sábado, 5 de janeiro de 2013

Acadêmico e Coloquial - Leonardo Lichote.


O Globo:05/01/2013

Fundador do grupo Rumo e autor de livros de referência sobre a MPB, Luiz Tatit reafirma a força de sua obra em espetáculo de Zélia Duncan, parcerias com jovens artistas e discografia relançada

 Luiz Tatit acorda cedo. Às 7h começa a trabalhar — compor, ler,escrever — e segue assim até12h30m. É o período no qual produz mais. Depois do almoço, retoma a atividade com menos ímpeto (“Sem a mesma avidez”, explica). No fim da tarde,para. Calça o tênis e parte para a caminhada diária que, há 20 anos, faz na USP — ele mora ao lado da universidade,onde desde 2002 é professor titular do Departamento de Linguística.

Não corre, pois a coluna não permite. Todo dia, pelo mesmo caminho.O cotidiano metódico do compositor e teórico da música popular brasileira (“Uma vida supersistemática; nesse ponto sou mais acadêmico que músico”,brinca) revela um tanto da engenharia de sua obra — ao mesmo tempo cerebral e sensível, atenta à grandezados detalhes do cotidiano. Uma obra que, iniciada em 1974 com o grupo Rumo,parece estar num momento pleno de reconhecimento. Zélia Duncan montou o espetáculo “ToTatiando”, que apresenta desde o ano passado e que, neste ano, vira DVD; artistas jovens como Marcelo Jeneci, Emerson Leal, AnaCosta, Kristoff Silva e Camilo Frade têm gravado suas canções e mesmo escrito parcerias com ele; seus livros seguem como referência central no estudo da música popular brasileira; a discografia completa do Rumo acaba de ser lançada numa caixa (Dabliú Discos), assim como o DVD de um show do grupo gravado em 2004.

— Estou vivendo uma fase interessante,até não esperava que isso viesse tão logo — avalia Tatit. — Porque normalmente a gente não influencia a geração seguinte, geralmente é a terceira ou a quarta. Porque a seguinte tem uma relação de negação, de rivalidade com a sua. Mas lá pelo fim dos anos 1990,começaram a surgir sintomas de que estavam escutando a gente. Em 2003,2004, comecei a ouvir bandas seguindo as linhas que fazíamos no Rumo. Quando comecei a orientar teses na universidade,comecei a ver estudos sobre a Lira Paulistana, a minha geração. É como se dissessem que algumas coisas que a gente pensou estavam certas.As coisas certas que Tatit pensou — e desenvolveu em canções e livros — começaram a brotar bem antes dos anos1970. Adolescente, ele ficou intrigado ao se dar conta — pela geração dos festivais,pela Jovem Guarda — de que artistas que não eram músicos especialmente habilitados podiam compor. O nó só foi desatado por ele nas reflexões que levaram à criação do Rumo.— Em 1974, o que prevalecia eram os filhos do Tropicalismo — lembra ele, hoje com 61 anos. — Estávamos esperando uma mudança. Então, só valia fazer música se você tinha algo diferente a dizer. Nós estávamos na Escola de Comunicaçãoe Artes da USP, interessados em transferir elementos da vanguarda erudita para a música popular. Teve gente que queria transferir estruturas do erudito para o popular, como Arrigo(Barnabé) com o dodecafonismo. Mas no Rumo, nosso interesse era no segredo da música popular, o que tinha que ser mexido na letra e na melodia para soar diferente. E percebemos que a canção era feita a partir da entoação, da fala, mais do que das melodias. Isso para mim explicava os compositores não serem músicos, aquela questão que eu tinha da adolescência. A entoação está na base de qualquer canção.

O que nós fizemos foi explicitar isso.Seus primeiros diplomas da USP apontam o sentido de suas manhãs hoje,dedicadas ao estudo ou ao fazer das canções: formou-se em Letras (Linguística)em 1978 e em Música (Composição)em 1979. Letra e música. Canção— centro de seu trabalho musical e acadêmico.— Nossa preocupação no início do Rumo era mais melódica, a melodia feita a partir da entoação. Mas essa ideia interfere diretamente na letra, quase pede uma letra coloquial para ficar compatível com essa melodia.

Coisas de diálogo, quase falas puras.Colega de Rumo, Ná Ozzetti chama a atenção para a forma como ele desenvolve os temas e personagens em suas músicas:— Há sempre uma nova ótica sobre assuntos comuns.Passear pelas faixas da caixa do Rumo deixa claro do que Tatit e Ná estão falando.Canções como “Banzo” (“E aí,Matilde? Como está?”), “Aurora — O canto novela” (“Oi, estou aqui outravez/ Esperando por ela, esperando”),“Carnaval do Geraldo” (“Olha o Geraldo,pessoal!/ .../ Ói ele sambando lá naporta”), “Revelações” (“Faz tempo,né?/ Pois é”), “Encontro” (“Oi!/ Faztempo que a gente/ não bate de caraum no outro”), “Aceita a serenata”(“Ivone vai/ Você não se importa?/Não, né?”). Resultado lúdico, mesmo feito sobre uma base de reflexão.— No Luiz não tem a cabecice de alguns compositores paulistanos. É tudo muito popular. E ele adora isso, vê novelas,é um grande noveleiro — define Marcelo Jeneci, parceiro de Tatit em“Por que nós?”, gravada nos CDs mais recentes de ambos.

— É um gênio, com uma obra muito original. E compor com ele é muito interessante, porque para ele não tem muito esse negócio de precisar de inspiração. É trabalho, ele faz. Você manda uma melodia, demora no máximo três dias. Ele é de uma prontidão absurda, tudo é desmistificado, mais direto. Ele diz que não liga muito para a paisagem, porque se for para qualquer lugar do mundo vai trabalhar do mesmo jeito, fazer as mesmas coisas.Zélia Duncan confirma, por outra via, a desmistificação que Tatit aplica sobre seu próprio trabalho:— Nas apresentações de “ToTatiando”em que ele esteve presente, e ondeTatit e sua obra são o motivo de todo nosso trabalho e dedicação, ele entra na fila pra cumprimentar, como se não tivesse nada a ver com aquilo — diz a cantora, citando versos da canção “Esboço”,do compositor. — “E não adianta perder tempo/ Desprezando sua imagem/Pois nunca ele ligou/ Pra essas bobagens”.

SÃO PAULO COMO HABITAT

A fala de Jeneci sobre a paisagem toca na relação de Tatit com São Paulo , onde sempre viveu. Não só porque a cidade aparece como cenário de suas canções,mas também porque define seu pensamento em alguma medida:— O caminho novo de fazer canções a partir da fala, a ideia inusitada de estudar a música popular pela semiótica,numa época em que o que estava em voga eram os estudos a partir da História,de elementos sociais... Tudo issopode ser relacionado com São Paulo ,que vive do movimento, da novidade.

São Paulo não se importa muito com o passado, só com o futuro.O desejo pelo futuro serve como guia em ambas as frentes, mas Tatit vê suas atividades como estudioso e como compositor como dotadas de naturezas completamente diferentes:— A criação é síntese, o estudo é análise— explica Tatit. — São maneiras diferentes de encarar o objeto.
A ponto de, no início, eu não conseguir compor quando estava fazendo tese e de não mexer com a parte acadêmica quando estava fazendo disco. Claro que vaza um pouco do procedimento de um na outra. Uma vez estava estudando o tempo no sentido musical e, logo em seguida, fiz uma parceria com a Ná quese chamava “Tempo escondido”. Mas é natural, não me programo para isso. 

