segunda-feira, 8 de abril de 2013

Novo livro mostra as táticas da indústria para conquistar o estômago do consumidor

folha de são paulo

A fantástica fábrica de comida
Americano ganhador do prêmio Pulitzer apresenta, em livro, investigação sobre a história e as táticas da indústria de alimentos a fim de conquistar o estômago do consumidor
RODOLFO LUCENADE SÃO PAULOO mundo está engordando. Mais da metade dos norte-americanos adultos pesa mais do que deveria. Na China, pela primeira vez há mais gente acima do peso do que abaixo; no México, o índice de obesidade triplicou nas últimas três décadas.
Para o jornalista norte-americano Michael Moss, ganhador do incensado Prêmio Pulitzer em 2010, a resposta para o fenômeno pode ser resumida em três palavras: sal, açúcar e gordura.
Esses ingredientes, segundo ele, são a fundação da indústria de processamento de alimentos, que a cada dia coloca nos supermercados toneladas de comidas deliciosas -e engordativas.
Aquelas três palavras foram usadas por Moss no título de seu livro, em que relata suas investigações sobre a indústria alimentícia: "Salt Sugar Fat", lançado há pouco nos Estados Unidos.
O subtítulo, "Como os gigantes da comida nos fisgaram", não deixa dúvida de que esse não é um livro de receitas. Também não é um texto didático de orientação alimentar, mas duvido que mesmo gordinhos praticantes não procurarão repensar sua dieta depois da leitura.
E é bem possível que a eventual conversão do leitor à alimentação saudável não se dê apenas pelas evidências científicas do mal provocado pela "junk food" mas também por revolta contra as práticas da indústria alimentícia.
MAQUINAÇÕES
Não que o livro seja um libelo inflamado; ao contrário, é pura reportagem investigativa, fruto de quatro anos de trabalho. Em suas páginas, todos têm voz: indústria, varejo, cientistas e representantes governamentais.
A história que emerge, porém, revela maquinações para seduzir o público que, não raro, vão além dos limites legais -ou morais ou éticos.
Algumas das maiores empresas do setor, aliás, chegaram à conclusão de que estavam exagerando e que poderiam ser consideradas responsáveis pela epidemia de obesidade no mundo.
Em 1999, o tema foi colocado em discussão em uma reunião secreta dos gigantes da indústria. Para alguns deles, era preciso pelo menos mostrar interesse em reduzir o potencial engordativo da comida processada.
A tentativa fracassou. No fim da apresentação, Stephen Sanger, então presidente da General Mills, disse que os consumidores compravam o que queriam e queriam o que fosse saboroso. "Não venha me falar de nutrição", disse.
CONSUMIDOR
De fato, a indústria não só oferece o que o consumidor quer mas faz com que ele queira mais. Essa magia, diz Moss, é obtida pela manipulação das quantidades de açúcar, gordura e sal para ativar nossos centros de prazer.
Mesmo com toda sua sedução e poder, a indústria foi obrigada a se adaptar às exigências de entidades de defesa do consumidor e a agentes regulamentadores.
Esses últimos, porém, se mostraram presas fáceis do lobby corporativo, formulando regras aquém do recomendado por médicos e ativistas.
Perdido no meio desse imbróglio, resta ao consumidor, segundo Moss, procurar se informar mais sobre a comida exposta nos supermercados. "Nós temos o poder de fazer escolhas. Nós decidimos o que comprar. Nós decidimos o quanto comer", diz.
Uma proclamação que parece um tanto frágil frente a todos os ardis da indústria revelados ao longo do livro.

    Luli Radfahrer

    folha de são paulo

    Vida longa e próspera
    Passar de uma expectativa de vida de 70 anos para 130 anos é muito mais difícil do que foi chegar até aqui
    O aumento da expectativa de vida é uma conquista e tanto. Empolgados como quem viu o homem pousar na lua, muitos projetam longevidades extremas nas próximas décadas. Mas passar de uma expectativa de vida de 70 anos para 130 anos é uma tarefa muito mais árida do que foi chegar até aqui. Mesmo exceções, septuagenários não eram incomuns na Antiguidade. Já centenários vigorosos e produtivos são raríssimos.
    O desafio é grande e envolve uma reforma completa no sistema de saúde. Não se imagina que profissionais sobrecarregados e mal pagos continuem a sustentar uma estrutura piramidal em que uma pessoa precise saber de tudo, decidir na hora, identificar sutilezas, detectar mentiras, estar disponível e cobrar pouco.
    O paciente também precisa fazer a sua parte, abandonando a passividade com que tratam seus exames clínicos. Da mesma forma que hoje todos pensam na alimentação e na atividade física, daqui a pouco a tecnologia ajudará muitos a realizar pequenos autodiagnósticos preventivos diários, tornando-os corresponsáveis por aquele que deveria ser seu maior patrimônio.
    A miniaturização permite novos produtos como o "lab-on-a-chip", que integra funções de análise em um adesivo de poucos centímetros quadrados colado na pele. Por trabalhar com volumes pequenos, ele usa menos reagentes e chega a um diagnóstico rápido e barato. Ainda não é universal nem infalível, mas é um avanço. Outros aparelhos, como o Scout, são como smartphones capazes de identificar e analisar dados vitais em segundos, enviando as informações para um aplicativo no smartphone que registra o histórico e, conforme o caso, indica medicamentos e postos de saúde próximos.
    Do outro lado do balcão, sistemas de inteligência artificial podem revolucionar as consultas médicas. Testado contra especialistas humanos no programa "Jeopardy!" em 2011, o supercomputador Watson, da IBM, venceu com facilidade. Sem acesso à internet, mas com cerca de 200 milhões de páginas de conteúdo vindo de bases de dados diversas, ele se dedicava a buscar evidências, analisá-las, gerar hipóteses e propor respostas em milissegundos. E aprender com cada decisão.
    Ocupando a modesta posição de 94º entre os 500 computadores mais rápidos do mundo, ele hoje custa alguns milhões e ocupa uma sala grande. Mas, como os processadores que colocaram o homem na lua ou ganharam a primeira partida de xadrez contra um humano, acabará barateado e miniaturizado. Ou tornado "invisível" -como os servidores do Google -na nuvem.
    Hoje Watson trabalha com equipes médicas para aprender contextos e particularidades de doenças como o câncer de pulmão. Poucos duvidam que algo como ele se tornará a principal obra de referência clínica mundial em um futuro próximo. Apoiado pela tecnologia, o especialista fica mais bem informado para dar a palavra final.
    Essa reforma conceitual distribuiria melhor as cargas e as responsabilidades do sistema de saúde, criando novas oportunidades de carreira e dando aos especialistas tempo e recursos para cuidar de suas especialidades, uma situação ideal para países, como o nosso, onde a população envelhece e a previdência beira o colapso.
    Mediado por interfaces, o contato regular e preventivo seria tão discreto que passaria despercebido. Como o Dr. McCoy em "Star Trek 4", os novos médicos, auxiliados por seus aparelhos portáteis, seriam reconhecidos por seu verdadeiro talento.

    Entrevista - Joaquim Falcão

    Revista Época -08/04/2013

    ORGANIZADOR DE UM LIVRO SOBRE O MENSALÃO, O JURISTA DEFENDE QUE A QUALIDADE DAS PROVAS E A ESTRATÉGIA DE JOAQUIM BARBOSA FORAM DETERMINANTES NO JULGAMENTO

    "A lealdade politica não se sobrepõe à livre convicção"

    Luiz Maklouf Carvalho

    Na maratona do julgamento da ação penal 470, mais conhecida por mensalão, o ministro Carlos Ayres Britto, presidente do Supremo Tribunal Federal, conseguiu um tempo para almoçar com o professor Joaquim Falcão, da Faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro. Vegetarianíssimo, Britto pediu nada menos que uma moqueca. "Não é pesada demais?", perguntou Falcão. "São só vegetais", respondeu o ministro. Estar com Ayres Britto em pleno desenrolar da maratona judicial mais importante na história do Supremo era uma ótima credencial para o que o professor andava fazendo desde que o momentoso julgamento se avizinhava. A convite dos jornais O Globo e Folha de S.Paulo, ele coordenava um grupo de professores e pesquisadores do curso de Direito da FGV/Rio.

    A missão, inédita em coberturas do gênero, era adicionar informação jurídica a ocorrências e incidentes frenéticos do julgamento. No calor da hora, Falcão e sua equipe produziram dezenas de artigos esclarecedores e/ou polêmicos sobre as questões em pauta, no plenário e fora dele. Eles foram reunidos no livro Mensalão – Diário de um julgamento, a ser lançado neste mês. São 445 páginas, divididas em 15 capítulos cronológicos. "É um exercício de análise do julgamento, dentro de uma perspectiva mais pluralista", disse o professor – que, talvez por influência do vegetarianismo de Britto, deu esta entrevista tomando suco de tomate, enquanto mordia a cenoura que lhe servia de colher.

    ÉPOCA – Seu livro trata do Supremo, da mídia e da opinião pública. Que nota o senhor daria para cada um?

    Joaquim Falcão – Supremo, 8. Opinião pública, 10. Mídia, 10.

    ÉPOCA – Nem a própria mídia se daria 10. E, para a defesa, ela fez o papel de vilã.
    Falcão – O 10 é para esta junção inovadora da transparência e da análise. Ao lado de todos os erros possíveis e de todas as paixões possíveis, vejo um avanço qualitativo, que veio para ficar, e é uma tendência mundial, que é uma mídia analítica, a favor da independência do leitor. Haverá sempre setores que atacam a mídia, a doutrina, os advogados. Faz parte da pluralidade que é necessária à democracia, e temos de nos acostumar a ela.

    ÉPOCA – O que o senhor achou da reação dos réus depois das sentenças?

    Falcão – Os réus têm se comportado absolutamente dentro do estado democrático de direito. E as alegações de recorrer a Haia, à Organização dos Estados Americanos, de sucesso improvável, são reações legítimas.

    ÉPOCA – O senhor, pessoalmente, acha que houve ou não houve mensalão?
    Falcão – O que você chama de mensalão?

    ÉPOCA – A questão política: usar o dinheiro para comprar voto no Congresso.

    Falcão – Na compra de votos, você não tem pesquisas empíricas que afirmem "dado o dinheiro tal, eu comprei o voto tal". Mas há situações em que você interfere com recursos públicos para apoios permanentes que não são revelados antes da eleição. Tem no livro um artigo meu que diz isso. O eleitor precisa saber que o partido tal se aliou com o partido tal porque este vai pagar suas contas. Aí deixa o eleitor decidir.

