sábado, 24 de janeiro de 2015

Da beleza e do caos

Rio noir reúne autores selecionados por Tony Bellotto para descortinar os mistérios e as sombras da cidade maravilhosa, que vai muito além dos ensolarados cartões-postais


André di Bernardi
Estado de Minas: 24/01/2015



 (Ricardo Moraes/Reuters)


Existe um Rio de Janeiro de lindas praias, um Rio maquiado feito para turistas, de dias ensolarados, de pessoas bonitas e simpáticas correndo, lindas, pela orla de Copacabana. Mas existe ali, meio que pairando, uma outra cidade, contraditória e feia. Pois a Editora Casa da Palavra acaba de lançar Rio noir, iniciativa que dá prosseguimento a uma série de sucesso nos Estados Unidos, Brooklin noir, que reúne contos policiais de grandes autores.

O músico e escritor Tony Bellotto organizou um grupo de apaixonados pelo Rio para descortinar as famosas paisagens da Cidade Maravilhosa. Eles apresentam um mundo de vultos, sangue, intrigas, violência, desvãos e mistérios, com pitadas daquele insubstituível humor tipicamente carioca.

A cidade do Rio de Janeiro, capital do Brasil de 1763 a 1960, é muito mais do que mostram os cartões-postais. Em meio a névoas e neblinas, entram em cena Luiz Alfredo Garcia-Roza, MV Bill, Luiz Eduardo Soares, Guilherme Fiuza, Arthur Dapieve, Victoria Saramago, Arnaldo Bloch, Adriana Lisboa, Alexandre Fraga, Marcelo Ferroni, Flávio Carneiro, Raphael Montes, Luis Fernarndo Verissimo e, como não poderia deixar de ser, o próprio Tony Belotto.

Cada conto apresenta como pano de fundo um bairro carioca – do Leme (Tony Belotto) a Bangu (Luis Fernando Verissimo), passando pela Lapa (Luiz Alfredo Garcia-Roza), Cidade de Deus (MV Bill), São Conrado (Luiz Eduardo Soares), Leblon (Guilherme Fiuza), Cosme Velho (Arthur Dapieve), Floresta da Tijuca (Victoria Saramago), Jacarepaguá (Arnaldo Bloch), Largo do Machado (Adriana Lisboa), Ipanema (Alexandre Fraga), Barra da Tijuca (Marcelo Ferroni), Centro (Flávio Carneiro) e Copacabana (Raphael Montes).

Transitam nesse universo descabido proxenetas, cartomantes, policiais, traficantes, coronéis, socialites, favelados, estelionatários, turistas, corretores, detetives, jornalistas, políticos, assassinos, editores, bandidos, escritores e amantes. Ou seja, cidadãos comuns e ordinários, como é ordinário o sol escaldante de todo dia.

Sob uma perspectiva contemporânea e urbana, Rio noir apresenta contos de personagens tipicamente cariocas, o que não é óbvio, embora possa parecer num primeiro momento, pois a universalidade e o caráter das atitudes de cada um podem ser encontrados em todos nós. Cada situação extrema de cada conto pode muito bem ocorrer em qualquer esquina.

Aquele que conhece o Rio de Janeiro sabe (conheço pouco, pouquíssimo, mas conheço) que ali não cabe embuste. Aquela cidade não é e nunca foi uma cidade mentirosa. É linda, mas também é feia de ser horrorosa. O Rio é uma cidade perplexa, e, arrisco a dizer, sem personalidade. Tudo está ali, escancaradamente pronto, cru, áspero. O Rio de Janeiro, cidade feita de misturas, extrapola versos e reversos.

Trata-se de uma urbe que sabe que é linda, que sabe ser cafajeste – como só as mulheres lindas sabem ser. Tudo ao mesmo tempo, e agora. Ali não existe o meio-termo. Praia e balbúrdia, drogas e poesia, calma e trovão. Carnaval é sinônimo de alvoroço. Tudo é preto no branco, e vice-versa, com direito a azuis desconcertantes e paisagens, muitas paisagens deslumbrantes, pouco mentirosas. A paz está no hidrogel, nas bundas, no desbunde da melhor ditadura, a da alegria.

