sexta-feira, 12 de julho de 2013

Quadrinhos

folha de são paulo
CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LARTE
LARTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI
ADÃO ITURRUSGARAI
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
MALVADOS      ANDRÉ DAHMER
ANDRÉ DAHMER
GARFIELD      JIM DAVIS
JIM DAVIS

HORA DO CAFÉ      ALVES
ALVES

Cidades pequenas mudam hábitos com vida digital

O GLOBO - 12/07/2013


Disseminação do acesso à internet altera até usos de praças e lan houses


FLÁVIO TABAK
flavio.tabak@oglobo.com.br


Os velhos carros de som de cidades pequenas,
que anunciam de shows à propaganda
da farmácia da esquina, estão
seriamente ameaçados. Com conexões
cada vez mais velozes e estáveis, moradores
não precisam mais deles para saber
das novidades. Mudaram seus hábitos.
A partir de dados da última Pesquisa
de Informações Básicas Municipais
(Munic), do IBGE, as cidades de
Carmo e Guapimirim, no Rio, mostram
bons exemplos desses novos tempos,
com o nascimento ou amadurecimento
da vida digital de cidadãos que, até
pouco tempo, viviam desconectados.

Os números do IBGE revelaram que,
de 1999 a 2012, subiu em 250% a proporção
de cidades que têm provedor de
internet. Hoje são 57,4% dos municípios,
fora os atendidos por empresas instaladas
nas vizinhanças. Grande parte
(80,7%) já tem lan houses (agora com
novos usos), e os serviços grátis de Wi-
Fi começam a se espalhar nos grotões.

Graças a uma empresa de Sumidouro
que resolveu fazer em Carmo seu projeto
piloto, quase todas as ruas da cidade
já têm fibra ótica disponível, com
conexão banda larga, algo que poucos
na cidade imaginariam num passado
recente do município de 17 mil habitantes,
a 200 km do Rio, na divisa com
Minas. Lá, nem o prefeito Odir Ribeiro
tem computador no gabinete. Ele diz
que é “caipira” e, por isso, não sabe mexer.
Mas a população está conectadíssima
e até entrou na onda dos protestos
de junho. Tudo combinado via Facebook.
Até a filha do prefeito participou.

Assim, conectada, Carmo convive bem
com o fato de não ter livraria. Afinal, sites
de grandes empresas entregam seus títulos
pelos Correios. Bancas de jornal, papelarias
e lojas de variedades comercializam
livros. Os dados do IBGE mostram
esse fenômeno: desde 1999, caiu em 29%
a proporção de municípios com livraria.
Esse comércio existe, atualmente, em
apenas 25,2% das cidades. O que não representa,
atestam moradores e o próprio
IBGE, que menos livros circulem.

— Quando preciso de livros para a faculdade,
uso emprestado ou compro
pela internet mesmo. Problema aqui,
de verdade, é a falta do que fazer — diz
a estudante de nutrição Fernanda Erbiste,
de 23 anos, que vive na cidade
mineira vizinha de Além Paraíba.

Outra mudança oculta nos números
do IBGE é a forma como os moradores
usam lan houses, que, até meados da década
passada, representavam um importante
e às vezes único ponto de acesso à
internet. Pela primeira vez, o IBGE perguntou
às prefeituras se havia lan house:
80,7% responderam “sim”. Mas, como as
conexões residenciais também melhoraram,
o uso mudou. Passou a ser, em alguns
casos, simples ponto de encontro.
O jovem Copérnico Abreu, de 25 anos, é
prova disso. Desempregado, frequenta
diariamente a única lan house da cidade
(as outras fecharam recentemente), a
Nitro Cyber Games. Mais do que acesso
à internet, ele quer encontrar os amigos.

— Procuro emprego de manhã e, como
não acho, venho direto para cá. Fazemos
campeonato de fliperama —
conta ele, que tem internet em casa.

No pé da Região Serrana, a 120 quilômetros
de Carmo, Guapimirim, de 52 mil
habitantes, se conecta de outra maneira.
É uma das 744 cidades brasileiras (13,3%)
que oferecem serviço de Wi-Fi gratuito
em local público. Outras 51 prefeituras do
país cobram pelo acesso. A novidade mudou
radicalmente o uso da Praça Paulo
Terra, no Centro, uma das três atendidas
pelo programa da prefeitura.