    ÉPOCA – As defesas dos réus, e os próprios, contestaram e continuam contestando a condenação. O ex-ministro José Dirceu diariamente reafirma que é inocente.

    Falcão – As provas existem. De diversas naturezas e hierarquias. O que você tem, para saber se existiu ou não existiu, é a fundamentação dos ministros para seu livre convencimento. O conjunto de argumentos é que convence os ministros do Supremo.

    ÉPOCA – O senhor não acha que a grande figura do julgamento foi o ministro Ayres Britto, à época presidente da Corte?

    Falcão – Se se quiser fazer uma análise dos "champions", você tem o Britto, o Barbosa, o Lewandovski e o Celso de Mello. O ministro Britto foi decisivo e com estratégia pouco comum. Aumentar a taxa de cordialidade entre os ministros era uma estratégia pensada.

    ÉPOCA – Qual dos ministros mais lhe chamou a atenção?

    Falcão – O Joaquim Barbosa estava mais preparado que todos. Tinha uma intimidade com as 55 mil páginas que os demais não tinham. Isso fez diferença. Quem perceber o Joaquim Barbosa como emoção, não saberá lidar com ele. Ele se preparou. Estava à vontade e usou isso na argumentação.

    ÉPOCA – Onde o senhor acha que ele fez diferença?

    Falcão – Na estratégia decisória. Desse processo em diante ficará claro que advogar é ser estrategista. Não foi a posição dele que pegou os outros de surpresa, foi a estratégia. Inclusive pegou de surpresa a defesa, e o revisor também.

    ÉPOCA – O senhor se refere à posição de dividir o voto por núcleos, o motivo do primeiro quebra-pau com o ministro Lewandovski?

    Falcão – Sim. Foi uma estratégia decisiva em termos comunicativos. A estratégia de Joaquim Barbosa manteve o país em suspense. Se a posição do Lewandovski ganhasse, ele leria um voto de 600 páginas. Depois, o Lewandovski leria um outro voto de 1.200 páginas. Existiria uma desmobilização da mídia.

    ÉPOCA – O ministro Joaquim Barbosa mudou inclusive a ordem em que os réus eram apresentados. Nas denúncias do Ministério Público, o primeiro era o ex-ministro José Dirceu. Se ele não tivesse invertido, o julgamento poderia ter se esvaziado no primeiro dia.

    Falcão – A estratégia dele permitiu cumprir três objetivos. Primeiro, mobilizar a opinião pública. Segundo, criar espaço para conquistar o voto dos outros ministros. Terceiro, tirou partido de que ele conhecia o processo melhor. Pouco a pouco, ele ia criando situações de irreversibilidade, porque a estratégia tinha uma lógica interna.

    ÉPOCA – Qual o papel do ministro Lewandovski, revisor do processo?

    Falcão – O Lewandovski assumiu uma posição, e isso é importante para o Supremo. É preciso o contraditório, porque senão você não tem a independência do Supremo. O Lewandovski assumiu esse ônus para ele. E defendeu da melhor forma possível.

    ÉPOCA – Melhor até do que o ministro Dias Toffoli, de quem se esperava um contraditório melhor, o senhor não acha?

    Falcão – Isso é você que está dizendo.

    ÉPOCA – O senhor não esperava outra postura do ministro Toffoli?

    Falcão – Esperava. Havia uma expectativa de que ele fosse fazer uma defesa mais veemente, assim como havia uma expectativa de que o Fux votasse dentro daquele princípio que não se confirma, em tribunal algum do mundo, que é a lealdade política se sobrepondo à livre convicção.

    ÉPOCA – Depois do julgamento surgiram afirmações – como as do ministro Gilberto Carvalho – de que o ministro Fux, quando em campanha, comprometeu-se a votar com a defesa de alguns réus.
    Falcão - Defendemos o tempo todo que na sabatina de um indicado a ministro, no Senado, ele tem de dizer com quem esteve na campanha para ser ministro. A sabatina só tem sentido se for política e pública. O indicado tem de dizer com quem esteve, com quem se reuniu, que é para você saber as possibilidades e os riscos de aliança.

    ÉPOCA – O ministro Celso de Mello também foi um "Champion", para usar sua expressão?

    Falcão – Sem dúvida. Ele criou uma figura que não tem dentro do processo, a do decano. Era o último a falar. Podia definir a estratégia comunicativa que ele queria. Dava ênfases e tomava posições como se o jogo conduzisse a bola para ele.

    ÉPOCA – O ministro Celso de Mello foi o que mais decepcionou a expectativa dos advogados de defesa. Baseados na jurisprudência de decisões anteriores – fartamente citadas nos memoriais –, contavam com o voto dele em boa parte dos casos.

    Falcão – A esperança dos advogados era que o voto do ministro Celso fosse previsível de acordo com seu passado.

    ÉPOCA – E não foi.

    Falcão – Não foi. Porque a jurisprudência é um dos fatores que influenciam o voto. A opinião pública é outro fator. A doutrina é outro fator. Jogar na previsibilidade de repetição do passado é jogar no erro. O distinto, nesse processo, foi a influência da opinião pública e da transparência na decisão do Supremo. Essa é a grande discussão hoje, no mundo inteiro. Você está vendo isso agora, nos Estados Unidos. Existe o mito de que a Corte não se influencia pela opinião pública. Mas em nome de quem a Suprema Corte resolveu apreciar o casamento gay? Em nome da opinião pública.

    ÉPOCA – Já que o senhor falou dos "champions", o que achou dos outros ministros, começando pelo ministro Marco Aurélio?

    Falcão – O ministro Marco Aurélio fala fora dos autos. Foi ao Jornal Nacional criticar o Toffoli, por não ter se declarado suspeito. Quanto menos o ministro falar, melhor. Mas o ministro Marco Aurélio é sempre um contraponto inteligente, destinado a perder, como ele mesmo gosta de dizer.

    ÉPOCA – Ministra Cármen Lúcia.

    Falcão – Foi sempre cautelosa.

    ÉPOCA – Ministro Gilmar Mendes.

    Falcão – Excessivamente discreto.

    ÉPOCA – Ministro Cezar Peluso.

    Falcão – Profissional.

    ÉPOCA – Rosa Weber.

    Falcão – Firme. E, antes de convencer, estava convencida.

    ÉPOCA – Ministro Luiz Fux.

    Falcão – Contrariou as expectativas da defesa.

    ÉPOCA – O que o senhor achou de o ministro Joaquim Barbosa ter negado o pedido de aumento de prazo para os recursos, feito pela defesa, considerando que o acórdão terá milhares de páginas. Não é um cerceamento da defesa?
    Falcão – Pessoalmente, concederia mais prazo. Mas a decisão do ministro Joaquim Barbosa está dentro dos poderes dele. Isso não implica cerceamento do direito de defesa.

    ÉPOCA – O julgamento dos recursos pode mudar alguma coisa no mérito?

    Falcão – Acho difícil.

    ÉPOCA – Por quê?

    Falcão – Porque as provas estão aí, a decisão já foi tomada. Acho pouco provável que a presidenta indicará alguém que terá uma conotação política x, y ou z. Se ocorrer isso, se mudar o resultado dentro do processo, é legítimo e é legal. Se você me perguntar a possibilidade teórica de que isso existe, existe. Se você fala da probabilidade real, neste momento eu acho baixa.

    ÉPOCA – O que o senhor acha do momentâneo silêncio sobre o chamado mensalão mineiro – que envolve lideranças do PSDB e está no Supremo esperando julgamento?

    Falcão – Acho que é questão de tempo, dependendo da mídia e da opinião pública, se eles querem ter nota 10 outra vez.

    Eugênio Bucci - Falemos de eleições. Quanto mais, melhor

    Revista Época - 08/04/2013

    No final de janeiro, esta revista noticiou que o PSDB tinha começado o ano de 2013 com uma ideia fixa: "Os tucanos se debruçam sobre três questões centrais. Qual o melhor candidato, qual o melhor discurso e como evitar os erros do passado". A reportagem, assinada por Alberto Bombig e Leopoldo Mateus, identificou um certo "farfalhar de penas no ninho tucano", realçando aspectos ornitológicos da cena política brasileira. Estava dada a largada na campanha eleitoral de 2014.

    Uma semana depois, ÉPOCA flagrou o mesmo apressamento, agora em "ninhos" com "farfalhar de penas", mas no 3º andar do Palácio do Planalto. A reportagem, outra vez de Bombig e Mateus, mostrou como a presidente da República, ao convocar uma rede de rádio e televisão para propagandear a redução na conta de luz de seus eleitores, esquentou o clima eleitoral: "O tom do discurso de Dilma, dividindo os brasileiros entre "nós" e "eles" – situação e oposição –, foi considerado um gesto de campanha. Para seus adversários, havia intenções eleitoreiras até na fantasia – ops, figurino – que a presidente usava". Sim, ela vestia vermelho. Candidatíssima. Declaradíssima.

    Desde então, a agenda nacional foi abduzida pelas urnas futuras. Além de Aécio, praticamente definido como o nome do PSDB (embora José Serra ainda recalcitre, ao melhor estilo dos que "farfalham penas" sem sair do lugar), há os outros. Eduardo Campos e Marina Silva já puseram o pé na larga avenida. Ele, embora pertença ao Partido Socialista, da base aliada do governo Dilma, já desponta na bolsa de apostas como adversário da presidente candidata. Quanto a Marina, luta para transformar sua Rede num partido oficial. Se der certo, disputará.

    Com as cartas na mesa, não se fala de outra coisa. E não se reclama de outra coisa. As eleições de 2014 viraram pauta obrigatória nos noticiários, nos jornais e nas revistas. Ao mesmo tempo, nos mesmos jornais, revistas e noticiários, as reclamações são caudalosas. A antecipação do debate eleitoral seria deletéria, nociva para o funcionamento do governo e para a democracia. É como se o país inteiro fosse ficar paralisado porque a batalha pelo voto eclodiu.

    Será isso mesmo? Francamente: qual o problema de pensar desde já nas eleições de 2014? Vamos recolocar a pergunta: qual o problema de tornar pública uma discussão que ocupa, em tempo integral, a cabeça – e também as penas, em certas criaturas – de todos os agentes políticos, sem exceção? Se o cálculo eleitoral preside os movimentos de ministros, secretários, ascensoristas, motoristas e mandatários, por que não abrir esse tema para o eleitorado, sem restrições?

    Alguns afirmam que a imprensa não deveria dar tanto destaque para o assunto, pois ele roubaria a atenção de outros temas essenciais, como o estrangulamento da infraestrutura dos portos, o caos na saúde pública, a prova de redação do Enem ou as despesas de Dilma com a hospedagem de sua comitiva em Roma, local em que a presidente pronunciou sua declaração histórica: "O papa é argentino, mas Deus é brasileiro".

