sábado, 18 de maio de 2013

Relato do ilegível - José Castello


O Globo - 18/05/2013


O que um alguém sente durante
um bombardeio? Que emoções
mais extremas definem essa
experiência? O escritor alemão
Ernst Jünger (1895-1998), que
combateu como voluntário durante
a Primeira Guerra Mundial, descreve este
sentimento, em que paralisia e horror se misturam,
com uma imagem. Em “Tempestades de
aço” (Cosac Naify, tradução de Marcelo Backes),
ele sugere a seu leitor que se imagine amarrado
a um poste, sob a ameaça de um homem que balança
diante dele um pesado martelo. “Ora o
martelo é recuado a fim de adquirir impulso, ora
ele sibila para a frente de modo a quase tocar o
crânio, depois volta a acertar o poste fazendo
voar estilhaços”. É a experiência do absoluto imponderável,
na qual um intenso horror e uma
frágil esperança confluem para um só arrepio.
“Essa situação corresponde exatamente àquilo
que se vivencia em um bombardeio pesado”, resume
Jünger.

O espetáculo infernal guarda, ainda, a estrutura
de uma peça de teatro. Ocorre que — para seguir
essa segunda imagem — a plateia oscila, os
cenários tremem e o palco se rasga. A confiança
falha. Toda lucidez é inútil. Ainda assim, Ernst
Jünger faz, em “Tempestades de aço”, um minucioso
retrato da guerra. É verdade que, um século
depois da Primeira Grande Guerra, os recursos
tecnológicos modificaram completamente a
realidade das batalhas. A guerra, hoje, parece —
apenas parece — mais virtual do que real. Só um
jogo colorido estampado em um monitor. Contudo,
o livro de Jünger se oferece como lanterna
para iluminar não só o que experimentam, hoje
em dia, palestinos e judeus, curdos e budistas,
minorias étnicas e religiosas perdidas nas zonas
mais distantes do planeta. Mas também (bastando
pensar no atentado da última maratona
de Boston) os americanos comuns. Aqueles que
estão mais próximos. Todos nós.

Além de voluntário na Primeira Guerra, e
mesmo divergindo do nazismo, Jünger participou
da investida alemã na Segunda Guerra.
Quando jovem, abandonara os estudos para combater
com a Legião Estrangeira. Reconhece que
cresceu em uma época na qual “todos sentíamos a
nostalgia do incomum, do grande perigo”. A vida
cotidiana lhes parecia banal. “E então a guerra tomou
conta de nossas vidas como um desvario”.
Um louco ideal. Alistado como combatente da
Primeira Guerra, cheio de sonhos
de grandeza, teve, logo, a
primeira visão da realidade: viu
um homem que chegava de um
bombardeio brutalmente ferido.
“O que era aquilo? A guerra
havia mostrado suas garras e jogado
fora a máscara acolhedora”.
Acrescenta: “Era como uma
aparição fantasmagórica à luz
do meio-dia”.

A guerra, no século XXI, tem
uma aparência invisível. A tecnologia
e as transmissões em tempo real costumam
exibir, por longo tempo, o enigmático espetáculo
de um jogo de luzes, volta e meio riscado
por uma explosão, ou um estrondo. A guerra —
ainda que tão perto de nós — parece distante e
abstrata. Sobretudo abstrata. É tudo muito diferente
do momento em que Jünger viu, diante de si,
o homem que definhava. “Uma força quase magnética
prendia meus olhos a esse instante; ao
mesmo tempo, algo se modificava profundamente
dentro de mim”. O que se modifica? Toda uma
visão imaginária da glória — como combate viril,
engajamento e poder. O real, com seu manto de
sangue, passou a tomar o lugar de tudo.

“Tempestades de aço” é, em certo sentido, uma
narrativa radicalmente antiliterária.
Até porque parte, de fato,
não da imaginação e seus voos
— sublime animal de asas abertas
—, mas de algo mais bruto e
precário: os horrores da carne.
Ainda assim, penso, só um grande
escritor poderia ser tão detalhista
e precioso. Mesmo quando
descreve as longas noites de
espera nas valas das trincheiras,
Jünger arranca, para usar suas
próprias palavras, da “mesmice
deserta” algo que, apesar de tudo, insiste em latejar.
Desmoronadas as ilusões de grandeza, instala-
se o tédio, “mais enervante que a proximidade
da morte”. No lugar da glória, a guerra é, na maior
parte do tempo, estagnação. Não desprovida de
instabilidade: na solidão das valas, o chão afunda
e o céu treme. Conforme os bombardeiros se sucedem,
surge, como descreve Jünger, “a presença
viva da morte”. Sim, a morte vive: ela incomoda,
se mexe, disseminando a decepção e o insuportável.
Observar a guerra desde dentro, sintetiza
o escritor, é deparar-se com uma “visão do
incompreensível”.

