A tarde - 02/11/2013
Pelo segundo ano consecutivo, passei todo o mês de outubro em Madri, cidade adorável, a mais animada domundo: as ruas do centro agitadas como as festas de largo da Bahia, cheias de gente civilizada batendo perna, meia-noite parece meio-dia. Restaurantes, cervejarias e cafeterias lotados.
Salvador e Madri têm praticamente a mesma população, uns três milhões de habitantes. Madri, fundada pelos mouros no século IX, capital da Espanha desde 1561; Salvador, fundada em 1549, foi capital do Brasil até 1763. Madri tem 12 linhas de metrô, 319 estações, 2.310 vagões. Transporta mais de 650 milhões de passageiros por ano! Metrô limpo, rápido, fácil de viajar, todo mundo lendo um livro ou fuçando seu aparelho digital. O serviço de ônibus, maravilhoso: tem até cadeira especial para bebês. Com o equivalente de 150 reais, reduzido a 40 reais para os idosos, compra-se um vale-transporte mensal que permite usar livremente qualquer transporte coletivo. É o mesmo valor gasto mensalmente por minha empregada para ir e voltar de Pernambués aos Barris, viajando de pé, mais de uma hora de engarrafamento. O metrô de Salvador, nossos ônibus... uma desgraça!
Anda-se por toda Madri até de madrugada em total segurança, sem medo de assaltos: lá 50 assassinatos por ano, aqui, mais de 1.500 anuais! Em Salvador e no Brasil em geral, todo mundo trancado dentro de casa com medo de assalto, sem coragem sequer de passear pelo centro histórico.
Apesar da atual crise das economias europeias, o abastecimento na Espanha é de altíssima qualidade, padrão primeiro mundo: nos maravilhosos supermercados, dos grandões como El Corte Inglés, aos pequeninos incrustados em quarteirões residenciais, fantástica variedade e qualidade de produtos nem sempre mais caros que na brasilândia. Frutas do mundo todo. O salário mínimo espanhol é três vezes mais alto que o brasileiro. Com os mesmos 30 mil reais pagos ao nosso carro mais simples, compra-se lá veículo muito mais equipado e potente.
Viva a Espanha! Visite Madri!
Luiz Mott
Professor titular de Antropologia da Ufba
luizmott@oi.com.br
sábado, 2 de novembro de 2013
Virgildásio Senna: 90 anos de dignidade - JC Teixeira Gomes
A Tarde 02/11/2013
Jornalista, membro da Academia de Letras da
Bahia
jcteixeiragomes@hotmail.com
Amanhã, dia três, estará completando 90 anos de idade Virgildásio Senna, ex-prefeito de Salvador e deputado federal constituinte. Dignidade: eis a palavra que lhe define a trajetória. Dignidade como homem, como político e como cidadão.
Em 1964, foi deposto pelos militares do cargo de prefeito eleito de Salvador. Tendo notado que sua residência no Campo Grande estava sitiada por uma operação militar, resolveu comparecer pessoalmente ao quartel da VI Região Militar, onde o general Mendes Pereira o deteve. Foi levado, então, para a Base Naval, e contra ele os golpistas iniciaram um dos habituais processos por subversão, do qual nada resultou, tendo sido, muitos anos depois, sustado pelo advogado Raul Chaves.
Ninguém tinha dúvidas de que Virgildásio seria o mais eficiente prefeito da capital baiana, pois, engenheiro de profissão, era também um planejador meticuloso, que já ocupara cargos de relevo na gestão Heitor Dias, quando iniciou a dinamizar o sistema viário da cidade. Esse trabalho credenciou-o a eleger- se prefeito pelo
PTB em 1962. Empossando-se em abril de 63, somente ficou no cargo até abril de 64. Já antes, trabalhara com Anísio Teixeira na gestão Octávio Mangabeira, ajudando inclusive a construir a Escola Parque.
Cidade de topografia acidentada, intermitência de morros e vales, nossa capital foi concebida pelos portugueses como uma fortaleza contra índios e invasores estrangeiros. A escarpa sobre uma montanha, recheada de vielas, becos, ruas estreitas e caminhos de problemático acesso, traduzia uma cidadela defensiva, preparada para repelir ou dificultar a vida de agressores.
