De Washington (EUA)
- Carolyn Kaster/AP - 27.mar.2013Gabriela Fore, 6, segura cartaz com a mensagem "Minhas duas mães são casadas", em frente à Corte Suprema dos Estados Unidos, em Washington
Enquanto os ministros da Suprema Corte lutam com a questão do casamento de mesmo sexo nesta semana, os políticos no Congresso continuam dando seus próprios veredictos. Um após outro, uma série de legisladores endossou nos últimos dias a permissão para que gays e lésbicas se casem.
Mas o momento a favor dos direitos dos gays no mundo político pode limitar o momento no mundo legal. Apesar de a Justiça poder derrubar uma lei federal que define o casamento como sendo uma união entre um homem e uma mulher, os ministros sinalizaram ao longo de dois dias de argumentos que podem não se sentir compelidos a intervir mais além, já que o processo democrático parece estar se desdobrando por conta própria, Estado por Estado, autoridade eleita por autoridade eleita.
A perspectiva de que os defensores dos direitos dos gays poderem se tornar vítimas de seu próprio sucesso político foi ressaltada durante os argumentos na quarta-feira (27) a respeito da constitucionalidade da Lei de Defesa do Casamento. Restou aos oponentes da lei apresentar o argumento paradoxal de que a nação passou a aceitar que gays e lésbicas merecem o mesmo direito de se casarem que os heterossexuais, mas argumentando que eles são a classe politicamente oprimida que merece a proteção dos tribunais.
O ministro-chefe John G. Roberts Jr. destacou esse ponto com a advogada da querelante, uma mulher de Nova York processando pela restituição dos impostos federais que não teria que pagar se ela fosse casada com um homem.
"Você não duvida que o lobby que apoia a aprovação das leis de casamento de mesmo sexo em Estados diferentes é politicamente poderosa, não é?" ele perguntou à advogada.
Para fins legais, disse a advogada, Roberta A. Kaplan, "Eu duvido, meritíssimo".
"É mesmo?" perguntou o ministro-chefe ceticamente. "Até onde posso dizer, figuras políticas estão fazendo de tudo para endossar seu lado do caso."
De fato, mesmo enquanto os ministros ouvem o caso, a senadora Kay Hagan, da Carolina do Norte, se tornou na quarta-feira a mais recente democrata de um Estado republicano a anunciar seu apoio ao casamento de mesmo sexo. Ela seguiu os senadores Claire McCaskill, do Missouri, John D. Rockefeller 4º, da Virgínia Ocidental, Jon Testet, de Montana, e Mark Warner, da Virgínia.
O senador Rob Portman, de Ohio, se tornou o primeiro republicano do Senado a apoiar o casamento de mesmo sexo. E o ex-presidente Bill Clinton, que sancionou a Lei de Defesa do Casamento em 1996, pediu aos ministros para a derrubarem.
Kaplan, que momentos antes argumentava que "houve uma mudança radical" nos Estados Unidos no "entendimento dos gays e seus relacionamentos", passou a argumentar que apesar dessas mudanças, gays e lésbicas ainda são alvos de discriminação.
"Nenhum outro grupo na história recente foi alvo de referendos populares para retirar direitos que já lhes tinham sido dados ou para excluir esses direitos, como acontece com os gays", ela disse.
Mesmo assim, a mudança rápida no ambiente político dá aos ministros um motivo –caso queiram um– para não imporem um padrão nacional e deixarem o assunto para ser decidido pelos Estados.
Na defensiva, ao menos politicamente, restou aos oponentes do casamento de mesmo sexo pedir aos ministros para que deixem o assunto para a arena política.
"Nós submetemos aos meritíssimos que a questão seja decidida de modo apropriado pela população", disse Charles J. Cooper, um advogado representando os oponentes.
O ministro Anthony M. Kennedy, amplamente considerado o voto decisivo, historicamente é sensível à autoridade dos Estados de estabelecer suas próprias políticas. Durante os argumentos atentamente acompanhados, ele questionou a legalidade da Lei de Defesa do Casamento, mas expressou ceticismo de que a corte deva emitir uma decisão ampla no caso separado da Califórnia, ouvido na segunda-feira, que seria o veículo para encontrar um direito nacional ao casamento de mesmo sexo.
Apesar de emoldurar suas decisões nas leis e princípios, a corte sempre esteve em sintonia com a opinião pública e debate periodicamente como os costumes nacionais em evolução devem influenciar a interpretação de uma Constituição com dois séculos de idade.
No caso do casamento de mesmo sexo, as correntes políticas mudaram tão rapidamente que os ministros parecem cautelosos em pularem na correnteza. As pesquisas mostram que nos 16 anos desde a sanção da Lei de Defesa do Casamento, a forte oposição ao casamento de mesmo sexo se transformou em um apoio da maioria.
Não apenas Clinton repudiou a lei, como também seu autor republicano, o ex-deputado Bob Barr, da Geórgia. Nenhum Estado permitia casamento de mesmo sexo na época. Agora nove Estados permitem, assim como o Distrito de Colúmbia. A meia dúzia de senadores que apoiou essas uniões nos últimos dias eleva o número de apoiadores no Senado para 47 entre 100.
Mesmo assim, cerca de 40 Estados não permitem o casamento de mesmo sexo e a maioria deles conta com proibições constitucionais aprovadas pelos eleitores nos últimos anos. Nove senadores democratas e todos os republicanos, com exceção de um, são contrários à prática. Apenas recentemente os primeiros referendos estaduais apoiando o casamento de mesmo sexo foram aprovados pelos eleitores. Como o ministro Samuel A. Alito Jr. apontou, em nenhum lugar do mundo o casamento de mesmo sexo era legal até a Holanda aprovar uma lei em 2000.
Para a corte, a questão do poder político é importante, ao decidir que padrão usar para decidir se as leis diante dela são constitucionalmente discriminatórias. Os defensores dos direitos dos gays estão buscando um padrão semelhante de "maior escrutínio" ao aplicado à discriminação de gênero, o que significa que a lei deve estar relacionada substancialmente a um interesse importante do governo.
O teste desse escrutínio inclui a história de discriminação contra um grupo e seu poder político relativo. Apesar do histórico de discriminação, gays e lésbicas agora veem seu poder político em ascensão.
"O motivo para haver uma mudança radical", disse Paul D. Clement, um ex-procurador-geral que argumentou em prol da Lei de Defesa do Casamento, "é uma combinação de poder político, como definido pelos casos nesta corte recebendo a atenção dos legisladores; eles certamente contam com isso. Mas também de persuasão. Isso é o que o processo democrático exige. É preciso persuadir alguém de que você está certo".
Para Clement e seus adversários, a questão permanece se eles persuadiram os ministros a seguirem esse processo ou saírem do caminho.
Tradutor: George El Khouri Andolfato