domingo, 18 de novembro de 2012

Colunista Convidado: ÁUREA MARTINS - A cor do Brasil


O Globo - 18/11/2012

“Não aceito injustiças. Somos uma
só raça, a raça humana. Não aceito
preconceitos. Às vezes, penso que
deveria ser alienada, mas não sou. Se
vejo qualquer ação preconceituosa,
falo. Cuspo meus marimbondos”


Na certidão de nascimento consta meu nome de batismo: Áldima. Depois que me tornei uma operária da música, o Paulo Gracindo me batizou de Áurea Martins. Foi quando, em 1969, ganhei o prêmio de melhor cantora no programa “A grande chance”, no Teatro Municipal, do Flávio Cavalcanti. E de uma imagem não esqueço: a Mayza me estendendo uma rosa, homenagem talvez à ousadia de escolher uma canção dificílima de Dolores Duran e Ribamar, “Pela rua”, para disputar o prêmio. Quarenta anos depois, no Canecão, ouço a Fernanda Montenegro me anunciar como vencedora na mesma categoria, e berrei como se estivesse com a boca num megafone: “Mas eu?” E, baixinho, disse para mim mesma: “Olha só onde essa Cara Preta chegou!”

Uso de forma bem-humorada a expressão “Cara Preta”. Entretanto, por trás desse bom humor, procuro me manter esclarecida sobre as condições as quais o negro está submetido na sociedade contemporânea, condições essas caracterizadas pelas mais diversas maneiras de segregação (geográfica, midiática, artística, dentre outras). Fazendo um recorte socioespacial do Brasil, é importante dizer que em nosso país o preconceito racial, na maioria das vezes, ocorre de forma velada, nas entrelinhas, e este é um dos principais motivos pelos quais o racismo ainda mantém tantas raízes.

Nesses anos posso falar que, sendo negra e cantora, tenho como referência a música do Billy Blanco “A banca do distinto”, que escreveu para Dolores Duran, negra e cantora, que também sofreu preconceitos e descriminações.

Nosso país segue, por muitas vezes, o modelo europeu e americano. Nós somos um país miscigenado, o qual deveria dar igualdade de condições para todos.

Se hoje temos mais negros — não gosto da palavra mulato — nas mídias é porque nossa cultura é forte e inteligente. O samba, o hip hop, o jongo, o funk, a black music... Não estamos tão invisíveis.

Mas sinto falta de negros nos shows que frequento e que faço. Participei de uma roda de samba numa comunidade pacificada e só vi meninos e meninas da Zona Sul. Quero todos, não aceito invisibilidade. Que as comunidades sejam pacificadas, mas para todos terem segurança e liberdade.

Sei viver bem, e viveria melhor se não tivesse ainda que conviver com o preconceito. Tenho uma personalidade forte, talvez por ter vivido esses anos passando por muitas situações de preconceito racial. Não aceito injustiças. Somos uma só raça, a raça humana. Não aceito preconceitos de jeito nenhum. Às vezes, penso que deveria ser alienada, mas não sou. Sou justa. Se vejo qualquer ação preconceituosa, falo. Cuspo meus marimbondos.

Quanto a cantar, continuo aí, feliz por ter cantado até hoje o que gosto e sem amarguras. E cantar o que gosto é uma das minhas mais importantes respostas ao preconceito racial, pois representa a minha liberdade artística, a minha assinatura de autoalforria, a minha transgressão ao monstro silencioso da segregação. Levo a vida sem preconceitos ou conceitos. Tenho meu reconhecimento digno. E para concluir esta coluna remeto-me à letra da já citada “A banca do distinto”, que expressa, com humor e dureza, o princípio que rege a condição de igualdade entre todas as etnias. “Todo mundo é igual, quando o tombo termina: com terra por cima e na horizontal.”

O ‘muso’ dos NOVÍSSIMOS

O Globo - 18/11/2012

Aos 66 anos, Júlio Bressane é o único cineasta veterano escalado para a Semana dos Realizadores,
dedicada à produção independente nacional, na qual vai exibir um de seus dois filmes inéditos


Júlio Bressane. “Há muitos filmes que fizeram renda mínima ou sequer foram exibidos, mas ficaram na memória

CARLOS HELÍ DE ALMEIDA

carlos.heli@oglobo.com.br

Júlio Bressane reconhece que faz filmes para poucos, alimentado pela curiosidade e pela experimentação, e que não tem vocação para blockbuster. Mas o autor de títulos essenciais para a oxigenação da atividade no país como “Tabu” (1982) também tem certeza de que, embora minoria em um mercado ávido por sucessos de bilheteria, o cinema feito à margem dos padrões comerciais nunca sairá de cartaz, porque sempre haverá para quem passar o bastão.

— O fio dessa experimentação, que é o que ficou de bom do cinema brasileiro, nunca se extinguirá,
porque as gerações de diretores com sensibilidade para esse tipo de filme se renovam — afirma o realizador carioca, único veterano ainda em atividade com filme escalado para a quarta edição da Semana dos Realizadores, mostra dedicada à produção independente nacional, que acontece entre a próxima quinta-feira e o dia 29, no Espaço Itaú de Cinema. — Sempre teremos jovens diretores com uma sensibilidade que não é a dominante, mas que tem fulgurância, e que servirá de guia para as pessoas.

Longe das telas e dos festivais desde “A erva do rato” (2008), Bressane retorna aos braços de seus admiradores e pupilos (confessos ou não) com “Rua Aperana 52”, que ganhará projeção única no dia 24, às 19h. Lançado no Festival de Roterdã, em janeiro passado, dentro da seção Spectrum, voltada para trabalhos de mestres do cinema experimental, o filme refaz o percurso sentimental e geográfico de um endereço que durante décadas esteve ligado à família do realizador, a casa, no Leblon, onde Bressane passou a infância e parte da juventude.

Alimentado por fotos do álbum de família e filmes caseiros, realizados entre 1905 e 2009, e por trechos de seus longas-metragens rodados naquela região, que remontam a “Matou a família e foi ao cinema”, de 1969, e chegam até “Cleópatra” (2007), o longa-metragem fornece elementos para refletir sobre as transformações não só da casa, mas também da paisagem à sua volta. Muitas das imagens antigas foram feitas por um Bressane ainda jovem, com uma câmera de 16mm presenteada pela mãe, no fim dos anos 1950. Apesar do peso sentimental do material usado, o diretor diz que “Rua Aperana 52” tem pouco de autobiográfico.

— “Rua” não é uma biografia, mas um biografema, tem o indício do biográfico, essas coincidências com o pessoal, mas vai além — explica o diretor de 66 anos, que levou para o Festival de Roma um outro filme inédito, “O batuque dos astros”. — A partir de toda essa iconografia e iconologia que se produziu nessa paisagem em particular, inventei uma nova paisagem. Na verdade, é um filme de ficção, um jogo de xadrez de ficções que se intercalam, a das fotos, a dos fragmentos dos filmes caseiros, e também a das diversas ficções dos filmes que estão ali.

