domingo, 28 de julho de 2013

Favor não confundir ato de repúdio com violência e opressão. - Cynthia Semíramis

Interessantíssimo ver gente que nunca se incomodou ou se manifestou contra a invasão e destruição de terreiros comparando essa agressão à performance de ontem na Marcha das Vadias do Rio de Janeiro. Não tem nada a ver: estão confundindo opressão com ato de repúdio.

Invadir um local de culto pra quebrá-lo e aniquilá-lo é bem diferente de, dentro de uma atividade política específica que é a Marcha das Vadias, ser feita uma performance quebrando algumas estátuas que simbolizam a opressão religiosa católica contra mulheres.

Vamos lembrar aqui do básico: em relação aos direitos das mulheres (que é o foco da Marcha das Vadias), a Igreja Católica e seus símbolos são opressores porque impõem um estilo de vida que trata a mulher como inferior e procura controlar seu corpo e sua sexualidade. Quebrar esses símbolos significa dizer que não concorda com a opressão que eles impõem: é um ATO DE REPÚDIO a um posicionamento religioso opressor.

Cristão invadindo e destruindo terreiro é opressão, é violência. Estão agindo pra manter a ordem religiosa que exclui quem não é cristão.

Os resultados dos atos são bem diferentes. O ato de repúdio na marcha das vadias não vai mudar a estrutura da igreja, os cultos católicos continuam existindo, a doutrina católica vai continuar agredindo mulheres (vide a distribuição de fetos e terços de fetos durante a Jornada Mundial da Juventude, demonstrando que não-nascidos são mais importantes que mulheres), inclusive influenciando políticas públicas que violam o Estado laico. A violência que é a invasão do terreiro é opressão, pois impossibilita a prática religiosa e cala a voz dos seus fieis. São dimensões bastante diferentes, não tem como comparar nem dizer que são equivalentes.

Favor não confundir ato de repúdio com violência e opressão.

Frio - Marcelo Leite

folha de são paulo
Frio
No Ártico, o aquecimento global derrete o gelo marinho; em volta da Antártida, aumenta
Além do bebê de Kate e da turnê de Francisco, a semana foi dominada pelo frio que tomou conta da metade sul do Brasil. Até neve caiu, em mais de uma centena de cidades. Um prato cheio para a vingança de quem nega o aquecimento global ou que ele seja causado pelo homem.
Pouco importa que, no hemisfério Norte, grasse uma onda de calor. Ou que a calota de gelo sobre as águas do Ártico esteja perto de bater novo recorde de encolhimento.
Interessa é semear a dúvida entre os incautos. Ninguém melhor que um friorento para se convencer de que o efeito estufa seja uma balela.
Não faltou especialista para dizer que a frente fria tem origem no superavit de gelo sobre os mares que circundam a Antártida neste inverno. Nem para acrescentar, maliciosamente, que isso estaria em contradição com o aquecimento global.
Nada como acoplar um antecedente real (mais gelo) a uma conclusão fantasiosa (não há aquecimento da atmosfera) para turbinar a verossimilhança da segunda.
Sim, 2013 juntou mais gelo ao redor da Antártida. Também é verdade que a superfície marinha congelada resfria o que está acima dela, alimentando a massa de ar gelado que engrena a frente fria.
Poucos se dão conta, ou simplesmente omitem, que o próprio aquecimento global parece estar na origem desse fenômeno.
O que aumenta com o efeito estufa é a temperatura média da atmosfera da Terra. Como toda média, ela comporta que algumas partes se aqueçam (ou se resfriem) mais que outras. O saldo, contudo, é positivo: há mais ar quente em volta do planeta do que havia no passado.
Tomando por base essa média, todos os dez anos mais quentes já registrados ocorreram depois de 1998. São dados compilados por instituições respeitadas, como a Nasa, alguns deles em coleta desde 1880.
Uma atmosfera mais quente acarreta ventos mais fortes, pois estes se nutrem da diferença de temperatura entre massas de ar. Com a mudança do padrão de circulação dos ventos, uma região poderá enfrentar secas mais severas (como no Nordeste, atualmente), enquanto outra presenciará um aumento de chuvas torrenciais.
Tornam-se mais frequentes os chamados eventos extremos, uma das consequências mais previstas do aquecimento global. Entre eles, frentes frias de moer os ossos, como a que os brasileiros enfrentaram nos últimos dias.
O paradoxo do calor que traz mais frio parece ter origem, de fato, na Antártida, como explica Francisco Eliseu Aquino, geógrafo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, um estudioso das massas de ar frio que chegam ao Brasil.
O ar mais quente sobre as águas antárticas impulsiona ventos mais encorpados, que ocasionam mais turbulência na superfície do mar. Isso faz com que a água mais profunda (e mais fria) chegue à superfície, o que se chama de ressurgência.
Há também quem atribua o excesso de gelo ao maior derretimento da calota sobre o continente antártico, como Richard Bintanja, do Instituto Meteorológico Real da Holanda. Nesta explicação, é a água das geleiras continentais que escorre para o mar e ajuda a resfriá-lo.
No Ártico, onde só há água em volta do polo Norte, o aquecimento global derrete o gelo sobre o mar. Em torno da Antártida, um continente, ele aumenta o gelo marinho.
Entendeu? É complicado, mesmo.

    O quintal que tentei desenhar - Jack Kerouac

    folha de são paulo
    JACK KEROUAC
    tradução CLAUDIO WILLER
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    SOBRE O TEXTO Os versos abaixo fazem parte do "Livro de Haicais", do americano Jack Kerouac (1922-69), que a editora L&PM lança em agosto. O volume, em edição bilíngue, reúne mais de 500 poemas escritos entre 1956 e 1966 pelo pai da geração beat.
    *
    Haicai! Haicai!
    Ainda usa uma atadura
    Sobre seu olho machucado!
    Como foi que essa gente
    entrou aqui,
    essas duas moscas?
    O quintal que tentei desenhar
    -Ainda parece
    O mesmo
    David Magila/Arte Folha
    Ilustração de David Magila
    Ilustração de David Magila
    O filho que quer solidão
    Envelopou-se
    Em seu quarto
    Todos esses sábios
    Dormem
    De boca aberta
    Odeio o êxtase
    Dessa rosa,
    Dessa rosa peluda
    JACK KEROUAC (1922-69), escritor americano, um dos principais nomes da geração beat, autor de "On the Road" (1957) e "Os Subterrâneos" (1958).
    CLAUDIO WILLER, 72, é poeta, tradutor e ensaísta.

    Laertevisão e Deus,essa gostosa


    folha de são paulo

    Celulares - LUIS FERNANDO VERÍSSIMO

    ESTADÃO - 28/07/2013



    Eles fazem de tudo. Só falta falar

    Cinco numa mesa de bar, comparando seus celulares. Um diz:

    – O meu não só mostra quem está chamando como avisa se for um chato.

    – O meu – diz outro – acessa a Internet, faz café, dá palpites para jogar na Sena e o tempo que faz no Himalaia.

    O terceiro:

    – O meu é gravador, relógio, câmera fotográfica e granada de mão, e ainda faz logaritmos.

    O quarto:

    – O meu codifica, decodifica e toca o hino nacional.

    Os outros três se intercalam:

    – O meu imita passarinho e dá o diretor, os roteiristas e o elenco completo de 17 mil filmes.

    – O meu dá a escalação de todas as seleções do mundo desde que inventaram o futebol e o resumo de todas as óperas.

    – O meu é despertador, defibrilador e termômetro, além de mostrar imagens de Marte.

    – E o meu? E o meu? – diz o quinto, que até então permanecera em silêncio.

    – O seu o que faz?

    – O meu – diz o quinto – me ama.

    Na transilvânia

    (Da série “Poesia numa hora dessas?!)

    Ele flana pelos corredores do castelo

    como um par de olheiras sobre patins

    com a tinta escorrendo dos cabelos

    A boca roxa, as mãos nos rins.

    Às vezes para porque ouviu seu nome:

    “Drakuuul”, longe, “Drakuuul”

    Mas é só o som do vento gelado

    Ou de um lobo desgarrado.

    Pede “Virgens!” e dão risada

    pede “Sangue!” e lhe trazem laranjada.

    Bolachas ou coisas vivas?

    “Monsieur le Compte, suas gengivas!”

    Ele desliza pelos corredores

    sonhando com pescoços latejantes

    pensando em velhas conquistas

    e em abrir o térreo para turistas.

    “Drakuuul!”, longe, “Drakuuul!”

    Mas é sempre só um lobo anônimo.

    Ou, possivelmente, um lobo irônico.

    Manifestações

    O esquerdista e o reacionário não se viam há tempo e no outro dia se encontraram.

    – Ó, rapaz. Você por aqui.

    – Pois é, estou indo para uma manifestação.

    – Não diga. Eu também!

    – Coincidência, duas manifestações ao mesmo tempo. Se conheço você bem, a sua é de esquerdistas. Posso até adivinhar o que vão reivindicar.

    – E se eu conheço você, sei exatamente o que vão pedir.

    – Onde é a sua manifestação?