Quadrinhos

FOLHA DE SÃO PAULO

CHICLETE COM BANANA      ANGELI

ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

FERNANDO GONSALES
QUASE NADA      FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ

FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
HAGAR      DIK BROWNE

Laerte Coutinho resenha

FOLHA DE SÃO PAULO

Pelo terceiro ano, desempenho de aluno em matemática recua em SP

FOLHA DE SÃO PAULO
Estudante de 14 anos tem conhecimento que se espera de uma criança com dez anos de idade
Notas de português têm melhorado na rede municipal, segundo resultado preliminar da Prova São Paulo 2012
FÁBIO TAKAHASHIDE SÃO PAULOO desempenho em matemática dos alunos que se formam nas escolas municipais de São Paulo sofreu ano passado a terceira piora seguida na avaliação da própria rede.
Assim, o estudante da nona série do ensino fundamental (alunos com 14 anos) possui conhecimento equivalente ao que se espera para um da quinta série (de 10 anos).
Já em português, a tendência nos dois últimos anos na rede é de melhoria.
Folha teve acesso aos resultados preliminares da Prova São Paulo 2012, avaliação aplicada pela prefeitura. O ano passado foi o último da gestão Gilberto Kassab (PSD).
A média dos alunos em matemática do nono ano recuou nove pontos desde 2009, chegando a 228 (escala até 500).
Para essa série, o ideal é que a nota seja 72 pontos maior (30% superior), segundo analistas consultados pela ONG Todos pela Educação.
O sistema municipal de São Paulo possui mais de 450 mil alunos no ensino fundamental, o equivalente a 30% das matrículas na cidade.
AVANÇOS
De positivo, a Prova São Paulo mostra que houve forte melhora dos alunos da terceira série (faixa de oito anos), tanto em português quanto em matemática.
Na matéria de exatas, a média subiu 18 pontos em apenas um ano, chegando a 155.
Considerando os demais estudantes, houve avanço em português entre 2010 e 2012.
Um dos problemas que afetam o ensino da matemática é a carência de professores na área, o que pode levar ao aproveitamento de docentes com formação deficitária.
Educadores da rede dizem ainda que as gestões José Serra (PSDB) e Kassab priorizaram a alfabetização dos alunos e que não houve programas incisivos para a matemática.
Em 2006, a prefeitura criou o Ler e Escrever, programa que prevê formação de professores e materiais didáticos para melhoria da alfabetização.
"Só recentemente começaram programas para matemática", disse João de Souza, presidente do sindicato de diretores e coordenadores. "Faz sentido melhorar a alfabetização, porque ela dá base para tudo. Mas, na situação que estamos, não podemos deixar nenhuma área de lado."
Na avaliação da antiga gestão Kassab, foram feitas melhorias na rede que permitirão um avanço rápido nas médias nos próximos anos.
Entre elas, diz, a construção de escolas, que permitiu praticamente eliminar o "turno da fome" -turmas intermediárias entre o período matutino e vespertino, que deixavam todos com jornada menor.
Segundo dados da prefeitura, 71% das unidades possuíam esse turno em 2005, número que foi reduzido para 4% no ano passado.
Também são apontadas a introdução do currículo escolar, novos materiais didáticos e política de reajuste salarial.
REVISÃO
Oficialmente, nem os dados de 2011 da prova foram divulgados. A gestão Kassab apontou inconsistências nos resultados anteriores, pois haviam saltos de um ano para outro.
As médias obtidas pela Folha passaram por revisão técnica de um especialista externo contratado pela prefeitura, mas a reportagem não teve acesso às explicações do que foi feito para a correção.

    Gestão Haddad quer reduzir número de exames
    DE SÃO PAULOA gestão Fernando Haddad (PT) aponta como uma das metas na educação fazer com que as avaliações sejam mais bem utilizadas nas escolas.
    A percepção é a de que diretores, professores e alunos recebem muitas informações, que têm sido pouco utilizadas na melhoria do ensino. Para pesquisadores, o problema é comum na maioria dos sistemas de ensino do país.
    Além da Prova São Paulo, aplicada anualmente a alunos do ensino fundamental, a rede municipal paulistana também participa da Prova Brasil, do governo federal, e de avaliações específicas referentes à alfabetização.
    A atual gestão avalia, preliminarmente, que pode haver uma sobrecarga de provas em cima dos alunos.
    Segundo a Folha apurou, o secretário da Educação, Cesar Callegari, inclusive analisará se diminuirá o número de exames -deixando, por exemplo, de participar da avaliação federal ou extinguindo a Prova São Paulo.
    A princípio, o exame municipal serviria a partir de 2012 como base para pagamento de bônus por desempenho aos professores da rede. De acordo com a gestão Gilberto Kassab (PSD), a proposta não se concretizou porque não houve consenso para definir indicadores para o ensino infantil (que não participa do exame).
    Em nota, a Secretaria da Educação informou que, ao menos por ora, todos os programas estão mantidos, inclusive a Prova São Paulo.
    Callegari não foi encontrado ontem para comentar os dados referentes ao último ano da gestão Kassab.
    Uma das promessas de Haddad é melhorar os indicadores educacionais da rede. Dados divulgados no ano passado pelo Ministério da Educação apontam que a rede municipal paulistana não bateu as metas estabelecidas pela União para 2011.
    As médias de 2012 da Prova São Paulo ainda poderão sofrer pequenas alterações.
    Isso porque os resultados preliminares não consideram os alunos com deficiência. Não há previsão para a divulgação oficial. (FT)

      FOCO
      Site com videoaulas estimula alunos a discutir dúvidas
      DE SÃO PAULOBateu aquela dúvida para a prova da segunda fase da Fuvest que começa amanhã e não tem nenhum professor para socorrer? Aulas na internet, como as do O Kuadro, podem dar uma mãozinha.
      Criado pelo casal Lucimara, 28, e Bruno Werneck, 32, o site okuadro.com traz vídeos explicativos de conteúdos do ensino médio de matemática, física, química, biologia e português.
      Apesar de produzirem boa parte das aulas -algumas são feitas por estudantes-, eles não costumam tirar dúvidas de quem acessa o material. A proposta é que os "alunos", em vez de só aprenderem, também ensinem os colegas.
      "Quem não quiser interagir pode apenas assistir às aulas e estudar sozinho. Mas a ideia é que o participante poste sua dúvida e tire a dúvida de outro", afirma Bruno.
      Inspirados no engenheiro americano Salman Khan, autor do site de videoaulaswww.khanacademy.org, o engenheiro eletrônico e a bióloga trocaram as aulas presenciais que ministravam pelo mundo da internet.
      A intenção é ajudar alunos que, assim como eles, são de escola pública e normalmente têm um ensino mais defasado a passar no vestibular -ele é formado pelo ITA; ela, pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
      O projeto, que começou no YouTube, ganhou endereço próprio em julho de 2011. Em formato de rede social, o Kuadro tem hoje quase 19 mil seguidores, cada um com sua rede de amigos, assim como no Facebook.
      Guilherme Mafra, 18, que pretende ingressar em engenharia aeronáutica no ITA, costuma entrar no site todos os dias. "Os vídeos são bem curtos [cerca de cinco minutos] e objetivos, isso ajuda muito na hora de estudar."
      Além de pedir ajudar no link de cada videoaula, quem preferir pode participar de grupos com fóruns de discussão específicos. "Medicina" e "Enem" são alguns exemplos.(ANDRESSA TAFFAREL)