Durante o dia e principalmente à noite
— quando não chove, claro —, outras
luzes, que não a dos postes, iluminam a
praça. Os bancos são ocupados por
moradores com seus notebooks no colo
e tablets nas mãos. Bastante individualizado
nos grandes centros, o uso
da internet em Guapimirim se transforma
num evento social cotidiano. Na
manhã da última sexta-feira, a babá
Elaine Duarte, de 23 anos, usava seu tablet
enquanto cuidava de uma criança.
O sol brilhava forte no pé da Serra dos
Órgãos, e os tablets também.

— Trouxe hoje pela primeira vez. Geralmente
uso mais o Facebook — conta
a babá, com o aparelho nas mãos.

Gerente da IBGE, Vânia Maria Pacheco
ressalta que as redes Wi-Fi têm impacto
na autoestima dos moradores.

— A população, antes intimidada,
passa a se sentir parte do processo de
inclusão digital

Será este o fim do Islã político no Egito? - RASHEED ABOU-ALSAMH


O GLOBO - 12/07/2013

Na semana passada eu assisti
na televisão, com alarme e
tristeza, ao desenrolar dos
acontecimentos do golpe
militar no Egito contra o governo democraticamente
eleito de Mohamed
Mursi. E fiquei ainda mais pasmado
com as cenas dos egípcios da oposição
liberal e esquerdista na Praça
Tahrir, comemorando com gritos de
felicidade a volta dos militares, que
eles mesmos tinham combatido tão
energeticamente na mesma praça somente
dois anos atrás.

Sem dúvida, Mursi se mostrou incapaz
de governar bem o Egito, rejeitando
qualquer acomodação com a oposição,
acirrando o tom sectário do governo,
e nomeando membros da Irmandade
Muçulmana para a maioria
dos ministérios e províncias. A economia
do país foi de mal para pior,
com a libra egípcia sofrendo desvalorização,
os depósitos de moeda estrangeira
atingindo níveis baixíssimos
e cortes de energia elétrica virando
coisa normal. No plano político,
Mursi também foi obstinado, se derrogando
poderes constitucionais e
tentando empurrar uma nova Constituição
que não tinha o apoio dos liberais
e esquerdistas.

Apesar de todas essas diferenças,
não podemos esquecer que Mursi foi
eleito com 52% do voto popular, mais
do que o presidente americano Barack
Obama conseguiu na sua última
eleição. Com este mandato popular,
como ele podia se entregar ao ultimato
dos militares? “Por cima do meu
cadáver”, foi o que Mursi supostamente
terá dito aos militares mandados
para lhe exigir a renúncia da Presidência.
E o resultado imediato da
retirada forçada de Mursi do poder foi
a violência. com 51 apoiadores da Irmandade
sendo mortos por militares
no Cairo esta semana. Esse massacre
levou o grupo a conclamar uma revolta
contra os militares.

Os militares rapidamente nomearam
civis para chefiar um governo interino,
com Adli Mansur como presidente
interino, Hazem al-Beblawi como
primeiro-ministro, e Mohamed el-
Baradei como vice-presidente. Mansur
já emitiu uma declaração constitucional
convocando uma assembleia
constituinte em duas semanas, um referendo
sobre uma nova Constituição
em quatro meses, eleições parlamentares
em fevereiro e eleições presidenciais
seis meses depois. Al-Beblawi já
disse que postos ministeriais vão ser
oferecidos para membros do Partido
de Liberdade e Justiça, o braço político
da Irmandade, e para o partido islamita
Nour. Mas é pouco provável que
membros da Irmandade aceitem cargos
num governo interino responsável
por derrubar Mursi.

Neste momento o Egito é um barril
de pólvora prestes a explodir a qualquer
provocação. É compreensível o
desespero e a angústia que milhões
que egípcios estão sentindo ao ver
seu líder deposto pelos militares, e é
por isso que políticos de ambos os lados
vão ter que se esforçar muito para
acalmar os ânimos e tentar achar
uma saída aceitável para todos. A exsenadora
egípcia Mona Makramebeid
disse isso esta semana a Christiane
Amanpour, da CNN, afirmando
que uma acomodação política ia levar
um tempo. “Vai levar tempo. Temos
que mandar mensagens positivas.
A oposição tem que parar com a
demonização da Irmandade Muçulmana
e esforçar-se para trabalhar
juntos. Afinal de contas, eles trabalharam
juntos no passado para derrubar
o regime de Mubarak”, disse.