    Seria um erro, dentro desse cenário, dar cobertura à corrida eleitoral? Se pensarmos com mais calma, vamos concluir que não. Se os partidos e as autoridades só pensam nisso, só se guiam por isso, esse "isso" tem de ser assunto de primeira página. A propósito: pode haver frase mais eleitoreira do que a consideração presidencial acerca da nacionalidade divina?

    Nesse quadro, falar sobre eleições não é um desvio, mas um dever da imprensa. São as urnas de 2014 – e, por vezes, as urnas de 2018 e de 2022 – que explicam os atos de governo hoje. São elas que explicam, desgraçadamente, a escolha de novos ministros. Elas explicam por que voltam a transitar agora na Esplanada dos Ministérios algumas das pessoas, físicas e jurídicas, que tinham sido varridas na tal faxina de uns dois anos atrás. E por que criar novos ministérios? (Aliás, quantos são mesmo os ministérios hoje no Brasil? 39? 45? 83? De quantos ministros você, leitor, sabe o nome? Pois um novo ministério foi criado. Por quê? Para melhorar a eficiência administrativa à máquina do Estado? Não. Ele foi criado para melhorar as chances da presidente candidata nas eleições de 2014.)

    A imprensa deve sim se ocupar desse jogo. Se os políticos têm fixação nas urnas, nada melhor que garantir que o eleitor saiba disso. É bom que o eleitor pense em eleições o tempo todo. No mínimo, ele votará com mais consciência em 2014.

    Eugênio Bucci é jornalista e professor da ESPM e da ECA-USP

    Por que Dilma é tão popular!? - Alberto Carlos Almeida

    Revista Época - 08/04/2013

    A última pesquisa do Datafolha mostrou que Dilma teria 58% dos votos se a eleição para presidente fosse hoje. Além disso, ela teria no Nordeste um desempenho eleitoral superior às demais regiões do país. O voto é muito mais previsível do que a maioria das pessoas imagina. O desempenho de Dilma no voto tem a ver com seu desempenho no governo.

    Na mesma pesquisa do Datafolha, a presidente Dilma alcança a marca de 65% na soma de ótimo e bom. Grande parte dos votos vem desse grupo, vem daqueles que avaliam positivamente seu governo. A regra é simples e está baseada nas duas últimas eleições nas quais o presidente em exercício pôde se candidatar à reeleição, Fernando Henrique em 1998 e Lula em 2006.

    O presidente tucano, segundo as pesquisas, teve 85% daqueles que avaliavam seu governo "ótimo" e 73% dos que o avaliavam "bom". Lula, por sua vez, converteu em votos 95% do ótimo e 82% do bom. Conclui-se que em situação de reeleição o governo converte de 80% a 85% de sua soma de "ótimo" e "bom" em votos.

    Quando multiplicamos os 65% de ótimo e bom de Dilma por 0,8, obtemos 52%. Isso significa que, dos 58% de votos de Dilma na pesquisa do Datafolha, ao menos 52 pontos percentuais são de eleitores que avaliam positivamente seu governo.

    Os números não mentem jamais, eles ajudam com frequência a fundamentar o que é óbvio. As pessoas que aprovam um determinado governo – pode ser o governo federal, algum governo estadual ou municipal – têm a tendência a votar, em sua grande maioria, para manter o que está bom.

    O julgamento é sempre subjetivo. Um governo bom para um conjunto de pessoas pode ser péssimo para outro grupo. Contudo, o voto tende a ser coerente com a avaliação. Quem avalia positivamente um governo vota para mantê-lo, e quem o avalia negativamente vota para mudá-lo.

    Quando a líder deste governo bem avaliado disputa a reeleição, é mais fácil para o eleitor decidir. Para ele manter o governo, basta votar em quem já é presidente, governador ou prefeito. O favoritismo de Dilma tem a ver com isso. Fernando Henrique e Lula foram reeleitos com aproximadamente 50% de ótimo e bom. Dilma tem bem mais que isso.

    Do ponto de vista do governo, o grande desafio é manter a popularidade alta até o final do próximo ano. A aprovação de qualquer governo federal, no Brasil, desde o advento do Plano Real, está relacionada com o aumento do poder de compra da população, em particular dos mais pobres, que formam a grande maioria do eleitorado.

    É verdade que a classe C aumentou. Não é menos verdade que a vida de grande parte da população segue sendo marcada pela escassez. Há indicadores que comprovam que o Brasil está 11 anos atrás do México – e 14 anos atrás da Rússia – no consumo per capita. A renda média familiar da classe C no Brasil é de pouco mais de R$ 1.500 por mês. Trata-se de uma renda que está longe de possibilitar que esse grupo tenha padrão de consumo próximo ao da classe média nos países desenvolvidos. Isso significa que qualquer aumento real no poder de compra dessa população, além de ser bem-vindo, é atribuído ao governo.

    O perfil de idade de nossa população fez com que a necessidade de gerar empregos novos diminuísse bastante. A cada ano que passa diminui a quantidade de jovens que procuram seu primeiro emprego. Esse é um dos motivos que vêm contribuindo para a menor taxa de desemprego da história.

    Adicionalmente, em que pese o crescimento do PIB de 0,9% no ano passado, o consumo das famílias aumentou em 3,1% em 2012. A combinação de desemprego em baixa e consumo das famílias em alta resulta, na ausência de uma inflação muito elevada, no aumento real do poder de compra. É esse aumento real que explica a elevada aprovação do governo Dilma.

    Os políticos têm como prioridade conquistar e manter o poder – esse é o objetivo principal da atividade política. O governo quer ficar no poder e a oposição quer voltar a controlá-lo. Isso resulta na inexistência de dogmas. Ou seja, a inflação não é boa ou ruim em si mesma. A inflação é ruim caso traga com ela uma consequência política negativa. Fernando Henrique combateu a inflação em 1994 porque Lula era, no início daquele ano, o líder nas pesquisas de intenção de voto. Fernando Henrique manteve a inflação baixa para deter Lula em 1998. Lula aumentou o superávit primário e deu autonomia ao Banco Central para manter a inflação controlada. Seu eventual crescimento poderia colocar em risco a reeleição que viria a ser disputada em 2006.

    Fernando Henrique e Lula, utilizando-se de instrumentos econômicos diferentes, foram reeleitos porque o poder de compra real da população aumentou em seus respectivos primeiros mandatos. Como contraponto, há a eleição de 2002, quando o desemprego foi muito elevado. Fernando Henrique não elegeu seu sucessor porque houve uma queda no poder de compra real justamente no ano eleitoral.

    Do ponto de vista de qualquer governo, a combinação mais adequada entre taxa de emprego, aumento do consumo das famílias e inflação é aquela que mantém elevada – e preferencialmente em trajetória de alta – a popularidade presidencial. Assim, politicamente só faz sentido para Dilma combater a inflação quando ela resultar na redução real do poder de compra. Só nesse caso sua popularidade correrá o risco de cair - o que resultará, em seguida, em queda na intenção de votos.

    O que as eleições presidenciais de 1998 e de 2006 nos ensinam é que a opinião pública tem suas leis – e uma delas é que presidente que disputa a reeleição converte no mínimo 80% da soma de seu "ótimo" e "bom" em votos. Do ponto de vista de Dilma, é preciso zelar para que a avaliação de seu governo permaneça alta até 2014. Esse é, para ela, o caminho mais seguro em direção à reeleição.

    Alberto Carlos Almeida é cientista político, autor dos livros A cabeça do brasileiro e O dedo na ferida: menos imposto, mais consumo

    Marcos Augusto Gonçalves

    folha de são paulo

    "Artsy"
    A SP-Arte agitou a cidade, trouxe uma legião de "gringos" e deu margem a discussões sobre o futuro do mercado
    "Esperemos que não seja mais um Baile da Ilha Fiscal", comentou um bem-humorado curador paulista ao nos encontrarmos na quarta-feira passada, no Pavilhão da Bienal, durante a inauguração da fervilhante SP-Arte. Referia-se ele, obviamente, à euforia de que se cercou a nona edição da feira.
    Organizado pela empresária Fernanda Feitosa, o evento reuniu 122 galerias e trouxe do exterior uma legião de marchands, curadores, artistas e jornalistas hipnotizados pelo brilho do Eldorado tropical emergente. Estaríamos, como no último baile do Império, dançando às vésperas da "débâcle" de mais um promissor ciclo econômico?
    "Minha mãe", disse o curador, "que já é uma senhora de idade, está apreensiva; ela viveu aquele otimismo todo dos anos JK e a seguir a crise que resultou no golpe de 1964; e depois veio o 'milagre' da ditadura, que nós lembramos, e deu no desastre inflacionário da década de 80"...
    É verdade, mas o público "artsy" -como a turma das artes está sendo chamada nas páginas borbulhantes do jornalismo mundano- não parece, por ora, muito preocupado com isso. A pátria do capital é a oportunidade, e o Brasil tem oferecido algumas bastante boas, ainda mais no contexto de crise econômica que se instaurou na Europa e nos Estados Unidos. Natural que os olhos e os bolsos se voltem para cá.
    A afluência de galerias internacionais de primeira linha e a projeção que as artes plásticas vêm alcançando na mídia ajudam a atrair a atenção do público não especializado, que muitas vezes parece desconcertado diante da variedade de trabalhos e das cifras que são pagas por alguns deles.
    Sempre se soube que obras de arte podem custar muito caro, mas isso parecia ainda há pouco uma realidade longínqua, coisa "lá de fora" -como os brasileiros costumam se referir ao mundo. Agora, não. Embora também haja preços mais acessíveis, passeia-se pela feira e pode-se ver, diante do nariz, uma tela cotada em R$ 22 milhões.
    Encontrei Heitor Martins, ex-presidente da Fundação Bienal, numa das dezenas de festas "artsy" (não resisto) que aconteceram na cidade na semana passada. Ele contou-me que o lendário galerista Leo Castelli (1907-1999) equiparava o valor de uma obra de arte de primeira linha ao de um apartamento de primeira linha. Isso vale para Nova York, mas não para Rio ou São Paulo. Os preços no Brasil, a seu ver, poderão passar por realinhamentos. "É claro que tudo vai depender do comportamento da economia", diz ele. Como não se vislumbra nenhum desastre, apesar dos problemas conhecidos, a tendência é que a expansão do mercado se consolide.
    Não é demais lembrar que esta exuberância, talvez irracional aos olhos de alguns, é fruto de um processo. A começar pela qualidade intrínseca da produção artística brasileira, que se realçou no modernismo, deu um salto na década de 1950, com a ruptura concretista e seus "neo" desdobramentos, e se confirmou nas últimas décadas.
    Agora, sob efeito da integração ao circuito internacional e das pressões que daí derivam, a tendência é de aperfeiçoamento institucional e aprofundamento da profissionalização.
    Embora o "Baile da Ilha Fiscal" seja sempre uma perspectiva a ser considerada aqui embaixo do Equador, não parece, por ora, ser o quadro que se desenha.