Essa realidade, responsável pelo encanto de Salvador, mas também geradora de empecilhos para sua modernização, exigia um planejador com competência e conhecimentos específicos da fisionomia característica da nossa capital. Era o que Vigildásio Senna já revelara no primeiro ano da sua administração, eleito que fora com expressivo apoio popular. Sua retirada compulsória do cargo estancou um projeto que não mais foi retomado pois a desfiguração progressiva da capital baiana resultou, substancialmente, do despreparo, das improvisações e dos interesses de muitos dos prefeitos que o sucederam, sobretudo da chusma dos biônicos impostos pelos militares. Mas não apenas deles, pois manda a verdade que se diga que os dois piores foram eleitos: referimo-nos a Fernando José e João Henrique, este último apelidado de “prefeito-tsunami”, pois ajudou a devastar Salvador com sua política de solo, disseminando espigões e ajudando a conflagrar o tráfego, além de ter sucessivas contas reprovadas. Nunca tanto atraso em tão poucos anos.
Tendo ido residir no Rio após a deposição e de ter sido cassado pelo Ato Institucional nº 5, Virgildásio Senna, após a anistia, voltou a Salvador e candidatou- se a prefeito em 1988, com o apoio de Waldir Pires, perdendo o pleito para Fernando José, que usou as suas facilidades de radialista. Mas antes, em 1982 e 1986, obtivera duas importantes vitórias políticas: elegeu-se, respectivamente, deputado federal e deputado federal constituinte. Coerente com a linha das suas convicções, em 1988 ajudou a fundar o PSDB, tendo sido um dos dissidentes do PMDB, criado para fazer oposição ao golpe de 64 e que, progressivamente, se desfigurara, causando a rebelião partidária.
Eis aqui, em poucas linhas, a vida política de um dos homens públicos mais competentes e estimados da Bahia, que chega a uma idade rara, na esteira de uma trajetória de lutas e realizações. Pela determinação com que se lançou à retomada da sua vocação política, após a perda traumática do cargo de prefeito, merece todas as honrarias. Em abril de 1964, tendo ido comprar jornais na praça Tomé de Souza, fui testemunha involuntária do cerco da prefeitura pelos militares para depor Virgildásio. Era um domingo e ele não se encontrava no prédio. A violência se consumou por outros meios, em outro local. Mas, pela sua dedicação como administrador e pela sua coerência como político,
será sempre para os baianos “o prefeito que nunca será esquecido”.
Jornalista, membro da Academia de Letras da
Bahia
jcteixeiragomes@hotmail.com
Pela determinação com que se lançou à retomada da sua vocação política, após a perda traumática do cargo de prefeito em 1964, merece todas as honrarias
Amanhã, dia três, estará completando 90 anos de idade Virgildásio Senna, ex-prefeito de Salvador e deputado federal constituinte. Dignidade: eis a palavra que lhe define a trajetória. Dignidade como homem, como político e como cidadão.
Em 1964, foi deposto pelos militares do cargo de prefeito eleito de Salvador. Tendo notado que sua residência no Campo Grande estava sitiada por uma operação militar, resolveu comparecer pessoalmente ao quartel da VI Região Militar, onde o general Mendes Pereira o deteve. Foi levado, então, para a Base Naval, e contra ele os golpistas iniciaram um dos habituais processos por subversão, do qual nada resultou, tendo sido, muitos anos depois, sustado pelo advogado Raul Chaves.
Ninguém tinha dúvidas de que Virgildásio seria o mais eficiente prefeito da capital baiana, pois, engenheiro de profissão, era também um planejador meticuloso, que já ocupara cargos de relevo na gestão Heitor Dias, quando iniciou a dinamizar o sistema viário da cidade. Esse trabalho credenciou-o a eleger- se prefeito pelo
PTB em 1962. Empossando-se em abril de 63, somente ficou no cargo até abril de 64. Já antes, trabalhara com Anísio Teixeira na gestão Octávio Mangabeira, ajudando inclusive a construir a Escola Parque.
Cidade de topografia acidentada, intermitência de morros e vales, nossa capital foi concebida pelos portugueses como uma fortaleza contra índios e invasores estrangeiros. A escarpa sobre uma montanha, recheada de vielas, becos, ruas estreitas e caminhos de problemático acesso, traduzia uma cidadela defensiva, preparada para repelir ou dificultar a vida de agressores.
Essa realidade, responsável pelo encanto de Salvador, mas também geradora de empecilhos para sua modernização, exigia um planejador com competência e conhecimentos específicos da fisionomia característica da nossa capital. Era o que Vigildásio Senna já revelara no primeiro ano da sua administração, eleito que fora com expressivo apoio popular. Sua retirada compulsória do cargo estancou um projeto que não mais foi retomado pois a desfiguração progressiva da capital baiana resultou, substancialmente, do despreparo, das improvisações e dos interesses de muitos dos prefeitos que o sucederam, sobretudo da chusma dos biônicos impostos pelos militares. Mas não apenas deles, pois manda a verdade que se diga que os dois piores foram eleitos: referimo-nos a Fernando José e João Henrique, este último apelidado de “prefeito-tsunami”, pois ajudou a devastar Salvador com sua política de solo, disseminando espigões e ajudando a conflagrar o tráfego, além de ter sucessivas contas reprovadas. Nunca tanto atraso em tão poucos anos.
