sábado, 26 de outubro de 2013

João Paulo - Educação para quase todos‏

Estado de Minas: 26/10/2013 



Leonarda Dibrani, de 15 anos, foi expulsa violentamente da França durante uma excursão escolar. Presidente Hollande quer que ela volte sem a família e ainda tem coragem em falar deeducação  (Armed Nimani/AFP)
Leonarda Dibrani, de 15 anos, foi expulsa violentamente da França durante uma excursão escolar. Presidente Hollande quer que ela volte sem a família e ainda tem coragem em falar deeducação



A história de duas meninas, vítimas da intolerância, chamou a atenção do mundo nas últimas semanas. A primeira delas é Malala Yousafzai, a jovem paquistanesa que se tornou um símbolo na luta pelo direito à educação. A história de Malala, que foi recebida na ONU e por autoridades de todo o mundo, é bela, corajosa e exemplar. Depois que o Talibã tomou conta do vale do Swat, no Paquistão, e com sua ideologia impediu que as meninas frequentassem a escola, Malala levantou sua voz contra o silêncio imposto e passou a se bater pelo direito à educação.

Quase pagou com a vida por sua atitude. A jovem foi baleada na cabeça com um tiro à queima-roupa, dentro do ônibus que a trazia da escola. A recuperação física e a força moral que fizeram dela exemplo para todas as jovens que desejam estudar foram contadas em livro, escrito em parceria com a jornalista Christina Lamb, que correu o mundo e vem emocionando todos que o leem. Muito mais que uma história individual de brio e reconstrução, é uma defesa do direito de ser uma pessoa humana plena, em todos os contextos e circunstâncias.

Malala vive hoje com a família na Inglaterra. Ela é militantes da causa da educação em comunidades de todo o mundo e sua voz é escutada pelos principais líderes mundiais. Suas palavras na ONU no ano passado, em Nova York, quando tinha 16 anos, são um testemunho de sua visão de mundo: “Esta é a sua chance, Malala, eu disse a mim mesma. Havia apenas 400 pessoas sentadas ao meu redor, mas quando olhei, imaginei muitos milhões. Não escrevi o discurso tendo na cabeça só os delegados da ONU; escrevi para cada pessoa no mundo todo que pudesse fazer alguma diferença. Queria alcançar todas as pessoas vivendo na miséria, aquelas crianças forçadas a trabalhar, que sofrem terrorismo e falta de educação”.

Outra jovem que também ganhou o noticiário por motivos semelhantes foi Leonarda Dibrani. Italiana de nascimento, de origem cigana e de família kosovar, ela não morava em país governado por uma ditadura obscurantista, mas na iluminista e orgulhosa França; não foi baleada na cabeça, mas foi igualmente retirada de um ônibus escolar, à força, e expulsa do país junto com a família. Nos dois casos, no Paquistão e na França, a alegação é semelhante: elas descumpriam a lei – seja religiosa ou civil – e não mereciam tratamento semelhante às demais pessoas: Malala por ser mulher, Leonarda por ser estrangeira. Na base das duas violências estava a mesma recusa à educação e a mesma atitude desumana de discriminação.

No caso da França, a mobilização dos estudantes em favor da colega levou o governo de François Hollande a voltar atrás e oferecer à jovem o retorno ao país para que ela completasse sua educação, mas sem a família, que foi expulsa para o Kosovo com a garota. Um reconhecimento canhestro do erro, uma reafirmação do preconceito em nome da lei de imigração e uma oferta que atenta contra os mais básicos valores da convivência humana – o direito de viver com a própria família. A direita protestou, julgou que o presidente demonstrava fraqueza e pediu a manutenção da expulsão de toda a família, chegando a contestar a legitimidade de Hollande para exercer a presidência. Não bastasse a leniência do presidente, parte da sociedade ainda exigia maior radicalização no processo de exclusão social da jovem e de sua família. Para os paquistaneses, as jovens mulheres não têm direito à educação; para os civilizados franceses, todos os jovens, homens e mulheres, devem ser excluídos em razão de sua origem étnica.

Por trás da situação francesa está uma pesada carga de preconceito racial que vem varrendo a Europa, que tem chamado a atenção sempre por razões dramáticas: assassinatos motivados por ódio racial, mortes em travessias clandestinas em direção ao continente, fortalecimento dos partidos com bandeiras racistas e xenófobas, receituário recessivo aos países em crise para acesso ao crédito. A virada conservadora não é perigosa em si, mas pelo que aponta de restrição aos direitos. É possível conviver com governos de direita e de esquerda, democraticamente, desde que não se insurjam contra bandeiras universalistas, como a dos direitos humanos. A ameaça não é de fortalecimento da direita, mas da exclusão humanitária.

Discriminação Na França e em outros países da Europa não está ausente o forte sentimento de discriminação social, por questões religiosas, étnicas ou políticas. Ele atinge os negros, os árabes e os ciganos, entre outros. É comum, entre brasileiros descendentes de europeus, a busca pela cidadania de seus antepassados, para que, com isso, possam ingressar no continente pela porta da frente. Trata-se de um expediente ilegítimo e imoral – as pessoas fazem parte da humanidade, não dessa ou daquela nação – e muitas vezes puramente pragmático, já que não há qualquer identificação cultural com o país dos antepassados (poucos até mesmo falam o idioma dos avós). Além disso, a lógica da pertinência parece apenas reforçar o princípio da exclusão.

No caso de Leonarda, nem essa situação foi suficiente. Sempre que é citada na imprensa e nos pronunciamentos oficiais ela é nomeada como cigana e kosovar, como se seu nascimento italiano (portanto nos limites da União Europeia) não superasse a mácula de seu povo errante, que vem sendo atacado por discriminação há séculos; ou do país de seus antepassados, sempre atravessado por conflitos étnicos. Tudo que em Malala é coragem, em Leonarda é visto como oportunismo. O mundo defende a educação para todos, mas nem todos os seres humanos parecem fazer parte do todo. Malala, para os “civilizados”, é uma nítida exceção e fruto de comportamentos bárbaros aos quais é lícito e justo se opor. Já Leonarda, apenas uma excluída entre outras, que ameaçaria com sua simples presença a falsa igualdade cercada de barreiras dos países de Primeiro Mundo. Ela não se enquadra no papel de vítima, mas de postulante ilegítima a um lugar que não é seu.

A situação das duas jovens é exemplar. Defendemos a educação sempre da boca para fora. Acreditamos em Malalas, jovens excepcionais, figuras humanas excelentes e que dignificam a humanidade com seu exemplo. Mas nos comportamos como se as jovens fossem Leonardas, até prova em contrário incapazes de progredir em suas vidas por meio da educação, destinadas inevitavelmente a fracassar. Todos querem Malala em suas escolas, mas poucos querem lutar para incorporar no processo educativo uma jovem que desafia os consensos e aponta nossa incapacidade de fazer cumprir a tarefa básica da educação: tornar as pessoas mais pessoas. O processo educacional é sempre qualitativo. Quem deseja quantidade é o mercado. Educar é uma coisa, treinar é outra.

Por isso as greves no setor educacional desafiam tanto os governos. Os professores, em nome dos alunos, proferem o discurso da qualidade; os administradores argumentam com noções de quantidade. Para os professores o aumento salarial carrega a potência de revolucionar o ensino; para os gestores é um complicador a mais no orçamento. Para os educadores a escola que temos é o retrato do país que haveremos de ter; para os governos é uma questão de gasto, nunca de investimento. O tratamento da recente greve dos professores no Brasil foi uma aula de selvageria (até mesmo com teste de sprays gigantes de pimenta), nunca uma lição de diálogo e negociação.

As duas jovens que lutam pela educação e pelo alargamento da noção de humanidade mostram os limites de nossa condescendência: somos generosos com as Malalas (afinal elas são vítimas de bárbaros) e inflexíveis com as Leonardas (que no fundo querem pertencer a um mundo que não é delas). A atitude dos jovens franceses que denunciaram ao mundo a expulsão da colega e o infeliz oferecimento de seu presidente em separar a jovem da família honra a tradição de seu país. E mostra que a revolução não é um momento na vida da sociedade, mas um processo que precisa ser alimentado continuamente de indignação. 

Affonso Romano de Sant'Anna-Frankfurt, ontem e hoje‏

Feira alemã destaca temas para reflexão acerca do mercado do livro e da importância do incentivo à leitura. Problemas já haviam sido identificados no mesmo fórum, há quase 20 anos



Affonso Romano de Sant'Anna


Estado de Minas: 26/10/2013 



O Brasil foi o país homenageado em Frankfurt: em busca do mercado internacional (Daniel Roland/AFP)
O Brasil foi o país homenageado em Frankfurt: em busca do mercado internacional

É positiva essa polêmica em torno da Feira de Frankfurt, que homenageou o Brasil e terminou no dia 13. O interesse (e suspeição) começou antes da realização do evento. Várias tolices foram ditas. Uma delas: que os 70 escritores não eram representativos. Representativos de quê, cara pálida? Como disse alguém, na delegação, realmente não havia paraplégicos e anões. Deveria ter sido pautada pela ideia de cotas?