    – Vamos nos reunir na frente da prefeitura e depois...

    – Epa! Nós também. Estamos indo para a mesma manifestação!

    – Impossivel. Um de nós dois está indo para a manifestação errada.

    – Bom, lá a gente ve. Aceita uma carona?

    – Sei não... – Sem compromisso. – Então vamos. 

    Aqui não existe almoço grátis - Los Angeles, 1985 - HECTOR BABENCO

    folha de são paulo
    ARQUIVO ABERTO
    MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS
    O ano era 1985, tínhamos recebido o convite para participar da mostra competitiva do Festival de Cannes com meu filme "O Beijo da Mulher Aranha". Não tínhamos recursos para fazer as cópias nem as legendas em francês, conforme nos foi pedido pelo festival.
    Procuramos um "partner" que financiasse a finalização do filme e que bancasse as despesas. Depois de várias tentativas, surgiu um que manifestou real interesse e obviamente queria ver o filme.
    Marcamos uma cabine para fazer a projeção e, no horário e no dia combinados, lá fui eu para Los Angeles. Quando cheguei para a projeção, qual não foi a minha surpresa ao ver que a cabine estava ocupada por um outro filme que tinha acabado de começar para Jack Nicholson e convidados.
    Com cara de pato, pedi desculpas e aguardamos por duas horas, até o filme terminar. Antes de começar a projeção, fui ao banheiro. Enquanto eu usava o ready-made do Marcel Duchamp, olhei para o lado e vi que tinha um companheiro de atividade: Jack Nicholson, também esvaziando sua bexiga.
    Ele olhou para mim e perguntou quem eu era. Eu disse quem era e o que estava fazendo ali. Ele disse que tinha lido "Boquinhas Pintadas", do Manuel Puig (escritor argentino, autor do livro que inspirou o filme "O Beijo da Mulher Aranha"), e que gostaria de ver o meu filme. Era para ligar e combinar.
    Cheio de receios, telefonei na manhã seguinte, e a sua assistente já me deu as datas dele e pediu o endereço do lugar onde deveria apanhar as latas do filme. A exibição aconteceu: estavam presentes Jack, uma amiga dele e um amigo.
    No fim da sessão, fui convidado para jantar. Nada foi dito a respeito do filme. Achei estranho. Quando terminamos a refeição, agradeci pela noite e nos encaminhamos para a porta. Eu quis ser o último a sair porque o meu carro era a opção mais econômica de aluguel que pude encontrar. Chegou uma limusine Mercedes e lá se foi o Jack. Depois, num reluzente Rolls-Royce conversível, se foi o outro.
    Quando chegou meu modesto veículo, saiu do restaurante um garçom que se aproximou de mim e perguntou se eu estava jantando com mr. Nicholson. Disse que sim. Ele replicou que ninguém tinha pagado a conta. Puto da vida, tirei meu único cartão de crédito e honrei o pasto da noite. Entendi o real significado da expressão "there is not free lunch in this town" (não existe almoço grátis nesta cidade).
    Na manhã seguinte, fui acordado pela campainha. Um chofer me entregou, em nome do restaurante, duas garrafas de champanhe Cristal e um envelope com a minha folhinha azul do cartão rasgada e um bilhete pedindo desculpas pelo acontecido. O maître daquela noite era novo e não sabia que, quando mr. Nicholson janta lá, a conta é mandada para o escritório dele.
    Os anos se passaram e, quando o chamei para uma leitura do roteiro que tinha feito com William Kennedy de seu romance "Ironweed", ele imediatamente se prontificou a fazê-la em sua casa. No fim do encontro, fez alguns comentários que me levaram a entender que ele já conhecia o livro muito bem. O resto é história.
    Anos depois, em 1994, o American Film Institute organizou uma cerimônia para entregar o Life Achievement Award ao Jack. Recebo um convite para ser um dos cinco a dizer algo sobre ele, durante a cerimônia. Reconheci naquele jantar homens e mulheres que desde moleque vejo no escurinho do cinema.
    Cada vez que as luzes se apagavam, um "spotlight" iluminava quem falava. O primeiro foi Warren Beatty, depois Sean Penn, Milos Forman e, a seguir, Roman Polanski via satélite, até que chegou a minha vez --e eu continuava sem saber o que falar. Como dizer da importância de ter trabalhado com ele e do privilégio de compartilhar uma amizade que dura até hoje?
    Contei a história do nosso primeiro encontro sob o olhar perplexo do Jack, que não entendia aonde eu queria chegar. Quando chegou o momento de "o senhor estava sentado na mesa do mr. Nicholson? É que ninguém pagou a conta", a gargalhada foi gigantesca. Ainda hoje encontro alguém que se lembra daquela noite.

      Walter Benjamin e o front espectral de uma guerra de tirar o fôlego - trad. Nélio Schneider

      folha de são paulo
      As armas do futuro
      Walter Benjamin e o front espectral de uma guerra de tirar o fôlego
      WALTER BENJAMINTRADUÇÃO NÉLIO SCHNEIDER
      RESUMO Em texto de 1925, inédito em português, Walter Benjamin fala de armas químicas, como o gás lacrimogêneo, e prevê sua vulgarização. Editado pelo jornal "Vossische Zeitung" sem sua assinatura, o artigo foi catalogado pelo filósofo entre suas obras publicadas e sairá no Brasil no livro "O Capitalismo como Religião", da Boitempo.
      As designações anteriores1 serão tão populares na próxima guerra quanto "trincheira", "submarino", "Berta Gorda"2 e "tanque" foram na passada. Para os vocábulos químicos difíceis de pronunciar serão adotadas em poucos dias cômodas abreviações. E essas expressões, promovidas em poucas horas a uma atualidade jamais imaginada, superarão em popularidade o vocabulário de todos os relatórios dos fronts escritos de 1914 a 1918.
      Elas dizem respeito a cada pessoa diretamente. A guerra vindoura terá um front espectral. Um front que será deslocado fantasmagoricamente ora para esta, ora para aquela metrópole, para suas ruas, diante da porta de cada uma de suas casas. Ademais, essa guerra, a guerra do gás que vem dos ares, representará um risco literalmente "de tirar o fôlego", em que esse termo assumirá um sentido até agora desconhecido. Porque sua peculiaridade estratégica mais incisiva reside nisto: ser a forma mais pura e radical de guerra ofensiva. Não há defesa eficiente contra os ataques com gás pelo ar. Até mesmo as medidas privadas de proteção, as máscaras antigás, falham na maioria dos casos.
      Por conseguinte, o ritmo do conflito bélico vindouro será ditado pela tentativa não só de defender-se mas também de suplantar os terrores provocados pelo inimigo por terrores dez vezes maiores. Em consequência, é irrelevante quando teóricos mais bem intencionados acenam com a perspectiva "humana" do gás lacrimogêneo, e até procuram criar simpatia pela guerra com o gás, comparando-a com a guerra aérea com materiais explosivos.
      Outros já têm a visão mais aguçada, quando colocam de antemão e em primeiro plano, como motivo para o ataque com gás (cuja importância crescente já foi ensinada pela guerra passada), o seguinte: a finalidade última das ações da frota aérea deve ser destruir a vontade de resistência inimiga. Alguns poucos "raids" [ataques] devem infundir na população dos centros inimigos um terror inconsciente tal que malogre qualquer apelo à organização da resistência. O terror deve ser algo similar à psicose.
      Uma imagem que nada tem das utopias de Wells e Júlio Verne: nas ruas de Berlim, espalha-se sob o belo e radiante céu primaveril um cheiro parecido com o das violetas. Isso dura alguns minutos. Logo em seguida, o ar se tornará sufocante. Quem não lograr escapar da sua esfera de ação nos minutos seguintes não conseguirá mais reconhecer nada, perderá momentaneamente a visão.
      E, se ainda não for bem-sucedido na fuga ou se nenhum transporte o recolher, morrerá sufocado. Tudo isso poderá suceder um dia sem que se veja no céu qualquer aeronave nem se perceba o ronco de uma hélice. O céu poderá estar claro e o sol brilhando, mas invisível e inaudível, a uma altitude de 5.000 metros, paira um esquadrão aéreo respingando cloroacetofenona, gás lacrimogêneo, o "mais humano" dos novos recursos que, como se sabe, já teve certa importância nos ataques com gás da última guerra.
      Não há meio confiável que permita perceber a presença dos esquadrões entre cinco e seis quilômetros acima da superfície da Terra. Ao menos publicamente não se conhece nenhum. É que a "ouverture" abafada que há anos está sendo executada nos laboratórios químicos e técnicos só chega aos ouvidos do público em forma de dissonâncias isoladas. Esporadicamente fica-se sabendo de coisas, como da invenção de um receptor acústico muito sensível, capaz de registrar o ronco de hélices a grandes distâncias. E alguns meses depois ouve-se falar da invenção de uma aeronave silenciosa.
      Alguns fatos que o correspondente de guerra norte-americano William G. Shepherd divulga no "Liberty" sobre a "aplicabilidade" do parque aeronáutico francês na guerra são ilustrativos.
      A França possui hoje pelo menos 2.500 aeronaves no serviço ativo à paz; há mais na reserva. A tonelagem total das forças aéreas francesas, dependendo da altitude de voo, comporta entre 600 e 3.000 toneladas. Shepherd põe Londres como alvo. O centro de Londres, sede de todos os institutos vitais do Império Britânico, cobre quatro milhas quadradas inglesas. Para se tornar inabitável por vários meses, essa área exige a aplicação de 120 toneladas de sulfeto de dicloroetila, o gás mostarda.
      Considerando que sobre esse território podem voar ao mesmo tempo --dentro da mesma camada atmosférica, naturalmente-- no máximo 250 aviadores, cada um deles carregando pelo menos 250 quilos, e que esse esquadrão despeje uma tonelada por minuto, o coração do império mundial britânico --sempre de acordo com a abordagem de Shepherd-- terá parado de bater após dois minutos.
      INÉRCIA O aspecto problemático dessas exposições é que a fantasia humana se recusa a acompanhá-las, e justamente a monstruosidade do destino ameaçador se torna um pretexto para a inércia mental. Sua tentativa de convencimento sempre resulta em que uma guerra dessas ou é de todo "impossível" ou seria de extrema brevidade. Na verdade, essa guerra só terminaria num breve instante se a respectiva base dos esquadrões aeronáuticos fosse conhecida dos combatentes.
      Não é esse o caso. Pois essa base de modo algum precisa situar-se em terra. Em algum lugar do oceano, as aeronaves podem alçar voo de navios porta-aviões, que mudam constantemente sua localização sobre as águas.
      Com o que se parecem os gases venenosos, cuja aplicação pressupõe a suspensão de todos os movimentos humanos? Conhecemos 17 até agora, dos quais o gás mostarda e a lewisita são os mais importantes.
      As máscaras antigases não oferecem proteção contra eles. O gás mostarda corrói a carne e, quando não acarreta diretamente a morte, produz queimaduras cuja cura demanda três meses. Esse gás permanece virulento durante meses em objetos que entraram em contato com ele. Nas regiões que alguma vez foram alvo de um ataque com gás mostarda, meses depois, cada pisada no solo, cada maçaneta de porta e cada faca de pão ainda podem provocar a morte.
      O gás mostarda, a exemplo de muitos outros gases venenosos, torna todos os víveres incomestíveis e envenena a água. Os estrategistas imaginam assim a utilização desse recurso: certos distritos taticamente importantes devem ser cercados com barreiras de gás mostarda ou então de difenilamina cloroarsina. Dentro dessas barreiras tudo perece e nada consegue passar por elas. Desse modo, casas, cidades, campos podem ser preparados de tal forma que, durante meses, nenhuma vida animal ou vegetal é capaz de medrar neles. Nem é preciso dizer que, no caso da guerra com gás, cai por terra a diferenciação entre população civil e população combatente e, desse modo, um dos fundamentos mais sólidos do direito dos povos.
      A lewisita é um veneno à base de arsênico que penetra imediatamente no sangue, matando de forma irremediável e súbita tudo o que atinge. Durante meses todas as áreas atingidas por ataques com esse gás ficam empestadas de cadáveres. Naturalmente não existe proteção contra ele em tais regiões: porões subterrâneos, que protegem quando muito de bombas explosivas, trazem a morte certa no caso de ataques com gás, porque o gás, pesado, tende para os lugares mais baixos.
      Ora, como se sabe, o Comitê Central da Liga das Nações instituiu uma Comissão para o Estudo da Guerra Química e Bacteriológica. Dessa comissão participaram autoridades internacionais. Seu relatório não foi tratado com a devida consideração. A grande política ainda prioriza problemas de armamentismo e desarmamento cuja relevância se desfaz no ar frente aos fatos referentes aos preparativos para a guerra química.
      A persistência com que, na execução do Tratado de Versalhes pela Alemanha, foram questionados ridículos requisitos militares não tem só um aspecto desagradável mas sobretudo algo de sumamente perigoso. Porque ela desvia a atenção pública do único problema atual do militarismo internacional.