Mas será que a derrubada da Irmandade
Muçulmana no Egito assinala
o fim do Islã político? Muitos
gostariam que sim, mas eu duvido
muito. O acadêmico francês Olivier
Roy, que publicou o livro “O fracasso
do Islã político” em 1992, disse esta
semana à revista “The Economist”
que o governo da Irmandade implodiu
porque não soube dirigir um Estado
moderno. Ele disse que o governo
de Mursi tentava islamizar uma
sociedade já muito religiosa, e que o
Islã não tem as prescrições detalhadas
necessárias para dirigir um Estado
moderno. Neste ponto eu concordo
em parte. Mursi não soube construir
alianças políticas com outros
partidos islamitas, e muito menos
com os partidos da oposição, uma
coisa que seria essencial para o sucesso
do seu governo. Na Turquia e
no Marrocos, partidos islamistas se
viram necessitados a compartilhar o
poder com outros partidos políticos
para permanecerem no poder.

O Ocidente tem que se dar conta de
que os egípcios progressistas e esquerdistas
são uma minoria no país, e
que a maioria é religiosa e conservadora.
A embaixadora americana no
Cairo, Anne Patterson, sabe disso e
por isso teceu uma política americana
de tentar se aproximar da Irmandade
depois de décadas de negligência.
“Anne tem desde seus primeiros
dias no Egito notado que os egípcios
são os contatos favoritos dos centros
de estudos de Washington, do Congresso
americano e do Departamento
de Estado. São talvez talentosos e criativos,
mas não são necessariamente
representativos dos 80 milhões de
egípcios”, disse um oficial americano
ao site Daily Beast.

O perigo agora no Egito é se os militares,
apesar de prometerem eleições,
nunca saírem do poder. Eles
ainda não disseram se vão deixar
candidatos da Irmandade participar
das eleições parlamentares e presidenciais.
E se um candidato da Irmandade
for eleito presidente, os militares
o deixarão tomar posse? Nós já
vimos o que aconteceu em 1992 na
Argélia, quando os militares não deixaram
os islamitas assumirem o poder
depois de vencer eleições democráticas.
Vamos ter que esperar pelo
menos mais seis meses para ver se os
militares egípcios vão honrar a palavra
deles ou não. Mas eu não estou
apostando muito neles. l
Rasheed Abou-Alsamh é jornalista

Hesitação e ambiguidade - Maria Cristina Fernandes


Valor Econômico - 12/07/2013

Por Maria Cristina Fernandes | De Paraty

A roupa folgada, a calvície grisalha e a miopia miúda escondida pelos óculos de aros grossos dão a Milton Hatoum o disfarce de velho morador de Pinheiros, bairro da zona oeste de São Paulo onde chegou há oito anos. De seu apartamento até a edícula de um consultório verde-água, que aluga para trabalhar, caminha 200 metros. Dali escapole para as docerias da vizinhança. De vez em quando é surpreendido em seu anonimato. A jornalista Mariana Ramos, neta do escritor Graciliano Ramos, mora duas ruas abaixo. Teve um acesso de tietagem quando se descobriu vizinha de Hatoum.

O bairro onde prédios sofisticados, como a caixa envidraçada que abriga o Conselho Britânico, convivem com velhos sobrados e bodegas é cenário recorrente do livro de crônicas que acaba de lançar pela Companhia das Letras, "Um Solitário à Espreita".

Insone, Hatoum caminha cedo pelas ruas de Pinheiros. Cronista da velha guarda, não tem Facebook, mal usa e-mail e ainda escreve à mão. Transforma o motorista de táxi da rua Sumidouro, a louca que fala sozinha debruçada no portão de sua casa, e casais que discutem nos bares da vizinhança em personagens de suas crônicas, a maior parte delas publicadas em "O Estado de S. Paulo".

Faz 15 anos que Hatoum voltou a morar em São Paulo. Na cidade, casou-se, pela terceira vez, com Ruth, editora de livros que lhe deu dois filhos, João e Gabriel.

Foi na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, que o escritor manauara, nascido em 1952, desembarcou nos anos 70 vindo de tumultuada transição em Brasília. A capital federal, onde concluiu o ensino médio e conheceu os porões da repressão, é cenário de outras crônicas, assim como Paris, cidade onde também viveu nos anos 1980.

No prefácio de um dos livros de crônicas que Hatoum tem como referência, de Jurandir Ferreira ("Da Quieta Substância dos Seus Dias", IMS, 1991), o crítico Antonio Candido fala do cronista como aquele que recolhe "a duração da cidade graças à arqueologia da lembrança".

Por São Paulo, Brasília e Paris caminha seu próximo romance, que escreve há quatro anos, sem data para acabar. Desde a publicação de "Dois Irmãos" (2000), livro que já vendeu 150 mil exemplares e o colocou na condição de um dos ficcionistas contemporâneos mais lidos do país, Hatoum vive de literatura.