O biografema de Bressane é o mais radical dos títulos oferecidos pela Semana dos Realizadores, que inclui “Eles voltam”, do pernambucano Marcelo Lordello, e “Otto”, do mineiro Cao Guimarães, vencedores, respectivamente, do Candango de melhor ficção e de documentário do último Festival de Brasília. O filme se encaixa perfeitamente no conceito da programação oferecida pela mostra carioca, que inclui trabalhos em longa e curta-metragem e é frequentada por jovens realizadores que bebem na fonte do cinema de invenção perpetuado por Bressane.

— Ele faz um cinema de risco, que se apoia na tradição como chave para o novo — resume o carioca Bruno Safadi, de 32 anos, ex-assistente de Bressane em “Filme de amor” (2002) e diretor de “Belair” (2009), documentário sobre a mítica produtora que Bressane e Rogério Sganzerla fundaram em 1970. — O cinema dele é o que incorpora o melhor de nossa história musical, literária, cinematográfica, pictórica e poética, e que faz desse caldeirão cultural cinema.

SEM RECURSOS DE EDITAIS

Assim como “Rua Aperana 52”, “O batuque dos astros” reúne um repertório de imagens associadas ao trabalho do cineasta para fazer um tributo ao poeta português Fernando Pessoa (1888-1935). Aqui, ele também usa extratos de seus trabalhos para construir, nas palavras do diretor, um “geofilme, montado a partir de elementos geográficos de Pessoa, fazendo uma relação entre o transplante do poeta de Portugal e o cinema brasileiro”. Mesmo quando recorre ao seu universo particular, Bressane parece apontar novos rumos a partir dele.

— Bressane é um nome algumas vezes visto como de um cinema voltado para si, mas ele é, na verdade, nosso cineasta mais generoso na forma como olha e se declara ao mundo-cinema: da pornochanchada ao mais encastelado cinema autoral — elabora o também carioca Felipe Bragança (“A alegria”), 32 anos, outro admirador da obra do cineasta. — É um fio de tradição carioca, especialmente, que é uma trincheira contra o conformismo do cinema autoral, ameaça pela qual passamos a cada dia neste Brasil de hoje, onde a arte começa a ser empacotada como espaço da eficácia estética.

Os dois novos filmes só se tornaram viáveis graças ao apoio do Canal Brasil.

— Não consigo mais ganhar recursos de editais. A razão, desconheço, mas pode ser tudo, menos mercado — acredita Bressane. — Mas eu não reclamo. Ninguém lembra do grande sucesso de bilheteria de 2009, mas há muitos filmes que fizeram renda mínima e outros até que sequer foram exibidos, mas ficaram na memória. O paradigma disso é “Limite” (1931), de Mário Peixoto (1910-1992). Nem visto foi, mas a tradição ficou, e hoje tem mais adeptos e espectadores que muito filme comercial por aí.

Poucas chances para a paz -ADRIAN HAMILTON


Há uma explicação simples para a decisão de Israel de aumentar a aposta em Gaza. É só porque tem superioridade militar e sabe que não haverá consequências, ao menos em termos internacionais.

Barack Obama virou para o lado, dizendo que mais ou menos entende por que Israel está fazendo isso, mas que esperava que eles tentariam evitar mortes de civis. O chanceler britânico William Hague deixou claro qual o lado que a Grã-Bretanha escolhera, declarando que “o Hamas tem a responsabilidade maior pela atual crise”. Mesmo o Egito, ao condenar o ataque israelense, foi cuidadoso na resposta, uma vez que não são poucos os palestinos em Gaza que gostariam de ver o Hamas receber uma derrota humilhante.

A única consequência real foi a morte de três israelenses. Mas isso também poderia servir aos propósitos do premier Benjamin Netanyahu. Quanto mais o conflito se agravar, mais dura será a resposta israelense e mais Israel vai se sentir como uma nação atacada a dois meses de o premier enfrentar uma eleição.

E assim a coisa segue, como quando Israel desistiu da ocupação da Faixa de Gaza em 2005. E assim vai continuar a ser, sem dúvida, por um longo tempo. Isso porque, apesar de toda a dor, um grau de hostilidade relativamente baixo é tolerável e mesmo politicamente bom para ambos os lados. Com a paz, o apoio ao Hamas pode cair entre os palestinos desesperados por um futuro melhor. Com guerra, eles vão se juntar ao Hamas como a única organização capaz de enfrentar Israel. Mas a paz também não é interesse de Israel, que desistiu da ocupação de Gaza não porque queria uma Palestina separada viável, mas porque sabia que não poderia continuar a ocupação direta de um povo que poderia ultrapassá-lo em tamanho. Controlar as fronteiras, frear o comércio, matar líderes é uma forma de ocupação por outros termos. O conflito contínuo em Gaza ajuda a garantir que a divisão entre a Autoridade Nacional Palestina e o Hamas aumente e que a perspectiva de um Estado palestino viável fique cada vez mais distante.

Lançar bombas também é útil para um governo que cada vez mais enfrenta isolamento com a Primavera Árabe, a eleição de um presidente da Irmandade Muçulmana no Egito a um Hamas que recebeu apoio e visita do chefe do Qatar. Uma escalada de hostilidades neste momento coloca um ponto final em qualquer pressão por negociação sobre a Palestina. Obama pode ser simpático à ideia de renovar as conversas, mas ele não vai intervir quando não há possibilidade de sucesso.

Para que haja uma chance de paz, são necessários um Israel que a queira e uma Palestina unida o suficiente para dá-la. Não há muita chance de nenhuma das duas coisas ocorrerem. O que está mudando é o contexto internacional. Quando os palestinos forem à ONU no fim do mês buscar um status de observador, Israel vai perceber que tem poucos amigos e menos ainda que o apoiem com entusiasmo. Atacar Gaza não vai ajudar em nada.

Adrian Hamilton é colunista do “Independent”

A voz da canção - Olívia Hime


O Globo  - 18/11/2012

Impossível não pensar ou não tentar penetrar em uma canção: cada modulação, cada desenho melódico. E as palavras!
Magia pura!Como toda criança, desde muito miudinha me interessava em saber o que havia por dentro das coisas. 
Destripei alguns peixes, violei o forro de bonecas, busquei revelações dentro das caixas azul-marinho de Modess de minha mãe, com a sensação constante de que havia algum segredo, uma essência, alguma coisa anterior ao meu olhar e que cabia a mim desvendar.

Veio a adolescência, veio a psicanálise e, finalmente, veio a música - as canções e seus mistérios.

Assim entendo a relação do intérprete com as canções. Não que eu deseje ver as canções violadas, desforradas, destripadas, assim como fiz com o abdômen de meus pobres peixinhos. Muito pelo contrário. Porém, impossível não pensar ou não tentar penetrar em uma canção: cada modulação, cada desenho melódico. E as palavras! Palavras que, a cada vez que você as repete, transformam-se em outras. Magia pura! Toda grande canção, toda poesia é prismática. As leituras são tantas! As possibilidades se revelam quanto mais você as ouve, estuda, repete. Aliás, em francês a palavra "ensaio" é "repetition". É isso: uma canção tem que ser repetida tantas e tantas vezes e um pouco mais. A ponto de se tornar um pouco sua.