Em meio à floresta de horrores, não se consegue
dar nome ao que se vê. O que talvez nos ajude
a entender um pouco algo que Jünger constatou
incrédulo: a indiferença dos pássaros aos ruídos
dos combates. “Era estranho que os pequenos
pássaros da floresta parecessem não se importar
com esse barulho cêntuplo; eles pousavam
em paz acima dos rolos de fumaça, nos galhos
destroçados”. Durante os intervalos dos
bombardeios, o escritor alemão podia ouvir
“seus cantos galantes e seu júbilo despreocupado”.
Como pássaros não falam, a ausência de nomes
para o que eles presenciam não os afeta. O
que mais dói na guerra, Jünger faz pensar, é não
haver um nome aceitável para aquele emaranhado
de dor. “Parecia inclusive que os pássaros
eram estimulados pela avalanche de ruídos que
rebentava em volta deles”. Talvez os ouvissem
como música. Pássaros habitam o grande sono
da abstração. Na floresta sem nome, Jünger
constata abismado, são os únicos que, indiferentes,
conservam a alegria.

Jünger rememora seus próprios sustos, ferimentos,
dores. Mas “Tempestades de aço” não é
o relato de uma experiência de heroísmo. Estranha
narrativa, que joga seu foco justamente sobre
aquilo que preferimos não ler. Não só o indizível,
mas o ilegível. E é exatamente desse ilegível,
aquilo que nenhum sentido suporta — ou
cujos únicos sentidos decorrem da surdez e da
afasia —, que Jünger, muito aquém da literatura,
ainda naquele terreno em que o real simplesmente
ferve sem aceitar qualquer nomeação, se
põe a escrever.

Deu-nos um livro áspero, desconfortável, mas
que nos acorda. Não é bom acordar entre destroços,
mas — sendo eles tudo o que temos — é o
que de melhor há a fazer.

Quadrinhos

folha de são paulo

CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
QUASE NADA      FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
HAGAR      DIK BROWNE
DIK BROWNE

Manobra religiosa, com olhos nas urnas - WADIH DAMOUS


O Globo - 18/05/2013

É essência da democracia a convivência
de forças políticas que se opõem, cada
uma representando a parcela da sociedade
que com ela se identifica, e no
caso de mandatos no Legislativo e cargos no
Executivo preenchidos pelo voto direto da população.

É a partir desta premissa básica, e sendo nosso
país um Estado laico — desde 1890 —, que
vem causando grande preocupação às entidades
de defesa dos direitos humanos e das minorias
a insidiosa contaminação da política pela
religião, cada vez mais utilizada por determinadas
lideranças partidárias e seus seguidores na
tentativa de insuflar a opinião pública.

Para isso, alguns desses parlamentares vêm se
valendo da disseminação, notadamente pela internet,
de uma intensa campanha de ódio. Com
vídeos editados e ataques agressivos, buscam
demonizar, pela via da difamação e dos termos
mais chulos, os ativistas e parlamentares que se
recusam a reconhecer uma comissão que deixou
de fazer jus ao seu nome e esvaziou-se e
perdeu sentido desde que foi posto para presidi-
la o deputado Marco Feliciano.

Como defensor das liberdades democráticas,
não podemos quedar inerte ante o seu desvirtuamento,
a forma repugnante, espúria, com que
vêm sendo extravasados conceitos e preconceitos
homofóbicos e racistas camuflados de supostos
preceitos religiosos ou presumidos valores
familiares.

Tribunas estão sendo transformadas em púlpitos
do fundamentalismo. E, de maneira estranha
à atividade parlamentar, a tecnologia é usada
na campanha viral de ataques à honra de
pessoas que lutam contra a hipocrisia e a repressão
dos que fecham os olhos à diversidade
humana. Procura-se, por todos os meios, e covardemente,
reforçar antigos estigmas sociais.