Ruma para ser o primeiro de seus livros não ambientado em Manaus, ainda que de lá, além do escritor, venha o narrador. São e não são a mesma pessoa. Em suas crônicas esboça histórias que estarão em seu romance e revisita outros que povoaram livros já publicados, mas se estrepa quem folheá-las em busca das digitais de sua ficção.

A avó Samara da crônica "Conversa com a Matriarca" esperava na varanda a chegada dos filhos da farra nas noites de sábado, assim como Zana, de "Dois Irmãos", mas nenhuma delas cabe nas avós nem em Naha, mãe do escritor. Uma única pessoa, diz, não dá um bom personagem. Tem que juntar um pedaço daqui outro de lá e inventar. Quase sempre. "A memória é o lugar da hesitação e da ambiguidade", diz, no texto sobre o professor que lhe apresentou a Graciliano Ramos.

Já causou dissabores entre familiares que se reconheceram em seus personagens. A mãe, que Hatoum descreve como uma matriarca católica fervorosa, lhe contava sem pudor as histórias que lhe chegavam de rincões e alcovas de Manaus e do Líbano, de onde provém 100% da ancestralidade do escritor. E nunca o perdoou por ter dado à empregada estuprada por um dos "Dois Irmãos", o nome de Domingas, recolhida em carne e osso e uma pitada de ficção das famílias endinheiradas de Manaus.

As mulheres do romancista são fogosas, autoritárias e possessivas. As do cronista, de tão vaidosas com os filhos, são capazes de lhes gerar traumas. Os homens são melancólicos, quase ausentes. Margeiam Rassan Hatoum, pai do escritor.

Naha e Rassan acharam uma loucura, mas não se opuseram quando o filho decidiu deixar Manaus, aos 15 anos. Queria estudar arquitetura, curso que não existia na cidade. Tivesse ficado, acabaria herdando a loja do pai, como Graciliano fora forçado a fazer 50 anos antes, quando seus irmãos morreram de peste bubônica e o pai o requisitou de volta a Palmeira dos Índios.

Hatoum guarda em casa ainda hoje o reclame publicitário que seu pai expunha na loja, "Preços sem competência", o mesmo que Sebastião, pai de Graciliano, mandava publicar em "O Índio", jornalzinho de Palmeira, anunciando as mercadorias sem concorrência de A Sincera.

Quando leu "Vidas Secas" pela primeira vez, no ginásio, alumbrou-se com a aspereza e a concisão de Graciliano. Mais de 40 anos depois, esse alumbramento o levou à conferência de abertura da Flip em que discorreu, ao longo de 40 minutos, sobre Paulo Honório, Luís da Silva e Fabiano. No texto, que a Companhia das Letras vai transformar em e-book, Hatoum fala do país que se modernizava aprofundando suas iniquidades como raiz do pessimismo de Graciliano.

Alagoas contrastava com a fartura úmida, mas igualmente desigual, da Amazônia onde cresceu Hatoum. Daí a prosa mais abundante e lírica. A infância do escritor foi passada numa Manaus cuja elite ainda provinha dos barões da borracha. Seus avós desembarcaram no Norte a partir da segunda metade do século XIX. Percorreram como mascates os rios Negro e Solimões, onde acabava o Brasil.

Os imigrantes nordestinos levados ao Acre e ao Amazonas pela corrida da borracha penhoravam-se nas vendas dos seringalistas. Regateavam sua escravidão nas barcas dos árabes que se abasteciam na rua 25 de Março, em São Paulo. Ao repertório de sua família, Hatoum somou os relatos de Euclides da Cunha sobre seringueiros, que "trabalham para escravizar-se".

Com a borracha, Manaus viveu um fausto precoce em uma época em que São Paulo ainda era uma província. Essa riqueza ainda não isolava pobres e ricos, como acabaria acontecendo mais tarde em toda parte.

Na escola pública, Hatoum conviveu com os manauaras pobres que vinham das cidades flutuantes, por onde andava com seu avô materno. Em uma crônica, conta a história de um colega negro que, ao acompanhá-lo na apresentação de sua banda, foi barrado em clube grã-fino. Quarenta anos depois, Hatoum o encontra no meio da rua em Manaus. O filho de lavadeira e estivador havia se doutorado em Chicago e se tornara advogado famoso na cidade.

Pararam para tomar um suco de graviola. À saída, passam na frente do clube, onde viram um velho sentado numa cadeirinha.