      O Rio se farta de coxinhas - Alvaro Costa e Silva

      folha de são paulo

      O Rio se farta de coxinhas


       
      ALVARO COSTA E SILVA
      Ouvir o texto
      A coxinha é de origem francesa. Mas, entre nós, de aclimatação paulista. Segundo historiadores da alimentação, a receita aportou com a Corte portuguesa, em 1808, e cresceu na preferência popular com a industrialização de São Paulo: era um substituto mais barato e prático das coxinhas de frango com osso que eram vendidas nas portas das fábricas. Massa de farinha de trigo e caldo de galinha, com recheio de carne de frango.
      E o "coxinha"? De origem paulista, é gíria usada de forma depreciativa para identificar certo grupo de pessoas cujo comportamento é elitista ou afetado.
      Com a rapidez da internet, via redes sociais, o termo chegou ao Rio esnobando as ruas. Os cariocas não só já sabem identificar um "coxinha" como adotaram a classificação como se ela tivesse surgido numa birosca do morro da Serrinha, nos arredores do Arpoador ou nos condomínios fechados da Barra da Tijuca -esse último, em teoria, um lugar "coxinha".
      Como toda gíria que se preze, foi usada a princípio como código em um organismo fechado -a cadeia, a caserna, a zona de prostituição- para só depois conquistar novos territórios. O que espanta é que esse território hoje seja o Rio.
      Os cariocas se acostumaram a ditar modas e gírias para o Brasil inteiro. Pelo que se escuta, não mais. Geograficamente no centro da polaridade norte-sul, cabeça política até a mudança da capital para Brasília, com tendência cosmopolita, o Rio chegou a ter o padrão da fala no país. Finalmente sua praia foi invadida. E não apenas por "coxinhas". A detestável "balada" é de uso corrente. Espera-se para breve a chegada de "perifa", "rasgado", "parça", "breja", "monstra" e outros verbetes do coxês-português.
      É UM ASSOMBRO
      Diante da invasão, nativos radicais já ensaiam protesto: carioca que diz "coxinha" é "coxinha". O verdadeiro carioca come coxinha.
      O cantor e compositor Gabriel Cavalcante, o Gabriel da Muda, é especialista em besteiras de botequim, de preferência as bebíveis e comestíveis. Indica como melhor coxinha do Rio a preparada no Bar da Gema (r. Barão de Mesquita, 615, Tijuca). É tão especial que é servida apenas um dia por semana: às terças. E é personificada: atende por coxinha da Luiza, com todo o respeito, em homenagem à proprietária e cozinheira. Custa R$ 4, e a receita é segredo de família.
      A da tradicional Confeitaria Colombo, fundada em 1894, continua um assombro: é do tipo coxa creme, com a coxa propriamente dita e a sobrecoxa cozidas no caldo de legumes e ervas (R$ 10,80 a unidade). Na hora do almoço, é a que mais sai nos luxuosos salões da rua Gonçalves Dias, 32, centro.
      CHORO MODERNO
      O choro flui e reflui conforme as ondas da cidade e sempre teve pouso certo nos quintais dos bairros ao longo dos trilhos da antiga Leopoldina Railway e em rodas de botequins menos barulhentos. Expoente da nova geração, Abel Luiz toca cavaquinho, bandolim, viola caipira e violão tenor aos sábados, a partir das 14h, no bar Adelos (r. do Mercado, 51, Centro).
      Com o violão de sete cordas de Marlon Mouzer e o percussionista Reinaldo Pestana, Abel fundou o grupo Choro Novo, que acaba de lançar o CD "Sotaques e Influências" (Pupurri Cultural, R$ 15), uma reflexão sobre as possibilidades na contemporaneidade de um gênero surgido em ambientes -vá lá- "coxinhas" do século 19 e depois avacalhado nas ruas.
      AI, SE EU TE PEGO
      João Paulo 2º preferia o aterro do Flamengo para missas campais. Como bom argentino, o papa Francisco cruzou o Túnel Novo e aportou em Copacabana, bairro que concentra o maior número de idosos no país. Foi um choque ver os velhinhos lado a lado com os peregrinos, cerca de 800 mil, a maioria mulheres com menos ou pouco mais de 20 anos.
      Nem Fausto Fawcett, em seus maiores delírios musicais, poderia imaginar que Copacabana se transformaria no real "purgatório da beleza e do caos".
      Em frente aos inferninhos da avenida Prado Júnior, as lolitas de Cristo passavam cantando aos berros "Ay, si Yo te Agarro", versão em espanhol para o sucesso brega-sertanejo.
      Haja "namoro santo", como proposto pela igreja, para conter tanto entusiasmo.
      ALVARO COSTA E SILVA, o "Marechal", 50, é jornalista.

      Tv Paga


      Estado de Minas: 28/07/2013 

      Polêmica “Tenho a mente de uma menina no corpo de menino.” Assim, de maneira simples, Jazz Jennings (foto) define sua condição de pré-adolescente transgênera. Diagnosticada aos 3 anos com transtorno de identidade de gênero, Jazz conta com apoio da família para passar por aquela que será uma das fases mais difíceis de sua vida: a puberdade. Confira no documentário A vida de Jazz – Uma criança transexual, hoje, às 23h, no Discovery Home & Health.