Quanto à acusação (apressada) de que só havia um preto e um índio, lembrei-me daquela anedota: um embaixador americano dizia que a questão do racismo no Brasil era mentirosa. Havia racismo, sim. A prova é que não existia preto no Itamaraty. Ao que um embaixador brasileiro respondeu: “É verdade, no Itamaraty não tem preto, mas em compensação também não tem branco”. Como disse a Paulo Lins (Cidade de Deus), meu ex-aluno (que apresentaram como sendo o preto oficial), eu, por exemplo, também sou preto. E não abro mão. Para quem quer se informar sobre a questão, aconselho a procurar as pesquisas do geneticista Sérgio Pena.

 Outra tolice foi sobre a “gastança”, como se aqueles artistas fossem um bando de “marajás” a sugar o cofre da viúva. Quem assim pensou não entende de licitações, de organização de eventos e botou levianamente em dúvida o caráter de muita gente. E os que alegaram que outros poderiam ter sido convidados apenas repetiram o que ocorre toda vez que uma seleção é convocada. Cada um tem uma seleção na cabeça. Não dá para colocar todo mundo dentro do campo.

Vim como simples escritor a esse evento. Há uns 20 anos, em 1994, o Brasil foi pela primeira vez homenageado nessa feira. Era presidente da Fundação Biblioteca Nacional e junto com a Câmara Brasileira do Livro assumimos todos os riscos de tal empreitada, arrastando atrás de nós todo o governo. Como os ministros da Cultura duravam pouco em seus postos (passei por seis deles) e como passamos também por três presidentes, entendi que tinha que atuar no governo à revelia do próprio governo. No serviço público a roda é quadrada e a carruagem tem que andar. Hoje há estabilidade econômica e política. Naquele tempo vivia-se uma incerteza quântica, crônica e brasileira. Portanto, acho que tenho algo para falar sobre o antes, o durante e depois da Feira de Frankfurt.
    
A polêmica Além daqueles equívocos iniciais, outras questões mais relevantes surgiram nesta Feira de Frankfurt 2013. E elas afloraram já na cerimônia de abertura. Ao lado da fala técnica e conscienciosa dos alemães, três brasileiros mostraram (sem que tivessem combinado) três faces do Brasil. O discurso político e passional de Luiz Ruffato, expondo as mazelas do país; a fala moderada da presidente da Academia Brasileria de Letras, Ana Maria Machado; e a retórica antiga do vice-presidente Michel Temer. Ruffato foi aplaudido e Michel Temer ouviu rumores de vaia. Quando Ruffato deu aquelas estatísticas sobre a miséria brasileira, Ziraldo se levantou pedindo para as pessoas não aplaudirem Ruffato. E se retirou.

A feira começou, portanto, animada. Ziraldo depois teria um princípio de enfarte, Carlos Heitor Cony levou um tombo e voltou mais cedo ao Brasil e roubaram o celular de Lúcia Ryff. A internet do Holliday Inn não funcionava e faltou água em alguns quartos. Fora isso, os organizadores – alemães e brasileiros – saíram-se bem.

Ruffato se transformou em estrela do encontro, embora tenha dado entrevista dizendo que foi ameaçado, até fisicamente, por diversas pessoas. Outros escritores não gostaram de sua fala. Acharam-na passional, política e inapropriada. Alegaram que a função de Ruffato era representativa e ele se superpôs ao grupo. Falou mais por si e não pela variedade de escritores brasileiros.

No entanto, muitos se acharam representados por ele. E sua fala teve eco, sobretudo na imprensa alemã. Uma fala moderada não teria suscitado interesse. E aqui cabe a pergunta: por que esse tipo de fala interessa a alguns alemães e ao mercado do livro? E surge uma questão no subsolo de toda essa polêmica, que pode parecer bizarra, mas, como dizem os lusos, “tem piada”: quem ama mais o Brasil? Será que Ziraldo ama menos o Brasil que Ruffato? Ou melhor: quantas maneiras existem de amar (o Brasil)? Tornando a questão mais prosaica e provocadora: quem amava mais o Brasil, Darcy Ribeiro ou Golbery do Couto e Silva? Os generais que deram o golpe de 64 ou os guerrilheiros que contestaram o regime? Brasil não é uno e, quanto ao amor, sabemos todos, ama-se de todas as maneiras, até de maneira inapropriada. Cada um acha que é o melhor amante. E no entanto…

Narciso às avessas Na feira de 1994, portanto há uns 20 anos, houve uma mesa intitulada “O Brasil no imaginário europeu”. Dela, se bem lembro, participaram Darcy Ribeiro, Sérgio Rouanet e outros, brasileiros e alemães. O assunto é inesgotável e claro que tudo o que ocorreu em 2013 é um episódio novo dessa construção imaginária. O problema dos estereótipos é que eles são, de alguma forma, verdadeiros. Não podem ser simplesmente negados: samba, mulata, carnaval, favela e futebol são uma realidade. Fácil de exportar. Já vi feiras internacionais de literatura onde a Espanha mostrava Dom Quixote e o Brasil exibia suas mulatas. E o resto do Brasil? Onde fica Clarice Lispetor em tudo isto? (Por sinal, uma estrela presente e silenciosa em vários seminários em Frankfurt.)

O que alguns criticaram em Ruffato foi ele ter praticado a síndrome do Narciso às avessas, como foi definida por Nelson Rodrigues. Dizia o sarcástico dramaturgo que o brasileiro gosta de cuspir na própria imagem. Isso não é exclusividade brasileira. Já dizia Salomão: “O que ama repreende”. E Ruffato, que admiro como escritor, me disse que ama o Brasil. Ziraldo ama o Brasil, Ana Maria Machado ama o Brasil e, acredito, Michel Temer ama o Brasil.

Portanto, há formas diversas de amar, muitos Brasis e muitos e diversos escritores. Por exemplo, acho que a representante da Finlândia foi infeliz na cerimônia de transmissão de homenagens, ao lembrar que a Finlândia foi ocupada pela Alemanha nas guerras recentes. Não era mentira, era de mau gosto e desnecessário. Imaginem se todo alemão começasse sua conversa sempre se desculpando por Auschwitz…

Nessa feira, o Brasil quis se afastar dos estereótipos. Procurou ser mais moderno. Há quem ache isso uma redução paulista. O Brasil (felizmente ou infelizmente) não é São Paulo. E a literatura brasileira não é só literatura. Aliás, o que é literatura?

Em 1994, muita gente se queixou da presença de Chico Buarque. Alegavam que era uma concorrência desleal. Agora surgiu a polêmica em torno de Paulo Coelho. Ao contrário do que ele diz, fez parte da delegação oficial. Que tipo de escritor é ele? A entrevista que deu à imprensa alemã foi mal recebida, até por seus colegas da Academia Brasileira de Letras. Ele não deveria ter exigido um tratamento especial. Imaginem como teria sido interessante se tivesse interagido, por exemplo, com Ferrez num debate sobre periferia e marginalidade. Ferrez, como Paulo Coelho, cada um na sua performance, pertence a outro nicho da cultura.

Características A feira de Frankfurt teve características específicas que devem ser destacadas caso se queira entender o conjunto:
a) O tema dominante era o mercado alemão. Com isso, quem não tinha livro traduzido para o alemão ficou em segundo plano. Além do mais, a escolha dos oradores oficiais (Luiz Ruffato no início e Paulo Lins no fim) não foi ingênua;

b) Embora tivesse representantes de vários gêneros, a feira deu ênfase a um tema dominante na mídia: a periferia e a marginalidade. Daí o interesse em torno de Ferrez, oriundo das favelas paulistas (Capão Redondo), de Paulo Lins (que veio da favela carioca de Cidade de Deus) e do escritor índio Daniel Mundukuru;

c) Foi uma feira com uma ênfase paulista e o curador da parte literária foi o paciente Manuel da Costa Pinto. Acresce que várias editoras, revistas e jornais de influência nacional encontram-se em São Paulo;

d) Houve ênfase nos novos, naqueles que surgiram, digamos, dos anos 1990 em diante. Mesmo sendo autores com poucos livros e jovens, foram expostos e vendidos. Esses escritores deram muitas entrevistas, conversaram com agentes, fecharam não sei quantos contratos e alguns faziam périplo por vários países;

e) Havia também escritores seniores. Alguns estiveram na feira de 1994, momento de reconhecimento internacional dos que se firmaram a partir dos anos 1970;

f) Os escritores jovens se beneficiaram dos projetos de tradução literária criados pela Fundação Biblioteca Nacional na minha administração, que foram ampliados por Galeno Amorim. Esse fomento de internacionalização começou com os encontros sistemáticos de agentes literários estrangeiros no Brasil e outras iniciativas da época em que o Departamento Nacional do Livro era dirigido pro Márcio Souza. Ou seja, a internacionalização de agora começou há 20 anos;

g) Em outros termos, como disse Renato Lessa, atual presidente da Fundação Biblioteca Nacional, essa geração de novos escritores, com tanta liberdade de expressão, é beneficiária também daqueles que foram torturados e exilados nos anos de chumbo. A liberdade custa caro.

