quinta-feira, 19 de março de 2015

O verdadeiro inimigo - Martha Medeiros

ZERO HORA 18/03/2015

A corrupção dentro da Petrobras é só a ponta do iceberg – ou alguém acredita que em outras empresas, sejam estatais ou privadas, não acontece o mesmo? A corrupção no Brasil é um câncer que infelizmente não é terminal, porque não termina.
Porém, o foco hoje está na Petrobras, está no governo em vigência, está no momento presente, e isso divide o país. Se a corrupção estivesse sendo combatida como um mal comum a todos os partidos e a todos os segmentos da sociedade, talvez resgatássemos a humildade e nos mobilizássemos em busca de uma cura coletiva, mas virou uma guerra partidária. E aí sobra ofensa para tudo que é lado.
O toma lá dá cá de acusações reflete a infantilidade da nossa “consciência política”. Não queremos um país melhor, queremos ter razão. Analisar o problema de forma mais ampla? Não combina com nosso sangue quente. Decretar como inimigo a nossa própria índole está fora de cogitação.
Alguém devolve ao dono um dinheiro que encontrou na rua e vira matéria de jornal. Prova da deformação dos nossos valores. O que era pra ser trivial, aqui é raridade. Deixar o carro numa rua escura e retornar encontrando-o no mesmo lugar? Ir até um posto de saúde e ser atendido na hora? Ser educado por um professor bem pago? Tudo um “case”. O normal é o errado.
Diante de tanto errado para pouco certo, a gente não se une. A gente se desune, brigando uns contra os outros, ofendendo, ridicularizando, humilhando, baixando o nível da convivência. A democracia estimula a divergência de opiniões, sustenta o diálogo entre posições conflitantes a fim de encontrar um senso comum ou, na impossibilidade deste, um senso que represente a maioria, mas temos nos valido da democracia para xingar, insultar. É o Estado democrático autorizando nossa falta de educação.
Ok, às vezes, para defender nossas ideias, acabamos denegrindo quem pensa diferente. Acontece. Porém, tenhamos mais cautela e controle: a ofensa é o recurso de quem não tem nada a oferecer além de agressividade.
Troquemos a ofensa por argumentos. Coloquemos nossas divergências para dialogar. O que vem acontecendo é espetacular, máscaras caindo, mas entendamos que o Brasil precisa deixar o sentimentalismo de lado e agir de forma conjunta e adulta. O mais importante é garantir à nova geração que a impunidade acabou – os políticos e empresários de amanhã têm que começar a ter medo de roubar. Somado a isso, é urgente aprovar medidas concretas para moralizar tudo o que envolva dinheiro. Reduzir ao máximo o “me ajuda que eu te ajudo”.
Manifestações, críticas, desabafos, discordâncias, postagens indignadas ou bem-humoradas fazem parte do processo de reflexão e colaboram na mudança de mentalidade. Mas não esqueçamos que a guerra é contra a corrupção – que é apartidária.

LITERATURA » Mineiros no Salão de Paris

Entre os 43 autores nacionais convidados para o evento literário na França estão oito escritores de Minas Gerais. Além de divulgar suas obras, eles participam de debates

Ana Clara Brant
Estado de Minas: 19/03/2015 



Luiz Ruffato diz que o salão literário francês está entre os cinco mais importantes do mundo (Companhia das Letras/divulgação)
Luiz Ruffato diz que o salão literário francês está entre os cinco mais importantes do mundo

Ricardo Aleixo: performance ganha espaço  (Jair Amaral/EM/D.A Press)
Ricardo Aleixo: performance ganha espaço


Depois das homenagens recebidas em 2013 na Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, e em 2014 na Feira Internacional do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha, na Itália, o Brasil volta a ser convidado de honra de um dos eventos mais importantes da literatura mundial: o Salão do Livro de Paris, que começa hoje.

A comitiva do país reúne 43 escritores com livros traduzidos na França ou em negociações para que isso ocorra. A Câmara Brasileira do Livro (CBL) informa que a seleção levou em consideração a abrangência de títulos literários, o equilíbrio entre autores novos e consagrados, a presença de diversas regiões brasileiras no evento e a proporção entre homens e mulheres. A lista reúne Ana Maria Machado, Fernanda Torres, Edney Silvestre, Nélida Piñon, Ana Miranda, Paulo Coelho, Marina Colasanti, Daniel Munduruku, Daniel Galera, João Anzanello Carrascoza, Antônio Torres, Sérgio Lobo e Marcello Quintanilla, entre outros. Mineiros estarão em Paris: Adauto Novaes, Affonso Romano de Sant’Anna, Angela Lago, Luiz Ruffato, Maria da Conceição Evaristo Brito, Ricardo Aleixo e Sérgio Rodrigues.