Eu diria que existem três tipos de intérpretes: aquele cujo instrumento vocal ou musical e sua técnica bastam para que realize a proeza de trazer a canção a público – o artista virtuoso.
O que "usa" a música: invadindo, interferindo sem, na verdade, ouvi-la. Sem ter a paciência de deixar que ela lhe cochiche algum segredo. Usa e abusa da pobre canção, cometendo floreios, firulas, mudando melodias, repetindo versos aleatoriamente e Deus sabe o que mais. Pior de tudo, vangloria-se da meta alcançada: deformar canções.

Finalmente, existe o intérprete que se torna cúmplice da canção. Que poderá interpretá-la mil vezes seguidas e nunca será igual. Aquele que ama aquela canção com tamanha paixão que, por vezes, seu autor se enciúma. Que se desnuda de tal forma diante daquela melodia, daqueles versos, que jura que seu autor entrou em seus devaneios e psicografou seus sentimentos.

Não só quem interpreta, cantando ou tocando, vai em busca da voz da canção. Também o parceiro de uma música já criada tem a árdua tarefa de tentar decifrar o que se esconde nas dobras daquela canção, já criada. Ao receber uma música para colocar palavras ou vice-versa, se um poema for musicado, cabe a quem chegou depois desvendar a questão que tanto me intrigava na infância: o que já existe dentro das coisas, das pessoas, das canções e como chegar até lá?

O CÓDIGO DAVID - DIAS DE PENSAR NO CHOPE

Zero Hora:18/11/2012

A verdade é que eu era mais valente, antes do meu filho nascer. Eu vivia repetindo: “A vida é boa, a vida é boa”.

E é.

Mas você tem um filho, e começa a sentir medo. Está tudo certo com o seu filho e com a sua vida, mas você fica pensando em todos os perigos do mundo, nos malditos vírus e nas bactérias insidiosas que pairam no ar, nos bandidos cruéis sob os semáforos, sei lá. Você pensa no futuro, porque o seu filho está nele, no futuro, e você quer que tudo dê certo.

Mas é uma ilusão. O medo é uma ilusão. O futuro é uma ilusão. Porque você está levando em consideração as coisas ruins da vida, quando pode levar em consideração as coisas boas.

Por exemplo: o chope.

Pense no chope. É no que temos de pensar a partir de agora, quando estamos em meados de novembro. Os dias quentes estão retornando em toda a sua glória, o que significa que chopes urgem.

Pois bem.

Reflita sobre essa palavra curta e redonda. Chope. O que lhe veio à mente? As batidas da balada segura? As multas de dois mil reais? Os bêbados irresponsáveis que espancam a mulher e atormentam os filhos? Ou você imaginou um copo de chope cremoso e dourado e gelado e sentiu o primeiro gole deste chope rolando-lhe garganta abaixo e você até emitiu um suspiro, aaaaaah!, e estalou os lábios e viu-se a olhar para os amigos em torno à mesa e a sorrir para eles e a proferir:

– A vida é boa!

Foi no que você pensou? Maravilha. É assim que é, rapaz. Esse é o espírito dos dias cálidos e luminosos que se aproximam. Seu coração também há de se tornar cálido e luminoso. Olhe para o seu filho e, mais uma vez, pense no chope. Não nos malefícios do chope exagerado, que o chope engorda e embriaga, não, mas nos chopes que ele ainda vai tomar, nos sorrisos dos amigos dele para os quais ele vai sorrir. Eis o futuro. Eis uma boa ilusão.

A morte da aranha

A natureza pródiga dotou a vespa-caçadora de um poderoso ferrão envenenado. Se um homem se atravessa no seu caminho e ela se irrita e lhe aplica uma ferroada, a dor que o homem sentirá será uma das mais agudas que um homem pode sentir.

Mas a vespa-caçadora não se interessa por seres humanos. Ela se interessa por aranhas. A vespa-caçadora é grande, para uma vespa: mede cerca de cinco centímetros. Uma tarântula, porém, pode chegar a 30 centímetros - imagine uma aranha do tamanho de um prato vindo na sua direção.

Certo.

Só que a vespa-caçadora não tem medo dela. Ao contrário: ela PREFERE as tarântulas. Então, a vespa-caçadora se aproxima sorrateiramente da tarântula e, ZÁS!, finca-lhe o ferrão. Uh, deve ser uma dor insuportável. Mas a aranha não morre, apenas fica paralisada como se fosse a zaga do Palmeiras. Então, a vespa a arrasta para a sua toca e põe o ovo sobre ela – importante frisar que esta é a vespa fêmea, o macho é muito mais tranquilo, não sai por aí atacando aranhas.

Assim, o ovo está em cima da aranha imobilizada. Quando o ovo eclode, sai de dentro dele uma larva nojenta, que passa a sugar os fluidos do corpo da aranha a fim de se alimentar. A larva toma o cuidado de não comer nenhum órgão vital. Ela não quer matar a tarântula, pois só assim o alimento continuará fresco e nutritivo. Ou seja: a aranha é DEVORADA VIVA.

Eis a beleza da mãe natureza.

Onde aprendi isso? Num livro do meu filho de cinco aninhos de idade: “As 100 coisas mais nojentas do planeta”. São essas coisas que estão na cabeça das criancinhas hoje em dia. Acho que não preciso, mesmo, me preocupar com o futuro.

O QUE LER - O tigre na sombra

Lya Luft escreveu um romance curto, porém denso. “O Tigre na Sombra”, publicado pela Record, tem pouco mais de 120 páginas, mas em cada uma Lya deixa pistas sombrias dos dramas do inconsciente dos personagens. A tensão vai gotejando da narrativa, fazendo com que o leitor aos poucos seja capturado pelo clima da história e siga adiante sem parar, num fôlego só.

Lya intercala a história com belos poemas. Destaco um, para acicatar sua curiosidade:

No fundo do corredor

um espelho em pé é uma casa

de vidro;

um espelho deitado é um mar,

abismo.

Em ambos algo me observa

lambendo calmamente as patas.

Ele é a vida e a morte,

reais

ou com disfarces bizarros:

quem se importa com a verdade?

Ela é sempre invenção de alguém.

(E os olhos do meu tigre

são azuis.)

AQUELE LUGAR - Cali

Antes de conhecer Cali, se alguém mencionasse esse nome, “Cali”, eu pensava imediatamente em “Cartel”.

Cartel de Cali.

Aí, em 2001, conheci Cali. A partir de então, a associação de ideias que faço, ao ouvir o nome da cidade, é com “alegria” ou “música” ou “dança”.

Se bem que dança, no caso, não me é favorável. Pelo que vou contar a seguir, dois pontos:

Ocorre que a música se evola pelas ruas de Cali. Você passa pela frente de um bar, qualquer bar, e ouve aqueles ritmos latinos. A rumba. A salsa. O merengue.

Os calenhos estão sempre dançando.

Bem ao lado do hotel em que me hospedei havia um desses bares. O lugar estava sempre lotado. Ouvia a música que saía dali e as risadas e tudo mais. Pensava: isso deve ser muito divertido, quando puder vou dar uma conferida.