Tendo ido residir no Rio após a deposição e de ter sido cassado pelo Ato Institucional nº 5, Virgildásio Senna, após a anistia, voltou a Salvador e candidatou- se a prefeito em 1988, com o apoio de Waldir Pires, perdendo o pleito para Fernando José, que usou as suas facilidades de radialista. Mas antes, em 1982 e 1986, obtivera duas importantes vitórias políticas: elegeu-se, respectivamente, deputado federal e deputado federal constituinte. Coerente com a linha das suas convicções, em 1988 ajudou a fundar o PSDB, tendo sido um dos dissidentes do PMDB, criado para fazer oposição ao golpe de 64 e que, progressivamente, se desfigurara, causando a rebelião partidária.
Eis aqui, em poucas linhas, a vida política de um dos homens públicos mais competentes e estimados da Bahia, que chega a uma idade rara, na esteira de uma trajetória de lutas e realizações. Pela determinação com que se lançou à retomada da sua vocação política, após a perda traumática do cargo de prefeito, merece todas as honrarias. Em abril de 1964, tendo ido comprar jornais na praça Tomé de Souza, fui testemunha involuntária do cerco da prefeitura pelos militares para depor Virgildásio. Era um domingo e ele não se encontrava no prédio. A violência se consumou por outros meios, em outro local. Mas, pela sua dedicação como administrador e pela sua coerência como político,
será sempre para os baianos “o prefeito que nunca será esquecido”.
João Paulo - De perto, de longe
Estado de Minas: 02/11/2013
Andamos tão preocupados com o tempo que estamos perdendo a noção de espaço. O que é perto e longe deixou de ser referência em razão de uma falsa anulação das distâncias: viajamos rápido, compartilhamos em tempo real experiências em vários cantos do mundo, temos a falsa ideia de habitar o coração do planeta.
Há algum tempo, quando as distâncias imperavam, havia uma espécie de hierarquia: o que importava, até mesmo por nossa capacidade de intervenção, era o que estava mais próximo. O gesto de liberdade era demarcado pelo arco formado por um homem com os braços abertos. Aquilo que dizia respeito aos contextos mais distantes tinha seu valor, mas era considerado com o peso dado pelo afastamento.
A proximidade não era uma condenação, mas destino. Como diziam os antigos filósofos existencialistas, somos nós e nossa circunstância. Por isso, quanto mais ligados ao nosso entorno, mais nos definimos como humanos. A proximidade nos humaniza. A dialética entre perto e longe, o balanço entre as duas situações se torna uma espécie de modo de ser no mundo. Somos contemporâneos do todo, mas conterrâneos do próximo.
Essa situação se apresenta a todo momento na vida das sociedades contemporâneas. Estamos perdendo o sentimento de vizinhança. Uma das consequências desse movimento é a diminuição do sentido de singularidade em troca da percepção que alguns chamam de globalizada. Em outros termos, cada parte do todo sacrifica o que tem de único em razão de uma falsa centralidade que atende apenas aos interesses de mercado.
São muitas as situações em que se percebe essa tendência. Na mais prosaica delas, a cobertura dos jogos de futebol pela TV, os torcedores locais precisam entregar sua paixão ao interesse do mercado patrocinador. Assim, jogos de São Paulo e Rio de Janeiro, quando não de Madri e Berlim, são mais importantes que a peleja de seu time do coração.
Pode parecer pouca coisa, mas é um sinal significativo de esvaziamento da diferença. O resultado a longo prazo, como se vê hoje com certa frequência, aponta para crianças que torcem para o Barcelona, quando não se alienam ainda mais usando camisas de times de basquete norte-americano e torcendo para um esporte que faz com a mão o que os pés realizam com astúcia no futebol.
A mesma realidade vivida com os esportes também se torna operacional no caso do jornalismo. Não deveria haver, até por definição, nada mais jornalístico que o fato local. Notícia é o que afeta a vida, o que nos permite tomar a melhor decisão. Se uma pessoa liga a televisão e se depara com um engarrafamento em São Paulo (todos parecem saber quantos quilômetros de paralisação SP registra nos dias de chuva), não vai se sentir mais bem aparelhada para se movimentar em Belo Horizonte.
Mais que o dado pragmático, o trânsito ruim em BH é diferente daquele de outras localidades e tem outras razões: incompetência de planejamento, viadutos que ligam dois engarrafamentos, falta de metrô, obras arrastadas e malfeitas. A saída política de Sampa será necessariamente diferente da nossa. Outra deverá ser também a mobilização.