"Meu amigo parou e estendeu o cabo do guarda-chuva para o velho, que o apertou como se fosse a mão de um homem. Meu amigo riu:"

"- Toda quinta-feira ele cumprimenta o meu guarda-chuva. A primeira vez que joguei uma nota de dez reais no chão, ele se ofendeu e disse que não era mendigo. Mas depois vi que apanhou a nota e pôs no bolso. Outro dia me pediu vinte e eu dei."

"- Mas é um mendigo?"

"- 'É o cara que me barrou', disse o advogado. 'Não se lembra de mim'."

Quando Hatoum voltou à cidade nos anos 1980, depois de cinco anos vivendo entre Espanha e França, a Zona Franca já havia operado transformações na elite local.

Dos soluços de lucidez dessa elite surgiu o Tartarugão, estádio de futebol construído no fim dos anos 1960, com projeto do arquiteto mineiro Severiano Mário Porto.

O uso da madeira na proteção da chuva e do sol mostrava como aquele mineiro, radicado em Manaus por mais de 30 anos, havia compreendido o que era viver em uma cidade encravada na floresta amazônica.

Pois esse estádio foi derrubado para dar lugar a outra obra faraônica, com capacidade menor, como outras que foram construídas no país da Copa. Um ano antes das revoltas que varreram o país, Hatoum lhe dedicou a crônica "Estádios Novos, Misérias Antigas". Lá despejou, em tom de enfurecida premonição: "Quando a multidão enfurecida cobrar a dignidade que lhe foi roubada, digam com um cinismo vil que se trata de uma massa de baderneiros e terroristas".


Luiz Carlos Mendonça de Barros

folha de são paulo

A volta das águas do tsunami


 
Uma das lições que aprendi na leitura tardia de Alexis de Tocqueville foi entender a influência do chamado acaso nos acontecimentos sociais e políticos no mundo em que vivemos.
Segundo o pensador francês, o acaso muitas vezes é confundido com a incapacidade dos analistas de acompanhar certos acontecimentos secundários e que, em determinado momento, entram em sincronismo e aumentam a amplitude de eventos que ocorreriam normalmente.
Se esta dinâmica já podia ser identificada no mundo do século 19, imagine no mundo interligado de hoje.
É o que acontece na virada do semestre neste 2013 tão complexo para nós, brasileiros.
Existe entre os analistas da economia, da política e do comportamento social uma tentativa de fugir da análise simplista do acaso para explicar a mudança radical que foi vista nas últimas semanas: um povo pacífico vai às ruas para cobrar de seus líderes políticos uma mudança de comportamento ético, sem ter de forma clara uma agenda a ser seguida.
Isso depois de pelo menos seis anos de certo bem-estar coletivo expresso no apoio em massa ao governo Lula e ao de sua sucessora Dilma Rousseff. Gostaria de dar minha contribuição a essa busca de entendimento, que é tão importante.
Na minha coluna do último dia 14 de junho, escrevi, ainda sob o impacto da então recém-publicada pesquisa do Datafolha que mostrava a primeira queda da popularidade da presidenta Dilma, que isso ocorria por questões econômicas.
Citava principalmente a aceleração da inflação e seus efeitos sobre o bem-estar presente -e o sentimento de insegurança futura- que começava a atingir a chamada nova classe média.
A perda de confiança do consumidor estava clara nos índices captados por institutos privados como a Fundação Getúlio Vargas.
Fazia eu também um diagnóstico sobre as causas da perda de energia da economia brasileira nos primeiros dois anos do governo Dilma.
Ressaltava o erro cometido pelo governo em não entender que a política econômica dos anos Lula tinha se esgotado e que a falta de investimentos -privados e públicos- em áreas importantes do tecido produtivo estava levando a um estrangulamento da oferta.
Nessa situação, a insistência no estímulo ao consumo apenas exacerbava a perda da credibilidade da política fiscal do governo e, principalmente, um aumento perigoso na inflação.
De lá para cá, esse quadro ficou ainda mais claro, com a revisão para cima das expectativas da inflação e para baixo do crescimento econômico neste ano e em 2014.
Com isso, a tendência de aumento dos rendimentos reais dos brasileiros, que ocorria desde 2004, foi interrompida de forma definitiva.
Nos quatro anos do governo Dilma -a se verificar as previsões de hoje para o crescimento do PIB em 2013 e 2014- as medidas mais importantes de renda per capita mostrarão uma estagnação clara. Muito parecido com o que aconteceu no segundo mandato do governo FHC, depois que o apagão forçou uma recessão econômica importante.
Neste quadro econômico, preocupa o analista o aparecimento no horizonte de uma nova crise externa que chega aos países emergentes.
Para usar uma imagem criada pelo ministro Mantega, a do tsunami monetário gerado pelas políticas expansivas nos Estados Unidos e Europa, estamos sofrendo agora os efeitos deletérios de uma volta das águas para o leito natural do mar de dólares, que é o mercado americano de títulos e ações.
Entre a cotação de R$ 1, 70 reais por dólar que tínhamos em fins de fevereiro de 2012 e o possível teto de R$ 2,50 por dólar que poderá ser atingido se este movimento continuar, teremos uma desvalorização de quase 50 % em pouco mais de um ano.
Para uma economia que passa por um surto inflacionário grave por questões de desequilíbrio entre a oferta e a procura nos mercados de bens e serviços, um choque externo desta dimensão não pode ser minimizado. Nem ser visto pelo lado positivo dos eventuais estímulos que ele cria para nossa combalida indústria via exportações maiores e maiores dificuldades para a entrada de produtos em nossos mercados.
Luiz Carlos Mendonça de Barros
Luiz Carlos Mendonça de Barros é engenheiro e economista, ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações (governo FHC). É sócio e editor do site de economia e política 'Primeira Leitura'. Escreve às sextas, a cada duas semanas, no caderno 'Mercado'.