Bem. Uma noite, foi o que fiz. Entrei no bar. E, no primeiro minuto de jogo, fiquei embasbacado. Todos dançavam e gargalhavam e bebiam e era tudo muito colorido. Alguns casais dançavam em cima das mesas e dos balcões. Não era uma orgia, entenda: era uma festa de alegria despreocupada. Uma autêntica festa calenha.

Não tinha dado dois passos para dentro do lugar e uma daquelas morenas colombianas me pegou pela mão e me puxou para dançar. Uau, ela dançava e sorria e rebolava com vasta flexibilidade, era uma enguia com coceira. Mas, no meio da música, ela me disse em espanhol:

– Tu não sabes dançar!

E eu: – É... Bem... Quer dizer...

Não tive de explicar nada. Em um segundo, ela se soltou de mim e foi ondulando em direção a outro cara mais dançante.

Moral da história: se você for a Cali, não precisa ter medo do Cartel, mas aprenda a dançar.

PAULO SANT’ANA - Mais livre preso do que solto

Zero Hora;18/11/2012

Assombram o Brasil atualmente várias desordens que terminam em assassinatos de policiais, de pessoas do povo e em incêndio de ônibus, em diversas cidades do país.

E o mais assombroso é que as autoridades afirmam que esses atentados são comandados de dentro dos presídios pelos detentos que cumprem pena ou detenção.

É incrível o que acontece: põe-se um indivíduo na cadeia, entre outros objetivos, para que ele deixe de se tornar perigoso atrás das grades.

E incrivelmente ele continua sendo mais perigoso lá dentro da prisão.

Um dos veículos mais importantes dessas desordens, portanto, vem a ser o telefone celular.

Antigamente, um preso não tinha como se comunicar com o mundo exterior, só o fazia pelas visitas ou por cartas.

Hoje, com o celular e o computador, o preso não tem liberdade de ação fora dos presídios, mas exerce influência total de comando sobre outros marginais em liberdade pelo celular.

E acontece, por exemplo, o seguinte, segundo o noticiário: um preso obriga um marginal que está livre a matar pelo menos seis policiais. Se não o fizer, os líderes da prisão irão em breve tomar providências para assassiná-lo. O medo, portanto, leva o marginal ameaçado a cumprir as sentenças emanadas da prisão.

Tudo tem sua origem naquela coisa que sempre falei nestes anos longos em que escrevo: as condições precárias e infamantes das prisões.

O que me deixa estupefato é que homens respeitáveis, como, por exemplo, o governador Tarso Genro, pregam que não devemos ter presídios privados.

No entanto, o caos continua cada vez maior, sem nenhuma solução à vista, com os presídios públicos.

Não se inova, nada se faz para tornar os presídios seguros e impenetráveis ao convívio espúrio entre bandidos que estão presos com bandidos em liberdade.

Eu, às vezes, chego a imaginar que as autoridades descuidam assim dos presídios para que se cumpra a vontade da opinião pública, que em massa deseja que os presos sejam maltratados e mortos nas prisões. Isso é o que deseja a maioria das pessoas, tenho verificado pela correspondência que recebo. As pessoas querem o mal físico e moral dos presos.

Será que não é a essa pretensão da sociedade que os governos estão atendendo ao abandonarem os presídios à fome, ao assassinato, às doenças?

Chega ao ponto, em certas situações, de que presos têm mais liberdade de ação para comandar crimes e desordens quando estão no fundo da cadeia. Mais liberdade para o crime do que se estivessem soltos.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, do PT, e o ministro Dias Toffoli, do Supremo, ex-PT, declararam na semana passada, um que preferiria morrer a cumprir pena num presídio brasileiro, o outro que os réus condenados não deveriam ser recolhidos à prisão, deveriam somente ser multados.

Interessante é que ambas as autoridades só foram se aperceber do caos prisional e fazer essas declarações depois que membros do PT foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do mensalão.

Não viam antes isso? Só quando pisaram em seus calos?

MARTHA MEDEIROS -

Carência é uma enfermidade universal. Nem os gatos, tão altivos e superiores, escapam 

Zero Hora: 18/11/2012
Ao lado da minha escrivaninha, onde fica o meu computador, há um sofá repleto de livros, revistas e jornais, e que também acomoda o gato aqui de casa. É onde ele se instala quando está carente ou quando está com fome. Quando está carente, é um santo. Fica quietinho, perto de mim, e dorme a tarde inteira. Mas quando está com fome é um inferno.

Fica miando com insistência e não sossega até que eu vá com ele à área de serviço onde fica seu prato. Só que no prato sempre tem comida. Por que tenho que ir junto? Ora, porque ele quer que eu coloque um pouco mais. Nem que sejam duas partículas extras de ração, é preciso que ele veja que está sendo colocado mais. O que está no prato não basta.

Eu estava aqui sem assunto, o que não é nenhuma novidade, quando meu gato se aproximou e começou a miar. Em vez de jogar um chinelo nele (estou brincando, estou brincando), olhei bem dentro de seus olhos e pensei: será que esse bichano, em vez de azucrinar, não me rende alguma crônica? Será que todos os gatos são assim voluntariosos? Por que diabos ele tem que ver o prato sendo abastecido a cada vez que deseja comer, se ali já tem comida suficiente?

Algum expert em felinos há de elucidar esse mistério, provavelmente estou errando em alguma coisa. Mas um profissional ligado às ciências humanas talvez me saísse com essa: ele apela para o dengo porque precisamos de constantes demonstrações de amor. Homens, mulheres e, pelo visto, gatos também.

Você sabe que é amado, o amor já lhe foi entregue, está ali, no seu prato. É todo seu. Em caso de dúvida, é só chegar e pegar seu quinhão, nunca vai faltar. Serve assim? Não serve.

Você quer a renovação diária de declarações, quer ouvir “eu te amo” todos os dias, quer ser mimado, cuidado, quer que os outros parem de trabalhar para lhe dar atenção, quer que reparem na sua fome, quer se sentir importante. Em suma, quer que seja colocado mais amor no seu prato, de quatro a cinco vezes por dia, todos os dias.

Eu amo o Nero – é como ele se chama. Eu o adotei, o trouxe pra casa, deixo que ele se enrosque no meu edredom, que afie as garras nos meus móveis, que mastigue minhas plantas e que brinque com minhas lixas de unha.

Como moro em edifício, fecho todas as janelas para ele não saltar (mesmo no auge do calor), o levo para tomar banho (principalmente no auge do calor), compro ração da melhor qualidade e de vez em quando até dou a ele uns pedacinhos de filé mignon extraídos do meu próprio almoço, o que ninguém recomenda fazer, mas faço. Encho o bicho de carinho, de cafuné, de olhares afetuosos – não é qualquer um que consegue isso de mim. O Nero consegue, e ainda assim é inseguro.

Pelo visto, carência é uma enfermidade universal. Nem os gatos, tão altivos e superiores, escapam.