O que trânsito e jogo de futebol têm em comum, nesse caso, é o fato de ganharem dimensão pública por um modelo de TV que deixa de lado a particularidade. Existe saída: a regionalização da programação de televisão. No entanto, como o debate sobre o tema entra sempre na pauta da regulação, acaba sendo vendida como intervenção no setor.
Os projetos de regionalização da produção televisiva patinam há muitos anos no Congresso. Há desde percentuais definidos e horários a serem reservados para programação local até o incentivo à produção desse tipo de programa. Como muitos parlamentares são concessionários de rádio e TV, o debate não avança.
O que se vê, para cumprir a cota hoje existente, é a venda de espaço para programação religiosa, que, independentemente da fé professada, é sempre muito ruim, preconceituosa, chata e alienante. Ou, o que é pior, programas políticos obrigatórios, que, além de contar ponto para a cota local com suas mentiras encadeadas por interesses eleitorais, dão isenção fiscal às emissoras.
Como se vê, torcer para o Barcelona ou ficar preocupado com o tráfego na Marginal Tietê é o menos pior da política concentracionista da comunicação no Brasil. Se de perto ninguém é normal, na TV brasileira de perto ninguém sequer existe.
Coletivos
Outra situação que denuncia a incapacidade da gestão da proximidade é perceptível no setor cultural de BH. Há anos se repetem as mesmas políticas, os mesmos critérios de alocação de recursos, a mesma incapacidade de avanço gerencial. A cidade vive empurrada por grandes festivais, que, em outro registro, parecem repetir a mesma lógica da exclusão da diferença. Como Sísifo, a cada jornada começa tudo de novo sem sequer o benefício da memória para lhes apaziguar os equívocos.
O que falta no setor público parece brotar nos novos artistas da cidade. Pode-se perceber uma saudável tendência política centrífuga, militante e em rede, que tem aproximado coletivos de vários estilos e motivações ideológicas. A mais recente novidade – que merece apoio e atenção – é o Espaço Comum Luiz Estrela.
Localizado em Santa Efigênia, num edifício sem função da Fundação Hospitalar de Minas Gerais, o espaço foi ocupado por artistas e ativistas, passando a oferecer programação cultural para a localidade. Fruto de iniciativa politicamente ordenada e inteligente, a ocupação conquistou a adesão da vizinhança, que percebe o potencial da arte para melhorar seu cotidiano.
A programação inclui aulas de artes orientais, ioga, dança, música, apresentações circenses e debates. As atividades começam com a manhã e se encerram à noitinha, sem atrapalhar o descanso dos cidadãos do bairro. O casarão, até então abandonado, terá gestão coletiva e será restaurado colaborativamente. Tudo é surpreendente na conquista do espaço, menos a reação do poder público, que se apressou a cobrar na Justiça a posse da qual se descurou por décadas.
Os ativistas da cultura em BH têm sabido habitar a cidade em sua valorização da proximidade: o carnaval que se pulveriza em bloquinhos; a ocupação dos espaços do Centro para as atividades que congregam a convivência entre as comunidades mais distantes (como no Duelo de MCs); a mobilização para a derrubada de cercas nas praças públicas.
Outra atitude que também recupera a dimensão de proximidade é o fortalecimento da participação dos segmentos cidadãos do Conselho Municipal de Cultura, que, postergado até o limite, vem ganhando força política e cobrando maior transparência na gestão e na definição da política cultural para o município. Os conselhos, com seu poder deliberativo, são instâncias que defendem a diminuição das distâncias.
Precisamos ficar mais perto dos bons. Em momentos difíceis, nada melhor do que achar a turma certa.
jpaulocunha.mg@diariosassociados.com.br
A antiga unidade da Fhemig em Santa Efigênia nem imaginava que viveria um destino tão festivo |
Andamos tão preocupados com o tempo que estamos perdendo a noção de espaço. O que é perto e longe deixou de ser referência em razão de uma falsa anulação das distâncias: viajamos rápido, compartilhamos em tempo real experiências em vários cantos do mundo, temos a falsa ideia de habitar o coração do planeta.
Há algum tempo, quando as distâncias imperavam, havia uma espécie de hierarquia: o que importava, até mesmo por nossa capacidade de intervenção, era o que estava mais próximo. O gesto de liberdade era demarcado pelo arco formado por um homem com os braços abertos. Aquilo que dizia respeito aos contextos mais distantes tinha seu valor, mas era considerado com o peso dado pelo afastamento.
A proximidade não era uma condenação, mas destino. Como diziam os antigos filósofos existencialistas, somos nós e nossa circunstância. Por isso, quanto mais ligados ao nosso entorno, mais nos definimos como humanos. A proximidade nos humaniza. A dialética entre perto e longe, o balanço entre as duas situações se torna uma espécie de modo de ser no mundo. Somos contemporâneos do todo, mas conterrâneos do próximo.