        Walter Ceneviva

        FOLHA DE SÃO PAULO

        A previsão do passado
        Cabe a nós, o povo, insistir na compatibilização da escrita constitucional com a realidade nacional
        Grande exemplo histórico da previsão errada, no passado, foi a de Napoleão Bonaparte, ao invadir a Rússia dos czares. Acreditou que obrigaria a monarquia russa a se render, assim que conquistasse Moscou. Não conquistou. A desastrada profecia otimista parecia aceitável, em começos do século 19.
        Mais incompetente foi Adolf Hitler. Quase na metade do século 20, pretendeu dar realidade ao sonho de Bonaparte. Seu fracasso foi pior que o francês. Também desconsiderou o inimigo insuperável: o "general" inverno.
        Se tomarmos o passado como base de previsões novas, precisa-mos saber que os enganadores do povo dispõem de novos instrumentos. Por isso, o primeiro cuidado a adotar está em defender, em debate livre, as soluções democráticas, para garantia da adesão voluntária.
        Contraponto do parágrafo precedente será a composição heterogênea do povo brasileiro, no nível ainda alto do analfabetismo, nas distâncias significativas entre as duas primeiras linhas da sociedade e as outras. Compreendem os mais ricos ou de maior preparo cultural e o elevado percentual numéricos das demais categorias.
        A derrocada argentina no combate sobre as Malvinas é mostra recente da imprudência dos falsos profetas, comuns em pretensas lideranças "milagrosas".
        A contar de tais exemplos, podemos tentar prever o futuro do Brasil, na difusão de seus fundamentos essenciais, desde o art. 1º da Carta (soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana), sem descuidar dos valores sociais do trabalho, da livre iniciativa, do pluralismo político. Temos de dar conteúdo real ao art. 2º da Constituição. Ali se lê, quanto aos poderes da União, da independência de uns frente aos outros; da harmonia, que deveria ser imperativa entre eles. É o que está escrito na Carta.
        Nós, porém, sabemos que se trata de uma impropriedade do texto, pois regra da harmonia substancial não se mostra na realidade da República, dos Estados e municípios.
        Cabe a nós, o povo, insistir na compatibilização da escrita constitucional com a realidade nacional. Possibilitará, ainda que a prazo, a instalação de mecanismo sério, dos direitos vigentes na relação entre níveis de governo.
        Os elementos complementares da previsão programática já estiveram presentes na coluna. Convém reiterá-los, junto com os direitos e garantias fundamentais, bem como os deveres individuais e coletivos que lhes correspondem, no equilíbrio do seu exercício extensivo a todos e a cada um de seus habitantes. Programa essencial para tal fim -insistentemente afirmada no passado- é a extensão desses valores, acoplados aos deveres consequentes.
        O passo inicial consiste em lutar pela igualdade de todos perante a lei, precedida pela obviedade de que, assim como a segurança e a garantia da propriedade, não é definitiva no Brasil de hoje.
        Superar obstáculos e transformar a previsão sonhada em realidade exigem, em primeiro lugar, que cada ser vivente do país saiba de seu direito. Que se entusiasme com a defesa. Que o reclame como valor jurídico e não como favor do poderoso.
        Cada desigualdade que for eliminada será um passo para melhor. A luta será digna, ainda que ultrapasse o espaço de uma vida, ante o relevo da obra. Parece quixotesca, mas vale a pena.

          LIVROS JURÍDICOS
          CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS
          AUTOR Antônio Carlos Cintra do Amaral
          EDITORA Quartier Latin (0/xx/11/3101-5780)
          QUANTO R$ 49 (172 págs.)
          Autor, com larga experiência no assunto, reuniu textos anteriores e inéditos, mantendo a temática, na aplicação da Lei n. 8.987/95. São 12 ensaios. A introdução defende a importância da monografia das transformações. Foi esse o perfil proposto no tratamento da matéria.
          DIREITO PROCESSUAL DO CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE
          AUTORES Mirna Cianci e Gregório Assagra de Almeida
          EDITORA Saraiva (0/xx/11/3613-3344)
          QUANTO R$ 85 (278 págs.)
          Ada Pellegrini Grinover considera, na apresentação, "uma obra completa", apta a satisfazer constitucionalistas e processualistas. Foi dada particular atenção para as ações do direito processual coletivo brasileiro, seus controles e seus vícios.
          TEORIA DA REFORMA CONSTITUCIONAL
          AUTOR Eduardo Ribeiro Moreira
          EDITORA Saraiva (0/xx/11/3613-3344)
          QUANTO R$ 44 (194 págs.)
          Eduardo adaptou sua tese para concurso de livre docência na Fadusp, em nove capítulos. Nas conclusões, abandonou a síntese do texto original para tratar de nossa instabilidade constitucional, com dezenas de emendas. Verbera a falta da consciência constitucional. Defende a estabilidade e se empenha em obter.
          IGUALDADE E VULNERABILIDADE NO PROCESSO CIVIL
          AUTORA Fernanda Tartuce
          EDITORA Forense (0/xx/21/3543-0770)
          QUANTO R$ 78 (391 págs.)
          A tese de doutorado preenche seu objetivo científico e esgota o tema da vulnerabilidade, conforme diz Rodolfo de Camargo Mancuso, no prefácio. Aprofunda a discussão dos desafios igualitários, na configuração desigual da sociedade brasileira, em face das normas protetoras vigentes em nosso país.
          DIREITO SUMULAR
          AUTOR Roberto Rosas
          EDITORA Malheiros (0/xx/11/3078-7205)
          QUANTO Preço não fornecido (640 págs.)
          Roberto Rosas lançou a 14ª edição dos respeitados comentários das súmulas comuns (até n. 736) e vinculantes do STF (até o n. 32) e do STJ (até n. 498), com seus índices.
          IGUALDADE DE GÊNERO E AÇÕES AFIRMATIVAS
          AUTORA Ana Claudia Pompeu T. Andreucci
          EDITORA LTr (0/xx/11/2167-1100)
          QUANTO R$ 65 (228 págs.)
          O subtítulo refere "Desafios e perspectivas para as mulheres brasileiras" após a Carta Magna. Liga-se a princípios sobre a igualdade de gêneros.

            Enquanto houver vida - João Paulo‏


            E se vivêssemos tudos juntos?: a amizade como realização política
            João Paulo

            Estado de Minas: 05/01/2013 

            O filme E se vivêssemos todos juntos?, do diretor Stéphane Robelin, tem levado muita gente ao cinema e resiste depois de 10 semanas em cartaz na cidade. O fato chama a atenção, por não ser filme que se enquadre na lógica do mercado: não tem heróis de fantasia, violência explícita ou trama adolescente. É fita para adultos. A história, aparentemente banal, tem como protagonistas cinco idosos, dois casais e um solteirão don-juanesco, amigos de longa data, que percebendo que não têm mais lugar no mundo e nas respectivas famílias, resolvem se juntar para ajudar uns aos outros. Assim como jovens que vivem em repúblicas para dividir os custos e partilhar experiências, nossos velhos têm a percepção de uma terceira via: nem o asilo, nem a solidão (a ideia de morar com os filhos nem é cogitada na civilizada França contemporânea).