      Luiz Carlos Bresser-Pereira

      folha de são paulo

      Euro, até quando?
      A alternativa é terminar de forma acordada com a união monetária e desvalorizar os respectivos euros nacionais
      A Alemanha tem uma posição clara em relação ao euro. Seus cidadãos não querem pagar o custo do ajuste que os países do sul da Europa precisam fazer para superar a crise. Querem que o custo recaia sobre os cidadãos dos países endividados. E não admitem discutir a sua descontinuidade negociada e planejada.
      Ao invés, querem que os países endividados, inclusive a França, continuem a realizar a política de austeridade, que produz recessão e desemprego de longo prazo, o que levará à baixa dos salários reais nesses países e ao reequilíbrio fiscal.
      A baixa dos salários é necessária, não tanto para equilibrar as finanças públicas (que antes da crise não estavam mais desequilibradas do que a da Alemanha), mas para as finanças privadas que se desequilibraram devido à apreciação da taxa de câmbio implícita, causada pelo aumento do custo unitário da mão de obra nesses países em relação à Alemanha. Lograda a baixa dos salários reais, o custo unitário da mão de obra cairá, e a crise será superada.
      Esta política é racional do ponto de vista da Alemanha. Mas será para outros países, como a França? Seria se não houvesse alternativa, mas há: terminar de forma acordada com a união monetária e desvalorizar os respectivos euros nacionais. Dessa maneira, os salários e todos os rendimentos cairiam e a crise se resolveria com menos sofrimento e com menores riscos políticos e econômicos.
      Que Grécia, Irlanda e Portugal não considerem essa alternativa é compreensível. Mas é incompreensível que Espanha, Itália e, principalmente, França tenham a mesma atitude.
      Ou melhor, é compreensível para as empresas endividadas em moeda estrangeira desses países; é compreensível para os ricos e para os servidores públicos cujo emprego não esteja ameaçado; mas é incompreensível para a grande massa da população. Até quando essa maioria sobre a qual está caindo o ajustamento aceitará a carga? Até quando continuará a ver o euro como algo "intocável"?
      Até há pouco, os europeus argumentavam que eram obrigados a aceitar a austeridade porque a crise causada pela descontinuidade do euro seria terrível. Como o argumento era fraco, surgiu outro: é preciso não voltar às "desvalorizações competitivas" que existiam antes do euro. As desvalorizações não eram competitivas, eram necessárias; visavam restabelecer a competitividade e o equilíbrio da conta corrente do país, perdidos porque outros países aumentaram a produtividade mais rápido ou baixaram salários, ou porque a inflação fora maior no país que desvalorizara.
      O problema, portanto, é saber até quando franceses, italianos e espanhóis suportarão essa política. As eleições nos outros países e a queda da popularidade de François Hollande na França mostram que a paciência está se esgotando. Resta esperar que antes disso os dirigentes europeus entrem em um acordo que seja razoável para todos e que preserve a União Europeia, hoje ameaçada.

        Entrevista da 2ª Randy Simmons - Ricardo Mioto

        folha de são paulo

        Maior desigualdade nos EUA não é um problema por si só
        Representante da ala mais liberal americana questiona quem aponta profusão de 'áreas vip' como sinal de decadência social do país
        RICARDO MIOTODE SÃO PAULOA discórdia sobre o papel do Estado e sobre a crescente desigualdade nos EUA segue vivíssima na academia do país. Agora, ela é simbolizada pelos estádios de beisebol.
        Décadas atrás, não existia área VIP ou camarote na liga principal. O sujeito pagava uns poucos dólares e sentava onde quisesse, ricos e pobres lado a lado -no máximo, um pouquinho a mais para ficar junto ao campo. Com os anos, a diferença entre o ingresso mais barato e o mais caro se multiplicou, criando "divisão social" na arena.
        Para o pessoal mais à esquerda das universidades "progressistas" americanas, isso é o sinal de que o capitalismo solto significou concentração de renda. O governo deveria interferir para dar condições mais igualitárias a todos -seja no estádio, seja no hospital ou na universidade.
        Membro famoso dessa ala é Michael Sandel, 60, de Harvard. Ele usa o beisebol, sua paixão, como argumento sobre a decência social do país no seu recém-lançado "O Que o Dinheiro Não Compra: Os Limites Morais dos Mercados" (ed. Civilização Brasileira).
        No outro lado, estão especialistas de "think tanks" liberais, como Randy Simmons, do Independent Institute. Ele veio ao Brasil a convite do Instituto Millenium para lançar "Para Além da Política: Mercados, Bem-Estar e o Fracasso da Burocracia" (Topbooks).
        Aos 66, ele, como Sandel, adora beisebol e foi muito a estádios "igualitários" quando jovem. Acredita, porém, que seja positivo que setores melhores sejam mais caros. "Se o sujeito está disposto a pagar mais, significa que aquilo é muito importante para ele."
        Se os dados mostram que a sociedade americana está cada vez mais desigual, isso não é necessariamente um problema, diz. Importa saber se os pobres vivem bem, não se existe gente muito mais rica do que eles. Abaixo, a entrevista.
        Folha - O senhor e Sandel vão a jogos de beisebol há décadas. Ele sente saudade de quando ia ao estádio e pobres e ricos sentavam juntos. O senhor também? Acha que áreas VIP simbolizam uma mudança na sociedade americana?
        Randy Simmons - Não. A liga principal é como um cartel: poucos times, um oligopólio. Com os anos, a demanda por ingressos, especialmente para os melhores lugares, cresceu muito, ao contrário da oferta. É natural o preço subir.
        Eu não estou disposto a pagar o que os Yankees cobram pelos melhores lugares. Mas ainda posso ir ao estádio. E há outras ligas, outros jogos. Se você quiser muito o melhor lugar nos Yankees, economize o valor do ingresso. As pessoas estão dispostas a pagar, há demanda, e o número de cadeiras é limitado.
        Mas é inegável que há uma crescente concentração de renda nos EUA.
        Se a desigualdade é causada pelo governo, temos um problema. É o caso da Rússia.
        No caso dos EUA, o fato de que Bill Gates é muito rico me faz feliz. É importante recompensar quem fez a vida de tantos mais fácil e aumentou tanto a produtividade geral.
        Não se pode medir a desigualdade isoladamente, ela não é um problema por si. Quantas horas as pessoas pobres têm de trabalhar para conseguir um produto? Há cem anos, havia muito menos desigualdade, mas o acesso a bens ou serviços era menor. Vejo as coisas que meus netos têm hoje e comparo com o que meus pais podiam me dar. É muito mais, mesmo que a renda em valores corrigidos possa ter caído.
        O senhor é contra o governo intervir contra a pobreza?
        É fato: a sorte tem um papel grande na vida. Começa por nascer no lugar certo, na família certa. Mas é preciso permitir que as pessoas persigam o que querem. Assim, eu aceito que o governo tenha um papel na educação, mas sem administração direta.
        Você pode ter vouchers [o governo dá um "vale educação" para os alunos]. É ótimo, mas a resistência dos sindicatos de professores é enorme. Sindicatos nunca trabalham pelo interesse público.
        Mas, de maneira geral, creio que redes de proteção social só ficam maiores, maiores e maiores. Elas não ajudam as pessoas a inovar, a assumir responsabilidades.
        Nós temos aquilo que subsidiamos. Se subsidiarmos os pobres, vamos ter pobres.
        E nos programas de ajuda aos pobres, por exemplo, na África, muito se perde no caminho, de burocrata em burocrata. Se 40% de um programa chega a quem de fato precisa, ele é um sucesso! Especialmente porque os governos são muito corruptos.
        Nesse sentido, me parece que vocês têm um experimento fascinante aqui no Brasil, o Bolsa Família, que eu gostaria de conhecer melhor.
        Com transferência direta de dinheiro.
        Sim. Veja: vi há pouco uma propaganda na minha universidade. Convidava as pessoas a doarem sapatos usados para a África. Mas tem alguém na África agora tentando sobreviver vendendo sapatos. A doação vai acabar com esse sujeito.
        Se os americanos quiserem ajudar os africanos, poderiam acabar com o subsídio ao algodão nacional. Poderiam incentivar empréstimos a empreendedores, ajudar na criação rápida de empresas.
        O senhor, imagino, discorda completamente de movimentos como o Occupy Wall Street.
        Eles não sabem nada sobre um bom protesto. Sou filho dos anos 60. Fui ver o Occupy e fiquei decepcionado: onde estavam as mulheres dançando nuas, o pessoal "viajando"? Foi o protesto mais chato que eu já vi (risos).
        Eles têm razão em algo: há excesso de poder político das corporações nos EUA.
        Mas quem protesta tem de assumir responsabilidades. Um entrevistado reclamou que tinha se endividado para estudar teatro de fantoches. E agora estava lá protestando por falta de emprego, "não é justo"... Endividados escolheram se endividar.
        O senhor era esquerdista quando jovem, protestou contra a guerra do Vietnã?
        Não era. Fui contra a guerra porque não queria morrer.
        Então o senhor tem algo em comum com Bush filho...
        Sim, sim (risos). Para a minha geração, isso era o mais importante. Quando falaram tudo isso sobre Bush ter fugido da guerra, eu disse: todos nós fizemos isso. Eu tinha 18 anos. Fui a um curso da Aeronáutica de três anos, pensando "até eu me formar, a guerra acabou". Nem completei...
        O senhor é republicano?
        Não. A liberdade pessoal é um problema para muitos deles. Não deve importar ao governo quem casa com quem. Mas diga isso a republicanos mais conservadores. Eles ficam loucos. E há a maconha, a prostituição. Fale em legalizar a prostituição a certos republicanos e eles vão implorar para você voltar a falar de casamento gay (risos).
        Mais do que isso, há uma onda de paternalismo nos EUA. Não é só Nova York querendo proibir que se beba muita Coca-Cola, é a escalada de impostos em tudo que soa errado: cigarros, álcool, coisas que engordam. É fácil: aumenta a arrecadação e soa justo. Se é assim, por que não legalizam logo a maconha?
        Mas isso está mudando...
        Sim. E é incrível: em Washington, que a legalizou, já há um órgão estatal para dizer como manejá-la. Isso as pessoas já sabem, não precisam de um burocrata! (risos)
        O liberalismo econômico nunca fez sucesso na intelectualidade latino-americana. A narrativa da história econômica local costuma ser a de Eduardo Galeano, a das veias abertas. O que acontece?
        Citam a influência católica. Não sei. A maioria dos cientistas políticos que estudam América Latina é de esquerda. Mas espero que um dia acordem para os dados. Veja a Argentina. Há 90 anos, era uma das economias mais fortes. Hoje, é a... Argentina (risos). A Venezuela então... Acho que os políticos daqui tiveram sucesso com certa narrativa da inveja. É a crença de que não se é responsável pelo que se é, de que a culpa é dos outros, da "dominação". Mas veja Hong Kong, veja os exemplos asiáticos. Conseguiram, por meio do livre comércio, a prosperidade.
        Mas o senhor não considera que a crise de 2008 foi um golpe no liberalismo?
        Não. Veja, foi o governo dos EUA quem incentivou suas agências de crédito imobiliário a tomarem riscos exagerados, dando a eleitores pobres casas que não podiam bancar.
        Existiram, sim, inovações financeiras criadas por bancos que se revelaram muito arriscadas. Mas quase ninguém conseguiu prever isso. A grande maioria dos investidores não conseguiu, perdeu dinheiro. Se eles não conseguiram, um burocrata teria? E, depois de tudo, o governo ainda salvou os bancos. Isso só os encoraja a agir pior.
        O pior é que a nova regulação foi muito influenciada por grandes instituições financeiras. Fizeram um sistema com muito menos competição, um oligopólio de "grandes demais para quebrar". A situação hoje é pior do que antes da crise.