Ruffato considera o salão francês um dos cinco mais importantes do mundo. Autor do polêmico discurso com críticas à situação social brasileira na feira de Frankfurt, ele diz que os convites do governo para participar desse tipo de feira diminuíram consideravelmente. “Fui convidado pelo Centro Nacional do Livro francês, não pelo governo brasileiro. Eles até tentaram me tirar da lista, mas continuo participando de muitos eventos internacionais”, revela.

PERFORMANCE O poeta Ricardo Aleixo, estreante no salão francês, foi convidado para duas mesas. O clímax de sua participação, acredita, será a performance Música para modelos vivos movidos a moedas. “Preparei um roteiro especial para esse trabalho, que faço há cinco anos. Um dos debates aborda a emergência da voz poética e do corpo no Brasil. Essa é uma discussão forte em nosso país, mas limitada ao âmbito acadêmico. Por parte do poder público, não houve essa preocupação, mas eles deveriam entender que esse campo é tão merecedor como qualquer outro”, destaca.

Para o escritor mineiro, a homenagem ao Brasil tem dois aspectos. Por um lado, a tendência é isso virar rotina pelo fato de o país integrar o grupo dos Brics ao lado da Rússia, Índia, China e África do Sul e ser visto como potência mundial. Por outro lado, a cultura vai apenas de reboque nesse contexto. “Parece-me que aqui não conseguimos enxergar o mesmo potencial que o pessoal lá fora consegue ver”, lamenta.

Para Ricardo Aleixo, a homenagem, mais do que mero tributo ao Brasil, exige que se ultrapasse a dimensão simbólica disso. “Temos que ver o escritor como uma profissão mesmo, parte da cadeia produtiva, e enxergar nessa participação a possibilidade de trocar e estabelecer relações efetivas com o país que nos homenageia, além dos outros que estarão lá. Muita gente vê esse tributo apenas como algo bonito, interessante, mas é algo muito mais profundo, pois mexe com nossa cultura, economia e política”, enfatiza.

A escritora, ilustradora e artista plástica Angela Lago vai trocar a bucólica Biribiri, no Vale do Jequitinhonha, por Paris, onde participará de duas mesas sobre literatura e imaginário infantil. “São temas extremamente difíceis. Vou abordar como a estrutura do imaginário infantil é semelhante em qualquer lugar. O conto de fadas é capaz de ser lido e absorvido por crianças das mais diferentes etnias e nacionalidades. A diferença e a semelhança serão assuntos importantes nesse debate”, frisa.

Affonso Romano de Sant’Anna participou do salão várias vezes como visitante. “Quem sabe passamos a ocupar mais espaço nas estantes francesas? A França tem um projeto cultural e o salão faz parte dessa iniciativa. Como se sabe, não participamos do boom latino-americano. Todo mundo quer um lugar em Paris, pois é ainda um espaço irradiador de cultura”, observa. O poeta e crítico belo-horizontino fará duas apresentações – uma delas, na Sorbonne, com Serge Boujea, que traduziu suas obras para o francês.

COMITIVA DE MINAS



Adauto Novaes

 Vencedor do Prêmio Jabuti na categoria ciências humanas por duas vezes. Jornalista, professor e filósofo, Novaes tem dois livros traduzidos para o francês: Les aventures de la raison politique e L’autre rive de l’occident.

Affonso Romano de Sant’Anna


 Ensaísta, crítico, cronista e poeta, lecionou na Universidade de Los Angeles e dirigiu o Departamento de Letras e Artes da PUC Rio. Entre seus livros em francês, estão L’enigme vide – impasses de l’art e de la critique, Anthologie de la nouvelle poèsie brèsilienne e Affonso Romano de Sant’ Anna e Carlos Nejar: deux poètes brésiliens contemporains.

Angela Lago

 Escritora e ilustradora, a maior parte de sua obra é dedicada às crianças. Publicou mais de 40 livros no Brasil e no exterior. Ganhou os prêmios Jabuti, Iberoamericano de Ilustración (Espanha), BIB Plaque (Eslováquia) e Octogone de Fonte (França). Cena de rua foi selecionado entre os 15 melhores livros de imagens do mundo.