            O filme começa com uma cena que mostra que os velhos não oferecem mais riscos, logo deixaram de ser um problema público para se tornar uma questão privada. Em meio a uma manifestação política, um dos personagens protesta e chega apedrejar um policial, que, como se nada tivesse acontecido, segue adiante e só prende os jovens. Para o velho comunista, não pode haver nada pior que ser relegado ao passado, sobretudo numa sociedade cada vez mais reacionária. Os comunistas não trazem nos ombros alternativas vencidas, mas propostas que nem chegaram a ser testadas de verdade, por isso ser desprezado por um guardinha e ser considerado menos ameaçador que estudantes imberbes é a suprema humilhação.

            No entanto, o que parece ser reação a tempos sombrios, com a vindicação de uma forma singular de vida coletiva, vai aos poucos se desenhando como uma narrativa melancólica, um filme sobre perdas, ainda que temperado pelo humor que afasta a morbidez. Os cinco personagens apresentam, todos eles, achaques do presente – a fraqueza do corpo – e do passado – as intermitências culposas da memória. E é entre as duas formas de temporalidade, o presente que precisa ser vivido e o passado que cobra sua verdade, que a narrativa se desenrola. Em meio a clichês, E se vivêssemos todos juntos zomba dos clichês para afirmar um olhar ainda cheio de frescor e energia. A morte ronda, mas o território é da vida, ainda que a única vida possível seja marcada por dores, esvaziamento do sentido e urgência.

            O fato de o filme ter como estrelas as atrizes Jane Fonda e Géraldine Chaplin é um elemento a mais de sabedoria narrativa , ainda que simbólica. Jane Fonda, por muito tempo, representou o ideal da negação do envelhecimento cosmético da sociedade americana, com seus programas de exercícios e exposição de uma beleza que parecia infensa ao tempo. Géraldine Chaplin, com suas rugas explícitas, surge como mãe ou avó de Carlitos, personagem de seu pai, que se perde num passado eternizado pela figura do jovem vagabundo e pária sensível de uma sociedade em crise. Chega um momento em que nos tornamos pais dos nossos pais, no ciclo sem fim da existência.

            O filme francês é, ao mesmo tempo, a afirmação de uma verdade existencial, de cinco homens e mulheres que envelhecem e precisam dar conta das demandas da vida, e de uma situação social, que aponta um mundo que não tem lugar para os velhos e os acha ridículos. A inversão operada pelo longa, localizando a vida na mão dos velhos que podem mudar seu destino para pôr os jovens no lugar de escravos das exigências exteriores às quais não conseguem romper, é uma crítica ácida aos nossos tempos. A perspectiva de uma vida comunal, hoje, só é concebível como revolta. No cenário do individualismo pós-moderno, a amizade de torna uma ação revolucionária. Regredidos ao tempo de Étienne de la Boétie, no século 16, vivemos hoje a orgulhosa era da servidão voluntária.

            Modo de usar 


            O tema do envelhecimento e da morte também aparece no livro A arte de envelhecer (Editora Martins Fontes) do filósofo Arthur Schopenhauer (1788–1860), cuja tradução foi lançada recentemente no Brasil. O pensador é sempre ligado ao pessimismo, e por isso era de se esperar que sua obra sobre a velhice trouxesse o gosto amargo da derrota, como um adiado “eu não disse?”, que comprovasse suas previsões mais derrotistas. Em outras palavras, algo como “faça o que fizer, o fim será amargo e a existência resultará sem sentido”. Não é o que se encontra em A arte de envelhecer.
             
            Antes de chegar ao livro, talvez fosse bom entender um pouco do pessimismo schopenhauriano, que inspirou pensadores como Nietzsche e Freud. A primeira intuição do filósofo, ainda na adolescência, foi sobre o que chamou de “as dores do mundo”. Como o príncipe Sidarta (Schopenhauer se alimentou de fontes orientais como o budismo, o taoísmo e a sabedoria dos Upanishads), o jovem pensador tomou conhecimento íntimo da realidade da doença, do envelhecimento e da morte. 

            Em vez de se afundar no pessimismo que não admite saída, passou a criar uma filosofia da consolação. Sem abrir mão da consciência das perdas inevitáveis, decidiu afirmar a realidade da única vida possível. Se a raiz de tudo é sofrimento, nem por isso o homem pode deixar de intentar realizações no polo oposto da dor, por meio da beleza, do amor compassivo e mesmo da liberdade do conhecimento. O resultado, em vez da falência das filosofias da consciência, seria algo próximo de uma união mística com o todo. Ou seja, o pessimismo é o ponto de partida teórico (mesmo que real) que permite ao homem avançar até a construção de um modo de vida ligado às forças da vida e da vontade. A filosofia de Schopenhauer, em sua finalidade, é uma ética de vida. Ainda que ele tenha certeza de que a vida não é bela.

            Com isso, em suas obras, além de atacar os grandes nomes da filosofia acadêmica de seu tempo, sobretudo Fichte e Hegel, Schopenhauer incorporou ao seu projeto o papel de desvendar as ilusões do mundo e abrir portas para a vida real, que supõe a existência das dores do mundo, mas nem por isso sucumbe a elas. O pensador tinha consciência da vitória da morte como desaparecimento do fenômeno corporal, mas lidava com a concepção cósmica de vida, a vontade de viver, que é impercível. É nesse aspecto que se inserem as reflexões reunidas em A arte de envelhecer. O livro é um conjunto de 319 aforismos e pode ser considerado uma espécie de testamento do filósofo.

            O livro, como título anuncia, trata da arte de viver. Para o pensador, o envelhecimento, como etapa inescapável da existência, tem também sua arte peculiar. Para enfrentá-la, Schopenhauer contrapõe juventude e velhice neste vale de lágrimas que nos foi dado viver. Na primeira metade da vida, o homem é atravessado pelo anseio de uma felicidade sempre frustrada. O homem habita um universo de ilusões. Na segunda metade, essas ilusões se esfumam e, sem maiores expectativas, o homem se permite viver a experiência da sociabilidade e da alegria desinteressada no amor e na arte. O envelhecimento nos aproxima da morte, mas nos dá em troca a serenidade de uma representação mais adequada dos nossos limites.

            Sobre a velhice e a morte, talvez a maior lição venha do estoico Epicteto (55–135), que lembrava que a morte surpreende o sapateiro costurando o couro e o marinheiro durante a viagem. Como você gostaria de ser surpreendido? As escolhas da vida são a antevisão da forma como morreremos. Sucumbir em paz ao lado dos amigos, como em E se vivêssemos todos juntos?, nos obriga, hoje, a cultivá-los com amor.


             jpaulocunha.mg@diariosassociados.com.br

            Infância como mercado - Maurício Andrés Ribeiro‏

            Em meio ao bombardeio diário de propaganda explícita e subliminar, crianças passaram a ser consideradas consumidores privilegiados, com reflexos graves na educação e na saúde 

            Maurício Andrés Ribeiro
            ESTADO DE MINAS: 05/01/2013 
            Um planeta limitado não sustenta um crescimento ilimitado. O consumo crescente resulta de demandas humanas, que podem corresponder a necessidades básicas utilitárias ou a desejos supérfluos que atendem caprichos a sonhos simbólicos ou de status social.