As voltas que o domingo dá - Juca Kfouri


JUCA KFOURI
As voltas que o domingo dá
É o Palmeiras retornando à segunda divisão e PH Ganso e Emerson Sheik aos gramados
EM VOLTA REDONDA, o drama.
Como há dez anos e um dia, em Salvador, e contra um rubro-negro, o Palmeiras, que então não se salvou da segunda divisão, corre o risco, nesta tarde, de cair de novo, volta quadrada que não descerá nada bem.
O Palmeiras paga o preço de ter uma diretoria que parece sofrer de autismo além de, com certeza, padecer de profunda incompetência.
Por pior que o Flamengo esteja, assim como o Vitória não era lá essas coisas em 2002, está melhor que o Palmeiras de Barcos, quase tão solitário hoje no estádio da Cidadania como esteve, no Barradão, o atual dirigente flamenguista Zinho -e não menos sozinho entre os cartolas da Gávea.
O Palmeiras contava com milagres do exímio batedor de faltas Marcos Assunção, mesmo no sacrifício, como esperava de Arce no começo do século, mas tudo tem limite e o Palmeiras chegou ao seu, bateu no teto, ou melhor no fundo do poço, ele não jogará.
E não se culpe Gilson Kleina, como se fez com Levir Culpi uma década atrás.
Kleina apenas não teve como salvar o que Luiz Felipe Scolari entregou, como Levir herdou o que Vanderlei Luxemburgo começou. Por incrível que pareça, duas vezes em espaço tão curto, dois dos maiores treinadores do país estão associados ao desastre alviverde.
São as voltas que o mundo do futebol dá. Vágner Love, fundamental para a subida palmeirense em 2003, pode sair do jejum para decretar a descida. Léo Moura, que viveu a primeira queda de verde, testemunhará a segunda de preto e vermelho, embora, machucado, de fora. Mas não faltarão voltas festivas nesta tarde de futebol na antepenúltima rodada do Brasileirão.
O Fluminense, por exemplo, dará a sua volta olímpica no Engenhão e, aleluia!, com a taça a que fez jus.
Comemoração de título tem de ser assim, no campo, porque não há nada mais sem emoção que as tais festas oficiais, além do mais recheadas de gafes e, não poucas vezes, de manifestações hostis.
No Morumbi, provavelmente no segundo tempo, Paulo Henrique Ganso voltará aos gramados depois de uma longa novela e não menos demorada recuperação, tomara que a última em sua curta e acidentada carreira.
O Brasil conta com ele na Copa do Mundo e Ney Franco, ainda em busca de garantir lugar na Libertadores, acerta ao não fazê-lo titular imediatamente.
Finalmente, Emerson Sheik reaparecerá no Beira-Rio, a tempo de mostrar o que ninguém tem dúvida: que o lugar de titular no ataque do Corinthians no Mundial de Clubes é dele, autor dos dois gols que decidiram a Libertadores no papão Boca Juniors.
Malandro, dá-se como certo no Parque São Jorge que ele tratou de se preservar para estar tinindo no Japão, o que se encarregará de demonstrar nos três jogos restantes contra Internacional, Santos e São Paulo.
A ver.

    TV PAGA


    Estado de Minas: 18/11/2012

    Novidade hoje no Comedy Central
    Jonathan McClain e o veterano George Segal estão em Retired at 35, série de humor que estreia esta noite, às 23h30, no Comedy Central. A trama conta a história de um bem-sucedido homem de negócios que decide abandonar a carreira e a cidade de Nova York e mudar-se para a casa dos pais, em um condomínio de aposentados na Flórida. 

    Música 
    Vai ao ar hoje, às 16h, na Cultura, a sétima eliminatória do programa Pré-estreia, concurso de calouros de música erudita. Três conjuntos de câmara disputam uma vaga n final: o Trio Sabiá na Garoa, o Quarteto Heliópolis e o Quarteto Saxofonando. Na mesma emissora, às 9h, no Viola, minha viola, os convidados são as duplas Chico Rey & Paraná e Julinho & Jannel e o cantor mineiro Téo Azevedo (foto). Já às 23h, no Ensaio, Fernando Faro recebe a cantora Kika. 

    E tem mais 
    No Canal Brasil, às 21h, o programa Evidente vai dedicar o episódio de hoje ao rap, com destaque para Emicida, W Negro, Ogi, Criolo, Enetrez e Pollo. No Eurochannel, às 22h, vai ao ar um especial com o trio de música eletrônica Swedish House Mafia. E no Multishow, às 22h30, a atração é o grupo Mumford & Sons, no iTunes Festival, na Roundhouse, em Londres.

    Documentário 
    Também hoje, às 22h, o Discovery Home & Health exibe o especial Sexo na adolescência, em que jovens de 14 e 15 anos falam sobre suas experiências sexuais em documentário dividido em duas partes. Uma pesquisa feita no Reino Unido aponta que um em cada três adolescentes perdem a virgindade antes dos 16 anos. Nos EUA, essa proporção é de um para cada quatro jovens. 

    Netflix anuncia House of cards 
    Kevin Spacey encabeça o elenco da série
    Jogos de poder e dramas políticos são a tônica da série House of cards, que estará disponível no Netflix a partir de fevereiro. Dividida em 13 episódios, a primeira temporada da série dramática estará disponível por meio do sistema de streaming e de forma completa, sem periodicidade.

    A atração é baseada na minissérie homônima da BBC, sucesso de 1990. Estrelada por Ian Richardson, a produção inglesa foi adaptada por Andrew Davies a partir do romance escrito por Michael Dobbs, que narrava o fim do mandato de Margaret Thatcher como primeira-ministra da Inglaterra e a disputa por seu cargo.

    Já a nova versão é estrelada por Kevin Spacey (vencedor do Oscar por Quero matar meu chefe e Beleza americana) e com Robin Wright (indicada ao Globo de Ouro por Millenium e Forrest Gump) e Kate Mara (American horror story). O elenco conta ainda com Corey Stoll, Kristen Connolly, Michael Kelly e Sakina Jaffrey.

    Em meio a jogos de poder, ganância, ambição, sexo, amor e corrupção, a série tem como pano de fundo a capital americana, Washington, e conta a história de Francis Underwood (Spacey), um habilidoso e implacável líder do partido majoritário da Câmara dos Deputados americana. Com sua ambiciosa e inescrupulosa esposa (Wright), ele se envolve em uma trama de violência e corrupção para conseguir o que quer.

    Temporada de sustos 
    Sucesso na TV paga, a série Walking dead será exibida pela Rede Bandeirantes a partir de janeiro
     

    Para quem gosta de zumbis, a série Walking dead é um prato cheio. A produção é destaque no canal pago Fox e agora vai chegar também à TV aberta
    A série norte-americana Walking dead, que estreou no canal por assinatura Fox em 2010 e foi indicada no mesmo ano ao Globo de Ouro na categoria Série Dramática e venceu o Emmy Award de 2011 pelo trabalho de maquiagem, agora será exibida também pela TV aberta. A Bandeirantes vai mostrar os seis episódios da primeira temporada da atração a partir de 9 de janeiro, sempre às quartas-feiras, às 22h30.