Analfabetismo e leitura Na apresentação da Finlândia como sucessora do Brasil na feira, impressionou-me o fato de afirmarem que aquele é um país 100% alfabetizado. Ao lado estava o Paulo Lins, que entregava à escritora finlandesa o bastão. Contraste cultural. Um músico brasileiro que mora na Finlândia me disse que lá o único problema é que não há problemas, pois o governo resolve todos os problemas do cidadão.

Não somos um país de leitores. Nisto a ansiedade e indignação de Luiz Ruffato é legítima. Somos exilados dentro do próprio Brasil. É muito difícil repetir a façanha de Jorge Amado e Erico Verissimo. Em 1994, na Feira de Frankfurt, participei de uma mesa-redonda sobre projetos de leitura. Havia entusiasmo e curiosidade em torno do Proler da Fundação Biblioteca Nacional. Ocupávamos uma liderança na América Latina e tanto a Alemanha quanto Israel queriam desenvolver com o Brasil novas estratégias de política de leitura.

Agora, em 2013, houve outra sessão na Feira de Frankfurt sobre leitura. Participei ao lado de José Castilho, que opera o Plano Nacional do Livro e da Leitura. E pontuei que a leitura só virou preocupação nacional a partir do Proler dentro da Biblioteca Nacional. Antes disso, nunca se havia pensado numa política nacional de leitura. Pensava-se em editora, pensava-se em biblioteca, pensava-se em alfabetização e a palavra leitura estava embutida, era uma abstração. Pois é preciso dar visibilidade à palavra leitura. Há pouco, dois importantes editores brasileiros disseram que o Brasil editava livros demais, que as livrarias não sabiam o que fazer. Equívoco. O Brasil não produz livros demais, produz leitores de menos.

A Feira de Frankfurt é um louvável esforço em torno do mercado do livro.

Algum país, talvez a Finlândia, talvez o Brasil, poderia fazer uma Feira Mundial da Leitura. É preciso ir além do mercado. A literatura sempre fez isso.

Affonso Romano de Sant’Anna é escritor.

Tv Paga

Estado de Minas: 26/10/2013 



 (Paris Filmes/Divulgação)

Vampiros e lobisomens


Os fãs de Madonna com certeza vão estar ligados hoje à noite na HBO, que exibe o especial The MDNA Tour na faixa das 22h. Mas a garotada que curte cinema também não vai querer perder A saga Crepúsculo: Amanhecer – Parte 2, que estreia no mesmo horário, no Telecine Premium. Aliás, o Telecine Pipoca reservou o domingo para o casal de vampiros Bella e Edward (Kristen Stewart e Robert Pattinson, foto), emendando todos os cinco filmes da saga: Crepúsculo (11h15), Lua Nova (13h25), Eclipse (15h40) e as duas partes de Amanhecer (17h50 e 20h).

Sábado é dia também
das sessões especiais


O Telecine Cult também tem uma programação especial, que já está no ar há algum tempo, com os filmes do francês François Truffaut, hoje com Domicílio conjugal, às 20h05. No Telecine Touch, quem está podendo é Anne Hathaway, em três filmes em sequência: Passageiros (20h15), Um dia (22h) e Garotas sem rumo (0h). Já o Megapix conta com um time de aventureiros nos filmes Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (17h40), Solomon Kane – O caçador de demônios (20h), Caça às bruxas (22h) e As múmias do faraó (23h50).

Johnny Depp é outro
que domina a telinha


No TCM, a festa do Dia das Bruxas foi antecipada com a abertura da Semana Halloween, que reservou para hoje, às 22h, A lenda do cavaleiro sem cabeça, de Tim Burton, com Johnny Depp no papel do caçador de monstros. Johnny Depp está também em Profissão de risco, igualmente às 22h, na Warner. Na mesma faixa das 22h, o assinante tem mais seis boas opções: Falsa loura, no Canal Brasil; Corpos celestes, no Sony Spin; O confronto, no A&E; Jogos vorazes, na HBO HD; Sob o domínio do medo, na HBO 2; e Meu pior pesadelo, no Max HD. Outros destaques da programação: Avatar, às 19h40, no FX; e Terror em Silent Hill, às 21h, no AXN.

Documentário narra a
saga de um Fusquinha


Um dos modelos mais populares da história da indústria automobilística, o Fusca é tema de um documentário que vai ao ar hoje, às 22h, no SescTV. Com direção de Gabriel Mascaro e Marcelo Pedroso, KFZ 1348 resgata a trajetória de um exemplar do simpático carrinho, desde a sua aquisição pelo primeiro proprietário, em 1965, em São Paulo, até o seu fim, 40 anos depois, no Recife. Os oito proprietários do automóvel narram suas histórias e falam sobre a importância desse carro em suas vidas.

Pacote sonoro vai do
samba aos clássicos


Na programação musical, a Cultura sempre merece destaque, começando com o rapper Rashid, que lança seu quarto álbum, Confundindo sábios, no programa Manos e minas, às 17h. Às 18h, no Cultura livre, a atração é a banda Trupe Chá de Boldo. Já às 21h30, na série Clássicos, será apresentado um concerto da Sinfônica Heliópolis, sob regência de seu maestro titular, Isaac Karabtchevsky, com a estreia mundial do Noturno para coro, piano e orquestra, do brasileiro André Mehmari, entre outras peças. Às 23h, é a vez da série Batuques, e às 23h30, o especial Vinicius, o poeta, com Vinicius de Moraes, Toquinho e Quarteto em Cy. Mudando de canal, às 22h30 tem Paralamas ao vivo, no Multishow. E às 23h, no Arte 1, Gustavo Dudamel rege a Orquestra Filarmônica de Los Angeles.

Poder para o cidadão-Fernando Filgueiras‏

Criação de marcos regulatórios que permitam o acesso às informações públicas contribui para maior transparência da administração, controle da corrupção e aprimoramento da democracia



Fernando Filgueiras


Estado de Minas: 26/10/2013 


A defesa da liberdade de imprensa não pode prescindir do debate mais amplo sobre a garantia de expressão de todas as vozes sociais (Auremar de Castro/EM/D. A Press)
A defesa da liberdade de imprensa não pode prescindir do debate mais amplo sobre a garantia de expressão de todas as vozes sociais


A ideia de transparência entrou para o léxico da política democrática muito recentemente. Atribui-se ao juiz da Suprema Corte norte-americana Louis Brandeis a definição da importância da transparência, quando ele disse que “sunlight is the best desinfectant”. Naquele contexto, em 1913, o magistrado Brandeis julgava o processo de concessão pública do sistema de metrô de Boston e também as falcatruas cometidas por empresas de seguro nos Estados Unidos.

De fato, a transparência pode ser um ótimo desinfetante. E no contexto do combate à corrupção, ela é essencial. No caso brasileiro, em particular, a sensação de que a corrupção aumentou pode ser atribuída ao maior volume de informação disponível aos cidadãos em relação às falcatruas cometidas por políticos e burocratas. Pura intuição. Não é possível dizer que a corrupção no Brasil hoje é maior do que 10 anos atrás, mas é possível afirmar que a corrupção se tornou um problema central para a democracia brasileira. A transparência, nesse contexto, é um dos principais problemas que afeta a qualidade da democracia.

As democracias, em geral, e a brasileira, em particular, têm proporcionado inovações institucionais importantes. Uma das principais, e pouco debatida, é a iniciativa de criação de marcos regulatórios para o acesso à informação por parte de cidadãos junto aos órgãos governamentais. As leis de acesso à informação têm assumido um papel central na consolidação de inovações institucionais importantes da democracia. A primeira lei de acesso à informação é de 1766, na Suécia. A lei sueca não foi um modelo, mas representou um marco que, do ponto de vista histórico, combina com o contexto de revoluções democráticas. As leis de acesso à informação só ganharam real importância a partir da globalização. Desde então, experiências com marcos regulatórios para o acesso à informação de governos por parte dos cidadãos têm representado avanços consideráveis no processo de consolidação da democracia. Com diferenças entre os marcos regulatórios, havendo uns mais abertos à participação, outros mais restritivos, é de se destacar que a disponibilidade de informação hoje é muito maior. A maior disponibilidade de informação empodera o cidadão comum e o permite formular melhor os seus juízos a respeito da representação política.

No caso brasileiro, considera-se que a Lei 12.527 – Lei de Acesso à Informação Pública é inovadora ao estabelecer que a informação pública deve estar disponível e que o sigilo é exceção e a publicidade é a regra. De fato, assim tem sido no caso brasileiro. Certamente, a Lei de Acesso à Informação coroa uma política pública de transparência, a qual vem sendo implementada pelo governo brasileiro. Mas ela precisa de algumas ponderações. Nascida de forte lobby das instituições de controle, a lei carece ainda de dois problemas de implementação. O primeiro é o fato de que ela revelou o descaso dos governos com o tratamento da informação. Descobriu-se que a maior parte das informações relevantes fica guardada em computadores de uso pessoal de servidores públicos. Nesse caso, em se tratando de servidores da linha de frente, é quase impossível saber onde se encontra a informação requerida pelo cidadão. O outro problema é que a lei não estabeleceu condições seguras para uma política de dados abertos das informações governamentais. Uma política de dados abertos é essencial para levar a cabo a possibilidade de que as informações estejam disponíveis em estado bruto, sem a necessária manipulação dos dados por parte de políticos ou burocratas.