      Vida real Ainda no pacote de documentários, o canal History exibe hoje, às 17h30, Humanidade: a história de todos nós, que vai do início da civilização na Mesopotâmia até a descoberta da América. No Nat Geo, o Super domingo vai ao ar às 21h, emendando os programas O rei do leopardo, O elo perdido, O ataque do crocodilo (inédito) e Serpentes gigantes.

      Cinema Domingo também é dia de cinema. Entre as principais atrações, um dos destaques é Fausto, que estreia às 20h no Telecine Cult, uma adaptação do poema homônimo de Goethe que foi a grande vencedora do Festival de Veneza de 2011. No Canal Brasil, a sessão Cone Sul apresenta, à 0h15, a comédia Lengua materna, que a argentina Liliana Paolinelli rodou em 2010. 


      Enlatados

      Mariana Peixoto - mariana.peixoto@uai.com.br



      Efeito GNT?

      O GNT estreia dia 6, às 22h30, Parenthood. Lançado em 2010, o drama gira em torno da família Braverman: Sarah (Lauren Graham, de Gilmore girls), mãe solteira de dois adolescentes; seus pais Zeek (Craig T. Nelson) e Camille (Bonnie Bedelia), irmãos, cunhados e sobrinhos. Tem muita DR, choradeira e alguns risos, nessa adaptação de um filme de 1989 (O tiro que não saiu pela culatra, com Steve Martin) e de uma outra série que só teve uma temporada. Parenthood chegou ao Brasil pelo extinto canal Liv e depois foi exibido pelo Discovery Home & Health sem muita repercussão. Será que vai acontecer com ela o mesmo que houve com Downton Abbey? Isso porque o drama de época, quando era do +Globosat, era pouco visto. Ao migrar para o GNT, virou o sucesso da temporada. Parenthood, vale lembrar, tem quatro temporadas já produzidas. A quinta estreia nos Estados Unidos neste semestre.

      Elementar –Vai ao ar quinta-feira, às 23h, no Universal, o último episódio da primeira temporada de Elementary. Em “Heroine”, Holmes (Jonny Lee Miller) é baleado por um colaborador de Moriarty. Irene (Natalie Dormer) aparece de repente e o salva. Já se preparando para a final, o canal exibe hoje, a partir das 14h, reprise dos quatro penúltimos episódios. O segundo ano está garantido, e estreia nos EUA em 26 de setembro.

      Maratona – A Warner programou para agosto maratonas de três comédias. A primeira a ganhar reprise é Suburgatory, sexta-feira, a partir das 20h. Serão exibidos os episódios nove a 14 da segunda temporada. Em outras sextas-feiras do próximo mês (dias 9 e 30), serão apresentadas maratonas de The middle e Mike & Molly, respectivamente.

      Acerto de contas – Shonda Rhimes, a chefona de Grey’s anatomy (a 10ª temporada estreia em 26 de setembro, nos EUA) está preparando nova série para o canal ABC, Lawless. O drama conta a história de advogada que foi abusada pelo pai quando criança e quando retorna à sua cidade natal irá enfrentar casos relacionados ao seu passado. 

      AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » Confessando e espionando‏


      Estado de MInas: 28/07/2013 


      Penso se não haveria correlação entre confissão e espionagem.

      Deve haver.

      Vejam: enquanto se fala muito das espionagens americanas, a TV mostrou centenas de padres ouvindo, em campo aberto, os pecados de jovens e velhos. Ajoelhados atrás de um tapume, os pecadores vertiam em várias línguas suas mazelas nos ouvidos de sacerdotes sentados, ocultos, do outro lado.

      Coisa mais medieval. Coisa mais psicanalítica. Coisa mais pós-moderna: todo mundo se confessando, como se não bastassem as confissões no Facebook, no Twitter, nos blogs, nos telefones e nas gritarias das ruas. Ou, ainda, como se não bastassem as revistas de fofoca que falam da vida íntima de (desconhecidos) famosos.

      Ainda resta alguma coisa para confessar?

      A confissão é um tipo de espionagem. Divina, dizem. Deus escuta, e não vai dizer para ninguém. Escuta, perdoa e a vida segue; o crente se levanta com a culpa descarregada no ombro do desvalido sacerdote, que, não tendo se casado, ouve histórias terríveis de sexo e traição. Deve ser uma tortura para o padre. Corrijo: uma chatura, pois os pecados não variam. A mesma lenga-lenga. O jeito é mandar rezar o padre-nosso e a ave-maria.

      Os protestantes acham que não precisam dessa mediação. Falam direto com Deus. E ele está sempre pronto a perdoar. Então, a gente peca e pede perdão. E a vida continua.

      Mas falei lá em cima de espionagem. E me explico. A confissão é uma espionagem divina. Mas há a espionagem terrena feita pelo governo americano. Americano, só, não! Todo mundo espiona: os russos, os chineses e o Google. Já escrevi aqui sobre o panóptico invertido: ou seja, os que estão presos inventaram um modo de nos prender e sequestrar cá fora. Somos todos espionados. Tanto os que estão dentro das grades quanto os que estão fora.

      Vou dar aqui um testemunho. Fazer uma espécie de confissão. A espionagem terrena passou por modificações. Sabemos que Marco Polo foi à China espionar. Os primeiros navegantes que aportaram na América deixaram aqui os “língua” (degredados que aprendiam o idioma dos índios) para apreender seus segredos. Aquelas expedições “científicas” que ingleses, alemães e russos promoviam por nosso continente eram espionagem. E dá-lhe Rugendas, Von Martius, Humboldt e até o Alexandre Rodrigues Ferreira – esse português, no século 18, foi conferir a Amazônia em nome do rei.

      E vamos ao meu testemunho. Como a CIA sabe, dirigi a Biblioteca Nacional entre 1991 e 1996. E naquele período, por duas vezes, ocorreram casos de espionagem. Mas de espionagem explícita, escancarada e espantosa. Estava eu posto em desassossego (como ocorre a quem ocupa cargo público), quando me informam que chegaram à BN várias caixas mandadas de presente pela embaixada americana. Intrigado, fui conferir. Pasmem! Os americanos haviam recolhido panfletos e manifestos de sindicatos, cordéis, exemplares de jornais marginais brasileiros dos anos 1960 e 1970, levado tudo para os EUA, copiado e estavam nos dando de presente os originais!

      Um presentaço! E uma humilhação!

      Eles sabiam mais de nossa história do que nós mesmos. Pior: isso ocorreu duas vezes. Pois de outra feita mandaram uma carga notável de material subversivo de que não tínhamos a menor ideia.

      Você ainda está supreso, e lhe conto mais esta: estava eu na Índia, participando de um encontro internacional de diretores de bibliotecas nacionais. E me convidam para um jantar em que funcionária da embaixada americana me revela (naturalmente) que a famosa Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos mantinha cerca de 100 pessoas na Índia só para coletar impressos escritos nas vinte e tantas línguas locais…

      Quer dizer: na Índia, no Brasil ou em qualquer lugar, eles estão de olho na gente.

      Ninguém detém o poder se não fizer espionagem.

      Nem Deus.

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      Aos 71 anos, Gilberto Gil revisita os momentos mais importantes de sua vida em livro escrito em parceria com a jornalista Regina Zappa‏


      BIOGRAFIA » Com fé eu vou 

      Aos 71 anos, Gilberto Gil revisita os momentos mais importantes de sua vida em livro escrito em parceria com a jornalista Regina Zappa. Arte, política e filosofia marcam as memórias do artista

      Ana Clara Brant

      Estado de Minas: 28/07/2013 


      O cantor e compositor Gilberto Gil chegou a declarar: “de jeito nenhum” sua vida valeria um livro. Não só valeu, como ele tem 400 páginas e já está nas lojas. “Nunca tive a necessidade de contar minhas memórias. Nunca foi um anseio meu, mas do coletivo social. Entretanto, foi bacana repensar, reviver e revisitar tudo”, declarou o artista.

      Durante quase um ano – o projeto, na verdade, começou em 2008, quando a editora Leila Name sugeriu a ideia para antecipar os 70 anos do baiano, celebrados em 2012 –, a jornalista e escritora carioca Regina Zappa, autora da biografia de Chico Buarque, colheu depoimentos do tropicalista. Os dois chegaram a conviver sob o mesmo teto durante quatro dias no apartamento do compositor, em Salvador.

       “Além das entrevistas no Rio de Janeiro, foi bem intenso na Bahia, porque a gente tomava café, passava o dia juntos e até assistia à novela. Eu, Gil e a Flora, mulher dele. Isso foi bem importante”, lembra Regina.

