peso normal, é importante ficar atento, porque eles podem ter colesterol alto e índice de gordura elevado. As aparências podem enganar”, alerta.
A fase de coleta de dados foi realizada em uma semana. Porém, ainda estão sendo estudados outros marcadores de risco e sua relação com a obesidade e o contexto social dos escolares de Nova Era. No entanto, Ana Luiza lembra que, a partir da triagem inicial, aquelas crianças que apresentaram problemas nutricionais foram encaminhadas ao serviço de saúde e monitoradas com maior frequência pela nutricionista da prefeitura Adriana Moreira. Os pais também receberam orientações para ficarem alertas.

A pesquisadora ressalta, ainda, que o estudo teve por finalidade proporcionar ao município de Nova Era indicadores nutricionais que possam subsidiar estratégias de saúde pública eficazes, a serem implementadas durante a infância, a fim de promover a melhoria das condições de saúde e estado nutricional das crianças. “E, dessa forma, minimizar o desenvolvimento de fatores de risco para doenças cardiovasculares nessa faixa etária, bem como reduzir a incidência de doenças cardiovasculares precocemente em adultos. E é bom frisar que, apesar de a pesquisa ter sido realizada em uma cidade específica, a metodologia pode ser aplicada em qualquer lugar e situação”, salienta.
 
Saiba mais
Obesidade
A obesidade é uma doença crônica complexa e multifatorial, considerada um estado inflamatório sistêmico de baixa intensidade, resultante da secreção alterada de citocinas, quimiocinas e hormônios. Estudos mostram que a prevalência do sobrepeso e da obesidade, inclusive na faixa etária pediátrica, tem aumentado de forma significativa em vários países, incluindo o Brasil. É importante frisar que o excesso de adiposidade corporal é um possível marcador de risco para a ocorrência de doenças cardiovasculares, síndrome metabólica, resistência à insulina e dislipidemia (aumento no nível de lipídios no sangue). 

Quem ganhar perderá - Renato Janine Ribeiro

Valor Econômico - 22/09/2014

Nenhum partido importante, nem mesmo o vitorioso, sairá da eleição tranquilo. Todos terão que rever suas identidades



Faz algum tempo, sustento que a eleição importante será em 2018, não a deste ano. Mesmo com o surgimento-surpresa de uma terceira candidata em condições de ganhar, mais me parece que estas eleições presidenciais marcarão o fim de uma época do que o nascimento de uma nova. Todas as principais forças políticas em disputa precisarão rever-se a fundo, até para sabermos se sobreviverão ou não. O ex-tucano Walter Feldmann, hoje próximo de Marina Silva, declarou há dias que o PSDB se desfará, se a candidata do PSB+Rede vencer. Só que não: os tucanos não são os únicos animais políticos em risco.

Continua sendo possível o PT ganhar, mas mesmo vencendo ele sairá das urnas com a maior fadiga de material destes últimos anos. Está subindo nas intenções de voto ao politizar a campanha e puxá-la para a esquerda, o inverso do que fez no governo. Por que Lula escolheu Dilma Rousseff e não Patrus Ananias ou Tarso Genro, para concorrer à presidência em 2010? Porque ela, de todos os líderes petistas, era a mais próxima das preocupações empresariais. Que o patronato não goste dela é uma pesada ironia, porque ela e eles compartilham a preocupação com o PIB.

Um segundo governo Dilma Rousseff enfrentará, talvez agravados, problemas como os do final do primeiro. Há as dificuldades econômicas, mas há as políticas. Muitos criticam seu estilo de governo, que seria mais o da chefia que o da liderança, com pouco diálogo. Mas o ponto principal é mais profundo: qual o projeto petista, uma vez realizada a mais ampla - ainda que incompleta - redução da miséria e da pobreza de nossa história? Os programas emergenciais, como o Bolsa Família e o Mais Médicos, melhoraram muito a condição dos ex-miseráveis, mas está na hora de substituí-los por outros, estruturais - e que poderão afrontar ainda mais os conservadores. O sucesso de Lula se deve a ter atuado pela borda, sem confrontar os ricos e a direita - que, longe de devolver a gentileza, quer derrotar o PT. Dará para manter a mesma linha política?