Política

Apesar disso, a política de transparência do governo brasileiro tem sido bem-sucedida. Mas no caso da corrupção, uma política pública de transparência colabora, mas não resolve em sua totalidade o problema. Maior volume de informação disponível ao cidadão não é uma condição suficiente para reduzir a corrupção existente. Em primeiro lugar, porque a maior disponibilidade de informação sobre a atuação de governos não necessariamente permite chegar àqueles que atuam e lucram diretamente com a corrupção governamental. Ou seja, não se chega aos corruptores, como o caso de empreiteiras que vivem à custa dos vícios dos processos de licitações, de madeireiras que vivem à custa de licenças ambientais forjadas, de empresas que dependem do tráfico de pessoas etc. Além disso, a maior transparência não resulta em maior publicidade dos assuntos governamentais se a sociedade civil não utilizar da informação disponível para solicitar providências dos governos.

Deposita-se muita esperança na Lei de Acesso à Informação no Brasil. Não é para menos. De fato, ela será uma ferramenta importante para o enfrentamento da corrupção. Mas é preciso pensar duas ordens de questões. Em primeiro lugar, é necessário fazermos com que as instituições resistam à sua própria corrupção. Aí o problema não é o escândalo praticado por indivíduos ou falcatruas para enriquecer esse ou aquele. O problema é bem mais complexo, que envolve pensar como podemos impedir que as instituições resistam à sua corrupção interna.

Uma política de transparência, nesse caso, é uma resposta parcial, ainda que importante. O essencial é constituirmos um sentido mais denso da ideia de publicidade, a qual passa tanto pelo fortalecimento das instituições e do controle público quanto pelo empoderamento do cidadão e da sociedade civil. Ou seja, no caso brasileiro, demos já os primeiros passos, mas a caminhada ainda é longa. E essa caminhada demanda, além de perseverança, confiarmos que a democracia é a melhor alternativa.

. Fernando Filgueiras é professor do Departamento de Ciência Política da UFMG. E-mail: fernandofilgueiras@hotmail.com



Fique ligado
O Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) realiza em 30 e 31 deste mês o Colóquio Internacional Tecnologia e Democracia: Governança, Ativismo e Accountability, no câmpus da Pampulha. Informações e inscrições: http://coloquiotecnologiademocracia.org

Os construtores da cidade real - Denise Morado‏

Denise Morado

Estado de Minas: 26/10/2013 



Marco na vida de Belo Horizonte, o Mercado Central guarda a memória dos homens e mulheres que fizeram sua história (Alexandre Guzanche/EM/D.A Press)
Marco na vida de Belo Horizonte, o Mercado Central guarda a memória dos homens e mulheres que fizeram sua história

Em tempos de grandes obras em todas as esquinas de Belo Horizonte, hoje comprometida com o seu caráter de cidade metropolitana globalizável, o livro Olimpio Marteleto: histórias de vida e de trabalho no Mercado Central de Belo Horizonte apresenta aos mineiros, para não dizer brasileiros, a conversão do olhar rumo a outros valores de empreendedorismo, nesse caso calcados pela vida cotidiana dos trabalhadores do Mercado Central em prol da formação do comércio e do crescimento da cidade de Belo Horizonte.

Por meio das histórias e das memórias que cercam a existência do Mercado Central, nacionalmente reconhecido pela articulação entre tradição e modernidade, revela-se a capacidade de sobrevivência e da luta de seus funcionários em busca de uma conquista comum – manter o mercado como propriedade dos trabalhadores. Considerado um dos primeiros exemplos de privatização bem-sucedida no país, o Mercado Central construiu-se como ponto de encontro e sociabilidade dos mineiros a partir da história de seus comerciantes, entre eles os descendentes de imigrantes, em especial, de seu presidente, o italiano-mineiro Olimpio Marteleto.

Reconhecido por sua firmeza, amizade, lealdade e ética no trato das relações humanas imbricadas nas relações comerciais, Olimpio Marteleto distingue-se por sua trajetória multifacetada iniciada como caixeiro do armazém Primeiro de Março, em 1932, depois proprietário do Armazém Aymoré, em 1944, e finalmente presidente do Mercado Central, entre 1967 e 2007. Suas qualidades e habilidades próprias de um comerciante visionário, inserido em um ambiente competitivo, mas, também, familiar, permitiram a transformação do Mercado Central em um empreendimento comercial moderno, ainda que carregado de contradições e idiossincrasias emergidas ao longo do desenvolvimento da cidade.

Publicado pelo Escritório de Histórias, o livro Olimpio Marteleto: histórias de vida e de trabalho no Mercado Central de Belo Horizonte é organizado por sua filha, professora Regina Maria Marteleto, e pelo professor Gustavo Silva Saldanha. Por meio das narrativas recontadas por amigos, comerciantes do mercado, filhos e familiares, e das informações presentes em homenagens, recortes de jornais, entrevistas e documentos, os leitores são levados a conhecer a transformação histórica de Belo Horizonte por meio do caminho percorrido pelo homem e empreendedor Olimpio Marteleto.

Migrante da cidade de Antônio Carlos, Olimpio Marteleto desvela em suas recordações, 92 anos de vida marcados por trabalho, honestidade, humildade e oportunidade, historicamente traduzidos em mineiridade, convívio, cooperativismo e solidariedade. Seus passos como comerciante confundem-se com a historicidade familiar. Perpassando as narrativas, o leitor conhece a personalidade forte de Olimpio, como comerciante e empreendedor, mas, também, como chefe de família, desde os primeiros tempos em Belo Horizonte, quando, aos poucos, incentivou os irmãos a migrarem e a erguerem o Armazém Aymoré, em especial o irmão Olinto, até quando encontra sua alegre e generosa esposa, Alaíde, e cria seus filhos, Márcia, Carlos, além da própria autora Regina.

Igualmente importante é a história da arquitetura do Mercado Central, contada desde as barracas de madeiras cobertas de folhas de zinco, passando pelo arremate do terreno do então chamado Mercado Municipal, em plena ditadura militar, até as ações modernizadoras efetivadas em razão do advento da internet e da crise econômica e política própria do final do século 20. A transformação arquitetônica do mercado, vivenciada ao longo dos anos, em nada compromete a mais legítima apropriação desse espaço pelos mineiros. Ao contrário, graças ao empreendedorismo coletivo realizado, o Mercado Central firma-se, ainda hoje, como símbolo de descontração, convívio e cultura, imerso em artes, gastronomia, cores e cheiros.


Não é possível ver o mercado sem ver o Olimpio e não se consegue ver o Olimpio sem ver o mercado, como bem lembra em seu prefácio o cardeal dom Serafim Fernandes de Araújo. Tantas histórias do Mercado Central contadas por tantas vozes ao redor de Olimpio Marteleto merecem ser conhecidas para quem quer ampliar a sua própria história.

Denise Morado é professora da Escola de Arquitetura da UFMG.

 (Mercado de Histórias/Reprodução)

Olimpio Marteleto: histórias de vida e de trabalho no Mercado Central de Belo Horizonte
>> Organizado por Regina Maria Marteleto e Gustavo Silva Saldanha
>> Editora Escritório de Histórias
>> 322 páginas

DarkSide Books completa um ano no Brasil‏

DarkSide Books completa um ano no Brasil dedicando-se aos livros de terror e fantasia, além de abrir espaço para bastidores do cinema e bandas de rock


Mariana Peixoto

Estado de Minas: 26/10/2013 



Mestre do suspense, Stephen King ganhou biografia no Brasil editada pelo selo DarkSide Books     (Bertrand Langlois/AFP)
Mestre do suspense, Stephen King ganhou biografia no Brasil editada pelo selo DarkSide Books


Enquanto boa parte do mercado editorial se volta para os e-books, eles investem em caprichadas edições de papel. Um ano depois de criada, a DarkSide Books, primeira editora brasileira especializada no universo do terror e da fantasia, descobriu que para o seu segmento, além do que está escrito no papel, o cuidado com ele é essencial. “Filme B, terror trash, às vezes, é confundido com mau gosto. Mas nosso público tem muita referência estética, é exigente”, afirma o designer Christiano Menezes, que em outubro de 2012 montou com Chico de Assis, seu sócio no estúdio de design Retina 78, a editora.

Até agora foram 10 lançamentos, entre romances, biografias e relatos sobre produções clássicas de terror. “Eu e meu sócio estamos no mercado editorial há quase 15 anos (a Retina 78 já assinou capas de livros de Stieg Larsson, Haruki Murakami, Vladimir Nabokov, José Saramago e ganhou, em 2010, o Jabuti pelo trabalho feito na obra O resto é ruído, de Alex Ross). Entramos num nicho que estava completamente deixado de lado”, continua Menezes.

Pela DarkSide foram publicados Os Goonies, de James Kahn, romance inspirado no filme de 1985 de Steven Spielberg (e escrito a pedido do próprio); Psicose, de Robert Bloch, primeira reedição brasileira em meio século do romance que deu origem ao filme de Alfred Hitchcock; O massacre da serra elétrica, de Stefan Jaworzyn, com detalhes da produção dos filmes da série iniciada em 1974; Evil dead – A morte do demônio, de Bill Warren, também sobre os bastidores do filme de Sam Raimi; e as biografias dos escritores J. R. R. Tolkien, Stephen King e da banda Black Sabbath. Recentemente, a editora colocou no mercado Prince of thorns, o primeiro título da Trilogia dos espinhos, de Mark Lawrence, obra que já ganhou edição em 15 idiomas.