Na guerra entre governo e médicos, paciente sai perdendo - Claudia Collucci

folha de são paulo
ANÁLISE
FEDERAÇÃO DOS MÉDICOS PLANEJA AÇÕES JUDICIAIS, GREVES E MANIFESTAÇÕES, PARALISANDO SERVIÇOS DE SAÚDE NO PAÍS
CLÁUDIA COLLUCCIDE SÃO PAULOA semana acaba com uma guerra declarada entre o governo federal e os médicos.
O duelo começou na segunda-feira com a medida provisória que permite o trabalho de médicos estrangeiros sem a revalidação do diploma e o serviço civil obrigatório no SUS para os formados em medicina, com acréscimo de dois anos no curso.
Ontem, veio outra bordoada com o veto da espinha dorsal da proposta que regulamenta a profissão médica: a que estabelece como atividades privativas do médico a formulação de diagnóstico e a prescrição terapêutica.
As entidades médicas dizem que os vetos dão brecha para que "qualquer um" faça diagnóstico. O governo argumenta que, se aprovasse o projeto original, haveria impacto negativo no SUS. As outras categorias não médicas comemoraram os vetos.
A pergunta é: por que isso não foi acertado durante as inúmeras discussões e audiências públicas realizadas ao longo da última década em em que o Ato Médico tramitou na Câmara e no Senado?
Que adiantam o tempo e o dinheiro gastos nesses fóruns sem fim se depois as coisas são revolvidas com vetos e medidas provisórias?
O CFM (Conselho Federal de Medicina) fala que no texto do Ato Médico aprovado pelo Congresso estavam resguardadas todas as prerrogativas das outras profissões da saúde, como enfermeiros, fisioterapeutas e psicólogos.
E se diz traído pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e pelos conselhos das demais áreas da saúde, que teriam fechado um acordo prévio em torno dos textos e depois, no apagar das luzes, negociaram os vetos.
A presidente Dilma Rousseff sinalizou que deve apresentar uma nova proposta aos trechos vetados. É prudente que faça isso logo para não aumentar ainda mais a animosidade entre os profissionais de saúde.
A Fenam (Federação Nacional dos Médicos) planeja ações judiciais, greve e manifestações a partir da próxima semana, paralisando serviços de saúde em todo o país.
Ninguém sabe o rumo que essa confusão tomará, mas é improvável que a população ganhe algo com a queda de braço. Fora dos muros do Palácio do Planalto, as filas no SUS por consultas, exames e cirurgias continuam aumentando em São Paulo, conforme revelou a Folha anteontem. Essa é a vida real.
Leia mais sobre este assunto aqui:

    Uma noite no museu - Mariana Peixoto


    Estado de Minas: 12/07/2013 



    Ao lado de museus que fazem parte do cotidiano dos moradores de Belo Horizonte como o Abílio Barreto, que conta a história da cidade, e o MAP, na Pampulha, dedicado à arte, existem vários outros, não tão conhecidos pelo público, como o da Força Expedicionária Brasileira, o Centro de Referência da Moda e o Muquifu, no Aglomerado Santa Lúcia. Pois todos eles, além de outras instituições culturais, num total de 17, ficarão abertos hoje até mais tarde, quando será realizada na capital a primeira edição da Noite de museus. Com entrada franca, os espaços vão apresentar não só os seus acervos, como também trazer uma programação especial de apresentações de poesia, teatro e música (veja programação ao lado).