Há os que pretendem tratar homossexualidade
como doença — convicção de inspiração
nazista — e quem queira confundir os cidadãos
levando-os a acreditar na necessidade
de punir quem discrimine heterossexuais. Alguém
já ouviu falar em tal discriminação? Pura
provocação.

Vemos a infeliz combinação da influência religiosa
com e para fins políticos e da política com
e para objetivos que têm mais a ver com a disputa
mundana de poder do que com algum propósito
espiritual. Em qualquer dos casos, tratase
de uma excrescência a ser combatida.

Devemos denunciar os que tentam manobrar
politicamente a massa de fiéis e nos insurgimos
contra a exploração da religiosidade para benefícios
eleitorais. 

Wadih Damous é presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB e da Comissão da Verdade no Rio

Maratona carioca - MIGUEL PAIVA


O Globo - 18/05/2013

A Maratona Olímpica do carioca não demora
só duas horas e pouco como a
dos grandes atletas. Na Rio 2016 de hoje
ela dura o dia todo e é disputada todos
os dias. Difícil é conseguir chegar inteiro ao
fim do percurso. Recordes, então, só o do número
de participantes; uma cidade inteira.

As dificuldades da Rio 2016 de 2013 começam
logo na largada. Como ninguém respeita sinal
de trânsito a largada é sempre queimada e todo
mundo quer sair primeiro. Multas até que são
aplicadas, mas não resolvem. Atleta esperto não
paga multa. Queima a largada, atropela pedestre,
bate nos outros e fecha cruzamentos, quando
o cruzamento está livre, é claro. Aliás, um esporte
coletivo em que o carioca é campeão,
além do vôlei, é o fechamento de cruzamento. É
esporte coletivo porque os ônibus são os que
mais se destacam na atividade.

Dependendo da estação do ano, o remo e a
natação viram atividades praticadas quase todos
os dias nas ruas da cidade e nos arredores.
Enchentes, ruas alagadas, bolsões d’água servem
de local de treino para os atletas. Nas cidades
serranas essa atividade evolui para o
deslizamento sem esquis e todo ano a modalidade
avança sem que se consiga deter seu
crescimento.

O futebol, que sempre foi a marca do brasileiro,
anda meio caído. Depois dos pífios resultados
da seleção canarinho, percebe-se também
que as obras dos estádios, assim como todas as
obras em geral, estão atrasadas e os gramados
nos parques e jardins da cidade estão em petição
de miséria. Some-se a isso os buracos no
campo, nas ruas e nas calçadas. Por um lado isso
favorece a corrida com obstáculos e as disputas
de golfe, mas por outro acaba impedindo a
livre circulação de bicicletas ou cadeiras de roda,
já pensando nas disputas de ciclismo e nas
paralimpíadas.

Mas não há de ser nada. O carioca é antes de
tudo um atleta. Continuará amando e destruindo
sua própria cidade, tentando alcançar recordes
como o de acúmulo de lixo, de violência
contra turistas, de abandono da população de
rua, de caos no trânsito etc. O único problema é
que o carioca é por natureza (e que natureza!!)
um atrasado descansado. Nunca chega na hora.
Pode ser que os membros do COI aceitem isso
como explicação. Já que vai ser difícil terminar
tudo a tempo e deixar um legado pra cidade depois
dos jogos, que se comece já a disputa pelas
medalhas. Que as autoridades organizadoras
dos jogos não queiram ficar com todas as de ouro.
Afinal eles podem deduzir que carioca gosta
mesmo é de um bronze e praia, que não vai faltar
nos jogos de 2016. Espero.

Poemeto de amor ao próximo - Elisa Lucinda


O poema agradece por tantos aplausos no meio dos versos.