            A percepção do mundo, condicionada pela educação, pela comunicação e pela ambiência cultural, forma os pensamentos e a consciência, que dão origem às demandas de consumo. Demandas que, por sua vez, geram impactos sobre o ambiente.

            A consciência infantil é altamente vulnerável às mensagens que recebe nas escolas, na família e quando exposta aos meios de comunicação. Por isso, marqueteiros e publicitários, com o apoio de psicólogos, neurocientistas, e com a criatividade artística de designers e escritores, transformaram a criança em alvo preferencial de suas mensagens. Na pesquisa acadêmica avançada, há especialistas em marketing infantil. Enquanto os pais trabalham, profissionais com conhecimento e talento produzem comerciais para vender de tudo. 

            As crianças deixaram de ser uma faixa etária e passaram a ser consideradas uma faixa de consumidores. Elas são um segmento de população extremamente vulnerável à propaganda. No Brasil, pesquisa Ibope realizada em 2007 mostrou que as crianças estão expostas a 4 horas, 50 minutos e 11 segundos de tempo médio diário diante da TV, a babá eletrônica que as bombardeia nos merchandising e na propaganda subliminar que elas nem sequer percebem que estão recebendo. 

            Elas navegam ao mesmo tempo na web, na MTV, no iPod, e são como esponjas que recebem e absorvem 3 mil comerciais por dia. A infância e a pré-adolescência são estágios da vida humana especialmente sensíveis e receptivos. Comerciais de 30 segundos são suficientes para uma marca influir sobre a criança. As crianças hoje reconhecem marcas com maior facilidade do que identificam animais ou frutas.

            Nos últimos anos, têm surgido várias análises e denúncias sobre tal questão, na forma de livros, teses e filmes. Também têm sido formuladas respostas a esse problema na forma de leis que regulamentam a publicidade infantil, e de programas de orientação para escolas e pais.

            Um filme contundente, disponível no YouTube, é A comercialização da infância. Realizado em 2008, tem 60 minutos de duração e legendas em português. Ele mostra que a criança integra uma faixa de consumidores que, nos Estados Unidos, movimenta US$ 40 bi/ano em roupas, música e eletrônicos; ela movimenta US$ 700 bi/ano ao influenciar na compra de computadores, carros, celulares, das férias da família. 

            Por seu poder na economia, as crianças são alvos do marketing de marcas, do marketing viral, do marketing de imersão e muitas outras formas. Elas pressionam pelo consumo; mães de família não são apenas influenciadas pelos filhos, mas são pressionadas por eles para comprar algo. Reclamação, birra, insistência são armas que as crianças usam para conseguir seus objetivos. 

            O filme mostra que desde os anos 1970 se pensava em proibir a publicidade voltada para menores de 8 anos, pois essa faixa etária é facilmente enganada pela persuasão. Nos anos 80, nos Estados Unidos, o governo Reagan decidiu desregulamentar a publicidade, com o argumento de que não é necessária uma babá federal para proteger as crianças. Isso levou a um aumento exponencial no volume de publicidade voltada para crianças, de US$ 4,2 bilhões em 1984 para US$ 40 bilhões em 2010. 

            Os marqueteiros procuram forjar vínculos emocionais, por meio do bombardeio de mensagens e histórias em quadrinhos. Usam-se personagens que elas compreendem e amam, que as confortam e lhes dão referências para sua estabilidade. A publicidade busca a lealdade da criança a uma marca, do berço ao túmulo. Procura viciar a criança em produtos variados: biscoitos e junk food, roupas de cama, camisetas. 

            Os anúncios são personalizados. Marqueteiros agem como pedófilos, mapeiam os hábitos infantis, querem imprimir suas marcas nas crianças; tornam-se especialistas em crianças, possuem suas mentes e emoções, que são examinadas e dissecadas detalhada e sistematicamente, por meio de testes de piscar de olhos e outros, estuda-se o que ocorre os cérebros das crianças, como o produto as afeta, como usam o xampu no banheiro; promovem-se festas de marketing de grupos que ensinam as crianças a explorar os amigos. 

            Em laboratórios de controle mental, criam-se sonhos, desejos, ambições, controlam-se as crianças pelo controle remoto e elas influenciam na tomada de decisão dos pais. A identidade é definida em termos simbólicos e de status pelo que compra, o que tem e o que possui. Uma criança que não tem uma roupa, um tênis, um celular, não vale nada, fica sem autoestima. A mensagem é que, para ser, é preciso ter. Mais do que objetos, produtos e serviços, vendem-se valores simbólicos e culturais. Elas não são poupadas nem sequer na escola, com anúncios nas paredes das salas de aula. A escola leva alunos para passear em shoppings e publicidade é afixada nos ônibus escolares. 

            Mercantilização 

            No Brasil, o Instituto Alana formula propostas sobre como enfrentar essa questão. Em Mercantilização da infância, um problema de todos, Isabella Henriques e Laís Fontenelle mostram que o consumismo infantil decorre da formação de valores materialistas. Ele provoca distúrbios alimentares, erotização precoce, estresse familiar, diminuição de brincadeiras criativas, violência pela busca de produtos caros, consumo precoce de álcool e tabaco, encorajamento do egoísmo, da passividade, do conformismo, enfraquecimento dos valores culturais e democráticos, aumenta a obesidade infantil, diabetes, e agudiza crise na saúde publica. Cerca de 16% das crianças americanas, hoje, são obesas. 

            O trabalho afirma que “a publicidade voltada ao público infantil é intrinsecamente carregada de abusividade, pois para seu sucesso se vale justamente da deficiência de julgamento e experiência da criança. A comunicação mercadológica que se dirige à criança não é ética ao utilizar técnicas e subterfúgios de convencimento dirigidos a uma pessoa vulnerável. As crianças não têm condições de entender as mensagens publicitárias que lhes são dirigidas; não conseguem distingui-las da programação; compreender seu caráter persuasivo e não conseguem identificar a publicidade como tal”.

            No ano passado, o Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Alana lançaram a cartilha Consumismo infantil: na contramão da sustentabilidade. Nela realça-se a importância da ação conjunta da família, das escolas, dos movimentos sociais e organizações do terceiro setor, do empresariado e do Estado. Propõe-se valorizar o brincar, ocupar espaços públicos, ganhar doar, trocar, consumir lanches saudáveis, ter contato com a natureza, cuidar das embalagens. 

            A cartilha afirma que “também é fundamental que até os 12 anos as crianças sejam protegidas dos apelos para o consumo e que aprendam a lidar com o consumo sempre com a mediação de adultos. Só assim elas serão capazes de desenvolver espírito crítico”. Nos estágios evolutivos da criança, dos 10 aos 12 anos, é que se inicia o senso crítico autônomo.

            Em março de 2012, surgiu no Brasil o Movimento por uma Infância Livre de Consumismo. Ele se apresenta como um coletivo de mães, pais e cidadãos inconformados com a publicidade dirigida às crianças. Considera que a regulamentação feita pelo próprio setor atende os interesses empresariais e não está preocupada com a saúde e o bem-estar das crianças. Acredita que o Estado deve intervir e que não se pode responsabilizar somente os pais e as mães por um problema que afeta toda a sociedade.

            Juristas e políticos debatem a necessidade de o Congresso regular a publicidade voltada para as crianças. A Constituição federal, no art. 227, reza: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. 

