Em 140
caracteres, autores consagrados podem sintetizar suas obras ou
compartilhar com admiradores o que há de peculiar, curioso
e
bem-humorado por trás de um best-seller. Essa última opção contribui
para o inesgotável estoque de piadas da internet. A primeira amplia as
possibilidades de interpretação de um livro e revive, via timeline, a
noção de história em aberto na produção literária. Em variações do que
aplicam ao papel ou e-book, escritores podem usar o Twitter para
divulgar discursos políticos da vida real que complementam ficções
incabíveis ou para revelar o fim de personagens secundários. Afinal, o
destino do cão de três cabeças que apareceu em poucas páginas não é
relevante para a franquia Harry Potter, mas, quando revelado pela autora
no Twitter, torna-se aperitivo de sabor inestimável para milhões de fãs
da série. Criada em 2006 e transformada em ferramenta global pelos três
anos seguintes, a rede de microblog funciona como exercício para os que
mantêm o hábito de manusear palavras – e interesse do público – sob o
desafio da restrição de espaço. Seguimos algumas contas de escritores
que merecem seu follow, e o resultado está resumido ao lado.
Irvine Welsh (@IrvineWelsh)
Autor de Trainspotting (1993), que deu origem ao
cultuado filme homônimo de Danny Boyle, o escocês comenta com leitores
suas viagens e sua produção literária e também para teatro, cinema e TV.
As referências ao livro de estreia do autor são tão recorrentes que a
conta de Welsh na rede de microblog serve como compilação das inúmeras
formas bem-humoradas com que ele tenta se livrar do título. “Jornalistas
italianos: ‘Quando teremos Trainspotting 2’? Eu: ‘Não sei. Talvez em
breve, talvez nunca’. Jornalistas italianos: ‘Então talvez em breve!’
Eu: ‘Aaaaagh!’”.
Joyce Carol Oates (@joycecaroloates)
Aos 77 anos, Oates é usuária prolífica que
parece encontrar tempo para escrever em qualquer plataforma. A marca de
ao menos um tuíte diário é surpreendente para quem se encarrega de
lançar no mínimo um livro por ano desde 1964. Mais de 60 romances
publicados em meio século tornaram a norte-americana conhecida pela
visão crítica com que destrincha o cotidiano de seu país. Na internet,
não é diferente: os comentários mais recentes vão da análise sobre
protestos antirracismo em Baltimore ao embate entre escritores de ficção
e autores de biografias. Indicada ao Pulitzer por Blonde (2000), em
torno de Marilyn Monroe, ela tuitou: “Escritores de ficção esperam que a
‘não-ficção’ seja apenas isso: não ficção! O coração murcha quando
alguém lê uma versão obviamente ficcional de um fato”.
Salman Rushdie (@salmanrushdie)
Sem temer a polêmica, o britânico de origem
indiana usa o perfil para debater de política a literatura. Costuma
replicar mensagens que julga relevantes e comenta aquelas das quais
discorda. Recentemente, Rushdie apoiou a controversa indicação do jornal
satírico Charlie Hebdo ao prêmio máximo da organização não
governamental Poetas, Ensaístas e Novelistas (PEN International).
Defende a publicação francesa, acusada de xenofobia e racismo, com a
propriedade de quem foi condenado à morte pelo regime iraniano após a
publicação de Os versos satânicos (1988). “Você já leu um exemplar do
Charlie Hebdo? Todas as religiões são satirizadas”, diz a um seguidor.
Diante de um tuíte que mandava o escritor “se f…”, responde: “Obrigado,
mande uma foto sua e nós veremos se podemos combinar”.
Daniel Galera (@ranchocarne)
De carreira literária nascida e criada na
internet, o paulistano finalista do Prêmio Jabuti usa a ferramenta de
microblog com a amplitude que cabe aos que acompanharam de perto o
avanço das redes sociais. Games, música, cinema, política: o Twitter de
Galera é espaço multimídia em que se propagam links para conteúdo
recém-descoberto por ele, recomendações de obras conhecidas e outras nem
tanto, além de comentários imediatos sobre o noticiário. Na timeline do
autor de Mãos de cavalo cabem reflexões sobre atualidades (“Transplante
de cabeça. Se não é 1º de abril atrasado, é a coisa mais demente e
fascinante que ocorrerá em muito tempo”), divagações sobre a cena pop
(“Também adorei o Boyhood do Linklater, mas abrir filme com música do
Coldplay, plmdds, isso não se faz, bota aviso, meu amigo”) e acenos bem
encaixados à produção cultural fora do mainstream (“Bom artista: Tristan
Hone. Assisti ao vivo ontem e ainda estou me recuperando”).