    Desenvolvida por Frank Darabont, a série narra a saga do policial Rick Grimes (Andrew Lincoln), que vive em uma pequena cidade e acorda sozinho após passar muito tempo em coma no hospital depois de ser baleado em um tiroteio. Ele então se depara com um mundo caótico, invadido por zumbis, em pleno apocalipse, onde a civilização não existe mais e ele parece ser a única pessoa viva. 

    Ao tentar retornar para casa, Grimes não encontra sua mulher, Lori (Sarah Wayne Callies), e seu filho, Carl (Chandler Riggs). Ele passa então a procurar sua família em meio à realidade atípica e sai pelo mundo em busca de respostas, mas sua situação vai ficando cada vez mais perigosa. No caminho, ele tromba com um bando de zumbis famintos, tendo que usar de força para sobreviver. Também estão no elenco Steven Yeun e Jon Bernthal.

    AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Aos senhores de além-mar


    AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Aos senhores de além-mar Invistam não apenas na produção de livros, mas também na produção de leitores 


    Estado de Minas: 18/11/2012 
    Vi um filme de Roberto Rosselini sobre a Renascença italiana. Foi feito para a televisão e, portanto, é muito didático. Fica explícito que a chamada globalização não começou hoje. Naquele tempo, a família Médici tinha agências bancárias em várias cidades europeias e o capital estava na mão de famílias florentinas. Bem, também se diz que a Companhia das Índias Ocidentais e a Companhia de Jesus foram grandes multinacionais. 

    Coincidentemente, um amigo publicitário me diz que praticamente todas as agências de publicidade brasileiras foram compradas por estrangeiros. Eu sabia que seguradoras e planos de saúde entraram na mira da globalizacão. Então, candidamente, perguntei a meu amigo qual é o interesse dessas firmas estrangeiras. Ele explicou-me que era uma questão de alinhamento. Está aí a palavra mágica para, finalmente, entendermos a globalização: alinhamento. Nosso consumo está sendo “alinhado”. O consumo e a produção. Quem não se alinhar morre. Inclusive nas artes.

    Então, me pergunto: qual a relação entre isso e a notícia que li, de que as editoras estrangeiras estão comprando as editoras brasileiras? Qual a relação disso com o fato de a Amazon ter feito contrato com várias editoras brasileiras para servir o Kindle? Poder-se-ia pensar que isso se deve ao fato de que o governo brasileiro talvez seja o maior comprador de livros do mundo, logo as editoras estrangeiras querem participar desse bolo. Isso é verdade. Mas não é tudo. Faltava uma palavra nessa engrenagem, e a palavra foi-me dada de graça por aquele amigo: alinhamento, como se faz com as rodas de um carro. 

    Estou escrevendo e uma amiga me conta que em sua empresa todos os diretores são estrangeiros. Tem neozelandês, coreano, colombiano etc. Eles ficam por três anos. Depois, ou são promovidos ou demitidos. Rotatividade. Indivíduos alinhados.

    Dito de outra forma: estamos sendo alinhados de fora para dentro. O guloso capital estrangeiro é irresistível. Como na paisagem marinha o peixe grande come sempre o pequeno, no oceano dos negócios as super e megaempresas devoram as sardinhas e os plânctons.

    Mas queria dizer outra coisa, além dessa constatação líquida e certa. Queria mandar um recado às grandes editoras estrangeiras que estão nos devorando e nos fazendo ler o que querem vender. A coisa é a seguinte: o Brasil tem 200 milhões de pessoas, e ninguém sabe quantos são os leitores. As estatísticas variam muito. Um megabest-seller talvez não venda 1 milhão de livros. Mas sejamos otimistas. Se houvesse 10 milhões de leitores, poderíamos perguntar: onde estão os outros 190 milhões? Ok, tirem 20 milhões de analfabetos, as crianças que não sabem ler e certos deficientes. Talvez tenhamos um potencial de 150 milhões de leitores? 

    Aí começo a me aproximar da cândida proposta que farei: dizem as estatísticas que o Brasil é o nono mercado editoral do mundo. Pergunto: como assim, se não temos nem 10 milhões de leitores? Então essas editoras estão interessadas apenas nesse nicho tão pequeno? 

    Escutai-me, senhores de além-mar!
    O senhores não querem ganhar mais? Por que não investem nos outros 150 ou 190 milhões de possíveis leitores? Iriam ganhar 1.500% a mais. É um belo negócio. Como fazer isso? É simples: invistam não apenas na produção de livros, mas também na produção de leitores. Procurem os especialistas na produção de leitores. Eles estão por aí à disposição, com uma tecnologia preciosa.

    De resto, fala-se muito na emergência da classe C com seus 40 milhões de pessoas. A TV e os jornais só pensam nisso. Por que vender só televisão e geladeira para eles? 

    Senhores de além-mar e senhores de aquém-terra: 190 milhões de possíveis leitores vos esperam.

    Próximas sessões - Tereza Cruvinel‏

    Temos o presidente da Câmara sustentando que é da Casa, e não do STF, a prerrogativa constitucional de cassar mandatos de deputados, e o senador Collor duelando com o procurador-geral 