            O Código de Defesa do Consumidor proíbe toda publicidade enganosa ou abusiva e diz que “é abusiva, entre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais.” Recentemente, o Congresso discutiu projeto de lei que proíbe a vinculação de brindes à venda de alimentos, para evitar essa manipulação comercial das consciências das crianças. Os congressistas têm o poder e a atribuição de elaborar leis que regulem ou coíbam a propaganda abusiva, e são alvo dos lobbies das indústrias no sentido de neutralizar tais iniciativas. 

            Sobre a regulação, uma publicitária me escreveu a seguinte mensagem: “Achava que a proibição da publicidade infantil era um caminho simplista demais, já que o problema está também no conteúdo dos programas infantis, que são largamente consumidos nos lares brasileiros sem acompanhamento dos pais ou responsáveis. Mas depois que passei férias na casa de uma amiga, mudei de ideia. Essa amiga e o marido sempre proibiram os três filhos de assistirem à TV. A TV na casa deles só é ligada para a família assistir a filmes e DVD. Fiquei muito impressionada com as coisas que vi naquela casa: pais e filhos integrados e participativos, crianças felizes, calmas, de hábitos saudáveis, sem nenhum consumismo, com uma estrutura intelectual sólida, enfim, com uma moral que lhes valerá para o resto da vida”. 

            Em vários países, como a Suécia, a Inglaterra, os Estados Unidos, o Canadá, a Noruega, a Irlanda, a Dinamarca, a Holanda, a Bélgica, a Áustria, Portugal e Luxemburgo, há legislação que regula o tema. Ela comenta sobre isso: “Para essas sociedades, eleger uma programação televisiva livre de conteúdos publicitários direcionados a crianças/adolescentes é uma opção por colocar os direitos dessas crianças acima de outros interesses. É tratá-las como pessoas em processo de desenvolvimento, e não como consumidores. É fortalecer as famílias, ampliando seu poder de escolha ao eliminar a influência da publicidade no diálogo com os filhos. É fazer valer a máxima de que crianças e adolescentes são prioridade absoluta. E foi exatamente isso que senti com eles, as crianças são realmente crianças, o adolescente é realmente adolescente e os pais são realmente maduros”.

            Empresas e organizações podem atuar com responsabilidade e ética, dirigindo apelos de consumo aos pais e não às crianças, e o Estado deve atuar na regulação. Assim, por exemplo, pode-se contrapor à publicidade comercial que exacerba desejos de consumo outras forças, que neutralizem e minimizem os impulsos em direção a esse tipo de desejo, que pressiona a natureza. 

            Da mesma forma como o marketing e a publicidade atuam sobre o inconsciente e excitam o desejo de consumo, também poderiam, caso houvesse consciência, vontade e impulso coletivos, promover o desejo por saúde ambiental, bem como a redução da demanda por bens cujo processo de produção é destrutivo, degradador, poluidor, emissor de gases de efeito estufa. A ‘‘ecologização da publicidade é um dos meios de ecologizar’’ as consciências.


            . Maurício Andrés Ribeiro é autor de Ecologizar e Tesouros da Índia para a civilização sustentável.www.ecologizar.com.br

            Preferência nacional (violão) - Eduardo Tristão Girão‏

            Livro do jornalista Carlos Galilea acompanha a trajetória do violão moderno e mostra as semelhanças nas formas de tocar o instrumento na Espanha, em Portugal e no Brasil 

            Eduardo Tristão Girão
            Estado de Minas: 05/01/2013 
            É sempre interessante ter um estrangeiro atento para lançar olhar sobre aquilo que os brasileiros já conhecem bastante. Somando a esse fato boa dose de entusiasmo pela música que se faz aqui, o jornalista espanhol Carlos Galilea, autor do recém-lançado livro Violão ibérico (Mauad), oferece panorâmica histórica do instrumento, contemplando suas raízes no Velho Mundo até chegar à forma singular como é tocado pelos brasileiros. Por enquanto, o livro foi editado apenas no Brasil e em português.

            “O violão que se toca hoje foi construído por volta de 1850, na Andaluzia, por um luthier espanhol chamado Torres. Toda uma escola de violão clássico surgiu do trabalho do violonista e compositor Tárrega e dos discípulos dele, como Miguel Llobet, Emilio Pujol e Josefina Robledo, que espalharam as obras e a técnica dele pela América do Sul, no início do século 20. Isso marcou os violonistas de toda a América, não só os brasileiros. O violão popular brasileiro, nessa época, com nomes como João Pernambuco, Quincas Laranjeira e Dilermando Reis, também bebeu dessa fonte clássica”, analisa o autor.

            A ideia do livro, na verdade, não foi dele, mas da produtora cultural Giselle Goldoni Tiso, que o conhece há cerca de 20 anos, época em que ela morou na capital espanhola, Madri. Especializado em música, Galilea escreve sobre o tema no jornal El País e mantém desde os anos 1980 o programa diário Cuando los elefantes sueñan con la música, na Radio Nacional de España. É também autor do livro Canta Brasil (sobre música popular brasileira) e co-autor do Diccionario de jazz latino com Nat Chediak, ambos escritos em espanhol.

            Abrangência Para entrelaçar flamenco, fado, choro, samba e bossa nova nas mais de 400 páginas do novo livro, o espanhol leu mais de 100 títulos, além de estudos de mestrado, palestras e reportagens. Com toda essa bagagem, ele iniciou período de oito meses de trabalho em janeiro do ano passado. Em abril, entrevistou alguns dos maiores violonistas brasileiros, como Gilberto Gil, Egberto Gismonti, Guinga, João Bosco, Juarez Moreira, Marcello Gonçalves, Marco Pereira, Marcus Tardelli, Paulo Belinatti, Sergio Abreu, Toninho Horta, Turíbio Santos e Yamandu Costa.

            “Também pesquisei as centenas de entrevistas com músicos e cantores brasileiros, portugueses e espanhóis que já tinha feito. Esses 25 anos de trabalho em jornal e rádio me facilitaram o encontro com milhares de músicos do mundo inteiro. Foi maravilhoso mergulhar nessa história do violão e acompanhá-lo nessa viagem fascinante de vários séculos. Deixei parte da minha alma nesse trabalho. Trabalhei feito burro todos esses meses, mas valeu a pena”, conta Galilea, que se interessa por música e, especificamente, violão, desde criança.

            Jeitinho Com escrita clara e acessível, o autor passa por pontos relevantes da longa e abrangente história do violão, evidenciando os laços entre Espanha, Portugal e o Brasil. Vai dos instrumentos ancestrais (os cordofones com braço, o alaúde dos árabes, a vihuela de mano etc.) à evolução do violão brasileiro com João Gilberto, Baden Powell e Rapahel Rabello, entre tantos outros nomes importantes, passando pela teórica raiz brasileira do fado e, claro, pelo violão espanhol, ressaltando personagens como Francisco Tárrega, Paco de Lucia e Josefina Robledo – esta última chegou a viver no Brasil.

            “Na verdade, o violão se adaptou ao que precisava cada música em cada um desses países. Evoluiu e se transformou para poder tocar música clássica, flamenco, fado, choro, bossa nova. Temos que pensar que o violão do jeito que a gente conhece hoje, com essa forma física, data mais ou menos de 1850. Nem sempre o violão teve seis cordas simples e as cordas eram de aço ou de tripa. O náilon só aparece na metade do século 20”, analisa ele.