Poemeto de amor ao próximo

Me deixa em paz. 
Deixe o meu, o dele, o dos outros em paz!
Qualé rapaz, o que é que você tem com isso?
Por que lhe incomoda o tamanho da minha saia?
Se eu sou índia, se sou negra ou branca, 
se eu como com a mão ou com a colher,
se cadeirante, nordestino, dissonante, 
se eu gosto de homem ou de mulher, 
se eu não sou como você quer?
Não sei por que lhe aborrece
a liberdade amorosa dos seres ao seu redor.
Não sei por que lhe ofende mais 
uma pessoa amada do que uma pessoa armada!?
Por que lhe insulta mais
quem de verdade ama do que quem lhe engana?
Dizem que vemos o que somos, por isso é bom que se investigue: 
o que é que há por trás do seu espanto, 
do seu escândalo, do seu incômodo
em ver o romance ardente como o de todo mundo, 
nada demais, só que entre seres iguais?
Cada um sabe o que faz 
com seus membros,
proeminências,
seus orifícios,
seus desejos, 
seus interstícios.
Cada um sabe o que faz,
me deixe em paz.
Plante a paz. 
Esta guerra que não se denomina
mas que mata tantos humanos, estes inteligentes animais,
é um verdadeiro terror urbano e ninguém aguenta mais.
“Conhece-te a ti mesmo”
este continua sendo o segredo que não nos trai.
Então, ouça o meu conselho
deixe que o sexo alheio seja assunto de cada eu,
e, pelo amor de deus, 
vá cuidar do seu.

Elisa Lucinda, quinze de maioutono lindo

Diagnosticando parasitose com iPhone - Fernando Reinach

folha de são paulo

FERNANDO REINACH - O Estado de S.Paulo
As maletas de médicos estão desaparecendo. Antigamente, todo médico andava por aí carregando a sua, com equipamentos que podiam auxiliá-lo a diagnosticar e tratar o paciente no local. Lá estavam o estetoscópio, uma pequena lanterna para examinar a garganta, um instrumento para examinar o ouvido e, antigamente, uma pequena caixinha de aço inox com uma seringa de vidro e algumas agulhas. Alguns até levavam a lamparina de álcool para esterilizar a seringa. Com poucos instrumentos e alguns medicamentos, consulta, exames, diagnósticos e tratamento eram executados à beira do leito, geralmente na casa do paciente.
Os consultórios surgiram nas cidades e esses equipamentos migraram para dentro de uma gaveta. Exames passaram a ser feitos em laboratórios, injeções e os remédios migraram para farmácias. Essa sofisticação da medicina permite diagnósticos mais seguros e tratamentos mais eficientes, mas é impraticável em países onde a infraestrutura médica é pouco desenvolvida ou em áreas rurais distantes. Nesses lugares, os médicos ainda precisam de suas maletas. A Fundação Bill e Melinda Gates tem incentivado o desenvolvimento de equipamentos que possam levar para dentro da maleta parte dos sofisticados métodos de diagnóstico hoje encontrados nos laboratórios de análise clínica.
Um dos problemas é o diagnóstico de parasitas, as lombrigas e similares. Mais de 2 bilhões de pessoas estão infectadas por esses parasitas, a grande maioria em regiões pobres e rurais. O diagnóstico dessas infecções é simples, mas depende de microscópio. As fezes são coletadas, tratadas com corante e colocadas entre dois pedaços de vidro (lâmina e lamínula). Esses sanduíche é examinado em um microscópio para verificar a presença dos ovos que os parasitas liberam nas fezes (eles contaminam o solo e infectam outras pessoas). Contando os ovos e identificando o tipo de verme pelo tamanho e forma dos ovos, o médico pode avaliar se a pessoa está infectada, a gravidade da infecção e o tipo de parasita. Feito isso, é só ministrar o remédio. Mas como fazer isso em uma comunidade rural? É necessário um microscópio que custa milhares de reais, que é grande, difícil de transportar e necessita de eletricidade.
Médicos canadenses, americanos e suíços que estava estudando a prevalência desses parasitas na vila de Pemba, na Tanzânia, tiveram uma ideia. Não seria possível usar a câmara fotográfica de um iPhone para examinar as fezes dos pacientes e detectar a presença dos ovos de parasitas? Eles compraram uma pequena esfera de vidro de 3 milímetros de diâmetro (R$ 30), um rolo de fita adesiva de duas faces (R$ 15) e dois pedaços de papelão (R$ 1). Na fita de duas faces, fizeram um pequeno orifício de menos de 2 mm e colocaram a lente de vidro sobre a lente da câmara de um iPhone 4S e a fixaram no local com a fita adesiva. Como a fita era de duas faces, colaram os dois pedaços de papelão ao lado da lente esférica. Pronto, estava feito o microscópio. Eles colocaram esse microscópio sobre a lamínula da amostra e examinaram a amostra de fezes iluminadas por uma lanterna na tela do iPhone. Surpresa, era possível identificar os ovos de parasitas.
Como tinham levado a Pemba os equipamentos modernos necessários ao diagnóstico dessas infecções, até mesmo um ótimo microscópio (R$ 100 mil), resolveram fazer um estudo comparando a eficiência desse microscópio improvisado com um microscópio sofisticado.
As fezes de 199 pessoas foram examinadas usando os dois equipamentos. As pessoas que examinaram amostras no iPhone não sabiam que resultados haviam sido obtidos com o uso do microscópio sofisticado. Os resultados são animadores. Nos casos de parasitas com ovos grandes, o acerto foi de até 93% com o iPhone, mas, nos casos em que os pacientes estavam infectados com parasitas de ovos pequenos e o número de ovos era pequeno, o acerto caiu para 45%. No total, médicos acreditam que esse método é capaz de acertar o diagnóstico de 75% dos casos. Se esse número puder ser elevado a 80% a 85% dos casos, o microscópio improvisado pode substituir o normal. Já no ano que vem, quando voltarem a Pemba, vão levar outros modelos de smartphone com diferentes combinações de lentes.
Esse é um exemplo de como levar parte da medicina moderna a regiões isoladas. E com fundações estimulando esses desenvolvimentos é provável que a maleta dos médicos volte à moda.
* MAIS INFORMAÇÕES: MOBILE PHONE MICROSCOPY FOR HELMINTH DIAGNOSIS. AM J. TROP. MED. HYG. DOI/10.4269/AJTMH.12-0742 2013. 