Essa situação se apresenta a todo momento na vida das sociedades contemporâneas. Estamos perdendo o sentimento de vizinhança. Uma das consequências desse movimento é a diminuição do sentido de singularidade em troca da percepção que alguns chamam de globalizada. Em outros termos, cada parte do todo sacrifica o que tem de único em razão de uma falsa centralidade que atende apenas aos interesses de mercado.
São muitas as situações em que se percebe essa tendência. Na mais prosaica delas, a cobertura dos jogos de futebol pela TV, os torcedores locais precisam entregar sua paixão ao interesse do mercado patrocinador. Assim, jogos de São Paulo e Rio de Janeiro, quando não de Madri e Berlim, são mais importantes que a peleja de seu time do coração.
Pode parecer pouca coisa, mas é um sinal significativo de esvaziamento da diferença. O resultado a longo prazo, como se vê hoje com certa frequência, aponta para crianças que torcem para o Barcelona, quando não se alienam ainda mais usando camisas de times de basquete norte-americano e torcendo para um esporte que faz com a mão o que os pés realizam com astúcia no futebol.
A mesma realidade vivida com os esportes também se torna operacional no caso do jornalismo. Não deveria haver, até por definição, nada mais jornalístico que o fato local. Notícia é o que afeta a vida, o que nos permite tomar a melhor decisão. Se uma pessoa liga a televisão e se depara com um engarrafamento em São Paulo (todos parecem saber quantos quilômetros de paralisação SP registra nos dias de chuva), não vai se sentir mais bem aparelhada para se movimentar em Belo Horizonte.
Mais que o dado pragmático, o trânsito ruim em BH é diferente daquele de outras localidades e tem outras razões: incompetência de planejamento, viadutos que ligam dois engarrafamentos, falta de metrô, obras arrastadas e malfeitas. A saída política de Sampa será necessariamente diferente da nossa. Outra deverá ser também a mobilização.
O que trânsito e jogo de futebol têm em comum, nesse caso, é o fato de ganharem dimensão pública por um modelo de TV que deixa de lado a particularidade. Existe saída: a regionalização da programação de televisão. No entanto, como o debate sobre o tema entra sempre na pauta da regulação, acaba sendo vendida como intervenção no setor.
Os projetos de regionalização da produção televisiva patinam há muitos anos no Congresso. Há desde percentuais definidos e horários a serem reservados para programação local até o incentivo à produção desse tipo de programa. Como muitos parlamentares são concessionários de rádio e TV, o debate não avança.
O que se vê, para cumprir a cota hoje existente, é a venda de espaço para programação religiosa, que, independentemente da fé professada, é sempre muito ruim, preconceituosa, chata e alienante. Ou, o que é pior, programas políticos obrigatórios, que, além de contar ponto para a cota local com suas mentiras encadeadas por interesses eleitorais, dão isenção fiscal às emissoras.
Como se vê, torcer para o Barcelona ou ficar preocupado com o tráfego na Marginal Tietê é o menos pior da política concentracionista da comunicação no Brasil. Se de perto ninguém é normal, na TV brasileira de perto ninguém sequer existe.
Coletivos
Outra situação que denuncia a incapacidade da gestão da proximidade é perceptível no setor cultural de BH. Há anos se repetem as mesmas políticas, os mesmos critérios de alocação de recursos, a mesma incapacidade de avanço gerencial. A cidade vive empurrada por grandes festivais, que, em outro registro, parecem repetir a mesma lógica da exclusão da diferença. Como Sísifo, a cada jornada começa tudo de novo sem sequer o benefício da memória para lhes apaziguar os equívocos.
O que falta no setor público parece brotar nos novos artistas da cidade. Pode-se perceber uma saudável tendência política centrífuga, militante e em rede, que tem aproximado coletivos de vários estilos e motivações ideológicas. A mais recente novidade – que merece apoio e atenção – é o Espaço Comum Luiz Estrela.
Localizado em Santa Efigênia, num edifício sem função da Fundação Hospitalar de Minas Gerais, o espaço foi ocupado por artistas e ativistas, passando a oferecer programação cultural para a localidade. Fruto de iniciativa politicamente ordenada e inteligente, a ocupação conquistou a adesão da vizinhança, que percebe o potencial da arte para melhorar seu cotidiano.