Fernando Morais


 Jornalista premiado, seu primeiro best-seller foi A ilha, relato de uma viagem a Cuba. Publicou biografias de sucesso, como Olga e Chatô, o rei do Brasil, além de livros-reportagem como Corações sujos e Os últimos soldados da Guerra Fria.

Luiz Ruffato

 Formado em comunicação social, estreou na literatura em 1998 com Histórias de remorsos e rancores. Seu romance Eles eram muitos cavalos foi traduzido para o francês em 2005. Recebeu os prêmios Machado de Assis, Jabuti e Casa de Las Américas.
Maria da Conceição Evaristo Brito
 A poetisa e romancista atua nas áreas de literatura e educação com ênfase em temas de gênero e etnia. Lançou os romances Ponciá Vicêncio e Becos da memória.

Ricardo Aleixo


 É poeta multimídia, artista visual, cantor, compositor, ensaísta, artista plástico e editor. Publicou Mundo palavreado, Modelos vivos e Máquina zero. Apresentou suas performances na Alemanha, Argentina, Espanha, EUA, França, México e Portugal.

     
Sérgio Rodrigues



 (Bel Pedrosa/divulgação)


 O escritor, crítico literário e jornalista é autor de O drible, que ganhou o Grande Prêmio Portugal Telecom 2014 na categoria romance. O interesse despertado por esse livro na França rendeu-lhe convite para escrever um folhetim no Le Monde, durante a Copa do Mundo. O drible ganhará edição em francês.

PANELAS




Um dos destaques mineiros no Salão do Livro de Paris será o painel Cozinhando com palavras, que reúne gastronomia, literatura e música. Ao longo de quatro dias, um grupo de chefs participará do espaço, sob curadoria de André Boccato. Elzinha Nunes, Rodrigo Ferraz, Leonardo Paixão, Ivo Faria, Morena Leite e Ary Kespers conversarão com o público sobre a culinária de Minas e ministrarão aula coletiva.

POSE HISTÓRICA

Exposição em Ouro Preto reúne registros da vida cotidiana na cidade no século 19 e desvenda a rotina dos fotógrafos da época


Walter Sebastião
Estado de Minas: 19/03/2015 




Inauguração da estátua de Tiradentes, em Ouro Preto, em 1894 (ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO/REPRODUÇÃO)
Inauguração da estátua de Tiradentes, em Ouro Preto, em 1894


Registro do caminho da Estação, de 1882, que integra a mostra (ARQUIVO MUNICIPAL DE OURO PRETO)
Registro do caminho da Estação, de 1882, que integra a mostra


No Brasil do século 19, os fotógrafos eram ambulantes que viajavam pelas cidades levando em lombos de burro e veículos puxados a cavalo todo o material necessário para sua atividade. Transportavam não só câmeras, mas também produtos químicos indispensáveis para fazer os negativos (então vidros emulsionados na hora de se fazer a foto), revelar e copiar as imagens.

Eram franceses, alemães, italianos, dinamarqueses, portugueses e, com o tempo, brasileiros que aprenderam o ofício com estrangeiros ou lendo manuais sobre o assunto. Eles viajavam pelo país, estabeleciam-se nas localidades maiores e buscavam trabalho nos arredores. Alguns publicavam anúncios, em que informavam aos moradores de uma cidade a data de sua chegada e da partida.

O primeiro anúncio de um ateliê de fotografia em Minas Gerais foi publicado em 1845 na revista Recreador mineiro, da antiga Vila Rica. “Ouro Preto, por ser a capital da província e, a partir de 1889, do estado de Minas Gerais, tinha uma elite política, intelectual, de funcionários da administração pública, que podia pagar os fotógrafos. Isso permite que eles estabeleçam ateliês na cidade”, explica o historiador Rogério Arruda, autor do livro O ofício da fotografia no século 19.

A fotografia, segundo diz Arruda, embora fosse menos dispendiosa do que a pintura, também era cara. Para garantir seu sustento, o fotógrafo precisava se dedicar também a outras atividades. José Faustino de Magalhães, por exemplo, era fotógrafo, dentista e ourives.

Os primórdios da fotografia no Brasil mostrados por meio de imagens feitas em Minas Gerais estão na exposição A fotografia em Ouro Preto no século 19, que tem curadoria de Arruda e do também historiador Rodrigo Vivas. A mostra será aberta amanhã, às 20h30, na Sala Manoel da Costa Athaíde, anexo do Museu da Inconfidência.