Muitos desses livros tiveram edição comum, em brochura, e outra em capa dura. “O primeiro teste que fizemos foi com Os Goonies, pois é um livro consideravelmente mais caro (entre R$ 20 e R$ 22 a mais do que o de brochura). Fizemos uma edição de colecionador, com tiragem limitada a mil exemplares e numerada a mão que esgotou em três semanas. Aí a gente viu que o pessoal gosta e respeita de fato. A história se repetiu com O massacre da serra elétrica, Evil dead e Psicose, com as edições em capa dura vendendo mais rápido do que as de brochura.” Atualment, as edições, nos dois formatos, são de 5 mil exemplares cada.

Digital


Mesmo com o retorno das edições caprichadas, a DarkSide também vem enveredando, aos poucos, no formato de e-book. “A ansiedade do e-book está meio exagerada, há uma pressa e o formato ainda está amadurecendo”, afirma Menezes. Mesmo assim, a DarkSide disponibilizou, gratuitamente, os livros digitais O hóspede de Drácula, conto de Bram Stoker, e O corvo, de Edgar Allan Poe, com o poema original, as traduções de Machado de Assis e Fernando Pessoa e um texto de Charles Baudelaire sobre o escritor norte-americano.

Diante de tudo, resta a pergunta: como primeira editora nacional especializada em terror e fantasia, quando a DarkSide irá lançar um autor brasileiro?. “A gente recebe de três a quatro originais por semana. Muitos são livros de 40 páginas que não fazem o menor sentido. Mas o meio está crescendo, e a quantidade de novos escritores talentosos tem impressionado. Só que lançar alguém novo requer um cuidado muito especial. Talvez no segundo semestre de 2014”, finaliza Menezes.

Reino da fantasia


Outra editora que chega ao Brasil prometendo se dedicar exclusivamente ao segmento da fantasia é a Saída de Emergência, originária de Portugal. O primeiro título da casa é Mago – Livro 1 – O aprendiz , de Raymond E. Feist, nome conhecido no estilo, com traduções em mais de 30 idiomas. Além dos livros, a editora inova com a publicação de uma revista dedicada à literatura de fantasia e horror, a Bang, que tem primeiro número gratuito distribuído nas livrarias. Na edição de lançamento, um dossiê extenso sobre a obra de Feist e entrevista com George R. R. Martin e ensaio sobre as origens da literatura fantástica no Brasil. A Saída de Emergência anuncia os próximos títulos, que serão lançados até o fim do ano: Tigana, de Guy Gavriel Kay; A corte do ar, de Stephen Hunt; Os jardins da lua, de Stephen Erikson, além do segundo volume de Mago.

Vertigem sem fim - André di Bernardi Batista Mendes

Com Ou o poema contínuo, o escritor português Herberto Helder prova que é um dos mais importantes poetas contemporâneos


André di Bernardi Batista Mendes


Estado de Minas: 26/10/2013 


O poeta português Herberto Helder em pintura de Frederico Penteado   (Wikimedia Commons)
O poeta português Herberto Helder em pintura de Frederico Penteado
 

Quanto poemas cabem no coração de um homem? Quantas vidas vive o poeta português Herberto Helder? Quantas palavras, quantos sentidos cabem, sobem com mãos de gente, pelos versos de Herberto? Qual é o tamanho – imensurável – do silêncio que surge, que nasce dos poemas do livro Ou o poema contínuo, que reúne a alegria dos versos de um dos maiores poetas contemporâneos? Dono de liberdades, Herberto afina o seu canto, a sua arte literária como poucos. Todos os seus poemas são raras preciosidades.

Tudo é fantástico para os olhos de um poeta pronto. A poesia de Herberto descansa, assim, no surreal. Algumas palavras, alguns quadros, alguns filmes só podem nascer dos sonhos. Por isso a poesia de Herberto é repleta de descobertas, de surpresas a cada encontro. É como chover no molhado, é como cantar, simplesmente porque existem primavera e nuvens, distâncias e retornos, acordes regados de angústia. Isso para não dizer do lírico, que, para Herberto, é o mesmo que asa feita de esperanças. Herberto tenta ultrapassar, com flechas, a fugacidade do tempo (os poemas de Ou o poema contínuo meio que atravessam o espaço rumo ao indefinido). Poeta experimental, ou apenas poeta? A poesia de Herberto reverbera, repercute ao mesmo tempo que resplandece, como se jogada num sistema único de ecos e espelhos.

Herberto inventou uma antimáquina de produzir fogo. Brota do coração deste poeta único uma estridente fonte de águas. Nunca é fácil dizer, mas cada poema de Herberto se alimenta num moto-contínuo doido de sombras. Cada poema corre livre, num sem roteiro de signos que puxam signos, num atropelo de asas. Os poemas de Herberto são filhos de uma vertigem contínua. O nome do livro não mente, muito menos falseia quando apresenta a primeira chave para abrirmos um lugar, uma casa invisível de portas que não estão. Os poemas rechaçam, desprezam todo tipo de claustro, no que esta palavra tem de restrição, de limite. Monástico, Herberto finge que sabe das coisas quando diz de suas coisas, de seu quintal, de seu jardim.

Todos os poemas de Ou o poema contínuo nutrem-se de um mar; eles arquitetam ar e amplidão. Os poemas rompem um círculo de angústias, os poemas apagam todos os garranchos da tristeza. Os poemas são respiráveis quando carregam a leveza de uma fragilidade absurda. Herberto retira do irreal o substrato, uma espécie de essência para deixar fluir suas ideias incendiárias, incontornáveis. A mão auxilia o coração, e surge o poema. Esse tipo de poesia aponta para continuidades. Mas, de que é feito esse coração, o que transforma uma alma continuada? Herberto Helder é um escritor que preserva os seus mistérios.

“Eu devo rasgar minha face para que a tua face/ se encha de um minuto sobrenatural,/ devo murmurar cada coisa do mundo/ até que sejas o incêndio da minha voz.”

Bruta, dilacerante, a poesia de Herberto Helder carrega relâmpagos. O poeta invade como um doido, como um cavalo, os cânones, todas as normas carcomidas, para rir, com lágrimas prontas de si mesmo, para interferir com a sua dinâmica de pássaro, para sugerir outro tipo de regra, ainda não assimilada, mas verdadeira como a umidade das águas.

Nada lhe foge: “Penso que deve existir para cada um/ uma só palavra que a inspiração dos povos deixasse/ virgem de sentido e que,/ vinda de um ponto fogoso da treva, batesse/ como um raio/ nos telhados de uma vida, e o céu/ com águas e astros/ caísse sobre esse rosto dormente, essa fechada/ exaltação”.

E o que, talvez, seja o melhor na poesia de Herberto Helder é que, como um organismo vivo, sujeito a intempéries, assustado de imprevistos, o melhor desta poesia é que ela não é infalível. Como um elefante, a poesia de Herberto está longe de ser invencível, fato que comove e gera empatia. Herberto parece ser um sujeito cheio de compaixão e ternura. Nos seus poemas, ele parece que procura partir, com delicadeza, a fina película que nos separa da fantasia. Certas palavras têm a voragem dos bichos e a ficção de Herberto, a sua poética, tem o som de cítaras. A poesia de Herberto é predisposta a sementes e umidades.

Mistério e revelação


Sonhar é um exercício que (não é sempre) no mais das vezes nos leva ao místico, que mora dentro da pedra do real. Sonhos são decifráveis até certo ponto, e é quando surge um carrossel feito de poesia e mais mistério. O bom dos poemas de Herberto Helder é que eles demoram, são longos, são duradouros. O poeta não respeita as suas distâncias e cada poema vai até onde pode o peito. Como árvores, existem certos poemas que ficam plantados dentro da gente, poemas que podem ser signos transgressores. Existem poemas que nasceram para vingar.

Hilda Hilst, mal comparando, seria uma irmã de letras, uma prima distante de desconcertos do poeta português. É enorme, na poesia de ambos, o poder de produzir encantos específicos, sem bulas e rótulos, como é próprio das coisas, dos artistas naturais. Certos poetas carregam ímãs. Basta a vida? Não basta o homem e a nossa sede. A poesia de Herberto prolonga-se sem remissões.

A poesia de Herberto cresce entrelaçada de mãe e amor. A poesia de Herberto fala, conta, canta crepúsculos. Trata-se de uma poesia que acalenta e faz crescer, gradativamente, os desejos do corpo, o amplo desejo das águas e das nuvens. Mesmo que caiba, mesmo quando desaba a palavra escombro, a poesia de Herberto é feita com o sangue de existências poderosas, é feita de um lirsmo que se impõe, que se faz presente em cada pausa, em cada estrofe, em cada verso que respira – e faz respirar.

Herberto tem a dicção dos loucos, dos profetas, ele aprendeu a dicção dos homens simples. A sua poesia é sinônimo de renovação. Poesia é sempre labirinto e é diante do delírio (é dentro dele) que as formas, que as sementes, que tudo encontra motivos: “O poema faz-se contra a carne e o tempo”.