A programação inclui aulas de artes orientais, ioga, dança, música, apresentações circenses e debates. As atividades começam com a manhã e se encerram à noitinha, sem atrapalhar o descanso dos cidadãos do bairro. O casarão, até então abandonado, terá gestão coletiva e será restaurado colaborativamente. Tudo é surpreendente na conquista do espaço, menos a reação do poder público, que se apressou a cobrar na Justiça a posse da qual se descurou por décadas.
Os ativistas da cultura em BH têm sabido habitar a cidade em sua valorização da proximidade: o carnaval que se pulveriza em bloquinhos; a ocupação dos espaços do Centro para as atividades que congregam a convivência entre as comunidades mais distantes (como no Duelo de MCs); a mobilização para a derrubada de cercas nas praças públicas.
Outra atitude que também recupera a dimensão de proximidade é o fortalecimento da participação dos segmentos cidadãos do Conselho Municipal de Cultura, que, postergado até o limite, vem ganhando força política e cobrando maior transparência na gestão e na definição da política cultural para o município. Os conselhos, com seu poder deliberativo, são instâncias que defendem a diminuição das distâncias.
Precisamos ficar mais perto dos bons. Em momentos difíceis, nada melhor do que achar a turma certa.
jpaulocunha.mg@diariosassociados.com.br
Páginas da vida - João Paulo
Safra de biografias que chegou
recentemente às livrarias demonstra a importância do gênero para vários
campos do conhecimento e para a formação cultural do leitor não
especializado
João Paulo
Estado de Minas : 02/11/2013
João Paulo
Estado de Minas : 02/11/2013
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‘‘Que os biógrafos penem e labutem, não vamos
facilitar demais para eles.” Quando Sigmund Freud escreveu essa
maldição, em 1885, em carta à noiva, ela havia acabado de queimar
correspondência e manuscritos que julgava menores ou indignos de sua
trajetória até aquele momento, preservando apenas os escritos mais
familiares. Freud, que conhecia a alma humana – inclusive a própria –,
sabia que escrever uma biografia era tarefa árdua e fadada a enganos.
Mas, como bom iluminista, não pensou em nenhum momento em atacar sua
importância. Ele mesmo escreveu sobre a vida de seus pacientes, acerca
de passagens da infância de Leonardo da Vinci, sobre a relação de
Dostoiévski com o pai e sobre algumas obsessões de Shakespeare.
Tratava-se sempre de momentos sensíveis das existências de seus
biografados.
Pode-se argumentar que nem todo biógrafo é Freud ou que o que ele fazia era ciência. Além disso, não deve ser esquecido que ele mesmo escreveu sua autobiografia (mais que isso, baseou sua teoria em sua própria existência diurna e sonhada) e que incentivou o discípulo Ernst Jones a produzir algo próximo de uma biografia autorizada, em três grandes volumes. Não foi suficiente: a posteridade foi pródiga em biografias de Freud, que se contam às dezenas – apenas entre as muito boas. Os biógrafos devem ter penado, mas fizeram um bom trabalho, do qual até hoje nos beneficiamos.
No entanto, mesmo com todas as reservas, é bom voltar a Freud e ver que, burguês cioso de sua intimidade, em nenhum momento se julgou defeso do interesse de outros homens, seja em seus momentos públicos ou mesmo em segredos de alma. Tentou dificultar a vida de seus biógrafos queimando documentos, mas não passou por sua cabeça o recurso da censura. Na mesma carta, registra com certo humor que, ao pôr fim aos documentos que julgava chinfrins, estava “quase completando um empreendimento que algumas pessoas ainda não nascidas, mas destinadas ao infortúnio, vão sentir seriamente”. Freud sabia (coisa que Roberto Carlos nem desconfia mergulhado em seu narcisismo primário) que ninguém domina a verdade sobre a própria vida.
Em toda a polêmica sobre as biografias, um tema que tem ficado de fora são as próprias biografias, não o gênero, mas o produto em si, o livro que conta a vida de um personagem real. Por que não ir até as biografias para lhes avaliar os méritos e riscos? O gênero está bem das pernas, tem produzido excelentes trabalhos, informado muitos leitores e aberto portas para outros formatos de estudos, sejam eles históricos, literários ou científicos. As biografias, em sua articulação do geral e do particular, em sua capacidade de desenhar o contexto e mergulhar no indivíduo, são um instrumento privilegiado de acesso ao sujeito e à sociedade. Além disso, a grande tradição das biografias literárias e históricas ganhou muito com a chegada do método jornalístico, com sua obsessão pelo fato e pela apuração exaustiva. Não se pode esquecer também que esse tipo de estudo tem sido por muito tempo um modelo de acesso ao conhecimento por quem não é especialista em algum campo do saber. Quantas vocações científicas foram despertadas pelas biografias de Darwin e Einstein?