    Tereza Cruvinel
    Estado de Minas: 18/11/2012 
    Depois da popularidade alcançada com o julgamento do mensalão, o STF não pode parar. Ainda mais com o justiceiro Joaquim Barbosa na presidência. Questões para todos os públicos e gostos aguardam decisões. A Corte prometeu examinar, logo depois da Ação Penal 470, o mandado de segurança impetrado pelo procurador-geral, Roberto Gurgel, contra a representação do senador Fernando Collor de Mello ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), acusando-o de prevaricação, improbidade administrativa e crime de responsabilidade. Num Congresso em que quase todos temem levar “mandiocadas” do Supremo e do procurador, temos o presidente da Câmara sustentando que é da Casa, e não do STF, a prerrogativa constitucional de cassar mandatos de deputados, e o senador Fernando Collor duelando com o procurador por meio de seis ações judiciais. Tratamos, na coluna passada, da briga dos mandatos. Empossado, Barbosa pretende aprovar a cassação dos condenados pelo STF e o embargo da posse de José Genoino como deputado suplente, até que sua condenação complete o trânsito em julgado. Vejamos como anda o duelo Collor x Gurgel.
    Na instalação da CPI do Cachoeira, Collor descobriu que, dois anos antes da Operação Monte Carlo, que levou à prisão do bicheiro, o procurador-geral havia recebido o inquérito da Operação Vegas, já apontando a ação da quadrilha e o envolvimento do ex-senador Demóstenes Torres e de dois deputados. Por haver no processo essas três autoridades com direito ao foro especial, tal como no caso do mensalão, a denúncia teria que ser feita ao STF. E quem tem a prerrogativa exclusiva para isso é o procurador-geral. Mas ele não apresentou a denúncia nem pediu o arquivamento, por falta de provas, no que toca aos parlamentares, devolvendo o inquérito à origem para tramitação em foro comum. À CPI, Gurgel justificou sua calma: não encontrou na Operação Vegas “fato penalmente relevante” para uma denúncia ao STF. Não pediu o arquivamento ao Supremo, relativamente aos parlamentares, porque a tramitação poderia revelar a existência das investigações. Algum ministro vazaria a informação? Optou por “sobrestar o inquérito no intuito de possibilitar a retomada das interceptações telefônicas e da investigação”. Isso ocorreu, mas não a pedido do procurador, sustenta Collor. Um ano depois, por outras razões, a Polícia Federal realizou a Operação Monte Carlo e prendeu Cachoeira.
    Não convencido e achando tudo muito grave, em junho Collor entrou com a representação, amplamente noticiada, no CNMP, que, como se sabe, é o órgão fiscalizador do Ministério Público, ao passo que o CNJ fiscaliza o Poder Judiciário. “Estranhamente, diante desses indícios, o representado permaneceu inerte, o que permitiu a continuidade da atuação da organização criminosa, livre de qualquer óbice”, disse, na representação em que acusa o procurador de ter prevaricado e cometido crime de responsabilidade.
    Gurgel recorreu ao STF alegando que, assim como os ministros daquela Corte não estão subordinados à fiscalização do CNJ (presidido, inclusive, pelo próprio presidente do STF), o procurador-geral não se sujeita à fiscalização e ao controle do CNMP. A ministra Rosa Weber concedeu uma liminar, sustando a apreciação da ação. O mérito será julgado, prometeu o tribunal, logo depois da ação do mensalão. O próprio Collor contesta a equiparação: o Judiciário é um poder de Estado, o Ministério Público não. Por fim, entrou em cena a Advocacia Geral da União com um agravo regimental, sustentando que o CNMP tem, sim, poder fiscalizatório sobre todo o Ministério Público Federal, incluindo seu chefe. Esse agravo, que busca derrubar a liminar de Rosa Weber, é que será primeiramente julgado.
    A representação de Collor estende-se à subprocuradora Claudia Marques, mulher do procurador e única encarregada das matérias penais que envolvem autoridades com foro privilegiado: presidente, ministros, governadores, parlamentares. Por que “tamanha concentração de informações sigilosas, vinculadas às mais altas autoridades da República?”, pergunta o senador. Não só ele faz essa pergunta em Brasília. Mas os outros temem as “mandiocadas”.
    Araguaia, essa ferida
    A psicanalista Maria Rita Kehl lidera comitiva da Comissão da Verdade que está no Araguaia recolhendo informações sobre a repressão à guerrilha do PCdoB (1969–1974) e a violências contra posseiros durante e após o conflito. Muita luz jorrou sobre esse episódio a partir do livro Mata! — O major Curió e as guerrilhas no Araguaia, do repórter Leonencio Nossa (Companhia das Letras). O esforço de 10 anos de pesquisa e apuração produziu informações que ultrapassaram o já sabido sobre o conflito. E que era pouco. Os guerrilheiros foram exterminados, Curió e os vencedores sufocaram toda a memória e o PCdoB ficou na exaltação dos mártires. O autor oferece perfis humanos de Curió, dos guerrilheiros e dos moradores da região. Reconstitui as ações da guerrilha e dos militares até o completo e silencioso extermínio, com a matança e a decapitação de guerrilheiros presos ou rendidos. Faz uma pertinente remissão comparativa entre o Araguaia e Canudos, conflitos em que a truculência, a covardia e a barbárie ficaram como nódoas na história do Exército brasileiro. Leitura obrigatória no Brasil democrático, de grande utilidade para a Comissão da Verdade.

    Misturar para confundir - Marcos Coimbra‏

    Ou tratamos o problema real que o mensalão suscita ou vamos permanecer com ele 

    Marcos Coimbra
    Estado de Minas: 18/11/2012 
    Com sua costumeira despreocupação com os fatos, os analistas mais engajados no combate ao “lulopetismo” têm se dedicado, nos últimos dias, a traçar paralelos entre o Brasil e outros países no tocante à corrupção e às estratégias para combatê-la.
    Semana passada, a moda foi falar da China, onde é notório que o problema assume imensa proporção.
    Discutir o mensalão como se fosse a manifestação brasileira do fenômeno que preocupa o resto do mundo é, no entanto, um equívoco. Salvo um ou outro caso, quando falam em corrupção, pensam em outras coisas.
    Vê-se isso com clareza exatamente na China, agora que acontece a troca de guarda na liderança do Partido Comunista Chinês (que implica a sucessão na chefia do governo). Lá, a corrupção é um dos principais desafios que confrontam o país e seu desenvolvimento.
    Aqui, mesmo que seja grave e justifique atenção permanente da sociedade e do Estado, é totalmente diferente. 
    O que preocupa os chineses é a íntima relação que se estabeleceu entre partido, governo e economia. A interpenetração de interesses entre quadros partidários, autoridades governamentais e empresários tornou-se crescentemente disfuncional, gerando tensões e ameaçando o dinamismo da economia.
    Formou-se, na China, uma elite que os críticos chamam “capitalistas vermelhos”, integrada por familiares de dirigentes partidários, que presidem as gigantescas empresas do governo e dirigem empresas privadas altamente lucrativas, criadas aproveitando conexões privilegiadas.
    A existência dessa “aristocracia vermelha” desmoraliza o partido, gera descontentamento (91% dos entrevistados em uma pesquisa do Diário do Povo acreditam que os “novos ricos” no país se beneficiaram de ligações com a liderança) e desencoraja o investimento, interno e internacional.
    Embora alvo do lacerdismo crônico de nossa direita e apesar de ter sido pretexto para vários tipos de golpismo no Brasil, o problema da corrupção nunca chegou a ter esse tamanho entre nós, nem mesmo enquanto vivíamos o autoritarismo militar.
    Não que seja secundário. Qualquer forma de desvio de recursos públicos em benefício privado é moralmente injustificável.
    Mas dizer que a corrupção na China, o mensalão, a máfia italiana, a boss politics americana e os regalos recebidos pelo rei da Espanha são “tudo a mesma coisa” não faz sentido. São problemas diferentes, que exigem soluções específicas.
    A única coisa inequívoca no mensalão foi a arrecadação e a distribuição irregular de recursos destinados a uso eleitoral, de políticos do PT ou de partidos coligados. Fora isso, tudo é especulação, contas malfeitas, algum desconhecimento de causa e muita fantasia.
    E o enorme fingimento de “esquecer” que é assim que nosso sistema político sempre funcionou – e continua a funcionar. 
    A fúria punitiva do julgamento do mensalão não soluciona a questão do financiamento da política no Brasil. Não é às custas de sentenças absurdamente longas que será resolvida – assim como a corrupção na China não acabou pelo fato de lá existir pena de morte.
    Ou tratamos o problema real que o mensalão suscita ou vamos permanecer com ele. Mesmo que alguns juízes e parte da oposição estejam sorridentes com o castigo que infligiram a adversários.
    Mais que um equívoco, misturar coisas diferentes serve apenas para naturalizar e atenuar o caráter político do julgamento. E ajuda a difundir a falsa ideia de que o episódio muda alguma coisa relevante no Brasil.