      Tamanha proximidade resultou no título mais que apropriado: Gilberto bem perto. Ele remonta à canção gravada por Gil e Rita Lee no disco Refestança. A história começa, literalmente, pelo começo: com menos de um mês, o bebê Gilberto, chamado carinhosamente de Beto, foi viver em Ituaçu, no sertão baiano. Aos 2 anos, ele avisou categoricamente a Claudina, a dona Coló: “Quero ser ‘musgueiro’, mãe. Quero ser ‘musgueiro’ e pai de filho.” Musgueiro era a palavra inventada pelo menino para definir músico.

      Desde cedo, Beto demonstrava inclinação para as artes. Dona Coló percebeu. Quando ele completou 10 anos, a mãe o colocou na escola de música, além de presenteá-lo com um acordeom. Ali já se manifestava outra paixão: Luiz Gonzaga, a maior influência da carreira de Gilberto Gil.

      Uma das pessoas que mais emocionaram Regina Zappa durante a pesquisa foi dona Coló, que morreu aos 99 anos, em fevereiro. “A lucidez e a vivacidade dela impressionavam. Algumas vezes, lembrava-se muito mais das coisas que o próprio Gil. Ela sabia o nome das pessoas, contou histórias dos antepassados, chegou a cantar durante uma das entrevistas. Ela foi muito importante: além de gostar muito de música e ter bela voz, percebeu o talento e o interesse do filho. Desde cedo, a mãe o incentivou”, afirma a jornalista.

      A mudança para Salvador foi marcante: lá ocorreu o encontro mágico de Gil com os “doces bárbaros” Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa. O livro relembra os quatro casamentos do músico (com Belina Dias, Nana Caymmi, Sandra Gadelha e Flora Gil); a chegada a São Paulo nos anos 1960; os festivais e a Tropicália; a prisão e o exílio na Europa durante a ditadura militar; o nascimento dos filhos – e a trágica morte de um deles, Pedro, em acidente de carro em 1990; a carreira política (como vereador mais votado em Salvador, em 1988, e a marcante experiência como ministro da Cultura do governo Lula); o engajamento na luta ambiental. Além, claro, do processo de criação. Cada capítulo (são nove) tem como subtítulo um trecho de letra escrita por Gilberto Gil. O leitor encontra também currículo, discografia e até a árvore genealógica do cantor e compositor.

      Nada passou despercebido a Regina Zappa, que permeou o livro com entrevistas de Gilberto Gil a revistas, documentários e jornais, além de depoimentos de familiares, amigos e admiradores como Rita Lee, Jorge Mautner, Hermano Vianna, Fernanda Torres e José Miguel Wisnik.

      Mar de ideias


      Para Regina Zappa, o mais bacana foram as conversas com Gilberto Gil sobre as experiências que o marcaram em 71 anos, completados em 26 de junho. “Não dá para contar tudo. Era preciso optar pelo mais relevante, e essa seleção acabou sendo feita pelo próprio Gil. É ótimo você escrever uma biografia e ter a pessoa se abrindo, participando. Como ele sempre atuou em várias áreas, tem muito a dizer”, ressalta a jornalista.

      Gil assina o livro em parceria com Regina justamente porque, ao abrir o coração, acabou ditando suas memórias. “Chamou muito a minha atenção essa parte emotiva dele. Gil vai bem no fundo e se emociona. Ele funciona mais do pescoço para baixo, mais emoção que razão. É como um rio, um mar. Gil tem vários braços, facetas e cores”, filosofa a jornalista.

      Mesmo depois de compartilhar experiências e intimidades de Gilberto Gil, Regina Zappa considera praticamente impossível defini-lo. Afinal, trata-se de um ser único e diverso, argumenta a escritora. “Todos os perfis fazem parte dele. Gil é a mesma pessoa, tem a mesma integridade em todos os seus ‘papéis’, seja como cantor, político, compositor ou indivíduo que cuida da alimentação, medita e é ativista. Em todas essas múltiplas facetas, Gilberto Gil conserva a unidade e a integridade”, resume Regina Zappa.

      ÁLBUM DE FAMÍLIA


      Gilberto bem perto é ricamente ilustrado com fotos do arquivo pessoal do compositor. As imagens – incluindo a primeira foto do bebê Gilberto Passos Gil Moreira em 1942, ano de seu nascimento – oferecem um panorama visual da trajetória do artista. Lá estão momentos pessoais e familiares (com os pais, filhos, netos e amores), os dolorosos (passados no exílio europeu) e dias históricos no palco (como a apresentação da inovadora canção Domingo no parque no festival da Record, em 1967). Também merece destaque a performance de Gilberto Gil como vereador soteropolitano e ministro da Cultura. Arte e política se mesclaram em 2003, na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, durante homenagem ao diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello e às 21 pessoas que morreram em atentado terrorista à sede do órgão no Iraque. Gil cantou e tocou violão, enquanto o secretário-geral, Koffi Annan, encarregava-se do bongô. “São retratos de um homem que, hoje, é um homem velho”, brinca o biografado.

      TRECHO

      O ‘musgueiro’ de dona Coló

      “Eu sou músico desde os dois anos de idade, desde que eu pude dizer, desde que eu pude perceber que eu era um indivíduo junto àquela comunidade, à família, à cidade, nas viagens, quando eu saí de Ituaçu pela primeira vez para ir a Salvador. Quando eu pude dizer qual era o meu lugar naqueles mundos todos que se apresentavam a mim em camadas cada vez mais numerosas, eu disse à minha mãe, no primeiro momento que eu pude, e a história famosa que ela repete até hoje: ‘Eu quero ser musgueiro!’. Eu tinha dois anos e pouco. ‘Eu quero ser musgueiro, mãe. Eu quero ser musgueiro e pai de filho.’ Ela ouviu e registrou, nunca se esqueceu, tanto que, aos 10 anos, ela disse: ‘Você ainda quer ser musgueiro?’ E eu falei: ‘Quero, mãe!’. E ela disse: ‘Então você vai para a escola, você vai estudar. O que você quer? Você quer uma sanfona? Você gosta de Luiz Gonzaga, quer um acordeão?’ Ela estava atenta, muito atenta.”

      GILBERTO GIL BEM PERTO


      . De Regina Zappa e Gilberto Gil
      . Editora Nova Fronteira, 400 páginas, R$ 59,90

      Biografia de Elizabeth Bishop e livros de Fernando Sabino e Érico Verissimo já estão na fila de estreias‏

      Isso dá filme 

      Várias adaptações de obras literárias chegarão aos cinemas do país este semestre. Biografia de Elizabeth Bishop e livros de Fernando Sabino e Érico Verissimo já estão na fila de estreias 



      Mariana Peixoto

      Estado de Minas: 28/07/2013 


      Na véspera do Natal de 1995, a produtora Lucy Barreto recebeu de Carmen L. Oliveira um exemplar do livro Flores raras e banalíssimas, recém-publicado pela Rocco. Não parou de lê-lo até a manhã de 26 de dezembro, quando ligou para a autora dizendo: “É meu. Não sei quando nem como, mas vou fazer essa história”. Pouco depois, Lucy deu outro telefonema, dessa vez para Glória Pires: “Só você pode fazer a Lota”, avisou. Quase 18 anos depois dessa epifania natalina, chega aos cinemas Flores raras, filme de Bruno Barreto sobre o relacionamento da poeta americana Elizabeth Bishop com a arquiteta carioca Lota de Macedo Soares nas décadas de 1950 e 1960, e a influência da escritora na cultura da época.

      Em 9 de agosto, Flores raras abre a 41ª edição do Festival de Cinema de Gramado. Uma semana mais tarde, entra em cartaz no circuito comercial. É a primeira adaptação cinematográfica de obra literária a chegar às salas este semestre – período que promete uma série de longas nacionais e estrangeiros do gênero. O segundo da lista tem perfil totalmente diferente. O tempo e o vento, adaptação de Jayme Monjardim para a clássica saga de Érico Verissimo, estreia em 20 de setembro.

      Para retratar o épico gaúcho foi escalado elenco estelar: Fernanda Montenegro, Thiago Lacerda e Cléo Pires (que vai fazer Ana Terra, papel de sua mãe, Glória Pires, para a minissérie de TV, em 1985). É o primeiro longa-metragem do diretor desde Olga (2004), produção inspirada na biografia escrita por Fernando Morais.

      Lucy Barreto está completando 50 anos como cofundadora da LC Barreto, cujo currículo traz mais de 80 títulos. A produtora afirma que adaptações demandam certo trabalho: “O que rende numa obra literária não rende numa cinematográfica, pois as linguagens são totalmente diferentes”.

      Entre os trabalhos que levam a assinatura da produtora fundada com o marido, Luiz Carlos Barreto, ela considera bem-sucedidos Vidas secas (1963, de Nelson Pereira dos Santos para a obra de Graciliano Ramos) e Dona Flor e seus dois maridos (1976, de Bruno Barreto, para o popular romance de Jorge Amado). “Nessa, por exemplo, só usamos a metade do livro”, conta.

      As quase duas décadas para Flores raras ficar pronto se devem, principalmente, à dificuldade de captação de recursos. “O grande dificultador foi o preconceito”, diz Lucy. Houve também morosidade para criar o roteiro. Inicialmente, o diretor Bruno Barreto não se convenceu de que aquela história daria um filme. “Não é romance, mas uma grande pesquisa sobre a estadia de Bishop no Brasil e, sobretudo, sobre a Lota e suas amigas. Na época, ofereci o livro ao Hector Babenco, mas ele me disse que não via ali um filme”, relembra Lucy.