Entrevista Guilherme de Paula - Mariana Sallowicz

folha de são paulo

Parceria com OGX ofereceu a chance de entrar na exploração
Grupo Malasiano que é um dos maiores do mundo se associou a Eike em cenário de crise
MARIANA SALLOWICZDO RIOO Brasil é visto como um dos principais mercados com potencial para exploração de petróleo no mundo pela malasiana Petronas, um dos maiores conglomerados do setor no mundo.
Após recente negócio com a OGX, petroleira de Eike Batista, a companhia deve estrear na extração de óleo no país -a transação depende da aprovação de órgãos reguladores. A produção deve começar no segundo semestre.
Guilherme de Paula, presidente do grupo para a América Latina, disse em entrevista àFolha que a companhia viu a parceria como uma oportunidade de explorar petróleo no Brasil.
A Petronas comprou da OGX 40% do campo de Tubarão Martelo (na bacia de Campos) por US$ 850 milhões.
O negócio ocorreu em meio a uma crise de confiança de investidores com a petroleira de Eike, após a empresa não ter cumprido metas de produção em 2012, seu primeiro ano de operação efetiva.
A estatal malasiana também fez nesta semana dois lances para compra de áreas de exploração na 11ª rodada de licitações da ANP (Agência Nacional de Petróleo), mas não saiu vencedora.
A companhia atua no país com a divisão de lubrificantes e tem uma fábrica em Contagem (MG). De Paula diz que a empresa planeja construir uma nova unidade.
-
Folha - Como ocorreu o processo de decisão da exploração no país e a escolha da OGX como parceira?
Guilherme de Paula - A Petronas entende que o Brasil é um dos principais mercados potenciais de exploração [de petróleo]. Essa [parceria] é a entrada da Petronas no Brasil. Estar associado ou ter uma participação num bloco com outra empresa é normal nesse setor.
Por que a empresa escolheu a OGX?
A oportunidade que apareceu foi com o grupo OGX, como poderia ter sido com qualquer outro.
O conhecimento de exploração da Petronas vai ajudar a OGX?
O know-how que a Petronas tem é o mesmo que aplica em outras reservas e blocos em todo o mundo. A OGX é que pode responder pelos benefícios para ela. Nosso objetivo é entrar no mercado brasileiro e explorar um bloco. Coincidentemente, a OGX é a parceira. Na área de exploração é comum vender e comprar participações. Isso ocorre porque o volume de investimentos para exploração é muito significativo.
A OGX foi a mais atrativa?
Tecnicamente sim. Foi feita uma análise técnica e profunda e entendeu-se que seria uma oportunidade da Petronas vir para o mercado brasileiro.
Pretendem ampliar a exploração no Brasil?
Não posso responder. É cedo para falar de futuro.
Existe um receio do mercado em relação à OGX por causa da produção abaixo do previsto. Como vê essa questão?
Não estou autorizado a comentar isso. Fizemos uma análise técnica da área de exploração.
O endividamento do grupo preocupa?
Não estou autorizado a falar sobre isso.
Em relação ao segmento de lubrificantes, quais são os planos?
A empresa tem um plano robusto de investimentos nos próximos cinco anos, em torno de R$ 300 milhões na América Latina. O negócio é considerado estratégico pela Petronas porque podemos "linkar" tecnologia com marca, diferentemente de outros negócios.
Quanto será investido?
Estão previstos R$ 160 milhões. Neste ano, investimos R$ 110 milhões na conclusão do projeto de expansão da fábrica de Contagem (MG). A fábrica exporta hoje para 15 países da América Latina. Os outros R$ 140 milhões serão feitos em aquisições e entradas em novos mercados na América Latina.
Além do aumento de capacidade da fábrica de Contagem, há novos projetos de expansão no Brasil?
Estamos vislumbrando uma nova ampliação em dois anos. O nosso plano de crescimento, a princípio, será orgânico no Brasil.
Existe a possibilidade de construir uma nova fábrica?
Estamos avaliando isso. Uma das hipóteses é construir fora de Minas Gerais. Vamos medir o nosso crescimento em 2014 e desenvolveremos um plano para começar a construção a partir de 2015 ou 2016. A produção deverá ter início no final de 2017 ou início de 2018.
O local foi definido?
Em relação à logística, os principais mercados são Rio e São Paulo. Temos que observar também Pernambuco.
Quanto será investido?
Se nossas ambições de crescimento se realizarem nos próximos anos, faríamos uma fábrica com capacidade entre 40 milhões e 50 milhões de litros. Nesse caso, seria em torno de R$ 110 milhões.
A Petronas fechou 2012 com 8,6% do mercado de lubrificantes, a sexta posição. Qual a meta a ser atingida?
Temos um plano de crescimento robusto para o Brasil até 2017. Fechamos 2012 com os 8,6% e o acumulado até março é de 9,1%. Temos a ambição de chegar aos 13%