    Nada foi em vão (Obra de Gonzaguinha) - Sérgio Rodrigo Reis‏

    Obra de Gonzaguinha mantém o vigor, 21 anos depois de sua morte. Compositor deixou letras inéditas, anotadas de próprio punho, no escritório de sua casa, em Belo Horizonte 

    Sérgio Rodrigo Reis
    Estado de Minas: 18/11/2012 
    O dia 22 de outubro de 1990 parecia encerrar um ciclo na vida de Gonzaguinha, que acabara de concluir o caderno de letras de seu novo LP. Satisfeito com o resultado, ele deixou naquelas páginas algo que soou como despedida: uma espécie de diário, síntese de seu processo de criação. Sentia-se num ano de mudanças. Revelava não ser tão simples assim um carioca morar em Minas e trabalhar no sertão, pois tentava viabilizar o museu dedicado ao pai, Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, na cidade pernambucana de Exu.

    “Tudo se torna fácil pelo crédito deixado por meu pai somado ao crédito que, felizmente, eu também tenho. (...) O ponteiro oscila. Aposto no ano um. Serei legal (Falta pouco)”, anotou Gonzaguinha. Seis meses depois, ele morreu no Paraná, aos 45 anos, vítima de acidente de carro. Não chegou a lançar o disco Cavaleiro solitário (nome de uma das canções, que também soa emblemática), mas deixou gravadas as vozes de todas as faixas. O último álbum só chegou a público dois anos depois da tragédia, com 12 das letras do último caderno. Permanecem inéditas, à espera de melodia, as ecológicas Panamazônica e O espelho das águas do Itamarangi, além de Coração, Salve, Aço e Caran, entre outras.

    O legado de Gonzaguinha está bem guardado em Belo Horizonte, onde ele se casou e viveu os últimos 10 anos. O escritório de sua casa, na Pampulha, está como ele deixou, com livros, discos de ouro, álbuns, o último violão e fotos. Naqueles cadernos ficou sua preciosa herança: a palavra. 

    “Até hoje, Gonzaga sustenta a família dele com direito autoral”, revela a viúva, Louise Martins, a Lelete. Mesmo assim, ela aponta a falta de memória dos brasileiros. Poucos jovens o conhecem, enquanto sua obra leva a pecha de datada, porta-voz do Brasil das décadas de 1970 e 1980. Durante seus 20 anos de carreira, o compositor chegou ao topo da lista de arrecadação de direitos autorais, batendo Roberto Carlos. Suas composições, com forte teor político, social ou sentimental, fizeram sucesso em discos dele e de Maria Bethânia, Fagner e Elis Regina, entre outros.

    Os últimos anos de Gonzaguinha não foram fáceis. O estouro do rock fez minguar a agenda de astros da MPB. Ele aproveitou essa fase para se organizar: montou estúdio em casa, fundou a produtora Ação para agenciar sua carreira e também a de Guilherme Arantes, Lobão e Lulu Santos. Recomprou os direitos sobre a própria obra. “Economista, ele era um homem de visão e usou isso bem”, lembra Louise. Teve tempo para dar assistência a Gonzagão, que enfrentava problemas de saúde.

    Louise saía cedo para trabalhar, Gonzaguinha cuidava da pequena Mariana. “Ficávamos juntos do café da manhã até a noite. Aprendi a ler antes de entrar na escola”, conta a caçula, que perdeu o pai aos 7 anos. “Ele era centrado, pé no chão e bastante organizado. A indústria fonográfica trabalhava com adiantamento e meu pai optou por cuidar da própria obra, antecipando-se ao modelo como vários artistas trabalham atualmente”, compara a caçula. “A obra de meu pai é toda verdade. Hoje, as pessoas não querem mais sentimentos reais, sejam eles de luta ou de amor. Minha geração deveria se preocupar com isso. Para mim, 99% dos que estão na mídia não acreditam no que fazem”, diz Mariana. De outros relacionamentos, Gonzaguinha deixou também os filhos Daniel, Fernanda e Amora.

    Na Pampulha Os cadernos guardados por Lelete revelam um compositor atento a seus intérpretes. Gonzaguinha deixou anotado: Aprender a sorrir era de Gilberto Gil. Bonito foi feita para o grupo Os Cariocas – acabou gravada por Alcione e por seus “donos”. A Caetano Veloso era destinada Claro. “Baixo, bateria, percussão, sax, teclados e violão”, determinou o compositor, de próprio punho.

    Um dos refrões mais queridos do compositor surgiu por acaso em BH, num réveillon na casa de seu amigo, o compositor Fernando Brant. Lá pelas tantas, Gonzaguinha começou a perguntar aos convidados o que era a vida. Uma criança soltou: “É bonita, é bonita e é bonita”.

    Gonzagão passava temporadas em BH. Depois de anos de desentendimentos, a dupla se acertou e Gonzaguinha gostava de entrevistá-lo. “Ele pegava o atlas e perguntava ao pai se havia passado por aqueles lugares. Dali surgiam as histórias e a gente morria de rir. Meu marido tinha a intenção de fazer um livro com tudo aquilo”, revela Louise. Gravadas em fitas cassete, as conversas serviram de base para o cineasta Breno Silveira filmar Gonzaga – De pai para filho, que entrou em cartaz em outubro.

    A ÚLTIMA CANÇÃO 
    Cavaleiro solitário

    Atravessei a rua/ Atravessei a vida/ Acreditei que era perto e fui lá ver/ Acreditei que era perto e fui.../ Cavaleiro solitário/ Caminha com sua estrela/ E a fé no Vaticano das visões/ Inventa o próprio tempo e estações/ Atrai as reações mais loucas/ Pessoas diferentes são irmãs/ Todos os seus companheiros são iguais/ Iguais e diferentes e irmãos/ Mil trovões, num encontro de titãs, ô, ô/ Perdão, oh minha amada/ Eu nunca voltarei/ Do mesmo modo/ Como um dia eu saí/ A vida não tem replay/ Há muito eu sei/ Foi tudo maravilhoso/ Até a hora em que eu parti/ Há muito tempo/ Cavaleiro solitário...

    Blockbuster nacional
    Em três semanas de exibição, o longa Gonzaga – De pai para filho, dirigido por Breno Silveira, superou a marca de 1 milhão de espectadores. O papel de Gonzaguinha coube a três atores: Julio Andrade, Diancarlo di Tommaso e Alison Santos.

    Memória
    Moleque do Estácio

    Luiz Gonzaga Júnior nasceu em 22 de setembro de 1945. Aos 2 anos, perdeu a mãe, Odaleia Santos, de tuberculose. Foi criado pelos padrinhos no Morro de São Carlos, no Rio de Janeiro. A relação com o pai, Gonzagão, e a madrasta, Helena, foi marcada por conflitos. Formado em economia, chamou a atenção ao chegar às finais do 1º Festival Universitário de Música Popular do Rio de Janeiro, em 1968. Em 1976, seu disco Começaria tudo outra vez estourou. Depois de lançar 16 álbuns, Gonzaguinha morreu em acidente de carro, em 1991, quando voltava de um show em Pato Branco, no Paraná.