    Criada nos moldes do que ocorre em várias capitais do mundo, a noite desta sexta-feira será aberta oficialmente às 18h, com apresentação da poeta Adélia Prado no Centro de Referência da Moda (inaugurado há menos de um ano, no Centro de Cultura Belo Horizonte, prédio neogótico na esquina da Rua da Bahia com Avenida Augusto de Lima), que vai fazer leitura de poemas que refletem sobre a memória e a passagem do tempo. Homenageada do evento, Adélia também ganhará um tributo.

    “A ideia é de que o museu se abra para cidade. Queremos democratizar o acesso da população a eles, já que os próprios moradores sabem que muitos existem, mas nunca entram. E a ideia é de que o evento não fique restrito ao espaço interno das instituições. Além de exibir arte e história, queremos que nesta noite o museu se transforme em um palco”, afirma Luciana Feres, diretora de Políticas Museológicas da Fundação Municipal de Cultura, que realiza a Noite de museus. Em outras cidades, como Barcelona, Paris e Roma, o evento é realizado em 18 de maio, Dia Internacional dos Museus. “Provavelmente, no ano que vem também será nessa data”, continua ela.

    Cada instituição é independente para começar a terminar sua própria programação. Algumas vão até o início da madrugada, caso do Museu de Arte da Pampulha, que vai ficar aberto até 1h. O MAP volta sete décadas no tempo para apresentar evento que vai relembrar os primeiros anos da instituição, que foi concebida em 1943 por Oscar Niemeyer para abrigar um cassino. Uma noite no cassino vai trazer, entre outras atrações, mostra com mobiliário da época. “As pessoas (que vão atender o público) estarão a caráter”, conta Michelle Mafra, chefe de departamento do MAP. “O cassino era conhecido como Palácio de Cristal, então vamos resgatar essa memória que de certa forma ficou perdida”, continua ela. Serão expostos carros antigos e roletas. O restaurante, que hoje não funciona mais, será aberto e servirá jantar com pratos típicos das décadas de 1940 e 1950 (os interessados devem fazer reserva).

    O jardim, reformado há pouco, será reaberto. E o teatro vai contar com um show. A cantora Celinha Braga, que mora na Pampulha e tem na região uma escola de canto, vai apresentar repertório de Carmen Miranda. “Trabalhei no musical Hollywood bananas, dirigido por Eid Ribeiro, e era uma das Carmens da montagem. Estudei muito o repertório dela na época, bem como o jeito, o olhar”, comenta ela, que vai cantar 17 músicas – como Aquarela do Brasil, O que é que a baiana tem, Tico-tico no fubá, Touradas em Madri – ao lado de Dodô Rodrigues (violão), Marcela Nunes (flauta) e Claudinho Santana (percussão).


    Programação - Noite de museus

    Publicação: 12/07/2013 04:00
    » Casa do Baile (Avenida Otacílio Negrão de Lima, 751, Pampulha, (31) 3277-7443)
    17h30 às 22h –Exposição Arthur Arcuri: Um pingente da arquitetura
    20h30 às 22h –Espetáculo teatral A hora e a vez de Augusto Matraga
    22h às 23h – Espetáculo de dança Bagagem

    » Centro de Arte Popular Cemig (Rua Gonçalves Dias, 1.608, Funcionários, (31) 3222-3231)
    19h às 20h30 –Exposição Arte no Vale do Jequitinhonha – Coleção Priscila Freire – Galeria de Exposições Temporárias
    20h às 21h –Performances Instalações Sonoras – Valores de Minas
    21h30 às 22h30 –Apresentação musical Conexão African Beat
    23h –Apresentação musical de violeiros

    » Centro de Referência da Moda / Centro de Cultura Belo Horizonte (Rua da Bahia, 1.149, Centro, (31) 3277-4384)
    19h às 20h – Performance O instante cultural como ingrediente fundamental na concepção do repertório
    da indumentária
    20h30 às 22h –Adélia Prado
    0h30 à 1h –Apresentação do duo de cordas Extemporâneo
    1h às 2h –Espetáculo musical Noche de Tempero Son Cubano

    » Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400)
    18h às 22h –Exposições Coleção Itaú de Fotografia Brasileira – Galeria Alberto da Veiga Guignard; Trato, de Sara Lambranho – Galeria Arlinda Corrêa Lima; Corpo Tangente, de Bruno Rios – Galeria Genesco Murta; Festival Internacional de Fotografia – Centro de Arte Contemporânea e Fotografia