            Galilea prefere não falar no violão brasileiro como uma escola, mas reconhece um “jeito próprio” de tocar o instrumento no Brasil. “E esse violão de sete cordas, especialmente o de cordas de náilon, que acrescenta uma corda grave ao violão clássico, é um negócio bem brasileiro, que pode abrir novas possibilidades para o instrumento”, conclui. 


            três perguntas para...

            carlos galilea
            jornalista

            O violão brasileiro é reconhecido na Europa? Há público para ver shows e comprar discos de violão brasileiro?
            O violão brasileiro é conhecido na Europa sobretudo por conta das obras de Villa-Lobos no mundo clássico e dos discos de Baden Powell na área popular. Também, claro, pelo João Gilberto e a bossa nova. E por esses músicos que não só tocam violão como cantam. Se o violão é, talvez, o instrumento mais querido e democrático de todos, é porque as pessoas o usam para acompanhar as canções. Serve para compartilhar. E o Brasil tem artistas desse tipo que tocam violão muito bem, como João Bosco, Gilberto Gil, Djavan e Lenine.

            Na sua opinião, qual é o maior violonista brasileiro de todos os tempos?
            Não gosto de falar em maior porque, para mim, a música não é corrida de carro em que um tem que chegar primeiro. Cada grande violonista tem seu valor. Na história do violão brasileiro há nomes importantíssimos, como Garoto, Baden Powell, Raphael Rabello, Hélio Delmiro, Egberto Gismonti e, hoje, por exemplo, o Yamandu Costa.

            Que violonista brasileiro, na sua opinião, tem realizado trabalho relevante?
            Falar de nomes acaba sendo crime, porque sempre vou esquecer de muitos. Agora, se você quer saber sobre meus gostos pessoais, adoro o Toninho Horta, pelo sentido harmônico que ele tem, e acho o trabalho do Guinga de um requinte muito especial. Se tivesse que dizer um nome para você seguir a pista dele nos próximos anos, porque é de cair pra trás, diria o de Marcus Tardelli.

            Imagens do mundo - Nahima Maciel‏

            O canadense Timothy Brook faz uma viagem histórica pelo século 17 a partir dos poucos quadros deixados pelo pintor holandês Vermeer
             

            Nahima Maciel
            Estado de Minas: 05/01/2013 
            A especialidade do canadense Timothy Brook é a China, mas por um desvio de rota bastante improvável ele acabou na Holanda. Durante umas férias, num verão chuvoso, ele desembarcou em Amsterdã, comprou uma bicicleta e partiu solitário para realizar o sonho de muito ciclista universitário adepto do mochilão: rodar as planícies holandesas em busca de sossego e paisagens. Foi assim que esbarrou em Delft e sua luz amarelada. A terra de Johannes Vermeer levou o então estudante de volta a um passado de ouro de uma pintura atrelada à história. Brook pedalava embalado pelo encanto dos moinhos nos horizontes quando foi surpreendido por uma chuva intensa e acolhido por uma holandesa de meia-idade em uma casa à beira da estrada. Corriam os anos 1970 e um rapaz de bicicleta não representava muito perigo. Foi então que Delft ficou impressa na memória do canadense para, 38 anos mais tarde, ressurgir na forma de um livro. O chapéu de Vermeer começou naquela tempestade de verão e levou o autor a recuar 343 anos em busca do cotidiano da sociedade na qual o mestre de Delft pôde criar as mais belas luzes da pintura holandesa. 

            Desde aquele passeio como universitário descompromissado, Brook se tornou especialista na história da dinastia Ming e professor das universidades de Oxford e Columbia, o que não impediu que fosse fisgado pela magia de Vermeer. Os oito capítulos do livro são uma viagem histórica pelo século 17 a partir das poucas pinturas deixadas pelo mestre. Cada quadro denuncia um contexto e Brook disseca as telas em busca de referências capazes de revelar como era a vida das pessoas na época. 

            Os quadros não falam apenas de Delft. As grandes navegações já agitavam os mares do planeta quando o pintor registrou sua diáfana Moça com brinco de pérola e não se pode ignorar esse detalhe quando se observa com cuidado telas como Oficial e moça sorridente e O geógrafo. Um mapa-múndi pendurado ao fundo da sala na qual a moça conversa com o oficial de chapéu imenso, um globo no alto de um armário da casa do geógrafo devidamente equipado com um compasso, os objetos pintados por Vermeer anunciam uma época e um modo de vida. 

            A primeira parada de Brook é uma análise do uso do chapéu a partir de Oficial e moça sorridente e Vista de Delft, uma das raras paisagens pintadas pelo holandês. Um detalhe do quadro guia o historiador pelos costumes e pelos vestuários da época, pela maneira como homens e mulheres se relacionavam e pelas rotas das navegações que levaram os europeus a desembarcar no continente norte-americano, onde encontraram uma população nativa disposta a trocar conhecimento por pólvora e metal. 

            Leitora à janela é uma viagem ao Oriente. Provavelmente, a modelo de Vermeer nunca tenha saído de Delft, mas há uma razão para estar acompanhada da fruteira de porcelana com desenhos azuis que repousa em cima da mesa. “A década de 1650 foi exatamente o momento em que a porcelana chinesa ocupou seu lugar na arte holandesa, assim como na vida holandesa”, escreve Brook. Assim como as especiarias e o chá, a porcelana era um dos produtos que alimentavam (e bem) o comércio entre o Oriente e o Ocidente. Acabou copiada com maestria pelos artesãos de Delft e a cidade ficou famosa por produzir a melhor faiança da Europa. Para chegar a essa conclusão, Brook despenca para terras distantes como Pérsia, China, Índia, México e até América Latina, já que o consumo da cerâmica se espalhou por todos os continentes graças às navegações que comercializavam a porcelana chinesa. 

            Fumantes 


            O geógrafo é o mote para o mergulho em um episódio curioso da conquista da China pelos jesuítas, mas é com um tema que nunca apareceu em um quadro de Vermeer que Brook constrói o capítulo mais interessante do livro. Fumantes eram figuras comuns nos azulejos produzidos pelos artesãos de Delft e em telas de nomes como Hendrik van der Burch e Peter de Hooch — esse último um segredo muito bem guardado da era de ouro da pintura holandesa. Os pintores gostavam de colocar cachimbos nas mãos de seus retratados para dar alguma função aos membros superiores. Questão de pose que diz muito sobre os hábitos da época. 

            O fumo chegou à China no século 16 e atravessou os mares orientais para se instalar na Europa como prática social (e ainda bem distante da ideia de vício) no século 17. Uma vez instituído, o hábito alimentou a pena de muitos autores. Um século antes, os descobridores se depararam com os indígenas das Américas e seus cachimbos repletos de uma mistura de plantas locais. Manuais e vasta literatura sobre a prática de fumar foram produzidos naquele período. Era possível até mesmo identificar classes sociais a partir da maneira como se consumia o tabaco. O fumo foi usado, inclusive, para o tratamento de doenças pulmonares. 

            Por fim, Brook pincela vários quadros para falar das viagens. As aventuras marítimas, lembra o autor, alimentavam cofres e sonhos. Histórias de viajantes perdidos, exilados voluntários em culturas distantes, servidões autoimpostas em troca de um lugar em um navio permeiam os últimos capítulos de O chapéu de Vermeer. O pintor morreu aos 43 anos, em dezembro de 1675, empobrecido, cheio de dívidas e obras encalhadas, um sinal da decadência de Delft. Enquanto a cidade prosperou, Vermeer vendeu. E vendeu muito bem. Mas as redes econômicas mudaram e a pequena cidade portuária, berço da fase mais luminosa da pintura holandesa, se apagou.