Estão reunidas na exposição 20 fotografias (retratos e vistas urbanas ou rurais) realizadas entre 1845 e 1900, produtos de pesquisa de Rogério Arruda e de Margarete Monteiro. “Não são fotos clássicas. Mostramos a atividade fotográfica como produtora de imagens e que imagens são essas”, avisa. A mostra é um recorte de um projeto mais amplo sobre as perambulações dos fotógrafos por Minas Gerais no século 19 chamadoItinerâncias.

Ouro Preto, segundo afirma Arruda, tem papel importante na difusão da fotografia em território mineiro. Os fotógrafos, depois de instalados na cidade, começam a viajar por Minas Gerais, criando um acervo de registros ricos em informação sobre a vida social, política, econômica, cultural e familiar.

Pelos anúncios em jornal pode-se acompanhar as perambulações de Francisco Manoel da Veiga por Ouro Preto e Diamantina, cidades que, ao lado de Juiz de Fora, têm registros fotográficos ainda no século 19. “O fotógrafo torna-se o elo entre os grandes centros e as pequenas cidades do Brasil. Viajando, leva as ideias da modernidade para o interior de Minas Gerais”, acrescenta o historiador.

O interesse que a fotografia despertou fez com que houvesse uma intensa movimentação de fotógrafos por Minas Gerais, observa o historiador. “As imagens existentes são uma pequena parte do que foi realizado, pois muita coisa se perdeu”, acrescenta, lembrando que a guarda correta do material é recente. “Precisamos trabalhar para que os museus tenham condições de receber essas coleções e cuidar delas de forma adequada.”

Arruda, cujo livro venceu o prêmio Marc Ferrez em 2012, afirma que “ainda há muito a conhecer sobre a fotografia no século 19 em Minas Gerais”, mesmo que a situação da pesquisa e dos estudos sobre os primórdios da fotografia no Brasil tenha avançado nas últimas duas décadas.
Anúncio do fotógrafo Guilherme Liebernau em  A actualidade, de Ouro Preto, em 29 de abril de 1880 (ACERVO DA BIBLIOTECA PúBLICA ESTADUAL LUIZ DE BESSA/DIVULGAÇÃO)
Anúncio do fotógrafo Guilherme Liebernau em A actualidade, de Ouro Preto, em 29 de abril de 1880

“Temos curadores, historiadores, bibliotecários e instituições que sabem trabalhar com material fotográfico. O que falta é mais incentivo à catalogação, à pesquisa, além de criar melhor infraestrutura nas instituições para receber o material, assim como incrementar sua divulgação”, defende. Tudo isso é necessário, na opinião do curador, para “dar à fotografia antiga a importância que ela tem. Se não valorizarmos, não há como preservar”. Ele observa que “as imagens trazem a memória das cidades, da família, do Brasil. Nossa identidade e sentido de pertencimento vêm muito desses vínculos”.

Comparando o uso contemporâneo com o antigo da fotografia, Arruda se incomoda com o que percebe como uma banalização da foto e seu uso muito centrado no indivíduo. Ele identifica, junto com essa tendência, o ocaso do álbum de família. “Apesar disso, considero positiva a democratização do acesso à fotografia”, argumenta, lembrando que, no século 19, até pelo fato de o Brasil ter sito até 1880 uma sociedade escravocrata, a fotografia foi praticada por poucos.

A fotografia  em Ouro Preto no século 19


curadoria de Rogério Arruda e Rodrigo Vivas. Abertura amanhã, às 20h30. Sala Manoel da Costa Athaide, Anexo I do Museu da Inconfidência (Rua Vereador Antônio Pereira, 33, Centro Histórico de Ouro Preto). Informações: (31) 3551-1121 ou 5233. De terça a domingo, das 10h às 18h. Até 3/5. Entrada franca.
DOM PEDRO

A primeira fotografia reconhecida remonta ao ano de 1826 e é atribuída ao francês Joseph Nicéphore Niépce. Não se atribui o invento a apenas um autor, mas a um processo de acúmulo de avanços por parte de muitas pessoas, trabalhando, juntas ou em paralelo, ao longo de muitos anos. Entre elas, o franco-brasileiro Antoine Hercule Romuald Florence (1804-1833). O primeiro registro da prática da fotografia no Brasil é de 1840 e alude à chegada ao Rio de Janeiro de Louis Compte, capelão de um navio, que faz demonstrações da daguerreotipia, processo que registrava imagens sobre placas de cobre ou outros metais. Mostrou a novidade inclusive para dom Pedro II, então um garoto de 15 anos, que se tornou fã do assunto e fotógrafo.