Herberto Hélder nasceu no Funchal, na Ilha da Madeira, em 1930. O poeta frequentou a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, tendo trabalhado em Lisboa como jornalista, bibliotecário, tradutor e apresentador de programas de rádio. O escritor tem diversos livros de poesia, como O amor em visita (1958), A colher na boca (1961), Retrato em movimento (1967), A cabeça entre as mãos (1982) e Ofício cantante (2009), entre outros.

OU O POEMA CONTÍNUO

. De Herberto Helder
. Editora A Girafa
. 536 páginas, R$ 61,25

Gente que faz[Mario Vargas Llosa ] - João Paulo

Romance de Mario Vargas Llosa é um elogio à resistência dos indivíduos frente aos descaminhos da corrupção e da violência. O herói discreto traz de volta os personagens Lituma e don Rigoberto



João Paulo



Estado de Minas: 26/10/2013 


Mario Vargas Llosa narra trama cheia de movimentação humana, mas que não esconde a motivação política e o tom otimista e bem-humorado       (Rodrigo Arangua/AFP)
Mario Vargas Llosa narra trama cheia de movimentação humana, mas que não esconde a motivação política e o tom otimista e bem-humorado


A vida é sempre um grande caminho de volta. Neste sentido, pode-se dizer que o escritor peruano Mario Vargas Llosa está em busca de suas origens. Seu novo romance, O herói discreto, é o primeiro ambientado no Peru depois de 15 anos. Mas, como na sentença de Heráclito o rio em que se mergulha nunca é o mesmo, mudou a América do Sul, mudaram-se os tempos, são outros os heróis dos nossos dias. O romance de Vargas Llosa se alimenta deste duplo caminho: um retorno – que não é capitulação – e um olhar sobre o mundo transformado e as pessoas que o habitam.

Em O herói discreto são contadas duas histórias que se entrelaçam em determinado momento – esperar esse instante é uma das graças da narrativa –, recurso de que o escritor já havia lançado mão em A festa do bode. O que chama logo a atenção, além do ambiente peruano das cidades de Piura e Lima, é o fato de se tratar de narrativas protagonizadas por pessoas comuns. Os heróis discretos de Llosa não são apenas uma aproximação ao mundo real, mas uma afirmação de que, na sociedade moderna de seu país, o destino não é mais dirigido por forças exteriores invencíveis, mas pela afirmação moral de gente comum.

A primeira história é protagonizada por um pequeno empresário do ramo de transportes, Felícito Yanaqué, cumpridor de uma rotina comum, pai de dois filhos e que tem uma amante mais nova instalada por ele na periferia de Piura. Ao sair para o trabalho ele se depara um dia com uma carta anônima (assinada com o desenho de uma pequena aranha) pregada à porta de sua casa, que com formalidade indecente oferece proteção em troca de um pagamento mensal. A chantagem, no entanto, desperta nele a firmeza em não ceder, tendo como sustentação a lição dada pelo pai de não se curvar a intimidação de qualquer espécie.

A segunda narrativa apresenta a história de outro homem de negócios, desta vez mais abastado, dono de uma empresa de seguros. Ismael Carrera é um velho viúvo, pai de gêmeos estroinas e violentos, que desejam sua morte para pôr a mão na herança. O empresário, num golpe desenhado com cuidado, depois de distribuir aos filhos a herança da mãe, decide se casar com a empregada da casa, pedindo que seus dois amigos mais próximos sirvam de testemunhos: o motorista e o contador da empresa. Os filhos, com extensa folha corrida de malfeitos, não aceitam e passam a pressionar para a anulação do casamento e impedimento do pai em tocar seus negócios.

Nos dois casos Llosa defende a mesma atitude: a capacidade de resistência individual contra as forças dissolventes do nosso tempo. O romancista de Conversas na Catedral não precisa, agora, lutar contra a violência dos regimes militares, contra a opressão das ditaduras ou da censura; nem desafiar o horizonte de injustiça protegida pelos regimes de exceção que tomaram conta da América Latina a partir dos anos 1960. Há, nessa atitude, um certo otimismo com relação aos destinos da região. Países modernos, como o Peru, o Brasil e a Argentina (é claro que ele não colocaria no mesmo estágio Venezuela, Equador e Bolívia), enfrentam muitos fantasmas, entre eles a corrupção, a injustiça social, a violência e crime organizado, mas são inimigos que podem ser vencidos por heróis discretos. A cidadania, hoje, tem a força política da resistência.

Além da mudança de estágio de civilização, o escritor temperou o romance com humor como não se via havia tempos em sua obra. As descrições domésticas, as pequenas tramas envolvendo personagens menores, os diálogos que evidenciam o absurdo – mesmo em pleno território do realismo –, tudo isso dá ao livro uma força irônica que se soma à obsessão ética de seus personagens em não ceder à barbárie, mesmo no mais pessoal dos terrenos. Tanto Felícito como Ismael são gente próxima ao leitor, que os reconhece nos momentos de revolta e nas situações em que se quedam vítimas de torpezas. Sem ceder à derrisão, o clima é antes de farsa que de tragédia.

Por isso, mesmo com a intensa movimentação da narrativa, que parece apontar para o prazer de contar boas histórias humanas, O herói discreto é um romance marcadamente político. O ultraliberal Mario Vargas Llosa, mesmo com os reveses de seus heróis, situa seu país num outro patamar. E é sobre as pessoas que vivem um Peru capaz de superar o atraso político e econômico e se colocar em mesmo estágio de civilização que os países do Primeiro Mundo que trata o romance. Tudo que, num passado nem tão distante, afastava os continentes como se se tratasse de uma separação de séculos, agora se revela como contemporaneidade, ainda que com as marcas próprias de cada cultura e de seus problemas particulares. No caso do romance, o atavismo renitente do mandonismo e o tropismo para a corrupção.

E a tentação do retorno, que traz o romancista de volta ao seu país, tem ainda outra tradução em O herói discreto. Vargas Llosa traz de volta dois personagens marcantes de livros anteriores, o sargento Lituma, de Lituma nos Andes, e don Rigoberto, de Cadernos de don Rigoberto. É uma atitude sagaz e bem resolvida literariamente, que lembra Balzac (embora Llosa se filie mais à estirpe de Flaubert) e suas constantes idas e vindas de personagens entre as tramas. Lituma trabalha na delegacia que vai investigar a extorsão sofrida por Felícito e don Rigoberto é o contador e amigo de Ismael, que vai enfrentar a sanha vingativa dos filhos do empresário.

Os personagens antigos não são apenas tipos que ressurgem, mas desenvolvimentos, como se entre um livro e outro tivessem de fato continuado a vida. O romancista, com muito virtuosismo, atrai ainda mais a atenção para seu universo ficcional. Há um jogo interno de referências que faz com que o leitor, assim como Lituma e don Rigoberto, se sinta parte da mesma temporalidade e de suas marcas no ambiente moral. Dessa forma, o novo momento do escritor convoca também o leitor a olhar para o passado e para os dias de hoje, avaliando o que mudou e o que permaneceu em jogo num tempo em que os heróis discretos podem fazer a diferença.

Arte e política

Mario Vargas Llosa ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 2010. De lá para cá publicou dois livros antes de O herói discreto, o romance O sonho do celta e o ensaio A civilização do espetáculo. Em muitos escritores, as obras que se seguem ao Nobel vêm marcadas pelo desejo de se afirmar como parte do cânone contemporâneo. Por isso, muitas vezes, acabam por discrepar da trajetória do laureado. Não foi o caso de Vargas Llosa. Mesmo quem discorda dele em política não pode deixar de reconhecer a permanência em suas posições ideológicas e a liberdade em matéria de criação. Ele continua o bom escritor de sempre.

Com o romance O sonho do celta o autor realizou com mestria o projeto de falar do presente com tema e linguagem do passado. Ao narrar a saga de Roger Casement (1864-1916), um homem extraordinário – poeta, paladino dos direitos humanos na África e na América Latina, cônsul inglês e revolucionário da causa nacionalista irlandesa –, o romancista apresentou uma defesa apaixonada da luta pela liberdade. Com pleno domínio técnico, Llosa fez da forma canônica do romance histórico o instrumento ideal para revelar atrocidades que já completaram um século como se acabassem de ocorrer.

Já o ensaio A civilização do espetáculo é uma defesa dos valores da cultura tradicional frente ao triunfo da estupidez. O romancista mostra como a banalização da arte, a perda do erotismo, o sensacionalismo, a superficialidade intelectual, o jornalismo rasteiro e frivolidade da política conspiram contra a sociedade. O papel de resistência operado pela cultura se perdeu e jogou a todos num terreno de pura sensação e consumo, com a retirada do intelectual do debate público. Mais que um lamento nostálgico, o livro é um alerta para a perda da centralidade da cultura na consideração dos grandes temas relativos à política e à sociedade. Sem a cultura, como a concebemos, a geleia da indistinção e do hedonismo faz com que os homens virem as costas para a realidade.