    RAIO X PETRONAS
    Faturamento (mundo), em 2012: US$ 100 bilhões É a quinta maior companhia global de óleo e gás
    Faturamento (Brasil), em 2012: R$ 900 milhões
    Projeção para 2013: de R$ 1,1 bi e R$ 1,2 bi
    Negócios no Brasil: fábrica de lubrificantes em Contagem (MG) e 40% do campo de Tubarão Martelo (na bacia de Campos)
    Participação em lubrificantes no país: 8,6%

      Petroleiras reduzem promessa de conteúdo local
      Comprometimento no leilão de terça é o menor desde que exigência se tornou obrigatória
      DO RIOO comprometimento das companhias de petróleo com o conteúdo local mínimo atingiu, na rodada de licitações de área desta semana, o menor nível desde que a exigência se tornou obrigatória, em 2005.
      No leilão de terça-feira, o conteúdo nacional médio prometido para a etapa de exploração, foi de 62,25%, e, na etapa de desenvolvimento e produção, 75,97%.
      No leilão de 2008, os compromissos foram respectivamente de 79% e 84%. Em 2007, ficaram em 69% e 77%, e, em 2005, em 74% e 81%.
      O índice de conteúdo nacional é utilizado para compor a nota das concessionárias no leilão, junto com os bônus de assinatura e os investimentos.
      Segundo a diretora-geral da ANP (Agência Nacional do Petróleo), Magda Chambriard, a redução reflete o medo de multa das concessionárias pelo não cumprimento das metas prometidas.
      Entre 2011 e 2012, a ANP aplicou R$ 33,7 milhões em multas pelo não cumprimento de conteúdo local, a maioria paga com desconto legal que reduziu o montante para R$ 24,6 milhões.
      A maior multa foi aplicada à estatal Petrobras, no valor de R$ 29 milhões, reduzida para R$ 20,4 milhões com o desconto legal.
      ESTRANGEIRAS
      Dados divulgados ontem pela ANP mostraram ainda que nunca tantas empresas estrangeiras fizeram ofertas em uma rodada de licitações de áreas de petróleo e gás.
      Na rodada de terça-feira, 27 petroleiras estrangeiras fizeram lances, ante 23 em 2000, até então o maior número. Desse total, 18 saíram vencedoras, o mesmo nível registrado em 2001.
      REBAIXAMENTO
      A agência Fitch reduziu a nota de classificação de risco da dívida em moeda estrangeira e local da OGX, petroleira de Eike Batista. As notas das dívidas foram de B para B-. O rating nacional de longo prazo também foi alterado de BBB- para BB+.