            O chapéu de Vermeer

            . De Timothy Brook, tradução de Maria Beatriz de Medina
            . Editora Record, 278 páginas, R$ 47,90

            Primavera nos dentes - Bernardo Scartezini‏

            O poeta Lawrence Ferlinghetti revive maio de 1968 no romance impressionista Amor nos tempos de fúria 

            Bernardo Scartezini
            Estado de Minas: 05/01/2013 

            Sempre teremos Paris. E sempre teremos 1968. Estamos de volta àquele tempo e àquele lugar – agora na companhia de Lawrence Ferlinghetti. O baita poeta beat revisita um dos momentos mais emblemáticos da contracultura do século 20 com este seu livro Amor nos tempos de fúria.

            A mitologia de 1968 é vasta e já bastante palmilhada pela arte nas últimas décadas. Mas estaremos na companhia, desta vez, de um casal nem tão jovenzinho assim. Um casal que passa à larga de Sorbonne e do câmpus de Nanterre, embora não deixe de respirar um certo ar de revolução – com o perdão pela expressão.

            A norte-americana Annie tem 40 e poucos anos. Trabalha como professora de artes plásticas em Paris. Nas passeatas, consegue distinguir as feições de alguns de seus alunos, distinguir alguns de seus traços nos cartazes e nos muros da grande cidade. Ela se afeiçoa por um sujeito oblíquo. Um sujeito que parece ofender o espírito daquele tempo. O português Juan tem 50 e poucos anos. Ele é banqueiro. É aquele tipo de burguês que frequenta bons restaurantes e elegantes hotéis. É bem o tipo de “inimigo” que os alunos de Annie adorariam apedrejar em praça pública.

            Mas Juan é um cara legal, ele jura ser um cara legal. Ele é um camarada de esquerda que apenas estava no lugar certo na hora certa: conseguiu um emprego bacana num banco lisboeta e, quando seu chefe morreu sem deixar herdeiros, acabou por lhe cair no colo uma oportunidade única na vida de um bom revolucionário.

            Juan agora está dentro do sistema para fazê-lo ruir a partir do lado de dentro. Juan é o grande sabotador. Juan é um anarquista. Ele não tem simpatia alguma por partidos e líderes da esquerda tradicional, pois acredita que, uma vez alçados ao poder, esses caras se comportariam tão sordidamente quanto seus antecessores. Para evitar que o poder corrompa quem dele se acerque, entende Juan, seria mais seguro arrasar todo o sistema financeiro-capitalista-industrial que nutre esse poder.

            Annie está por demais apaixonada para duvidar de Juan a sangue-frio. Embora seus instintos revolucionários e o que lhe resta de espírito juvenil teimem em lhe dizer o oposto, ela parece estar disposta a bancar as palavras incendiárias de Juan. É aqui que Fernando Pessoa manda um abraço. A personagem de Juan foi inspirada em Lawrence Ferlinghetti por um “conto filosófico” do poeta português. O banqueiro anarquista, publicado por Pessoa no ano de 1922, apresentava uma grande ironia de seu autor em cima tanto dos discursos iluministas quanto das cartilhas marxistas.

            Ferlinghetti, nesse aceno para Pessoa, coloca toda a revolução de 1968 sob uma lente bastante fria. Um tanto cínica até. Os seus protagonistas parecem ser que nem aqueles personagens de Jean-Luc Godard em A chinesa (1967), que interrompem as atividades de sua célula maoísta porque o verão já está acabando e – afinal – eles todos têm que voltar aos seus afazeres.

            Guerra e poesia 

            Lawrence Ferlinghetti lutou na Segunda Guerra Mundial. Era capitão de fragata da Marinha norte-americana quando os aliados invadiram a Normandia, em 6 de junho de 1944. Ferlinghetti já era beat antes mesmo de o termo “beat” ser usado pela imprensa. Ele fundou a editora e livraria City Lights e com ela deu aos poetas de São Francisco um centro gravitacional e emocional a partir de meados dos anos 1950.

            Quando a censura dos Estados Unidos quis barrar o Uivo (1956), de Allen Ginsberg, por conta de sua “linguagem obscena”, foi o editor Lawrence Ferlinghetti quem peitou as acusações e, virando o jogo, abriu um precedente que fez ser possível tudo o que se seguiria a partir dali...

            A literatura beat, o rock californiano, os testes com ácido lisérgico, a cena hippie de Haight-Ashbury e – por que não? – maio de 1968 em Paris, Praga, Londres...

            Por isso, não podemos nos espantar com a ideia de que Lawrence Ferlinghetti estava em Paris em maio de 1968. Onde mais ele poderia estar, não é mesmo? Na condição de professor visitante em Sorbonne, o poeta pôde se sentir tanto parte ativa quanto observador distante dos agitos estudantis daquele momento.

            E quando resolveu escrever explicitamente sobre aquele tempo, aquele lugar, saiu-se com este Amor nos tempos de fúria. Eis um raro romance dentro da notável obra poética de seu autor. O texto saiu em 1988 pela City Lights, 20 anos depois do vendaval, e agora recebe sua primeira edição brasileira pela L&PM.

            A mesma L&PM que já publicara há quatro anos Um parque de diversões na cabeça, a versão nacional para A Coney Island of the mind (1958), a obra maior de Ferlinghetti. Esse livro é tido nos EUA como o mais vendido título de um poeta americano vivo. Pois Lawrence Ferlinghetti, ainda a rebimbar hoje em inacreditáveis 93 anos, sobreviveu aos seus colegas de geração beat – Allen Ginsberg, Jack Kerouac, William Burroughs – todos eles, vítimas de seus apetites vorazes.

            Ferlinghetti nunca foi um best-seller, nunca virou modinha entre os descolados. Ferlinghetti pegou a estrada mais comprida. Se essa pequena joia transgressora e libertária chamada A Coney Island of the mind for realmente o mais vendido livro de um poeta norte-americano vivo, pode-se dizer que isso se deve ao fato de Lawrence Ferlinghetti ter sempre estado aqui por perto.

            Então, se Lawrence Ferlinghetti dá uma bela de uma empanada naquele romantismo saudosista de 1968 neste Amor nos tempos de fúria, por favor, isso não significa que ele não consiga se identificar com ideais libertários ou transformadores. Muito pelo contrário. As reservas de Ferlinghetti se devem ao fato de ele saber muito bem que a verdadeira revolução não nasce em canteiros políticos, em panfletos mimeografados ou em palavras de ordem de ocasião.

            A revolução nasce – quietinha – cá dentro da cachola. Lawrence Ferlinghetti leva bem a sério aquele ensinamento que nosso saudoso poeta Roberto Piva tanto repetia aqui pelas ruas de São Paulo: um poeta experimental precisa levar uma vida experimental.

            E, cá entre nós, mesmo o grande Roberto Piva não teria sido o grande Roberto Piva se antes dele já não houvesse um... Lawrence Ferlinghetti.


            AMOR NOS TEMPOS DE FÚRIA

            . De Lawrence Ferlinghetti, tradução de Rodrigo Breunig
            . L&PM Editores, 144 páginas, R$ 16