Em dois romances e um ensaio, nos três anos que o separam do Nobel, Vargas Llosa parece ter reafirmado sua crença em valores iluministas e liberais, sem perder a capacidade crítica de detectar os limites da ação humana. Que tenha ficado mais otimista quanto mais se aproxima das pessoas comuns é uma boa notícia, que faz de O herói discreto um livro tão bom. O romancista, com suas dúvidas, sempre foi muito mais interessante que o político cheio de certezas.

O HERÓI DISCRETO

. De Mario Vargas Llosa, tradução de Paulina Wacht e Ari Roitman
. Editora Alfaguara, 342 páginas, R$ 39,90

Batuta em boas mãos Carolina Braga

Estado de Minas: 26/10/2013 



Alba Bomfim recebeu dicas de Mechetti e rege hoje a Filarmônica   (Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
Alba Bomfim recebeu dicas de Mechetti e rege hoje a Filarmônica


A prática não é corriqueira nas escolas de músicas, mas a necessidade é latente. “Se quiser estudar violino, compro e estudo. Se quiser reger uma orquestra fica um pouco mais difícil”, compara o maestro Sergei Eleazar de Carvalho sobre a experiência em participar do 5º Laboratório de Regência promovido pela Orquestra Filarmônica de Minas Gerais.

Durante esta semana ele, Alba Bomfim, Luciano Camargo e Vinícius Panegacci tiveram a oportunidade de praticar e receber orientações do maestro Fabio Mechetti. Hoje, os quatro maestros vão reger o concerto de encerramento no Sesc Palladium. No programa, a abertura de Tannhäuser, de Wagner, e a Sinfonia nº 2 em Ré maior, de Beethoven. Durante a semana, os participantes receberam dicas preciosas de Mechetti, que vão desde olhar nos olhos do solista até a altura da mão em repouso.

“Aqui é bem prático. É transformar o conhecimento que eles já têm em algo aplicado ao concerto que vão reger”, explica Mechetti. No Brasil, será a primeira experiência da carioca Alba Bomfim diante de uma orquestra da envergadura da Filarmônica de Minas. “É muito significativo e faz diferença na nossa formação”, comenta.

“É uma oportunidade fantástica poder trabalhar com o maestro Fabio Mechetti, com o nível internacional da atividade dele”, reconhece Luciano Camargo. “Cem por cento dos regentes saem das universidades muito crus. Esse tipo de curso é o diferencial para quem deseja seguir carreira”, completa Vinícius Panegacci. Os maestros foram selecionados entre 44 inscritos para a quinta edição do programa.


Laboratório de Regência da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais
Hoje, às 20h30, no Sesc Palladium, Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro, (31) 3270-8100. Entrada franca.  

Compartilhe - Arnaldo Viana

Estado de Minas: 26/10/2013 



Especialista em recursos humanos, o funcionário de uma grande empresa leva os netos para passear na Praça Carlos Chagas, a praça da Assembleia, no Bairro Santo Agostinho, no primeiro domingo verdadeiramente de sol desta primavera. As crianças gostam de correr, de andar no carrinho de pedal, presentes do avô. Esgotadas pelos brinquedos, procuram descanso no pequeno coreto. Mas naquele domingo não puderam usá-lo.

No dia seguinte, o avô revelou o motivo: “Mendigos cercaram o coreto com um pano branco. Fizeram dele moradia. Os meninos voltaram para casa tristes, pois não puderam usar o local eleito por eles como ideal para repor as energias. Tristes e sem lamento. Sabem da necessidade daquelas pessoas. Elas podem ocupar daquele jeito o espaço público? Fazer de moradia um lugar destinado ao lazer?”. Não falta à pergunta certo tom de indignação.

Ele fica espantado com a resposta: podem, sim. Podem ocupar o coreto como se estivessem em casa. É decisão da Justiça. Só não podem obstruir passagem. Em 8 de julho, emocionados, desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais acolheram recurso de origem popular e mantiveram liminar proibindo agentes públicos de recolher os pertences dos moradores de rua. Como não podiam removê-los, fiscais da prefeitura pegavam cobertores e objetos usados, como colchões e cobertores, para obrigá-los a procurar os abrigos municipais.

De acordo com reportagens publicadas, a desembargadora Teresa Cristina se emocionou ao votar a favor dos sem teto. Disse que foi a demanda mais difícil de sua carreira de magistrada. O desembargador Bitencourt Marcondes classificou como fascista a conduta dos réus (município e estado) contra a população em situação de rua. A procuradora de Justiça Gisela Potério Saldanha não conteve as lágrimas ao pronunciar a posição do Ministério Público Estadual favorável ao acolhimento do recurso com base na Declaração Universal dos Direitos Humanos e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

O risco que o morador de rua corre nas regiões mais afastadas do Centro de BH é ser atacado de madrugada por intolerantes. São agredidos enquanto dormem e até incendiados, como ocorreu com Warley e William Alves Ribeiro em uma praça do Bairro Santa Amélia, na Pampulha. Warley morreu. William ainda tem as marcas da crueldade e, recentemente, quase foi envenenado com chumbinho. Bebeu cachaça misturada ao produto presenteada por um desconhecido.

Para se protegerem, os mendigos se agrupam e preferem o Hipercentro ou a Região Centro-Sul, mais bem iluminadas e seguras. A maioria não está ao relento porque quer. O pedreiro Divino da Silva se refugia no Parque Municipal. “A prefeitura derrubou o meu barraco na Vila São José. Como não estava lá, não fui cadastrado e fiquei sem moradia”, diz. Já o Grande, tipo malandro, tem família. Saiu de casa porque gosta da rua e de coisas não permitidas pelos pais e irmãos.

Aliás, o não permitido é que os afasta dos abrigos municipais. Há horário para comer e dormir. Álcool, cigarro e sexo não são permitidos. E a convivência não é boa. Na rua, a comida é quase certa e variada. Há sempre alguém acenando com um marmitex e não há restrições aos prazeres do fumo e da bebida, ao acesso a outras drogas e aos afagos da carne.

“Mas não tem mesmo jeito?”, insistiu o especialista em RH. Não, não tem. Leis e convenções de um país livre asseguram ao cidadão de qualquer classe social, cor, raça ou credo a presença em espaço público. Não importa de onde vem, para onde vai ou se não vai a lugar algum. O melhor é compartilhar a praça, para usar a palavra do momento. Se não, busque lugar que lhe couber apenas e aos seus no parque, nas ruas ou na calçada. E sem se indignar. A indignação não vai convencer os poderes da República a estudar uma solução para os sem teto. Pode ainda esgotar sua paciência e causar danos ao coração. 

Prevenção se dá na curva - Juliana Ferreira

Estudo desenvolvido no Hospital São Geraldo da UFMG indica que esse exame específico da pressão intraocular se mostrou o mais eficaz para monitorar o glaucoma, doença silenciosa



Juliana Ferreira


Estado de Minas: 26/10/2013



A visão é comprometida quando há danos no nervo óptico, que leva todas as imagens capturadas pelo olho até o cérebro.Embora possa aparecer no nascimento, o glaucoma geralmente surge depois dos 40 anos (Marcos Vieira/EM/D.A Press)
A visão é comprometida quando há danos no nervo óptico, que leva todas as imagens capturadas pelo olho até o cérebro.Embora possa aparecer no nascimento, o glaucoma geralmente surge depois dos 40 anos



Passar o dia em uma clínica medindo a pressão do olho pode parecer cansativo, mas é o melhor caminho para um diagnóstico precoce do glaucoma, segundo pesquisa desenvolvida pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O estudo revelou que o exame da curva diária de pressão intraocular é o método mais eficaz de prevenção da doença, conhecida por ser silenciosa e que pode levar à cegueira irreversível. "Esse mapeamento vê como a pressão se comporta. A da manhã é a mais importante, porque um percentual muito alto dos doentes tem o pico nesse horário", conta o professor titular de oftalmologia da UFMG, Sebastião Cronemberger, que conduziu o estudo.


Foram três anos de pesquisas no Hospital São Geraldo, em Belo Horizonte, unidade pertencente ao Hospital das Clínicas da universidade, onde cinco métodos de diagnóstico foram feitos em 45 pacientes com suspeita de glaucoma e em um grupo de controle de 30 pessoas. Foram realizados os exames de perimetria, campo visual de dupla frequência e campo visual azul/amarelo, além de outros dois testes chamados de provocativos: a sobrecarga hídrica, que mede a pressão ocular de 15 em 15 minutos depois da ingestão de um litro de água; e a ibopamina, que consiste na medição depois da aplicação de um colírio. A análise dos resultados mostrou que enquanto a curva foi positiva em 70% dos casos suspeitos, o segundo mais eficiente não chegou nem à metade disso. "Não existia um trabalho assim, e hoje cada médico faz o exame que quer", conta Cronemberger.


O médico defende ainda uma curva mais detalhada, como a que é realizada há 50 anos no Hospital São Geraldo, em que o paciente é internado e, no dia seguinte, às 6h, faz uma última aferição, deitado e no escuro. O pesquisador percebeu que como isso é muito trabalhoso, muitos oftalmologistas fazem o controle por meio de outros métodos. "Não sei se esse comportamento vai mudar. Já aboli os outros exames da minha clínica. Acho que os colegas deviam fazer o mesmo", sugere.

