segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Genial - Eduardo Almeida Reis

"Como é possível que um homem ocupado como ele, namorador de muitas namoradas, ache tempo para ver filmes pornôs de 35 minutos?"


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 22/12/2014



Mais uma ideia genial de um philosopho amigo nosso: fará sucesso a tese de doutoramento do mestre em psiquiatria ou em psicologia que estudar as mentes a partir do tipo de e-mail que as pessoas repassam. O fenômeno que requer internet, computador individual, banda larga & Cia., é muito recente na história humana, mas já permite que se trace o perfil mental da maioria dos internautas.

Vejamos a partir de amigos meus, cavalheiros e damas da melhor supimpitude. Um deles, casado, fidelíssimo à primeira companheira, tem filhos e netos, é realmente genial em sua profissão, mas genial mesmo, e só repassa e-mails pornôs. Diagnóstico philosophico: lubricidade senil.

Outro amigo, vários casamentos, muitos filhos, dezenas de bandidos mortos a tiros em admirável serviço de profilaxia social a serviço da então gloriosa Polícia Civil de Minas Gerais, só repassa e-mails relacionados com medicamentos e procedimentos que asseguram a longevidade dos destinatários. São limões congelados e ralados, laranjas, copos de água em jejum, méis de abelhas africanizadas – é tanta coisa que o destinatário, seguindo a décima parte, fica maluco ou vive 300 anos.

Há mais um patrício, vários casamentos, atleta master, o que significa dizer idoso, ótimo escritor, ocupando cargo importantíssimo no serviço público mineiro, que acha tempo de remeter aos seus amigos, entre os quais tenho a honra de ter sido incluído, uma infinidade de e-mails da mais absoluta sacanagem. Um deles, que separei para ver qualquer dia, dura exato 35 minutos. Como é possível que um homem ocupado como ele, namorador de muitas namoradas, ache tempo para ver filmes pornôs de 35 minutos?

Dia desses mandou-me vídeo “imperdível” sobre motocicleta russa. Conhecendo-o bem, julguei tratar-se de moto imensa transportando 50 mulheres russas inteiramente nuas. Qual não foi minha surpresa ou descobrir que era mesmo a propaganda de moto militar russa, máquina genial. Vai a qualquer lugar, é muito leve, tração nas duas rodas. Se você encontra uma rocha vertical intransponível, pega a moto e carrega com uma só mão. Sobe e desce escadas normalmente. É desmontável em dois minutos, com poucas ferramentas, cabe em duas sacolas de lona que podem ser transportadas na mala de um carro pequeno. Realmente, coisa de gênio. Fico imaginando o excelente mineiro nascido na Lagoinha, em BH, montado numa daquelas motos, inteiramente nu, subindo na cama em que o espera uma das namoradas cheia de amor para dar.

Injustiça
Detesto cometer injustiças, mas admito que, sem querer, as tenho cometido. Fico desesperado e gostaria de correr atrás dos e-mails enviados, coisa impossível. Só me resta enviar outro e-mail aos destinatários pedindo desculpas e prometendo não repetir a dose. Hoje, por exemplo, repassei um e-mail à lista genteamiga com uma série de fotos lindas, paisagens, flores e pessoas, que recebi de um leitor. Em vez de simplesmente repassar, acrescentei usando a fonte 72, a maior aqui do computador, o seguinte philosophar: Nem só de Dilmas e Erenices é composto este planeta. Logo depois do encaminhamento me dei conta da injustiça: esqueci de incluir o nome de Ideli Salvatti. Falha imperdoável.

Pureza
Deuzamar de Jesus Lima – nome lindo! Deusa do Maranhão de Jesus, 58 anos, maranhense, empregada na casa da senhora Sheila Gama, ex-prefeita de Nova Iguaçu. Creio desnecessário dizer que a casa de Sheila fica na Barra da Tijuca, porque Nova Iguaçu é município ótimo para administrar e inimaginável para morar. Mulher do conselheiro Aluísio Gama, vice-presidente do Tribunal de Contas do RJ, Sheila assumiu a prefeitura em 2010, quando Lindbergh Farias foi eleito senador da República. Derrotado nas eleições de 2014 para governador do RJ, o senador embarcou num aeroplano dia 10 de novembro para descansar em Paris, que não é bobo de tirar férias em Nova Iguaçu.