      O projeto só começou a sair efetivamente do papel em 2006. O roteiro passou por diversas mãos. Carolina Kotscho escreveu o argumento. Como o filme é quase todo falado em inglês, foi chamada posteriormente a norte-americana Julie Sayres, que deu lugar a Matthew Chapman. “Ela acrescentou mais textura ao roteiro”, diz Lucy.

      Crianças à vista

      A intenção inicial era que o lançamento de O menino no espelho coincidisse com os 90 anos de nascimento de Fernando Sabino, em 12 de outubro. Questões mercadológicas adiaram a chegada do longa-metragem ao circuito comercial para janeiro – férias de verão, época nobre para filmes dirigidos ao público infantojuvenil. Dirigido por Guilherme Fiuza e produzido pela mineira Camisa Listrada, O menino no espelho, já em fase de finalização, foi rodado há um ano na região de Cataguases, Zona da Mata.

      Publicado em 1982, o livro compila histórias do garoto Fernando Sabino na Belo Horizonte da década de 1920. “A gente tinha de sair da fragmentação dos contos. Nossa grande dificuldade na adaptação foi selecionar quais levar para a tela. Descartamos os infantis demais e aqueles difíceis de ser adaptados. A partir daí, escrevemos uma história com início, meio e fim. Ela tem um arco central e os contos funcionam como passagens dessa narrativa. Tivemos de criar algumas coisas que não estão no livro”, afirma o produtor André Carreira, que assinou o roteiro ao lado de Cristiano Abud e Guilherme Fiuza.

      Palavra de especialista
      Carmen L. Oliveira
      autora de Flores raras e banalíssimas

      De Camões a Lota

      “Fui picada pelo aguilhão da curiosidade aos versos escritos por Camões dedicados, em português, pela poeta norte-americana Elizabeth Bishop a uma tal Lota de Macedo Soares. Não tinha a mínima ideia sobre a brasileira Lota. Dediquei-me à tarefa surpreendente de descobri-la, visto que não constava de arquivos nem da lembrança social dos cariocas. Acabei por localizar Magu, que era amiga pessoal da Lota e, mais, havia trabalhado com ela no Aterro (Lota foi idealizadora do Parque do Flamengo). Foi a primeira vez em que associei o nome de Lota e seu notório sobrenome à urbanização do aterro. Magu me emprestou seis sacolas repletas de manuscritos de Lota. Minha ignorância se transformou em admiração e espanto. Estava ali uma mulher avant-garde, brilhante, fascinante. Pude fazer contato com senhoras e senhores que haviam lidado com Lota, todos seus fãs declarados. Algumas das senhoras tinham sido amigas e conheciam detalhes da vida íntima de Lota e da própria Bishop. Mediante compromisso de que não revelaria minha fonte em um eventual livro, todas me descreveram suas experiências. No livro receberam pseudônimos. Compreendo a ‘dificuldade’ de abordarem o tema gay, não obstante Lota fosse absolutamente tranquila em relação à sua postura. Ocorreu, às vezes, discordância entre pontos de vista, uma alegando que as duas tinham um amor de almas, enquanto outra garantia que Lota era da pá-virada. Mantive, escudadas por pseudônimos, todas as opiniões divergentes.”

      Vem aí

      25 de outubro
      O aprendiz – Adaptação do primeiro livro da série As aventuras do caça-feitiço, de Joseph Delaney, sobre o jovem que luta contra espíritos do mal no século 18


      1º de novembro
      O jogo do exterminador – Inspirado no livro de Orson Scott Card, é ambientado no futuro, depois de uma guerra alienígena aniquilar boa parte da humanidade


      15 de novembro
      Em chamas – Segunda sequência da trilogia Jogos vorazes, best-seller juvenil de Suzanne Collins


      13 de dezembro
      O Hobbit – A desolação de Smaug – Segunda parte da adaptação de Peter Jackson para o romance de J. K.K. Tolkien 

      Vinicius Torres Freire

      folha de são paulo

      Aquarela sangrenta do Brasil

      Considere um país que está entre os dez mais violentos do mundo: um dos países onde mais se morre por causa de tiro.
      Nesse mesmo país, a população adulta mal passou da escola primária, em média. Nas estatísticas mundiais de anos de instrução, esse país está para lá de centésimo lugar numa lista de 185 nações.
      Esse país fantástico também é um dos dez mais desiguais em termos econômicos (de renda individual, mas não apenas).
      Esse país é o Brasil.
      Tais estatísticas não são lá novidade, mas vêm à lembrança porque o Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela), uma ONG do Rio, divulgou neste mês compilação muito útil e bem feita de dados sobre mortes por armas de fogo no Brasil dos últimos 30 anos.
      Os números deveriam ser motivo de atenção em particular neste momento de suposta autoanálise nacional, em que o "gigante acordou", embora ainda tenha sono ao ler estatísticas e estudos sobre si mesmo. O "gigante", rudimentar, desinformado e despolitizado, acha que os problemas nacionais se deveriam todos a uma casta corrupta de políticos (que elegemos distraidamente).
      Numa lista de cem países, o Brasil está em oitavo lugar em homicídios e no nono no quesito "mortes por armas de fogo" (isto é, estamos no topo do ranking mesmo levando em conta o tamanho da população).
      Desde quando há estatísticas mais confiáveis (20, 30 anos), latino-americanos quase dominam a lista dos mais violentos, com centro-americanos à frente, seguidos de Venezuela, Colômbia, México e Brasil.
      A taxa de mortes por arma de fogo no país é igual à do México. Oito vezes a chilena. Mais que o triplo da argentina. O dobro da americana, o país rico mais violento do mundo.
      Alagoas, Pará, Bahia, Paraíba e Espírito Santo são os Estados brasileiros mais violentos. Rondônia, Piauí, Santa Catarina e São Paulo, os mais pacíficos.
      Aliás, São Paulo é uma das três capitais onde menos se morre por tiro. O Estado tem uma taxa de morte à bala similar à dos EUA e foi um dos mais bem-sucedidos na redução da mortandade na última década.
      A taxa de mortes por tiro nos municípios brasileiros nada tem a ver com índices de desenvolvimento humano, renda, saúde, educação e tamanho da população, indica o cruzamento dos dados (feito por esta coluna). Políticas de segurança, o fato de a cidade ser nova e/ou estar perto de zonas de risco (fronteira, tráfico) etc., afetam as estatísticas.
      O Cebela lembra pesquisas do Conselho Nacional do Ministério Público, entre outras, a respeito do motivo da mortandade. Entre os crimes resolvidos (proporção baixíssima, de 5% a 8% do total), grande parte era de assassinatos por motivos fúteis e/ou impulso: "brigas, ciúmes, conflitos entre vizinhos, desavenças, discussões, violências domésticas, desentendimentos no trânsito".
      Ou seja, por ninharias, o brasileiro rasga a fantasia fina de civilização e atira: é tosco e tem uma arma à mão para cometer barbaridades (quando não tem arma de fogo, tem um automóvel: somos um dos povos que mais se mata também no trânsito).
      Desigualdade de renda, social, de poder, violências, falta de educação: há algo de anormalmente errado com o Brasil. O "gigante" precisa acordar para isso.
      Vinicius Torres Freire
      Vinicius Torres Freire está na Folha desde 1991. Foi Secretário de Redação, editor de 'Dinheiro', 'Opinião', 'Ciência', 'Educação' e correspondente em Paris. Em sua coluna, aborda temas políticos e econômicos. Escreve às terças, quintas e domingos, no caderno 'Mercado'.

      EDUARDO ALMEIDA REIS - Attalea funifera‏


      Estado de Minas: 28/07/2013 


      Como é do desconhecimento geral, Attalea funifera é palmeira de estepe liso e cilíndrico, desde subterrâneo de até 15 metros, folhas eretas verde-escuras com pecíolo longo e frutos comestíveis. Nativa do Brasil, tem fibra dura e flexível extraída das margens dos pecíolos e usada na fabricação de escovas e vassouras.

      Sou capaz de apostar que o leitor tem vassoura de piaçaba em sua casa, como tenho na minha, além de vassouras felpudas e outras de cuja utilidade nem desconfio, porque são adquiridas pela operadora de fogão de cinco bocas, que faz os outros serviços domésticos, cozinha admiravelmente e nunca, jamais, em tempo algum cumpriu expediente de mais de seis horas.

      Todos os que nascemos antes de 1960 sabemos que a vassoura, em política, está associada à figura de Jânio Quadros. Contudo, tomando um solzinho na roça mineira para combater o frio cachorro que fazia por lá, vosso philosopho associou o ilustre ministro Aloizio Mercadante Oliva ao utensílio para varrer, constituído por um cabo longo de madeira a que se fixa, numa das extremidades, um feixe de fibras de piaçaba ou outras fibras ou pelos naturais ou sintéticos.