    » Instituto Undió (Lado par do quarteirão da Rua Padre Belchior, entre ruas Curitiba e dos Goitacazes, Centro, (31) 3214-0363)
    17h30 às 21h – Laboratório de intervenções Nessa rua tem um rio

    » Memorial Minas Gerais Vale (Praça da Liberdade, s/nº, Funcionários, (31) 3308-4000)
    18h às 22h –Visita guiada Boa Noite Sensorial

    » Muquifu (Beco Santa Inês, 30, Barragem Santa Lúcia, Morro do Papagaio, (31) 3296-6690)
    17h30 às 21h –Instalação de Padre Mauro – Doméstica: da escravidão à extinção. Uma antologia do quartinho de empregada no Brasil; exposições fotográficas de Clarice Libânio – Favela é Isso Aí: História, Memória e Resistência; e de Jorge Quintão – Imaginário Coletivo: Meu Morro, Meu Olhar
    20h às 21h –Espetáculo Arte Favela Ritmo e Poesia

    » Museu da Força Expedicionária Brasileira (Avenida Francisco Sales, 199, Floresta, (31) 3224-9891)
    19h às 23h –Exposição de Objetos II Guerra Mundial, grupo FEB BH se apresentará fadado como à época
    19h30 às 23h –Visitas Guiadas por veteranos de guerra
    20h às 21h –Documentário Lapa Azul
    20h30 às 22h – Passeios em veículos militares históricos
    » Museu de Arte da Pampulha (Av. Otacílio Negrão de Lima, 16.585, Pampulha, (31) 3277-7946)
    20h à 1h –Mostra Memórias no tempo do Palácio de Cristal
    20h20 às 21h –Oficina Educativa
    21h às 22h –Show Celinha Braga canta Carmen Miranda
    22h às 22h40 –Oficina Educativa
    22h às 23h –Apresentação da Escola de dança Paola Marques
    23h à 0h –Show Celinha Braga canta Carmem Miranda
    0h à 1h –Apresentação da escola de dança Paola Marques

    » Museu de Artes e Ofícios (Praça Rui Barbosa, s/nº, Centro, (31) 3248-8600)
    17h30 às 23h –Exposições Coleção Artes e Ofícios e Universo de Bordallo
    20h às 21h –Show de Ricardo Novais

    » Museu dos Brinquedos (Avenida Afonso Pena, 2.564, Funcionários, (31) 3261-3992)
    17h30 às 21h –Exposições A fascinante história dos brinquedos e Brinquedos dos anos 80; Oficina Construção de brinquedos
    19h às 20h –Espetáculo de narração de história e música Contos de lá nos contos de cá

    » Museu Histórico Abílio Barreto (Avenida Prudente de Morais, 202, Cidade Jardim, (31) 3277-8573)
    17h30 às 23h –Exposições A casa e a cidade: a construção do espaço doméstico e da lembrança em BH; A mitra e a coroa: espaço e sociedade – A formação do Arraial do Curral del Rei; Belo Horizonte F.C. – Trajetórias do futebol na capital mineira; Uma história, dois personagens
    17h30 às 19h –Espetáculo teatral O Caboclo Zé Vigia
    20h às 21 –Performance Cidade Jardim
    21h às 22h –Exibição de curtametragens Crav ao ar livre

    » Museu Inimá de Paula (Rua da Bahia, 1.201, Centro)
    17h30 às 22h –Exposições Inimá de Paula e Luís Dolino: Fantasia exata
    18h às 19h –Show de Léo Brasil na Praça Rômulo Paes
    19h30 às 20h30 –Show Maracatu Lua Nova
    20h30 às 21h30 –Show Savassi Festival Felipe José Quarteto apresenta Circvlarmvsica

    » Museu Itinerante Ponto UFMG (Centro Pedagógico,
    Rua Dr. Fernando de Melo Viana, 80, Câmpus UFMG, (31) 3409-5179)
    l 18h às 21h –Visita ao caminhão adaptado com seis ambientes

    » Museu Mineiro (Av. João Pinheiro, 342, Funcionários, (31) 3269-1103)
    18h às 22h –Exposições de acervo – Coleções do Museu Mineiro e Espaços Compartilhados da Imagem
    20h às 21h30 –Apresentação musical Fino do Choro

    » Oi Futuro (Avenida Afonso Pena, 4.001, Mangabeiras, (31) 3229-3131)
    18h às 23h –Exposição Fluxus
    19h às 21h –Visita guiada pelos núcleos do museu e galeria, relacionando seus conteúdos filmográficos e a obra Alphaville
    20h às 21h –Exibição do filme de
    Jean-Luc Godard – Alphaville