          FRASES
          "Sou um filho dos anos 60. O Ocuppy Wall Street foi o protesto mais chato que eu já vi. E quem protesta tem de assumir suas responsabilidades. Os endividados escolheram se endividar"
          "Os políticos da América Latina tiveram sucesso com certa narrativa da inveja. É a crença de que não se é responsável pelo que se é, de que a culpa é dos outros. Veja [o que se tornou] a Argentina"


          RAIO-X RANDY SIMMONS
          FORMAÇÃO
          Ph.D. em ciência política pela Universidade de Oregon
          ATUAÇÃO
          Pesquisador sênior do Independent Institute e diretor do Instituto de Economia Política da Universidade do Estado de Utah. Foi prefeito da cidade de Providence (Utah)

            A formação de um povo - Lya Luft

            Revista Veja - 08/04/2013

            A formação de um povo pode ser olhada sob vários aspectos. Aqui eu falo da formação cultural, informação, crescimento, consciência dos direitos e deveres de quem vive numa democracia verdadeira, que se interesse por um povo formado e informado. Aqui entra primariamente a educação, que venho comentando sem conseguir esgotar, assunto inexaurível na vida privada de todo cidadão e na existência geral de um povo. É preciso ter em mente que, para os líderes, sejam quais forem, esse deve ser um interesse primordial em sua atividade.

            A mim me preocupa a redução do nível de formação e informação que nos oferecem. Escrevi muito sobre as cotas, com que, em lugar de melhorar a educação pela base, subindo o nível do precário ensino elementar, se reduz o nível do ensino superior, para que se adapte aos que lá entram mais por cota do que por mérito e preparo, em lugar de ser, como deveria, o inverso. Com isso, nosso ensino superior, já tão carente e ruim, com algumas gloriosas exceções, piora ainda mais. Vejam-se os dados assustadores de reprovação, no exame da Ordem dos Advogados do Brasil, de candidatos saídos dos nossos cursos de direito. Os exames de igual caráter para egressos de cursos de medicina ainda não apresentam resultado tão incrivelmente ruim, mas começam a nos deixar alertas pois esses médicos vão lidar com o nosso corpo, a nossa vida. Estudantes de letras frequentemente nem sabem ortografia, e mais: não conseguem se expressar por escrito, não têm pensamento claro e seguro, não foram habituados, desde cedo, a argumentar, a pensar, a analisar, a discernir, a ler e a escrever.

            Agora, pelo que leio, parece que vão conseguir piorar ainda mais a situação, pois a meninada só precisa se alfabetizar no fim do 3º ano da escola elementar. Pergunto: o que estarão fazendo nos primeiros dois anos de escola? Brincando? Gazeteando? A escola vai fingir que está ensinando, preparando para a vida e a profissão? E os pais que se interessam, o que podem esperar de tal ensino? Aos 8 anos, meninos e meninas já deveriam estar escrevendo direito e lendo bastante — claro que em escolas públicas de qualquer ponto do país onde os governos tivessem colocado professores bem pagos, seguros e com boa autoestima em escolas nas quais cada sala de aula tenha uma prateleira com livros doados pelos respectivos governos, municipal, estadual ou federal, interessados na formação do seu povo.

            Qualquer coisa diferente disso é ilusão pura. Não resolve enviar centenas de jovens ao exterior ou trazer estudantes estrangeiros para cá, se a base primeira do ensino é ruim como a nossa, pois não adianta um telhado de luxo sobre paredes rachadas em casas construídas sobre areia movediça. Como não adianta dar comida a quem precisaria logo a seguir de estudo e trabalho que proporcionasse crescimento real, projetos e horizontes em lugar da dependência de meninos que não conseguem largar o peito materno mesmo passada a idade adequada.

            O que vai acontecer? Com certeza vai se abrir e aprofundar mais o fosso entre alunos saídos de escolas particulares que ainda consigam manter um nível e objetivo de excelência e a imensa maioria daqueles saídos de escolas públicas ou mesmo privadas em que o rebaixamento de nível se instalar. Grandes e pequenas empresas e indústrias carecem de mão de obra especializada e boa, milhares de vagas oferecidas não são preenchidas porque não há mão de obra preparada: imaginem se a alfabetização for concluída no fim do 3o ano elementar, quando os alunos tiverem já 8 anos. talvez mais, quando e como serão preparados? Com que idade estarão prontos para um mercado de trabalho cada vez mais exigente? Ou a exigência também vai cair e teremos mais edifícios e outras obras mal construídos, serviços deixando a desejar, nossa excelência cada vez mais reduzida?

            Não sei se somos um povo cordial: receio que sejamos desinteressados, mal orientados e conformados, achando que é só isso que merecemos. Ou nem pensando no assunto.

            As domésticas e a vida moderna - RENATO JANINE RIBEIRO

            Valor Econômico - 08/04/2013

            O reconhecimento de direitos trabalhistas às domésticas é apenas um passo a mais, embora crucial, numa história moderna que passou não só pela abolição da escravatura, mas, perto de nós, pela igualdade entre homem e mulher na família e pelo projeto de lei da palmada, ainda não aprovado, que visa a coibir a violência dos pais contra os filhos. Todas essas medidas seguem a mesma lógica - que é a do ingresso da Lei e da Justiça (no sentido também de Judiciário) em espaços que antes lhes eram imunes, porque pertenciam à vida privada, doméstica ou íntima, como queiramos chamá-la.

            Pensemos nos anos 1960. Por lei, o marido era o chefe da família. Cabia-lhe decidir a residência comum. Se resolvesse mudar de cidade, a mulher devia segui-lo - ou seria culpada de abandono (sic) do lar, ensejando um processo de separação que a penalizaria na guarda de filhos. Isso valeu até 1962, quando a mulher foi erigida a colaboradora (mas só isso) do chefe da família. Ou falemos em 1983, quando Franco Montoro se tornou governador de São Paulo e criou a primeira delegacia da Mulher no Estado. Até então, a mulher estuprada era frequentemente humilhada na delegacia onde fosse prestar queixa. Ou o "defloramento da mulher, ignorado do marido": se após o casamento este descobrisse que a noiva não era virgem, podia requerer a anulação. Isso apenas acabou em 2002, com o novo Código Civil. Ou ainda a lei Maria da Penha. Embora eu considere essa lei sexista, porque não pune a violência da mulher contra o companheiro, mas só o contrário, foi um avanço. É de 2006. Com tais medidas, a Lei entrou onde, antes, a violência não encontrava obstáculo.

            Mas respeitemos as razões de quem se opõe a essas mudanças. É absurdo - e desnecessário - fazer caricatura dos que discordam de nós. Um argumento contra essas leis é: elas introduzem numa relação íntima (o casal, a família), ou doméstica (patrões e empregadas), um terceiro elemento, o Estado, que esfria o afeto entre as pessoas. Em vez de resolverem elas mesmas os conflitos, passam a desconfiar uma da outra. Há verdade nisso. Mas conflitos domésticos nunca opuseram iguais, e sim desiguais. É justo a sociedade, pela lei, barrar a violência na casa, para que se negocie em real igualdade.

            Além disso, o terceiro ator que entra na cena doméstica, o Estado, não é o governo, nem o Poder Executivo. É geralmente o Judiciário e, mesmo, a opinião pública. Quem passa a achar intolerável a violência física contra mulher e filhos, ou a exploração da empregada em jornadas excessivas, é a sociedade. O Poder Executivo é até tímido. Faz tempo que poderia investigar se os patrões registram as domésticas, obrigação legal que existe há décadas e a meu ver é mais importante, de fato (mas não simbolicamente), do que a nova lei. Por que nunca as Delegacias do Trabalho foram ver, nas casas dos ricos ou da classe média, as condições de emprego doméstico, ou pelo menos se elas têm carteira assinada? Provavelmente, continuarão a não ir. Mas a emenda empodera as empregadas para exigir também esse direito que já tinham.

            Quando uma mulher agredida se queixa do marido na delegacia, acaba o ditado "em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher". A democracia é justamente essa colher. Briguem, resolvam só vocês seus conflitos, mas ninguém bata em ninguém. O que se coíbe é a violência. O marido, se quiser mudar de cidade, não pode impor isso à esposa. Tem de negociar. É uma negociação sem última palavra: pois esse é o significado do diálogo. Isso tem, obviamente, um custo. Mas é o mesmo custo genérico da vida contemporânea. Todos nós somos, hoje, mais conscientes de nossos direitos e, ao mesmo tempo, mais impacientes. Toleramos menos que nossos pais e avós. Isso é ruim? Em parte, sim. Os laços afetivos se tornaram mais vulneráveis. Nosso desafio é aprender a cuidar melhor deles, porque a tendência é a rompê-los ao primeiro desentendimento. Mas nada disso justifica a violência, contra mulher e filhos, ou a humilhação da doméstica.