      A explicação é simples. No jardim da roça, bem à frente da cadeira em que me sentei, havia velha vassoura de piaçaba marca Sant’Anna com exatas 19 fibras duras e flexíveis extraídas das margens dos pecíolos, remanescentes das 200 ou 300 que tinha quando nova. Lembrei-me do filho do general de exército e grande comandante da Escola Superior de Guerra, Oswaldo Muniz Oliva, pela persistência ao conservar no alto de sua bela face exatos 19 fios de cabelo, desde quando começou a fazer política.

      É um fenômeno a ser examinado pelos médicos que se dedicam ao transplante de cabelos e pecam, no meu entendimento de philosopho, pelo fato de não transplantar os fios que nascem nas orelhas dos idosos. Ouso afirmar que os transplantes seriam um sucesso.

      Kyoto
      Ninguém sabe, antes de consultar a Wikipedia em inglês, via Google, que historicamente Kyoto foi a maior cidade do Japão, depois ultrapassada por Osaka e Edo (Tóquio) no final do século 16. Mais tarde, ficou menor que Kobe e Nagoya. Em 1947, voltou a ser a terceira em população, mas em 1960 seus habitantes diminuíram e em 2012 era a oitava cidade japonesa, correndo agora o risco de se transformar em nona, menor que Kawasaki.

      Calcula-se que tenha hoje cerca de 1,5 milhão de moradores. Circula na internet, em japonês, um vídeo sobre as ruas da velha Kyoto, estreitas, sem um só veículo automotor. Achei as fotos meio tristes: vielas iluminadas, um ou outro casal de namorados, lanternas e um treco branco em forma de parabólica da Claro ou da Sky, com a concha voltada para o interior das habitações, sinal de que não é antena.

      Repassei as fotos, porque sou assaz repassador, não no sentido dos que repassam cavalos, regionalismo gaúcho, mas do cavalheiro que repassa e-mails. Ao repassar, disse que achei as vielas tristes e recebi de um amigo belo-horizontino, comerciante no Japão, a seguinte notícia: “Concordo com você – é uma cidade triste. Falo com conhecimento de causa: já estive lá mais de 30 vezes, para não dizer 50, que seria mais correto.

      Cidade de restaurantes com mais de 1.000 anos, onde você só é aceito se for com um japonês habitual frequentador. Se for convidado para ir a uma casa em Kyoto e lhe trouxerem chá e água, e você beber, nunca mais será convidado, porque na primeira visita não se deve beber ou comer nada que nos ofereçam: os habitantes de Kyoto consideram grave falta de educação comer ou beber na primeira visita”. Donde se conclui, à luz da philosophia do philosopho, que naquela cidade há 1,5 milhão de japoneses malucos da cabeça.

      O mundo é uma bola
      28 de julho de 1540: casamento de Henrique VIII, da Inglaterra, com Catarina Howard. Foi o quinto casamento do rei, que tinha por ela paixão e lhe dava presentes luxuosos, o que não a impediu de tomar como favorito o cortesão Thomas Culpepper, além de levar para a corte Francisco Dereham, que tinha sido seu namorado em Norfolk e se tornara seu secretário particular.

      Henrique não acreditava nos chifres até ver as cartas de Culpepper para Catarina, ocasião em que mandou prendê-la na Abadia de Middlesex, cassou-lhe o título de rainha e mandou executar, em dezembro de 1541, Culpepper e Dereham. Catarina foi julgada por adultério e executada na Torre de Londres dia 13 de fevereiro de 1542. Tinha 25 aninhos. Engraçado: middle é mediano e sex é sexo. Será que o nome da Abadia tinha relação com o desempenho do rei?

      Em 1821, independência do Peru. Em 1823, adesão do Maranhão à independência do Brasil. Sem ela, adesão, e sem ele, Maranhão, o Brasil não seria o que é. Em 1919, Epitácio Pessoa assume a Presidência do Brasil, ensejando a trova: “O pê de prompto não soa/ tampouco o pê de Assumpção/ há porém uma exceção/ em Epitácio Pessoa”.
      Hoje é o Dia do Agricultor.

      Ruminanças
      “É melhor não ter nada do que ter sobras” (Gilberto Amado, 1887-1969).

      Simples, mas difícil - Henrique Meirelles

      folha de são paulo
      Presidente de empresa global europeia, com presença industrial importante no Brasil, relatou que parou de investir em produção para exportação devido aos custos elevados no país. Na visão dele, mesmo no mercado interno cresce a dificuldade de repasse integral de custos, pois o aumento de preços já afeta a demanda.
      Ele destacou como inibidores do investimento os al- tos custos logísticos, trabalhistas e tributários, as incerte- zas com a pouca previsibili- dade das políticas macroe- conômicas e a situação fiscal e inflacionária.
      Sua opinião resume o que pensa grande número de investidores e dirigentes de empresas sobre o Brasil hoje, principalmente no setor industrial.
      O problema de logística e infraestrutura só pode ser enfrentado com uma série de licitações bem-sucedidas, que atraia capital e competência técnica. Para isso, serão necessárias taxas de retorno compatíveis com o risco, quando comparadas com o retor- no oferecido em outros lugares do mundo.
      É essencial entender ainda que a decisão de investimento é de cada empresa, e dificilmente haverá coincidência de avaliações entre grande número delas. As experiências de sucesso passam pelo incentivo à maior concorrência possível para obter o menor custo. Nesse contexto, a fixação de taxa de retorno pelo governo é vista como um grande limitador.
      Os custos trabalhistas e a reforma fiscal terão de ser enfrentados, mas são ques-tões legislativas de resolução mais longa por envolver conflitos de interesse e grande vontade política.
      Já a questão da inflação começa a ser enfrentada pelo Banco Central e seria facilitada por uma contenção de gastos do governo capaz de equilibrar a economia.
      Diante dessa conjuntura, a alternativa na visão de muitos é uma mera depreciação do real que compense a baixa produtividade e os custos excessivos. Mesmo que a deterioração do cenário torne factível essa via, o aumento do custo dos produtos importados demandaria das autoridades monetárias e fiscais medidas mais duras para evitar seu repasse ao restante dos preços.
      E a desvalorização da moeda só é eficaz se aceitarmos mudança de preços relativos na sociedade, com setores que produzem bens comercializados no exterior se apropriando de parcela maior da renda nacional em detrimento de setores imensos como o de serviços, cujos preços não são cotados internacionalmente e não se beneficiam do real desvalorizado.
      Em resumo, as soluções são relativamente simples, porém de difícil implementação, dados os custos políticos de um ajuste econômico mais sério, rigoroso e eficaz.

        O papa e o povo - Carlos Heitor Cony

        folha de são paulo
        RIO DE JANEIRO - Por motivo de edição, escrevo esta crônica dois dias antes de terminar a Jornada Mundial da Juventude. Não dá para fazer um comentário completo, mas já tenho alguns elementos para um juízo pessoal e, tanto quanto possível, isento do grande evento que o Rio está vivendo.
        Comecemos pelas falhas: aquela chegada do papa no trajeto entre o Galeão e a catedral. Falhou tudo. Os batedores estavam em outra pista, o carro ficou totalmente bloqueado, dando sopa para um incidente, atropelamento de fiéis, brigas com os seguranças, sem falar na possibilidade de um atentado. Nota zero para os organizadores do roteiro.
        Uma despesa fenomenal foi feita em Guaratiba, que seria o local da acolhida oficial do papa. A chuva fez da esplanada um lamaçal e a cerimônia teve de ser transferida para Copacabana. Os promotores do evento não levaram em conta a possibilidade de uma chuva constante --a despesa foi feita, inclusive com a construção de um altar bem bolado. Tudo inútil.
        É bem verdade que as falhas poderão alertar as autoridades nos próximos eventos mundiais. Os latinos diziam que é errando que se aprende. Fifa, Comitê Olímpico e o governo anfitrião da Copa e da Olimpíada devem prever alternativas para que tudo corra bem e sem despesas inúteis.
        Agora, dois sucessos que devemos registrar com alegria: o papa e o povo. O povo já tem tradição de festa, desde os tamoios que ficaram assanhadíssimos quando aqui chegaram as caravelas.
        O papa foi uma surpresa. Aguentou firme as cerimônias, caiu no gosto de todos, foi simples, não fez proselitismo explícito e abriu espaço para o bom humor, falando na água do feijão e no ódio que o carioca tem do frio e da chuva. Obrigou o craque Oscar Schmidt, campeão de basquete, a declarar, a partir de agora, o seu amor definitivo por um argentino.