Sem esticar ainda mais a falsa diatribe entre direito à liberdade de expressão e direito à intimidade, é bom lembrar apenas um preceito lógico que defende que, em caso de pares aparentemente contraditórios, a solução possível para ambos convivam e sejam exercidos em sua integridade é dar precedência ao que não anula o outro, permitindo que as ações a posteriori corrijam os equívocos de origem. Assim, quando se parte da preservação do direito à intimidade antes do direito à liberdade de expressão, este ficou prejudicado e não poderá ser exercido. No caso inverso, a liberdade de manifestação de pensamento pode até ferir a privacidade, mas esta pode ser retomada em função de correções legais pertinentes.
Assim, há dois caminhos que devem pautar os debates na vida prática: o bom senso que previne os enganos (que só é conquistado na prática, não no silêncio) e os mecanismos de controle e ressarcimento dos erros de fato (que aponta para instrumentos legais e para mecanismos institucionais que tornem a Justiça mais rápida e eficaz, com indenizações mais significativas). Entre duas verdades, deve-se ficar com as duas. A grande questão não é filosófica, mas processual. Isso, é claro, se se trata a questão como um problema ético (em que os dois lados têm razão) e não uma questão de mercado. Se o problema é dinheiro, a questão sai do terreno da ética para adentrar no campo das conveniências. Pelo nível dos contendores – com as exceções notáveis –, até prova em contrário, ainda não chegamos lá.
A equação é simples: uma cultura de biografias gera um mercado mais responsável, editores mais zelosos e biógrafos mais equilibrados. Por outro lado, cria um aparato jurídico mais eficiente, justo e célere. Como em todo setor, a liberdade é instrumento de aprimoramento e as restrições apenas reforçam a regressão e a desconfiança.
Por fim, há uma questão social relevante. As biografias não miram apenas artistas – que hoje se agrupam em defesa do direito da intimidade e parecem se julgar os mais interessantes tipos humanos sobre a Terra –, mas todas as pessoas, como políticos, filósofos, cientistas, esportistas, ladrões, celebridades, generais, ditadores, empresários, escritores, revolucionários, entre outros. O que, legalmente, valer para um, vale para todos, como é próprio da impessoalidade da lei. Portanto, sob o argumento de dar ao biografado ou à sua família o direito de veto de conteúdos, a sociedade não fica apenas sem informações banais ou íntimas, como por exemplo sobre a vida sexual de seus personagens, mas sem a substância histórica inegociável – inclusive acerca de situações que precisam ser denunciadas.
Revoluções O melhor argumento em favor das biografias encontra-se nas livrarias e prateleiras de bibliotecas. Apenas a título de exemplo, seguem algumas indicações de livros lançados nos últimos meses, que merecem ser lidos e refletidos pelo seu valor intrínseco e pelo que simbolizam como forma de ampliação do universo de referências do leitor. Ao ler sobre a vida de Tolstói, Jango, Malcolm X e Zhang Dai, aprendemos sobre a Rússia do século 19, sobre a política brasileira e o tabu em torno da morte suspeita de um presidente, sobre a resistência dos negros americanos e sua luta pelos direitos humanos no país, e acerca da dinastia Ming na China clássica do século 17.
Sobre a vida de Tolstói foram lançados nos últimos meses no Brasil dois livros importantes. O primeiro é Tolstói – A biografia, de Rosamund Bratlett (Biblioteca Azul, 640 páginas, R$ 69,90), um trabalho soberbo, que articula a vida e obra do escritor russo. A autora retrata a infância do romancista numa família aristocrática, a juventude impulsiva e o início de sua vida literária. A obra estuda ainda a concepção dos grandes romances, como Guerra e paz e Anna Kariênina, além de mostrar a estreita vinculação com a sociedade russa, da qual se tornaria a figura arquetípica. O livro trata ainda das ideias sociais e religiosas de Tolstói e de como elas, mais que construções ideológicas, ganharam carne em sua vida e se tornaram modelo para o mundo.
Outra excelente biografia sobre Tolstói recém-lançada no Brasil é Tolstói – A fuga do paraíso, de Pável Bassinski (Editora Leya, 480 páginas, R$ 59,90). Nesse caso, o autor partiu dos 10 últimos dias do escritor, depois que ele, aos 82 anos, em 1910, abandona suas propriedades e a família e parte em busca de sua verdade derradeira. Uma atitude tolstoiana, de fuga disparada por uma crise espiritual, que leva o homem, já combalido pela existência de dissipações, a sair para conquista de uma nova vida, mais pura e consciente. O biógrafo, no entanto, não faz uma leitura literária do gesto de Tolstói, construindo sua obra com cuidadosa pesquisa em cartas e diários do escritor e de seus seguidores na viagem final. Curiosamente, o próprio escritor se dava conta da dimensão pública de sua vida, não fazendo questão de esconder de ninguém suas ambiguidades às portas da morte. Um gigante até o último momento, capaz de viver e morrer como um homem que não teme o juízo de outros homens, já que prestava contas apenas a si mesmo.