            Isso posto, a legislação nova precisa de uma regulamentação urgente, até porque já vige o novo preceito constitucional e há questões em aberto. Melhor teria sido tramitarem ao mesmo tempo a emenda e a legislação pertinente: diminuiria tensões e não haveria as demissões preventivas que já ocorrem. Ao contrário do que tenho lido na imprensa e no Facebook, patrões não são todos vilões, nem todas as empregadas são do bem. Mas quero dizer, a quem se sente incomodado com a emenda 72, que esse mesmo incômodo já afetou muitos, em especial os homens, ao saberem que não podiam mais impor a vontade a seu entorno. A tendência das relações democráticas é a se expandirem. Isso significa que, de forma de governo, elas vão se tornando formas de vida. Saem do mero poder político para contaminar a sociedade e mesmo as microssociedades que são as famílias, os casais. Iluminam os cantos desconhecidos da vida. Obedecem, assim, ao princípio do Iluminismo: as luzes melhoram o mundo. Se formos conscientes disso, nos adaptaremos melhor à nova realidade. As patroas ganharão, se entenderem que o reconhecimento dos direitos trabalhistas às domésticas se dá em sequência à conquista da igualdade delas mesmas com seus maridos. Se quisessem manter o status quo, deveriam voltar à família patriarcal - porque só nesta a Lei e a Justiça param do lado de fora da casa. Assim era em Roma antiga, mas isso incluía o direito do "pater familias" a matar, sem processo, mulher, filhos e servidores. A família estava fora da esfera legal. Vivemos hoje num mundo diferente e, arrisco dizer, melhor.

            Diário da Dilma - Quem não tem colírio que use óculos escuros


            Revista Piauí > Edição 79  > Abril de 2013

            1º DE MARÇO_Não tinha reparado como o Mercadante é parecido com o Tom Selleck. Acho que fiquei muito focada no Lobão e a coisa me escapou. E não é que existe mais vida no Ministério do que supunha minha vã filosofia? Basta classificar o bigode na categoria vintage que tudo se esclarece.
             
            2 DE MARÇO_Fui abrir o MAR, aquele museu em dois prédios lá no Rio. Me senti como Moisés. Foi uma pajelança com Paes, Cabral e aquela trupe toda. Ô, povo animado. Sentamos o Pezão ao lado de um dos Robertos da Globo para ir firmando a presença dele na grande imprensa burguesa.
             
            3 DE MARÇO_Deus é pai, não é padrasto! Me livrei do Chalita sem precisar fazer nada! Quem manda não pagar as comissões direito? Tá o maior bafafá com a história do assessor não-sei-das-quantas que mandava na Secretaria. Diz que o Chalita chamava os pacotes de dinheiro de Vanderlei. Que coisa!
             
            5 DE MARÇO_Perdemos Prestes, Lamarca e agora o Hugo Chávez. Fica o exemplo para o PMDB: não é possível permanecer eternamente no poder.
             
            6 DE MARÇO_E não é que o Congresso ousou vetar meu veto à nova Lei dos Royalties? Como faço para vetar novos vetos aos meus vetos? Enquanto a Ideli não descobre, roguei uma praga que eles vão ver só!
             
            7 DE MARÇO_Rá! Batatolina! Não sabia que praga de presidenta pegava tão rápido. Quero ver engolirem esse pastor que alisa o cabelo.
            Uma grande maldade o Barbosa negar passaporte para que o Dirceu fosse ao enterro do Chávez. É bem verdade que corríamos algum risco. Se conheço bem a peça, devia passar pela cabeça dele assumir a vaga do Comandante, pegar em armas, invadir o Brasil e salgar as terras do stf.
             
            8 DE MARÇO_Dia Internacional da Dilminha. Para comemorar, distribuí broncas no Moreira Franco, Padilha e Crivella.
            Parece que o Serra tomou tenência. Enviou para cá um mimo que achei fofo: uma caixona com vários suquinhos da marca Ades. Nunca achei que o homem fosse capaz de um gesto simpático. Queimei a língua.
             
            9 DE MARÇO_A briga na Cúria é pinto perto do pega pra capar na base aliada. Se eu pensasse em renunciar cada vez que o PMDB pede aquela penca de cargos... Tem que ser sertaneja para aguentar isso! O papa, muito sabido, muito lido, muito santo, não deu conta...
             
            10 DE MARÇO_Mamãe arrumou o DVD Amor, do Michael Haneke. Chorei que nem manteiga derretida. Fico ocupada com essa reforma ministerial, em acabar com a pobreza, em manter a arquitetura do topete e me esqueço de procurar alguém para segurar minha mão quando estiver velhinha.
             
            11 DE MARÇO_Achei que titia falava muita besteira. Até que apareceu esse Marco Feliciano e mudou os paradigmas.
             
            12 DE MARÇO_Firmei um acordo para ampliar os voos entre o Brasil e a Nova Zelândia. Quero ver continuarem a falar em apagão logístico. Animada, pisei fundo nas negociações bilaterais e incluí um dispositivo pelo qual uma cidade de lá se compromete a treinar a nossa seleção de rúgbi. Terminada a cerimônia, disse na lata: “Para nós, é muito importante para as áreas dos esportes a área do rúgbi. A Olimpíada aqui no Brasil pela primeira vez vai incorporar isso, então essa é uma parceria muito importante.” Tudo bem, a sintaxe podia ser melhor, mas ninguém negará que são palavras históricas.
             
            13 DE MARÇO_É argentino! Argentino! Senhor, por que nos abandonaste?
             
            14 DE MARÇO_Liguei imediatamente para o Patriota: “Partiu Roma! Arruma um jeito de colocar o Mercadante na comitiva.”
            Bem feito: aquele chato do dom Odilo caiu no conto do vigário. Literalmente: dom João Braz de Aviz o atiçou a defender o Banco do Vaticano, e pronto. Morreu pela boca, para alegria do cardinalato brasileiro. Se dom Odilo tivesse passado dois dias com Dirceu e Tarso, ou com Serra e Aécio, saberia como essas coisas funcionam. De nada adianta o vento estar a favor se não se sabe para onde virar o leme.
             
            15 DE MARÇO_Por onde anda o Benito di Paula? Será que está vivo? A Ideli deve saber.
             
            16 DE MARÇO_Amanhã, Roma. Ufa. Depois da Guiné, eu bem que merecia um IDH alto. Dei um jeito de adiantar a viagem para ter um tempinho livre. O Patriota já me arrumou um encontro com um cara da Eslovênia, só para me contrariar. Fui olhar na Wikipédia e a Eslovênia tem 2 milhões de habitantes. Me poupe, Patriota!
             
            17 DE MARÇO_Roma, cidade dos grandes amores. Champagne per brindare aun incontro. Sonhei que estava na Fontana di Trevi com água pela cintura. Num relance, notei que um carro conversível acabava de parar. De dentro me saiu um homem misterioso, de chapéu panamá e terno risca de giz. Meus olhos embaçados pela emoção e pelo esguicho de Netuno me impediam de identificar quem era. Ao oferecer-me a mão, reconheci os fartos cabelos negros de um, e também os bastos bigodes do outro. Acordei cheia de tribulações. Ah, destino, não vês que sou frágil? Por que me desafias assim?
             
            20 DE MARÇO_O tal Francisco veio me dizer que papa não tem nacionalidade. Num chiste delicioso, emendou que prova disso é que deixaria de ser argentino para se tornar humilde. De qualquer modo, pedi que benzesse o nosso Pibinho. O Santo Padre confirmou que vem para a Jornada Mundial da Juventude, para a Copa, Olimpíadas e Rock in Rio.
            Pelas chagas do Divino Coração de Jesus! Como esse negócio de missa é chato. Não é à toa que está todo mundo virando evangélico. Ainda bem que o Gilbertinho sentou por perto e me explicou a liturgia. Achei bonito aquele momento em que todo mundo se dá a mão. Só não é muito higiênico. 
             
            21 DE MARÇO_Tentei falar com a Cris Kirchner. Ela fez uma cara de entojo e pediu para eu lhe reavivar a memória, pois não estava ligando meu nome à pessoa. Está se achando a própria Lucrécia Borgia quando o pai lhe entregou o papado.
             
            22 DE MARÇO_Babadíssimo! A Cris K. está de namorico com o Baltasar Garzón, aquele juiz espanhol que vive prendendo o Pinochet e é um pão! ÓDIO! O que ele viu naquela Mortícia Addams, não sei...
             
            23 DE MARÇO_O Lula me ligou outro dia para me azucrinar um pouco. Estava sem serviço e queria bater um papo sobre a reforma ministerial. Uma chatice. Parece que está sem ambiente em casa...
             
            24 DE MARÇO_Desisto. Cansei de chamar o Guido na chincha! O que eu vou dizer do Pibinho? Minha inspiração acabou! Tá pequeno porque tá pequeno, ponto! Porque a economia não cresceu. E lambam os beiços. Quem não tem colírio que use óculos escuros.
             
            25 DE MARÇO_Mandei incluir umas pimentas bem ardidas na comida aqui de casa. Li que pimenta acelera o metabolismo e queima umas 100 calorias por semana. No primeiro dia titia quase teve um troço. Ficou à base de canja por três dias e está sem falar comigo.
             
            26 DE MARÇO_Dilminha pop star! Meus índices de aprovação são mais altos do que os de Chico Buarque, dom Paulo Evaristo Arns, Gaby Amarantos e aquela música do Byafra. Que, aliás, foi feita para mim: Voar, voar/ Subir, subir/ Ir por onde for... Talk to the hand, Luiz Inácio!
             