          Afiando as unhas - Eliane Cantanhêde

          folha de são paulo
          BRASÍLIA - Contra fatos, não há argumentos. Só esperneio, ameaças e a criação de inimigos fictícios.
          Na economia: a arrecadação federal parou no tempo, praticamente igual à do ano passado; o corte de R$ 10 bilhões no Orçamento não convenceu; o rombo nas contas externas cresceu 73% no primeiro semestre, em relação a 2012; os brasileiros gastaram o recorde de US$ 12,3 bilhões (?!) no exterior em apenas seis meses.
          Mas o pior é que a geração de empregos, centro do discurso otimista da presidente Dilma em pronunciamentos internos e mundo afora, começa a sentir o peso de PIB baixo e inflação no teto da meta. O índice ainda é bom, mas a queda de 20% em relação ao primeiro semestre do ano passado fez o governo revisar para baixo a previsão de vagas para 2013.
          Na política: Dilma expôs publicamente sua birra com o PT ao se recusar a ir à reunião do Diretório Nacional petista, apesar de estar a poucos quilômetros do local do evento.
          Se a relação com o próprio partido está nesse pé de guerra, imagine-se com os demais partidos da base aliada. Assim como o PSD, que tinha uma pesquisa pró-Dilma antes das manifestações, mas subiu em cima do muro depois, também PTB, PDT, PP estão olhando de longe, de binóculo. E o que eles veem é que, pela primeira vez, o número dos que aprovam o governo é menor do que os que desaprovam.
          Mas o pior é o PMDB, que, mesmo tendo a Vice-Presidência da República, faz uma enquete interna perguntando, um a um, se é o caso ou não de manter a aliança com o PT em 2014. Isso serve para mexer com os nervos de Dilma e com o instinto de sobrevivência dos governistas em geral.
          Tudo, porém, vai mudar daqui para a frente, pois Lula ressurgiu de Lilongwe e está "afiando as unhas" para enfrentar os verdadeiros culpados pelo caos na economia e na política: "as forças conservadoras".
          Não concorda com ele? Então vá se queixar ao bispo, porque o formidável papa Francisco já vai embora.

            É a comida, estúpido - Helio Schwartsman

            FOLHA DE SÃO PAULO
            É a comida, estúpido
            SÃO PAULO - Como ninguém até agora ofereceu uma boa narrativa de causa e efeito para os protestos de junho, vale a pena investigar se não estamos diante de um fenômeno complexo, daqueles que resistem a explicações lineares.
            Um bom indício de que este pode ser o caso vem de um trabalho de Marco Lagi e colaboradores do NECSI (New England Complex Systems Institute) publicado em 2011. Ali, os autores mostram que há uma correlação importante entre os preços de alimentos calculados pela FAO (agência da ONU para a agricultura) e a ocorrência de protestos em todo o mundo. Sempre que o índice FAO sobe, ocorrem mais manifestações.
            Em 13 de dezembro de 2010, o grupo escreveu para o governo dos EUA informando-o de que havia identificado um limiar para os protestos e, quatro dias depois, o tunisiano Mohamed Bouazizi ateava fogo a si próprio, iniciando a Primavera Árabe.
            É claro que não há novidade em dizer que falta de comida engendra revoltas e até revoluções. Maria Antonieta e os brioches estão aí para prová-lo. O trabalho do NECSI inova ao descrever o preço dos alimentos no contexto dos sistemas complexos como um ponto de virada matematicamente determinável, a partir do qual qualquer evento pode deflagrar protestos em massa. Esse mecanismo não fica restrito a lugares onde a maioria da população vive perigosamente perto da fome, podendo ocorrer até em países mais desenvolvidos.
            Não sei se esse modelo é exato, mas, se for, ajuda a entender situações como a do Brasil e da Turquia, onde protestos muito específicos se irradiaram e assumiram proporções que, embora não sejam revolucionárias, metem medo nos governantes.
            Segundo o pessoal do NECSI, podemos esperar novas agitações em escala global a partir de agosto, quando o índice FAO deve ultrapassar o limiar do perigo. A conferir.
            Agradeço ao leitor Claudio Galperin, que me alertou para o estudo.

            Escola para meninas ensina modos de princesa

            folha de são paulo
            STELA MASSON
            COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE UBERLÂNDIA (MG)
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            Uma bandeira cor-de-rosa e dourada tremula no alto de uma casa branca. Não é um conto de fadas. Naquele castelo, em Uberlândia, fica a Escola de Princesas.
            Coroas de vários tipos e tamanhos decoram a sala de chá, a suíte da princesa, o quarto onde ela se veste e se maquia e outros espaços. Lá, princesas assistem a filmes, ouvem histórias, aprendem culinária, costura, noções de etiqueta e princípios humanos.
            "Você não se torna uma princesa ao usar um belo vestido e tiara brilhante", diz a criadora da escola, Nathália de Mesquita. "Precisa se tornar a melhor versão de si mesma." Ela considera sua escola uma prestadora de serviços aos pais, "que não têm tempo para ensinar as coisas que nossas avós ensinavam".
            Edson Silva /Folhapress
            As alunas Caroline, Giovanna, Gabriela de Paula e Gabriela Araújo no quarto das princesas da escola de Uberlândia
            As alunas Caroline, Giovanna, Gabriela de Paula e Gabriela Araújo no quarto das princesas da escola de Uberlândia
            Nathália passou oito meses planejando todos os passos do empreendimento. Por ser um projeto inédito, a ideia foi registrada e patenteada.
            A inauguração foi em janeiro e, desde então, 500 meninas passaram pela escola (em módulos que vão de workshops de duas horas a cursos que duram três meses, uma ou duas vezes por semana).
            A maior procura é de alunas entre seis e nove anos, mas há meninas de até 15, e o aprendizado vai de prendas domésticas a primeiros socorros. "Minha expectativa era que a Júlia melhorasse a organização das próprias coisas e conhecesse as regras de etiqueta", diz Adriana Miranda, mãe da garota de 9 anos.
            "Mas ela também aprendeu culinária, artesanato, a arrumar a mesa para uma refeição formal, a usar os talheres e o guardanapo", completa.
            Formada em letras, com especialização em psicopedagogia, Nathália lecionou durante 17 anos em escolas particulares. Casada, mãe de dois meninos, acha que criou "uma escola prática para a vida, que inclui valores morais e princípios éticos imutáveis".
            As alunas vestem-se normalmente no dia a dia. Quando uma delas faz aniversário, ela se veste de princesa e as amigas usam coroas.
            OPRESSÃO
            A escola vem provocando reações em redes sociais, como na página do Facebook "Escola de Ogras", criada para "confrontar os princípios de tal educação [de princesas], e expor as consequências [...] na sociedade".
            A professora de literatura da Universidade Federal do Ceará Lola Aronovich critica o que considera culto à ostentação e à maneira como as crianças são obrigadas a se comportar.
            "A admiração aos padrões de beleza pela riqueza material e pela forma como as meninas devem se comportar merecem atenção dos defensores dos direitos da criança e do adolescente", diz.
            Samara Castro, universitária, postou: "Uma escola de princesas precisa causar incômodo", pois incentiva, "a submissão da mulher, especialmente na idade de formação, quando ela deixa de buscar o caminho da liberdade".
            Apesar das críticas, um novo "castelo" vai surgir em Belo Horizonte, onde sócios de Nathália preparam o lançamento. A "rainha Nathália" luta por um final feliz.
            Editoria de Arte/Folhapress
            Clique e veja o infográfico interativo sobre a escola de princesas
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            Mães dizem se 'encantar' e rebatem as críticas
            Já blogueira combate educação de 'princesa'
            COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE UBERLÂNDIA (MG)As mães que matriculam suas filhas na Escola de Princesas de Uberlândia, independentemente de críticas de grupos em redes sociais, afirmam se encantar com o sistema e o resultado.
            A engenheira Vanessa Fidélis afirmou não considerar que o aprendizado de princesa leve a sua filha --Ana Luísa, de sete anos-- a um comportamento retrógrado.
            "Vejo como uma prática de respeito aos valores morais e aos mais velhos", afirmou.
            Já Patrícia Fonseca, 42, mãe de Beatriz, 7, mostrou-se fascinada com o resultado da passagem de sua filha pelo "castelo" da cidade do Triângulo Mineiro.
            "A maneira como ela se senta à mesa e fala com as pessoas mudou", disse. "Agora demonstra mais respeito e delicadeza."
            Patrícia também afirmou acreditar que as fantasias de princesas são "importantes no fortalecimento psicológico das meninas".
            No blog Ludreams, a jornalista Ludmila Pizarro questionou a utilização dessas fantasias na prática cotidiana.
            "Como dosar o acesso ao universo lúdico das princesas? Como distinguir o faz de conta' e o consumo vazio?", perguntou Ludmila.
            Chamadas de "princesas" durante todo o tempo em que ficam no "castelo", as alunas se dividem em diferentes atividades, adequadas às suas faixas etárias.
            As aniversariantes se vestem como princesas e as colegas usam coroas.
            BARBIE
            No dia da visita da reportagem à escola, as garotas mais velhas receberam aulas de dobradura de guardanapos e de costura.
            Leitura e vídeos de princesas e Barbie preencheram a agenda das menores.
            Na aula de culinária, ensinam-se a fazer cupcakes. Mas,quando o assunto são boas maneiras, até a "netqueta" (etiqueta na internet) é ensinada às garotas.
            Segundo a escola, essas aulas explicam os perigos que podem gerar do que elas publicam e de como ocorrem os relacionamentos iniciados pela internet.