Diferentes indicadores Apesar dos resultados da nova pesquisa, especialistas alertam para a importância de um diagnóstico a partir da realização de diversos exames. O médico Frederico Bicalho, com curso de doutorado em oftalmologia pela Faculdade de Medicina da UFMG, diz que não há um consenso sobre o teste mais adequado. Segundo ele, a curva realizada no Hospital São Geraldo, onde também trabalha, é importante, mas inviável na maioria das clínicas, que não dispõem de leitos para internação. Dessa forma, vários exames, juntos, podem ajudar a chegar a um diagnóstico mais consistente. "Todos são importantes. Existem centenas de trabalhos comparando os exames, considerando um ou outro o melhor", explica.


A curva é apenas uma das análises, segundo Bicalho. Em geral, se a pressão do olho está acima de 22mmHg, o risco de glaucoma é alto. O médico deve também analisar o fundo de olho, no qual consegue ver se há uma escavação no nervo ótico, o que é um forte sinal da doença. Já o campo visual dá indícios se a pessoa começou a perder a visão periférica. "Se o médico quiser, também pode fazer outros exames mais específicos, como o teste da sobrecarga hídrica e a medida pormenorizada do nervo ótico", diz. Há também a tonometria do contorno dinâmico, que ajuda a identificar com maior precisão a pressão ocular em casos difíceis, e a paquimetria corneana, que avalia a confiabilidade da medida da pressão. A gonioscopia, por sua vez, classifica o tipo de glaucoma em que a pessoa se enquadra. 


O glaucoma crônico aparece devagar e demora décadas para levar à cegueira. Como é intimamente ligado ao histórico familiar, exames periódicos podem salvar as pessoas desse risco. O recomendável é uma consulta anual com o oftalmologista. O tratamento é feito com colírio ou cirurgias a laser que baixam a pressão. A visão é comprometida quando há danos no nervo óptico, que leva todas as imagens capturadas pelo olho até o cérebro. Embora possa aparecer no nascimento, o glaucoma geralmente surge depois dos 40 anos. Depois dos 70, sua predominância triplica. Sem cura, no início, ele é assintomático. Somente em estágios mais avançados a visão periférica é afetada. "As pessoas somente perceberão que algo está errado anos mais tarde, quando começarem a esbarrar nos objetos. Nessa fase avançada não há muito o que fazer", conta Bicalho. Segundo o médico, pessoas que têm alta miopia, diabetes e são da raça negra devem ficar mais atentas, pois estão dentro do grupo de maior risco de desenvolver o problema.

Um milhão tem a visão reduzida

Levantamento inédito feito pela Sociedade Brasileira de Glaucoma revelou que 80% dos doentes só buscam ajuda de um profissional após perceber algum tipo de problema, como vista borrada, perda da visão, olhos vermelhos ou desconforto. Há pelo menos um milhão de brasileiros com a visão reduzida, o que motivou a entidade a lançar campanha de conscientização. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a prevalência da doença no mundo é de 1% a 2%. Somente em Minas Gerais, onde a população é de aproximadamente 20 milhões, mais de 400 mil são portadores. 


A pesquisa foi realizada com 100 doentes de três hospitais-escolas referências no país – Santa Casa de São Paulo, Universidade Federal de São Paulo e Universidade Estadual de Campinas –, a fim de avaliar a jornada dos pacientes depois do diagnóstico. A maioria dos entrevistados disse ter apresentado limitações nas atividades do cotidiano, e 69% deles confirmaram dificuldades na leitura. Eles também relataram problemas em caminhar e na adaptação a ambientes claro-escuro.


O estudo mostrou também que a maioria dos doentes é mulher, com média de 63 anos, portadoras de outras doenças crônicas, como diabetes e hipertensão. Apesar de a metade dos entrevistados confirmar que o tratamento pesa no orçamento familiar, 87% não interrompem o uso da medicação. 


A campanha Cuidado com o glaucoma pretende dar à população informações sobre a doença com apoio do Ministério da Saúde. O alerta faz esclarecimentos sobre a saúde ocular, exames, testes e dúvidas. O presidente da sociedade, Francisco Eduardo Lopes Lima, ressalta que com o aumento da expectativa de vida, a perda da visão pode ter um impacto significativo, o que pode ser evitado com a prevenção.

MINEIROS DE OURO » Gentileza pura

Menina de 9 anos assume a tarefa de encher 80 garrafas PET com lacres de latinhas e trocá-lOs por cadeira de rodas para ser doada a uma creche que atende crianças com paralisia cerebral



Arnaldo Viana


Estado de Minas: 26/10/2013 



Carta enviada à família pela creche comoveu Júlia e a levou a buscar uma forma de participar e ajudar (Fotos: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
Carta enviada à família pela creche comoveu Júlia e a levou a buscar uma forma de participar e ajudar
  Um, dois, três, 40, 50, 999… Embora seja apaixonada por matemática, a mineira de Belo Horizonte Júlia Fernandes Rodrigues Macedo, de 9 anos, ainda não conseguiu fechar a conta do lacres de latinhas de refrigerante e cerveja que já enchem mais de 70 garrafas PET com capacidade para dois litros. Ela precisa de 80 garrafas cheias para trocar por uma cadeiras de rodas, que será doada à Creche Tia Dolores, instituição com sede no Bairro Saudade, Região Leste da capital, que acolhe crianças carentes com paralisia cerebral. “É apenas uma gentileza”, diz a menina, de poucas palavras e de sorriso iluminado.

O que despertou o ato solidário em Júlia? Simples: gentileza atrai gentileza. Os pais, Nelson Flaviano de Macedo e Ivete Rodrigues de Macedo, pequenos empresários, fizeram uma doação em dinheiro à creche. O agradecimento chegou à família em carta. Não uma correspondência comum, mas impressa em bonequinhos de papel. Aqueles, que, recortados, ficam de mãos dadas. Com certeza, arte feita pelas próprias crianças da instituição. Uma maneira de estimular a atividade cerebral.

A menina ficou encantada e quis retribuir, mas como? Pesquisa na internet a levou ao site do Rotary Club de Blumenau (SC), parceiro da promoção de uma empresa para a doação de cadeiras de rodas. Os lacres são derretidos para fabricação das rodas das cadeiras doadas. Duas ações em uma só: reciclagem e benevolência.

Júlia não perdeu tempo. Nem sequer parou para pensar o trabalho que daria encher as 80 garrafas de plástico com os pequenos lacres. “Depois de 25 dias, não havíamos chegado nem à metade da PET. Eu dizia que a garrafa estava quase vazia”, conta Nelson. Mas a Julia, com os olhos cheios de brilho, respondeu: “Não, pai. É diferente, a garrafa está quase cheia”. O empresário, então, se encheu de coragem para ajudar a menina a levar o projeto adiante.

Júlia é aluna do 3º ano do ensino fundamental da unidade Coração Eucarístico do Colégio Santa Maria. Sua decisão contagiou colegas, professores, diretora e até os funcionários da cantina. E a coleta de lacres aumentou consideravelmente. “Nas festas da escola, como a junina, é grande a arrecadação”, diz a mãe, Ivete. Até o último fim de semana, menos de quatro meses depois, faltavam apenas seis garrafas cheias para completar o lote. São pelo menos 550 lacres em cada recipiente. A menina guarda o material na sede da empresa do pai, no Bairro Glória, na Região Oeste.


Júlia precisa de 80 garrafas cheias para trocar por uma cadeira de rodas, que será doada à Creche Tia Dolores (Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
Júlia precisa de 80 garrafas cheias para trocar por uma cadeira de rodas, que será doada à Creche Tia Dolores
  Também com ajuda dos pais, ela produziu um folder, ilustrado, com este texto: “Venha fazer o bem. Vamos juntos recolher o maior número possível de lacres de latinhas para trocar por cadeiras de rodas. A cada 80 garrafas PET de dois litros cheias, conseguimos uma cadeira de rodas. Entre nessa corrente. Faça sua parte. Não custa nada e ainda faz bem”. Não precisava tanto, porque a simples ação foi o suficiente para conseguir apoio de colegas e mestres.

MULTIPLICAÇÃO Júlia é uma criança como a maioria. Tímida, gosta de brincar – tem preferência por pular corda – e promete ser professora de matemática. Pratica esportes na escola e se dedica também ao aprendizado de inglês. A diferença é que nela despertou cedo o espírito solidário e surpreende por tê-lo multiplicado no colégio. “Incrível como a ação dela mexeu com os colegas, a escola. Agora, todos estão envolvidos”, diz Nelson, com os olhos carregados de orgulho da garota. Júlia não vê a hora de pegar a cadeira de rodas e levá-la à Creche Tia Dolores. “Meu coração vai ficar muito feliz”, acredita a menina.

É bom contar que a gentileza não brotou no coração de Júlia por acaso. Todos os anos, perto do Natal, os pais presenteiam crianças de outra creche. E a menina os ajuda com os embrulhos. E faz mais: “Pego os brinquedos que já não uso e roupas para dar às crianças mais pobres.” E tem mais o que aprender em família. A mãe é defensora da reciclagem e lamenta a ausência de coleta seletiva em todas as regiões da cidade. Júlia não sabe ainda, mas descobriu na força de uma palavra que pode mudar, e muito, os rumos do homem: gentileza.