Neil Gaiman (@neilhimself)
O inglês é tão intenso no Twitter quanto tem se
mostrado nos últimos 30 anos como autor de HQs, romances ou roteiros
para cinema e TV. Aos 2,22 milhões de seguidores do pai de Sandman, o
Twitter revela uma persona pública tão intrigante quanto sua própria
obra. Sabe-se que o autor de Coisas frágeis está “não apenas excitado”,
mas de fato “se contorcendo de ansiedade” pela estreia de uma série
dramática da BBC; e que ele planeja uma pausa no Twitter após o
nascimento de seu filho com a cantora nova-iorquina Amanda Palmer,
previsto para setembro, uma chegada que o deixa “mais ou menos nervoso”.
Admite que as principais razões para começar a escrever foram “fome e
nenhuma outra habilidade rentável”, um ofício que ele diz obedecer “sem
regras”. Até mesmo uma possível visita ao Brasil é cogitada, mas a
viagem ainda “depende da agenda” de Amanda.
J.K. Rowling (jk_rowling)
Inaugurado em 2009, mais de 12 anos após a
primeira edição de Harry Potter e a pedra filosofal, o perfil é o canal
favorito de Rowling para contato com leitores. Ela revela ocasionalmente
aos mais de 4 milhões de seguidores detalhes da trama que não chegaram
aos sete livros da série. Em 140 caracteres, Rowling amarra pontas
soltas na coleção que vendeu mais de 450 milhões de exemplares. No
começo do ano, contou que Fofo, cão gigantesco de três cabeças tratado
como animal de estimação pelo zelador Rúbeo Hagrid no primeiro volume,
conseguiu um final feliz. “Ele foi repatriado à Grécia. Dumbledore
gostava de devolver as aquisições mais tolas de Hagrid ao lugar de onde
vieram.” O alvoroço mais recente, contudo, veio da resposta a uma fã
que perguntou por que a autora havia dito que Alvo Dumbledore era gay e
afirmou que “não conseguia ver dessa maneira” o diretor de Hogwarts.
J.K. foi certeira: “Talvez porque pessoas que são gays parecem apenas...
pessoas?”.
Paulo Coelho (@paulocoelho)
| |
Dez milhões de usuários acompanham as postagens
do brasileiro que mais vendeu livros em todo o mundo. Paulo Coelho
costuma recorrer à universalidade do inglês na rede social, talvez por
respeito à marca global dos 150 milhões de exemplares publicados em
cerca de 170 países. O idioma, contudo, não chega a ser barreira, já que
boa parte das publicações são de imagens motivacionais, trechos do
próprio autor ou pequenas frases inspiradoras. Já nos comentários, ele
se dá ao luxo de ser direto: os mais recentes defendiam a cantora
mexicana Anahi, vítima de comentários maldosos pelo casamento com o
governador do estado de Chiapas. “Dá asco ver tanto ataque a Anahi e
Velasco (inclusive de ‘fã’). Eles merecem felicidade”, protestou o
escritor. A ex-integrante do grupo RBD é apenas uma entre várias
estrelas na imensa lista de amigos célebres que aparecem em fotos ao
lado de Coelho via Twitter. Entre as mais recentes pílulas de sabedoria
que o criador de O alquimista oferece aos leitores, “a melhor forma de
ser original é ser você mesmo” veio seguida de “Deus nos julgará não
pelo que dissermos hoje, mas pelo que fizermos amanhã; não pelas
promessas que fizermos, mas pelas que cumprirmos”. A última frase é
versão alterada do trecho de um discurso proferido por Gerald R. Ford em
1975, em Helsinque, durante a Conferência sobre Segurança e Cooperação
na Europa. Curiosamente, a citação do presidente dos EUA é apresentada
sem créditos aos seguidores de Paulo.