A cidade que abrigou o poeta Carlos Drummond de Andrade carrega muito de um claro enigma. O Rio é escancaradamente magnífico e misterioso. Sabem disso os 14 autores do livro. Por ser tanto visto, o Rio de Janeiro se tornou barbaramente desassistido. Certas luzes mais cegam que iluminam.

O livro, assim, tenta reverter esse processo. Outros olhares vestem um já vestido Rio. São camadas e camadas de puro paradoxo. Do lindo ao feio, do feio ao lindo, apenas parágrafos, palavras e ideias, histórias desconcertantes. O indesejável muito se presta para a literatura. Escrever sobre o asco é mais difícil e promissor do que falar sobre a esperança de um Cristo de braços abertos diante de tanto esplendor.

De Bic a Mont Blanc, tiros e poesia, caos e glória, medo e puro deleite. O Rio de Janeiro não é uma cidade partida. O Rio de Janeiro é uma cidade estúpida, submersa em si mesma, sem perspectivas que não vão além do próximo pagode, do próximo funk. Só mesmo essa amplidão inviável, esses desvios.

Os autores recolheram lástimas, discórdias, breus, tudo liquidificado no brusco. O romance é mais lânguido, a poesia é um relâmpago. Assim, só mesmo o conto para dar conta de tanta tensão, de tanto tesão e intensidade. O Rio de Janeiro é uma cidade feita para a poesia e para os poetas. Se São Paulo é o inferno, se Belo Horizonte não existe, o Rio de Janeiro é a nossa Paris piorada, com um quê de Londres e Afeganistão. Como diz Rubem Fonseca, na epígrafe do livro: “A cidade não é o que se vê do Pão de Açúcar”.

SÉRIE NOIR

Akashic Books é uma editora independente com sede no Brooklyn, em Nova York, dedicada à publicação de ficção literária urbana. Cada volume da Série Noir traz contos de escritores famosos e iniciantes tendo como pano de fundo alguma cidade dos Estados Unidos. O sucesso foi tão grande que a editora, além de lançar a própria série em outros países, preparou edições especiais com cidades de outros países: Nova Délhi, Paris, Copenhague, Londres e Havana, entre outras. Rio noir é o primeiro volume publicado no Brasil.

RIO NOIR

. Vários autores
. Org: Tony Belotto
. Casa da Palavra, 304 páginas, R$ 39,90

Philosophar - Eduardo Almeida Reis

 A espécie humana, em seus presumíveis 200 mil anos, sempre se drogou


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 24/01/2015






Álcool é droga? É. Cafeína é droga? É. Nicotina é droga? Claro que é. No entanto, bebidas alcoólicas, cafés finíssimos e produtos com nicotina, pagando impostos, podem ser produzidos e vendidos no Brasil. Com os nicotínicos vem acontecendo fenômeno curioso. Podem ser fabricados, comercializados, pagam impostos altíssimos e o tabagismo, toxicomania caracterizada pela dependência psicológica do consumo de tabaco, está sendo transformado em crime. Enquanto isso, o Santo Daime é “religião”. Não invento. A ayahuasca, bebida alucinógena preparada com o caule do caapi (Banisteriopsis caapi) e folhas de chacrona (Psychotria viridis), é usada ritualmente por populações amazônicas e milhares de adeptos de diversas seitas em todo o Brasil e no exterior. Vou acabar fundando a Igreja Evangélica Tabagista para ficar riquíssimo e fumar charutos de 150 dólares a unidade, como aqueles que os chineses compram em Cuba.

O problema da droga começa pelo fato de não ser uma droga no sentido de gosto ruim, de comida ou bebida de má qualidade, de algo insignificante. Saudoso amigo/irmão, brasileiro notável, inteligentíssimo, cultíssimo, viajado e rico, me disse que experimentou a heroína injetável e a sensação imediata foi a de estar entrando no paraíso.

