“Que novas correntes estarão sendo formadas pela garotada que não lê, que se comunica à distância, que fica zonza diante das variadas opções de sexo, amor, carreira?”
Antigamente eu rosnava a cada vez que ficava sem luz em casa. Agora até
festejo, e não só pela economia na conta. Dias atrás, a energia elétrica
caiu às quatro da manhã e só retornou perto do meio-dia. Sem
computador, sem televisão, sem bateria no celular, me restou o ato
heroico de ler um livro do começo ao fim, sem interrupção. Por sorte,
“Os largados”, do italiano Michele Serra.
Divertir e comover. Combinação diabólica plenamente atingida pelas 125 páginas que contam a história de um pai exasperado com o filho de 19 anos que vive entocado com seus gadgets eletrônicos. Um guri que não conversa, se veste com molambos, come no sofá, não vê a cor do céu, enfim, desperdiça sua juventude.
Enquanto o pai busca caminhos para se conectar com essa criatura amorfa (caminhos inclusive no sentido literal: acredita que se conseguir convencer o garoto a acompanhá- lo numa trilha, nem tudo estará perdido), vai elaborando mentalmente um livro que sonha em escrever sobre uma fictícia Guerra Mundial entre Jovens e Velhos. E é aí que “Os largados” diz a que veio.
É só olhar para trás e lembrar as inúmeras diferenças que tínhamos com
nossos pais. Quem não? O conflito de gerações é um clássico na vida de
qualquer um. Porém, essa guerra se dava no mesmo campo de batalha.
Podíamos pensar de forma distinta, mas comíamos todos à mesma mesa, a
música vinha do único equipamento de som instalado na casa, fazíamos
passeios familiares, conversávamos — ou discutíamos, brigávamos, que
seja, mas dentro de um universo comum. Não é mais assim. Diz o pai ao
filho, no livro: “Agora tenho a sensação — a suspeita? o terror? — de
uma mutação tão radical que dificilmente, um dia, poderemos nos
reconhecer, você e eu, no mesmo prazer.”
E continua: “Partiu-se uma corrente — da qual eu sou o último elo.”
A questão é: que novas correntes estarão sendo formadas pela garotada que não lê, que se comunica à distância com os outros, que perdeu o idealismo, que fica zonza ou, pior, paralítica diante das variadas opções disponíveis de sexo, amor, carreira?
Estão 100% plugados, mas cada vez mais desconectados de nós, os últimos analógicos desta era. Largados num novo mundo que está sendo construído à nossa revelia. Não, o livro não é pessimista ou trágico, ao contrário. É extremamente engraçado, mas com uma graça firmemente apoiada na inteligência, na ironia e na reflexão. E dá o devido espaço a uma emocionante descoberta: nesta guerra entre jovens e velhos, a razão circula entre os dois exércitos e tem múltiplas formas de se apresentar.
E continua: “Partiu-se uma corrente — da qual eu sou o último elo.”
A questão é: que novas correntes estarão sendo formadas pela garotada que não lê, que se comunica à distância com os outros, que perdeu o idealismo, que fica zonza ou, pior, paralítica diante das variadas opções disponíveis de sexo, amor, carreira?
Estão 100% plugados, mas cada vez mais desconectados de nós, os últimos analógicos desta era. Largados num novo mundo que está sendo construído à nossa revelia. Não, o livro não é pessimista ou trágico, ao contrário. É extremamente engraçado, mas com uma graça firmemente apoiada na inteligência, na ironia e na reflexão. E dá o devido espaço a uma emocionante descoberta: nesta guerra entre jovens e velhos, a razão circula entre os dois exércitos e tem múltiplas formas de se apresentar.
Leia, porque o livro é muito bom. E também porque livros, este ou
qualquer outro, continuam sendo fornecedores de uma energia que se
mantém on em qualquer circunstância. O cérebro não cai.