            27 DE MARÇO_A Abin veio me dizer que o Suplicy vem lendo receitas de miojo na tribuna desde 2008. Ninguém notou.

            Painel - Vera Magalhães

            folha de são paulo

            Sintonia fina
            Com a proximidade da fase de recursos do mensalão, Joaquim Barbosa viajará no começo de maio para evento sobre liberdade de expressão na Costa Rica e se reunirá com Diego García-Sayá, presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O presidente do STF espera que Sayá reitere o entendimento de que não cabe revisão do julgamento -cujo acórdão sai nesta semana- em instâncias internacionais, uma das estratégias de defesa de réus como José Dirceu.
            CEP errado Durante jantar em março, em Brasília, Sayá havia dito a Barbosa que, se recursos batessem na corte, seriam devolvidos. Ele justificou que o país é uma democracia e os réus tiveram amplo direito de defesa.
            Gás A degravação do depoimento do deputado Marco Feliciano (PSC-SP) no STF deve sair só no fim da semana. A ordem na taquigrafia é dar prioridade à montagem do acórdão do mensalão, que pode chegar a 10 mil páginas.
            Reação O presidente do PT, Rui Falcão, critica decisão do Ministério Público Federal de investigar se Lula sabia do mensalão: "Trata-se de mais uma das muitas invencionices para tentar atingir o presidente Lula, cujo único crime foi ter melhorado a vida de milhões de brasileiros''.
            Piloto Antes do programa nacional de rádio e TV, em maio, Aécio Neves vai aparecer na propaganda regional do PSDB. Todos os Estados vão ceder no mínimo 25% do tempo ao presidenciável.
            Radar O antropólogo e publicitário Renato Pereira coordena pesquisa quali-quantitativa que já está em campo para definir a linha do programa de maio.
            Desfile Fernando Haddad recebe hoje dirigentes das centrais sindicais para tratar da festa do Dia do Trabalho, que deve atrair a São Paulo Dilma Rousseff, Aécio e Eduardo Campos (PSB).
            Plano B Avança no PSB o plano de construir o palanque de Eduardo Campos no Rio com a candidatura de Romário ao Senado apoiando Anthony Garotinho (PR) ao governo fluminense.
            Plano A Socialistas, contudo, ainda sonham com o reforço de Lindbergh Farias caso o PT não dê legenda ao senador para disputar a sucessão de Sérgio Cabral.
            Lados PT, PSB, PC do B e entidades como CUT e UNE assinam manifesto de solidariedade à Coreia do Norte em que chamam a Coreia do Sul de "fantoche'' e atribuem ao "imperialismo belicista" dos EUA o risco de conflito.
            Toma lá... Senadores acusam Renan Calheiros (PMDB-AL), Eunício Oliveira (PMDB-CE) e Gim Argello (PTB-DF) de segurar uma indicação para diretoria de vigilância sanitária na Anvisa, vaga do atual governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, há 40 dias.
            ... dá cá A análise do nome de Ivo Bucaresky para o cargo está parada na Comissão de Assuntos Sociais desde o dia 27 de fevereiro, mas o trio, segundo parlamentares, congelou a nomeação para negociar uma outra diretoria na agência para o PMDB.
            Tudo azul Diante das queixas de prefeitos à paralisia do Comitê de Articulação Federativa na era Dilma, a Secretaria de Relações Institucionais cita a ampla adesão a encontros promovidos com municípios para dizer que não há crise na relação.
            X da questão O que os prefeitos esperam, no entanto, é que a presidente dê aval, durante evento em Brasília no dia 23, à medida que permite contratação de médicos formados em outros países para atuar na rede pública.
            TIROTEIO
            Dilma e Mantega pisam tanto no tomate no controle à inflação que, para o brasileiro, a salada de todo dia virou um luxo inacessível.
            DO DEPUTADO FEDERAL DUARTE NOGUEIRA (PSDB-SP), sobre a alta de preços dos alimentos, que tem o tomate, que subiu 106% em 12 meses, como símbolo.
            CONTRAPONTO
            Alfinetadas acadêmicas
            O brasilianista Timothy J. Power, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, conduz uma pesquisa sobre o presidencialismo de coalizão em nove países, entre eles o Brasil. Entrevistado por um estudante de doutorado para o estudo, o deputado Bonifácio de Andrada (MG) quis saber quem o coordenava. Ao ser informado, ironizou:
            -Ah, o americano que só conhece o Brasil pelos livros.
            Em palestra na USP, Power contou o caso e retrucou:
            -Conheço o Andrada. Nove mandatos, é mineiro de Barbacena. Ele escreve alguns artigos sobre política e também se considera um intelectual...

            Chalita pagou R$ 1 mi por biblioteca nunca entregue

            folha de são paulo

            Inquérito reexamina negócio feito pela Secretaria da Educação em 2004
            Ministério Público e governo buscam meio de reaver dinheiro repassado a empresa estabelecida em Miami
            DANIELA LIMAMARIO CESAR CARVALHOJOSÉ ERNESTO CREDENDIODE SÃO PAULONa época em que chefiava a Secretaria Estadual da Educação, o deputado federal Gabriel Chalita (PMDB-SP) pagou R$ 1,1 milhão por uma biblioteca digital que jamais foi entregue. Quase uma década mais tarde, as autoridades ainda procuram uma maneira de recuperar o dinheiro.
            O negócio foi feito em 2004, quando Chalita era secretário de Geraldo Alckmin (PSDB), chegou a ser alvo de duas investigações paralelas dentro do governo. Uma delas foi enviada ao Ministério Público, que apura os prejuízos.
            Chalita também é investigado em 11 inquéritos desde outubro do ano passado, quando um ex-colaborador foi ao Ministério Público para acusá-lo de cobrar propina de empresas que vendem para a Secretaria da Educação. Ele nega as acusações.
            Em valores da época, a biblioteca digital custou R$ 690 mil e foi paga de uma vez só, apenas três dias depois da assinatura do contrato. O dinheiro foi repassado a uma empresa de Miami, a E-Libro, numa transação intermediada pela Unesco, o braço da Organização das Nações Unidas para educação e cultura.
            A aquisição foi feita com base num acordo de cooperação que Chalita assinara com a Unesco para viabilizar investimentos de R$ 148 milhões no programa Escola da Família, que previa a abertura de algumas escolas estaduais nos fins de semana. A biblioteca, porém, não tem relação com esse programa.
            Por ser um braço das Nações Unidas, a Unesco não pode ser processada no Brasil. A E-Libro também não, porque fica em Miami e não tem representação no Brasil.
            Chalita diz que a biblioteca não foi para frente por culpa de sua sucessora, Maria Lucia Vasconcelos. A Unesco diz que houve problemas técnicos, solucionados em 2006, e também atribui o fracasso ao desinteresse da secretaria.
            A biblioteca permitiria que os professores lessem no computador quase 40 mil obras de ficção e não-ficção em inglês, 4 mil em espanhol e só 400 livros em português.
            Técnicos da secretaria que investigaram a compra concluíram que ela era desnecessária, porque o governo já tinha uma biblioteca digital.
            A investigação aponta que a E-Libro não conseguiu entregar uma tradução para o português do programa que ensinava a usar o sistema. Técnicos perderam mais de um ano para refazer a tradução.
            A compra da biblioteca foi autorizada por dois dos principais assessores de Chalita, segundo a investigação: Paulo Barbosa, seu secretário-adjunto e hoje é prefeito de Santos, e Cristina Cordeiro, chefe do Escola da Família.
            A investigação mostrou que havia pressa. Em e-mail enviado no início do processo a um departamento encarregado de examinar a proposta, Barbosa escreveu: "Segue nesta mensagem o site da E-libro para sua análise. Precisamos de uma resposta imediata".
            O departamento sugeriu que pedissem uma apresentação "mais detalhada" do produto, mas Barbosa contrapôs: "Já está autorizado, precisamos agilizar isso".
            O então diretor da Unesco no Brasil, Jorge Werthein, chegou a ser recebido na secretaria com um dos sócios da E-Libro. Um mês após o início do Escola da Família, Werthein levou Chalita para falar da experiência na sede da Unesco, em Paris. No ano seguinte a organização premiou-o pelo programa.

              OUTRO LADO
              Deputado diz que não há suspeita sobre sua atuação
              DE SÃO PAULOApesar de ser um dos investigados no inquérito, o deputado Gabriel Chalita (PMDB-SP) disse em nota que "nenhuma conduta, ação ou omissão" sua é objeto de apuração no caso da compra da biblioteca digital.
              Segundo Chalita, o projeto não foi para frente por decisão da secretária que o sucedeu, Maria Lúcia Vasconcelos.
              Chalita afirmou que o atraso inicial ocorreu por causa de incompatibilidade tecnológica e por dificuldades na tradução do programa que ensinava a usar o sistema.
              O prefeito de Santos, Paulo Barbosa, então braço direito de Chalita, disse que "a contratação da E-Libro foi feita diretamente pela Unesco" e que "as ações de implementação, execução e acompanhamento do projeto nunca foram atribuições do ex-secretário-adjunto."
              A Unesco afirmou que a biblioteca não foi implantada por decisão da secretaria. A organização reconheceu problemas técnicos no início, mas disse que eles foram solucionados em 2006, segundo carta que a própria secretaria teria enviado. A Folhapediu para ver o documento, mas a Unesco afirmou que não conseguiria encontrá-lo.
              Victor Torrecilla, gerente da E-Libro em Miami, diz que a biblioteca foi entregue. "Entregamos um link, não um produto." Segundo ele, o sistema é usado em mil universidades nos EUA. "Se funciona em todas as universidades dos EUA, por que não em São Paulo?"
              Jorge Werthein afirmou que não se recorda do caso. A Folha não conseguiu falar com Maria Lucia Vasconcelos e Cristina Cordeiro.

                Jaques Wagner e a maior seca da Bahia nos últimos sessenta anos‏


                REVISTA PIAUÍ >  Edição 79 > Abril de 2013

                Há uma calamidade em andamento e ninguém dá um pio. A desgraça é a seca no Nordeste. O governador Jaques Wagner, da Bahia, procura todas as manhãs na internet notícias sobre a chuva na região do semiárido. E há meses fecha o computador desolado: nem um pingo d’água.

                Desde que a chuva começou a ser medida no Polígono das Secas, que vai do norte de Minas até o Piauí, jamais hou-ve uma estiagem como a de agora. Das 417 cidades baianas, metade está com o estado de emergência decretado. Mais de 4 milhões de nordestinos foram diretamente atingidos. Meio milhão de vacas e cabras morreu de inanição. Começa a faltar água para fazer comida e tomar banho em cidades de até 40 mil moradores. Rebanhos foram tangidos do sertão para o Recôncavo, onde ainda há pastos. A seca é a mais ruinosa dos últimos sessenta anos.

                 A mudez é das emissoras de televisão e rádio, dos grandes jornais e revistas do Sudeste. Não há manchetes nem documentários ou capas sobre o flagelo. Se muito, aparecem de quando em quando reportagens burocráticas, que indefectivelmente terminam com imagens de carcaças de bestas se decompondo no solo rachado da caatinga.
                Jaques Wagner, que acabou de completar 62 anos, não atribui a míngua de reportagens sobre a seca a uma conspiração da grande imprensa para esconder um problema que diz respeito em primeiro lugar ao governo federal.

                “Vivemos num mundo onde as imagens contam cada vez mais”, disse ele num jantar recente no Palácio de Ondina, em Salvador. “Já não há levas de famélicos vagando pelo sertão. É cruel, mas as imagens de desabamentos provocados pela chuva em Petrópolis ou em Angra são mais poderosas que as da seca.”

                Ficaram para trás, no seu raciocínio, os versos de João Cabral de Melo Neto e a prosa de Graciliano Ramos, os retirantes de Vidas Secas ou os rebeldes de Deus e o Diabo na Terra do Sol. Dizem pouco os livros e filmes que, no século passado, acordaram o Brasil do seu sono de morto e soaram como um despertador acre, como sol sobre o olho, que é quando o sol é estridente, a contrapelo, imperioso, e bate nas pálpebras como se bate numa porta a socos.