A espécie humana, em seus presumíveis 200 mil anos, sempre se drogou, o que não impede os animais irracionais de se drogarem. Você já deve ter visto aqueles vídeos com elefantes, macacos e outros bichos cambaleantes de tão bêbados depois de comer os frutos da Sclerocaraya birrea, árvore de tamanho médio originária do bioma das savanas da África Oriental. Tenho aqui na adega um litro ainda virgem do licor Amarula, produzido com os frutos daquela árvore, importante fonte de alimentos para diversos animais da região. A Sclerocraya birrea foi espalhada pela África seguindo as migrações do povo banto.

Existe algo melhor do que boa cerveja, de alto teor alcoólico, ou um chope bem tirado? Que existe, existe, mas não posso explicar neste espaço imaculado de nossa mídia porque sou de uma pudicícia que encanta e comove. Fiquemos na cerveja, no uísque, nos vinhos, nos champanhas e assemelhados. O pilequinho social é muito gostoso. E você contribui para o bem do povo e felicidade geral da Nação pagando impostos altíssimos, criando empregos, fazendo amigos.

Todos sabemos das consequências da Lei Seca norte-americana. Daí a pergunta que lhes faço: por que não liberar a produção e comercialização de todas as drogas? Quem quiser cheirar, fumar, injetar-se, que cheire, e fume e se injete pagando impostos. O sistema que aí está não funciona, o tráfico está cada vez mais violento e organizado, o Brasil, com 3% da população mundial, responde por 10% dos homicídios cometidos no planeta. Creio desnecessário repetir que sou virgem de pós, fuminhos e drogas injetáveis. Bastam-me os uisquinhos e os charutinhos ainda permitidos. Portanto, não estou advogando em causa própria.

Tristeza

Nada mais fácil e mais feio do que ficar sentado numa poltrona, em casa, criticando os jornalistas que lá estão maquiados nos estúdios das tevês, ao vivo, em cores, de improviso, tentando fazer o seu trabalho honestamente. Sobretudo quando a jornalista é um docinho de coco, linda, voz aveludada, objeto dos sonhos de onze entre dez cavalheiros sérios solteiros, casados, viúvos ou divorciados.

Faz mais de uma hora que estou aqui diante do computador, depois de desligar a tevê na sala, me perguntando: escrevo, não escrevo, comento, não comento, critico, não critico? Nesse meio tempo, aproveitei para cortar as unhas das mãos e aceitei o copo com água gelada que a comadre me ofereceu.

A mesma comadre que veio correndo ao living onde fica o televisor, com os gritos que dei diante da ignorância da jornalista que é um docinho de coco, linda, voz aveludada, objeto dos sonhos de onze entre dez cavalheiros sérios solteiros, casados, viúvos ou divorciados.

De unhas cortadas, copo vazio da água que bebi, acabo de tomar uma sábia decisão: não vou falar o nome da moça nem comentar o assunto. Não sou palmatória do mundo. Reservo-me o direito de ficar calado e triste, muito triste mesmo, porque a derrapada foi de entristecer um continente, ou dois, ao vivo e em cores com um interlocutor que falava diretamente da Austrália.

O mundo é uma bola


24 de janeiro de 41: Gaius Julius Caesar Augustus Germanicus, o Calígula, é assassinado aos 28 anos por sua Guarda Pretoriana, algo assim como a guarda presidencial matar um presidente da República Federativa do Brasil. O apelido Calígula, ou “botinhas”, veio dos legionários comandados por seu pai, que se divertiam vendo o menino calçando pequenas caligae (sandálias militares) ao acompanhar as tropas. Germanicus, o pai do guri, é considerado um dos maiores generais da história de Roma. Militar supimpa, teve um filho maluco, que foi imperador romano durante quatro anos, de março de 37 a janeiro de 41. Hoje é o Dia da Previdência Social e o Dia dos Aposentados.

Ruminanças


“No Reino Unido, água mineral está custando mais que o leite. Para salvar a pecuária britânica, só dando um jeito de botar leite na água” (R. Manso Neto).