Patroa exigente, a ex-prefeita irritou Deuzamar de Jesus, que misturou chumbinho, veneno raticida, ao remédio homeopático de Sheila, que foi parar na UTI do Hospital Pró-Cardíaco de Botafogo, padrão de excelência médica, salvo engano o mesmo que deixou morrer um cidadão enfartado conduzido à sua porta pelo motorista de um ônibus urbano. Enfim, o país é complicado. Ainda bem que o Lindbergh descansava em Paris.

O mundo é uma bola
22 de dezembro: faltam nove dias para acabar o ano e vêm por aí muitos feriados, além das férias que você não pode deixar de curtir. Deixe para descansar das férias a partir de março, que o país é grande e bobo. Em 1761, criação do Ministério da Fazenda no Brasil, ou, pelo menos, é o que consta da Wikipédia. Verdade ou engano, só uma coisa é certa: nunca, jamais, em tempo algum o Brasil teve à frente do MF um gênio tão extraordinário como o ministro Guido Mantega, economista de uma escola que só ele entende. Nelson Rodrigues dizia que para cada gênio há 10 milhões de imbecis. Guido modificou esse número, quando se sabe que no Brasil há 200 milhões de imbecis incapazes de entender a sua genialidade.

Em 1981, criação do estado de Rondônia onde existia o território federal do Guaporé. Rondônia têm fornecido ao Brasil uma safra extra ordinária de políticos, geralmente nascidos noutros estados. Em 1986, todos os trabalhadores brasileiros passaram a ter direito ao 13º salário, isto é, todos menos muitos.

Ruminanças
“O roubo de milhões enobrece os ladrões” (Marquês de Maricá, 1773-1848). 

Dilma deve a vitória à esquerda - Renato Janine Ribeiro

Valor Econômico - 22/12/2014

Dilma venceu a eleição ao assumir uma imagem de esquerda. Terá que conciliá-la com sua nova política econômica


As análises são quase unânimes: a eleição de 2014 marcou forte avanço conservador, não apenas no espectro político tradicional, em que a esquerda seria progressista e a direita, conservadora, mas também no campo dos costumes, no qual parlamentares opostos às novas formas de vida afetiva ganharam pontos. O desplante com que um deputado, useiro e vezeiro em hostilizar a liberdade pessoal, se permitiu usar a palavra "estupro" é significativo disso.
Mesmo assim, se Dilma foi reeleita, foi graças à esquerda. Não podemos, numa análise fria dos acontecimentos, ignorar este fato. Isso não quer dizer que foi a esquerda quem elegeu Dilma. Ela teve votos de famílias políticas bem variadas. Mas no momento decisivo, em que se formularam os argumentos decisivos para a reeleição, em que se construiu o imaginário que forjaria a unidade que a elegeu, o discurso foi de esquerda.
Dilma e seu governo não foram - nem são - de esquerda. Porém, na reta final da campanha, o que a levou à vitória foi uma sensibilidade deste lado político. Foi isso o que irritou tanto seus principais adversários. Possivelmente não foi tanto a forma, os "maus modos", o que os revoltou (a implacável "desconstrução" de Marina e, em menor escala, de Aécio), mas sim o conteúdo do que foi levantado contra ambos. Poderia ter sido mais leve; irritaria igual.
Campanha de Dilma foi mais à esquerda que seu governo