                “As imagens da literatura e do Cinema Novo já não servem para representar o que é a seca”, continuou Wagner. “Há toda uma rede de auxílio estatal que diminui o sofrimento e evita o aparecimento das multidões que atacavam armazéns de comida. O Bolsa Família, a construção de cisternas, o investimento em açudes, a eletrificação rural e o crédito mais barato cumpriram o seu papel.” Quase 2 milhões de baianos se beneficiam do Bolsa Família.

                Mas as vítimas existem. Muitos casebres e sitiozinhos do sertão estão trancados e vazios. As famílias que neles viviam foram morar com parentes em cidades distantes do seco e de suas paisagens, à espera de dias molhados. Dias que parecem cada vez mais distantes: no final de abril começa no semiárido nordestino a estação do estio propriamente dita. Se não chover forte até lá, a faca da seca aprofundará o corte na carne dos sertanejos, tornando mais difícil, mais longa, a recuperação do ferimento.

                “Pior do que perder a lavoura de subsistência, o que já aconteceu, será perder as plantas”, disse o governador. “Será preciso então providenciar novas mudas, irrigar a terra e alimentar as pessoas enquanto as plantações crescem. Tudo isso custa um mundo de dinheiro. E é dinheiro que só o Estado pode dar porque não há lucros à vista.” Tocou o seu celular. Era o governador Cid Gomes, do Ceará. Combinaram uma visita à presidente Dilma Rousseff para falar da falta de chuva.

                Jaques Wagner é realista. Mesmo que houvesse comoção nacional com a seca, ele acha complicado fazer com que a ajuda chegue aos flagelados. No Rio e em São Paulo, é fácil doar roupas e alimentos a quem perdeu tudo nas enchentes. No interior do Nordeste, as pessoas precisam de água, e o aumento e a circulação de caminhões-pipa dependemda logística implantada por governos. “O Estado deve ter o tamanho necessário, não adianta ficar repetindo que a iniciativa privada é mais capacitada que o poder público”, disse o governador.

                As longínquas eleições presidenciais do final de 2014, admitiu, interessam mais aos políticos e à imprensa que a seca de hoje. Wagner se dá bem com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, do Partido Socialista Brasileiro, e considera legítimo que ele queira disputar o Planalto. Mas acha melhor ele esperar até 2018, quando, aí sim, o Partido dos Trabalhadores deveria cogitar que a aliança governamental apoie um candidato que não seja do pt. Quanto às suas próprias pretensões à Presidência, não as esconde: “Se o cavalo passar selado, monto.”
                 
                Jaques Wagner tem olhos azuis, a tez de uma alvura nórdica e não é baiano. Filho de uma família judia que teve que fugir do nazismo, ele nasceu no Rio. Para desgosto do pai, que militou no Partido Comunista da Polônia, ele começou a fazer política no movimento sionista carioca. “Tinha 15 anos, e era um nacionalista judeu que queria fazer a revolução em Israel quando li Marx”, contou.

                Veio 1968 e a agitação política o levou à presidência do diretório estudantil da Faculdade de Engenharia da Pontifícia Universidade Católica. Entrou no Partido Comunista do Brasil e chegou a fazer treinamento para ser guerrilheiro no Araguaia. Não houve tempo para completar a formação: caçado pelos militares, escapou para Minas e depois para a Bahia.

                Chegou a Salvador de ônibus. Estava com a primeira mulher, a filha recém-nascida, um saco de pano com mamadeiras e panelas e um pequeno maço de cédulas no bolso. Morava numa pensão e procurava emprego todas as manhãs. Descobriu uma fábrica onde havia vagas e disse que queria trabalhar como moleiro – que ninguém queria por ser a função mais penosa.

                “Galego, você não tem jeito para moleiro”, disse-lhe o supervisor que o entrevistou. Wagner respondeu: “Amigo, é a necessidade que diz se tenho jeito ou não para o trabalho, e eu tenho um bebê de 3 meses para sustentar.”

                Obteve a vaga. Trabalhava entre fornos de fundição cuja temperatura rondava os 900 graus centígrados. A fuligem o obrigava a trocar de roupa duas vezes em cada turno. Ao fim da jornada, estava preto da raiz dos cabelos às unhas dos pés. Aguentou 45 dias, e só saiu da fábrica depois de se empregar numa petroquímica em Camaçari, onde se tornou técnico em manutenção.

                Sem contatos políticos, ajudou a criar o sindicato dos petroquímicos. Em 1979, conheceu Luiz Inácio Lula da Silva num congresso de trabalhadores em Salvador. Durante o encontro, Marisa, a mulher do metalúrgico, ligou para contar que o filho que esperavam nascera com uma semana de antecedência e passava bem.

                Lula e Wagner comemoraram o nascimento tomando conhaque, de manhã, num boteco. O ex-presidente é produto da seca nordestina: aos 7 anos, saiu com a mãe do sertão pernambucano e foi de pau de arara para São Paulo. Morou nos fundos de um bar e usava o mesmo banheiro da freguesia.

                Naquela reunião em Salvador, foi uma das primeiras vezes que Lula disse em público que só o sindicato não bastava, que seria preciso criar um partido e tomar o poder. Jaques Wagner foi o primeiro presidente do PT na Bahia. Elegeu-se deputado federal três vezes e foi ministro do Trabalho de Lula. Está no segundo mandato como governador. Não fez a revolução nos desertos de Israel: tenta atenuar os males do sol no semiárido e enxuga gelo em Salvador.
                 
                O Palácio de Ondina fica no alto de um outeiro, no meio de um jardim com pitangueiras. É uma casa ampla, parecida com uma sede de fazenda. Está cheia de arranjos com orquídeas. Fátima, casada com Jaques Wagner, cuida delas com desvelo parecido ao de uma moradora da casa nos anos 90, Arlete, a viúva de Antonio Carlos Magalhães.
                Ao lado do palácio, na ladeira do Jardim Zoológico, há um botequim surrado e imundo. Os principais itens à venda são pinga e cerveja, que dezenas de pessoas bebem depois do trabalho e antes de se recolherem. Na parede exterior há uma bandeira do Brasil pintada à mão.

                As casas da vizinhança, pequenas e mal-ajambradas, são de alvenaria. Não há maiores problemas de segurança ali, segundo moradores. Só houve recentemente uma tentativa de assalto ao bar, na hora em que um caminhão de cerveja fazia a cobrança, mas o bandido, armado, se conformou em levar uma nota de 10 reais. O que há, segundo dizem lá, é “descuidismo”: se alguém descuida e deixa o celular sem vigilância, ele é afanado em questão de minutos. No ano passado, surrupiaram assim cinco aparelhos do dono do boteco.

                O problema maior no bairro é o crack. Traficado e consumido livremente, ele afasta adolescentes do estudo ou do trabalho. E gera desavenças sangrentas entre bandos de criminosos. A droga vem de Lauro de Freitas, uma cidade ao lado onde ficam os traficantes relativamente mais ricos: têm carros, ainda que velhos, e tênis da moda. Os bandidos de Lauro de Freitas se subordinam ao Primeiro Comando da Capital, PCC, a rede bandida criada em São Paulo que se espalhou pelo Brasil.

                 Às nove da manhã seguinte ao jantar em Ondina, Jaques Wagner participou de uma reunião do Pacto Pela Vida, um programa de governo que visa melhorar o combate à criminalidade. O assunto central do encontro também foi o crack. O Pacto ajunta representantes dos três poderes institucionais, dos diversos ramos da polícia, secretários de Segurança municipais e entidades privadas diversas.
                As estatísticas da segurança na Bahia são péssimas. Na década passada, o número de homicídios com arma de fogo no estado cresceu mais de 200%. Hoje são quase 5 mil assassinatos por ano, e mais de 3 mil deles motivados pela droga: gangues que acertam contas à bala, viciados fuzilados por não pagarem dívidas, cizânias provocadas por craqueiros na fissura. São mais baianos mortos ao ano que em períodos semelhantes na guerrade independência de Angola, na civil na Somália e na Intifada palestina.

                Com dezenas de participantes, todos com computador à frente, a reunião foi longa. O governador queria saber por que se matou tanto no mês passado em determinadas cidades ou distritos. Cobrou maior integração entre as polícias civil e militar. Jaques Wagner pediu licença uma hora para falar no celular com o ministro da Agricultura, Antônio Andrade, sobre a seca.

                A reunião foi presidida pelo secretário Robinson Almeida, da Comunicação. Ele disse que os encontros do Pacto pela Vida são essenciais para a troca de informações, descobrir como age o banditismo e acompanhar a criminalidade no cotidiano, alocando recursos e forças policiais para lhe fazer frente.

                Almeida, no entanto, não tem ilusões quanto às artes do leão de sete cabeças do crime: corta-se uma e logo cresce outra. “Acho o Pacto imprescindível para salvar vidas, mas às vezes me sinto enxugando gelo”, disse. Não só porque faltam verbas, policiais e equipamento. Ele explicou: “Vivemos uma crise de crescimento no Brasil e na Bahia. A renda das famílias aumentou e o PCC descobriu um mercado para a droga, principalmente o do crack. Seria preciso policiar os 17 mil quilômetros da fronteira brasileira para evitar o tráfico. Nem os Estados Unidos, que têm 3 mil quilômetros de fronteira com o México, conseguem fazer isso.”

                O secretário usou uma analogia com jegues e motocicletas. “Antes, o sertanejo tinha um jegue, e no final do dia saía por aí montado no bicho, tivesse bebido ou não”, disse. “Agora é mais barato trocar o jegue por uma moto, comprada em sessenta prestações. Só que cair da moto é muito pior. As seções de traumatologia dos hospitais baianos estão cheias de acidentados com moto.” De cada dez acidentes de trânsito na Bahia, sete envolvem motociclistas.
                 
                Uma semana depois, Jaques Wagner esteve em São Paulo para um almoço da Câmara de Comércio e Indústria Brasil–Alemanha. Tinha um porte mais germânico que todos os executivos alemães presentes. Ele discorreu meia hora sobre a situação da Bahia. Usou os termos “parceria público-privada”, “modelagem”, “sinergia”, “incremento tecnológico” e falou do porto e da ferrovia que estão sendo tocados no estado. Mas disse da gravidade da seca.

                Terminou o discurso e pediu que os convivas lhe fizessem perguntas. Todas elas foram sobre infraestrutura. Ninguém quis saber da seca, de quem existe nesses climas condicionados pelo sol, pelo gavião e outras rapinas.