Grandes partidos precisarão rever suas identidades

Quanto ao PSDB, mesmo uma vitória - hoje improvável - deixa em aberto qual projeto ele adotará. A agenda tucana é sobretudo econômica. Não propõe sonhos (por isso, Marina passou à sua frente). O que o PSDB quer fazer da vida, ele que continua entoando o mantra das medidas econômicas? A certa altura de seu segundo mandato, Fernando Henrique Cardoso disse que a Internet permitiria "um novo Renascimento". Ninguém mais, no tucanato, tocou neste ponto, que seria decisivo para o partido ter um projeto abrangente, indo além dos meios econômicos para discutir os fins, as metas da sociedade.

Já a vitória de Marina, também possível, traz dificuldades em série para seu grupo. Primeiro, nem sabemos de que grupo se trata. Ela será eleita pelo PSB e tomará posse por outro partido? Improvável, mas há textos afirmando que ela sai do PSB para fundar a Rede. E assim como o PT só tem Lula para 2018, e o PSDB ninguém fora Aécio, a Rede conta apenas com Marina e o PSB, com ninguém. É tudo muito pessoal. Nossa política se tornou, em todos os principais partidos, monárquica.

Mas, para além dos nomes, Marina enfrenta a difícil soma de programas sociais ambiciosos com uma politica econômica próxima da tucana: temos uma espécie de síntese de um PT aprimorado pelo ambientalismo, no que é sonho, e de um PSDB nas medidas econômicas imediatas, no que é a dura realidade. Mas a própria novidade de uma economia sustentável, que é um de seus pontos-chave, está sendo omitida de sua campanha, conforme comentei na última coluna. É pena, porque ela não surgiu como a candidata do tripé econômico, mas da luta contra as emissões de carbono. Ocultar este ponto é ruim, renunciar a ele pior ainda.

O que dizer, então? As três - ou quatro, porque não sei se PSB e Rede são uma ou duas, nem se o PSB sobrevive sem Eduardo - forças políticas têm desafios enormes a cobrir entre 2014 e 2018. A Rede+PSB precisa crescer, não tanto em número, porém em proposta e equipe. Mas dispõe de uma vantagem comparativa notável: representa o novo. O PSDB teria de se repensar por inteiro, começando por se dar conta de que economia é meio, não fim. Deveria investir mais no FHC do "novo Renascimento", a partir da internet, e menos no FHC das privatizações, que é o que eles recordam. O PT precisaria reencontrar o discurso ético. Uma de suas falhas gritantes foi não proclamar, ao ser acusado de corrupção, que a chaga ética maior do Brasil é a miséria, e que ele foi o primeiro a enfrentá-la de maneira decidida. Em vez disso, preferiu promover a inclusão social como agenda de consumo, de crescimento econômico, de sedução empresarial e eleitoral, mas sem elaborar seu valor moral. O PT hoje fala mais aos bolsos do que aos sonhos.

Nesta eleição, talvez possamos inverter o ditado francês, de que no amor quem perde ganha. Desta vez, todos perderão a curto e mesmo médio prazo, porque terão todos de mudar, mas o vitorioso na eleição terá a dificuldade adicional de precisar trocar o pneu com o carro andando. Terá de refundar seu partido (ou fundá-lo, no caso de Marina) enquanto gere uma máquina superada. Vitorioso e derrotados deverão repensar suas identidades. Pelo menos o PT e o PSDB não parecem ainda convencidos disso. Ou seja, precisariam começar reconhecendo que chegaram ao teto de suas possibilidades históricas. Se a terceira candidata adquiriu, tão rapidamente, tantas intenções de voto, sobretudo entre os que eram indecisos, é mais pelo desencanto com os dois grandes partidos do que pelo conteúdo de suas propostas. Os próximos anos podem ser bem interessantes.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. 
E-mail: rjanine@usp.br