Pois onde esteve a esquerda na campanha? Na defesa dos programas sociais. Sim, Aécio fez bem em assumir o Bolsa Família. Foi o primeiro presidenciável tucano a fazê-lo de maneira decidida. Com isso, se não ganhou a eleição, teve uma votação consagradora e garantiu para o PSDB a liderança na oposição - uma posição que este ano até correu risco. Mas acontece que, no arsenal petista contra a miséria, o Bolsa Família foi cedendo lugar ao aumento constante do salário mínimo até o patamar constitucional, que aliás não é tão diferente do seu valor original na década de 1940. A franqueza de Arminio Fraga, ao dizer que seria difícil manter os aumentos reais do salário mínimo, pode ter custado votos ao candidato tucano.
Afirmei mais de uma vez que nem os tucanos queriam acabar com os programas sociais, nem os petistas destruir a economia: mas que cada lado tinha uma prioridade. Do lado tucano, a ênfase na racionalidade dos agentes econômicos, para promoverem o desenvolvimento, acarretava implicitamente a descrença na racionalidade dos movimentos sociais. Ora, o eixo do ataque "de esquerda" aos dois candidatos de oposição consistiu justamente nisso: nenhum deles teria compromisso prioritário com o combate à pobreza. Essa percepção emplacou.
Agora, dá para dizer que, com a nomeação para as pastas econômicas, foram plagiados os programas de Aécio e Marina, ou traída a esquerda que apoiou Dilma? Não. A economia é o meio imprescindível para as mudanças sociais que a candidata reeleita quer implantar. Se tiver de escolher entre o desenvolvimentismo praticado nos últimos anos e uma economia mais ortodoxa, ela optará pelo meio que preserve a capacidade estatal de investir no setor social - hoje, o segundo.
Dilma certamente tem suas preferências econômicas. Não são as do grande empresariado. Ela tentou adotá-las entre 2011 e 2014. Economista, ao contrário de Lula, suas convicções econômicas são mais fortes do que as do seu antecessor no cargo. Mas, mesmo assim, o crucial é a política social. Daí que faça sentido sacrificar certos anéis para salvar os dedos - abrindo mão de parte, ao menos, da política econômica Dilma 1.0 para garantir os recursos, tributários ou de capital, necessários para dar continuidade aos avanços sociais.
Fique muito claro: sem avanços sociais, adeus PT. Daí, o papel, necessário mas subordinado, da economia no segundo mandato. Num governo Aécio, Arminio seria, pelo menos nos primeiros tempos, o "chief minister". Já Dilma fez questão de não aparecer na posse de seus ministros da área econômica. Eles podem ter condicionado sua aceitação dos cargos à prévia aprovação, pelo Congresso, da mudança de metas na economia. Podem ter dito que não queriam misturar suas mãos pró-mercado com isso. Ela não teria como recusar essa limpeza prévia de terreno. Mas, de sua parte, Dilma deve ter querido mostrar que a nova política econômica é decisiva, porém só como meio, não como fim. Os fins continuam sendo sociais. Sem isso, o PT vira um PSDB.
Quer isso dizer que o poder está com a esquerda? Não, nem no sonho. Na verdade, a esquerda decidiu apoiar uma presidenta que valoriza os programas sociais, sim, mas não é propriamente de esquerda. Como Dilma vai conciliar uma certa austeridade na economia com investimentos sociais, não será simples. Mas este é o único caminho que faz sentido. Dilma e o PT sabem muito bem que, se for para agirem como agiram os últimos governos socialistas na Espanha e Portugal, ou está agindo o último na França, aplicando a política dos sonhos da direita... bem, esse será o melhor meio de perder as próximas eleições. Dilma e o PT têm que agir de outro modo. Isso vai requerer habilidade política? Toda a que conseguirem mobilizar.
Esse caminho pode dar errado, é claro. Mas a política é a arte de lidar com a quadratura do círculo. FHC e Lula foram mestres nisso. Na política, estica-se o limite do possível. Uma coisa é fato: os economistas têm razão em que não se pode ignorar o limite realista que é haver dinheiro para promover medidas sociais. Mas a novidade é que, em sociedades em intensa democratização, o que se dá pela inclusão dos mais pobres, também não é possível retroceder, sem causar problemas sérios.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. 
E-mail: rjanine@usp.br