Teria sido Jango assassinado? Jango – A vida e a morte no exílio, de Juremir Machado da Silva (Editora L&PM, 372 páginas), é outra biografia de “últimos dias”, marcada por muito mistério e capacidade de derrubar mitos. O autor, que já havia publicado uma biografia romanceada de Getúlio Vargas (Getúlio), retorna à política nacional numa investigação eletrizante sobre a vida no exílio e a morte de Jango. O presidente deposto em 1964 morreu na Argentina, com saudades do Brasil, e em circunstâncias que ainda hoje geram dúvidas. Juremir vai atrás de milhares de documentos e dos arquivos de dois personagens uruguaios, Foch Diaz e Neira Barreto, que lançaram dúvidas sobre a morte natural do ex-presidente e revelaram um complô para matá-lo. Uma investigação que se lê como um romance policial, mas que deixa o travo da verdade ainda a ser revelada à nação.
Prêmio Pulitzer de 2012, a biografia Malcolm X – Uma vida de reinvenções, de Manning Marable (Editora Companhia das Letras, 650 páginas), acompanha as metamorfoses vividas por Malcolm Little até assumir o papel de porta-voz da revolta dos descendentes de escravos no país mais rico do mundo. O historiador americano, com elegância e erudição, segue de perto o homem que foi chamado de Homeboy, Jack Carlton, Detroit Red, Big Red e Satan, até assumir a identidade islâmica como Malachi Shabazz, Malik Shabazz e El-Hajj Malik. A ligação com os movimentos de esquerda, o ativismo político e encontro definitivo com o Islã não passam por cima das dificuldades da vida de Malcom X, que o levaram a agir como ladrão, explorador de prostitutas e viciado em drogas. Uma aula de história americana contemporânea a contrapelo, mostrando o avesso de uma sociedade e a força moral de um homem capaz de se reinventar para se tornar um gigante na luta pelos direitos humanos.
O Ocidente tem o hábito de virar as costas para o Oriente. Por isso, de tempos em tempos, é surpreendido por uma cultura antiga, rica e sofisticada, que sua ignorância voluntária ajudava a esconder. Ou então, como ocorre hoje em dia, se assusta com a força econômica capaz de mudar todas as certezas dos autodenominados países do capitalismo central. Por isso é tão rica a leitura de O retorno à Montanha do Dragão, de Jonathan Spence (Editora Record, 280 páginas, R$ 40). Especialista na cultura chinesa, Spence escolhe como personagem o escritor e historiador Zhang Dai, um dos mais importantes nomes da Dinastia Ming, nascido em 1597. Há mais de 200 anos no poder, sua dinastia, marcada pela estabilidade econômica e força cultural, começava o processo inevitável de decadência, que se completa com a invasão dos manchus, em 1644. O aristocrata Zhang Dai, depois de perder a fortuna, passa a registrar sua vida, reconstruindo o que seu país via submergir com as mudanças. São esses escritos a base do trabalho de Spence. O leitor, além de aprender sobre uma cultura sofisticada, passa a compreender o sentido da mudança na China do século 17 e o papel das transformações numa escala de tempo que vai além das ideologias.
O que os adeptos do Procure Saber precisam saber é aquilo que Freud explica. Não somos os melhores juízes de nossos atos nem os melhores narradores de nossa história. O outro nome para esse reconhecimento pode ser chamado simplesmente de humildade.
Pode-se argumentar que nem todo biógrafo é Freud ou que o que ele fazia era ciência. Além disso, não deve ser esquecido que ele mesmo escreveu sua autobiografia (mais que isso, baseou sua teoria em sua própria existência diurna e sonhada) e que incentivou o discípulo Ernst Jones a produzir algo próximo de uma biografia autorizada, em três grandes volumes. Não foi suficiente: a posteridade foi pródiga em biografias de Freud, que se contam às dezenas – apenas entre as muito boas. Os biógrafos devem ter penado, mas fizeram um bom trabalho, do qual até hoje nos beneficiamos.
No entanto, mesmo com todas as reservas, é bom voltar a Freud e ver que, burguês cioso de sua intimidade, em nenhum momento se julgou defeso do interesse de outros homens, seja em seus momentos públicos ou mesmo em segredos de alma. Tentou dificultar a vida de seus biógrafos queimando documentos, mas não passou por sua cabeça o recurso da censura. Na mesma carta, registra com certo humor que, ao pôr fim aos documentos que julgava chinfrins, estava “quase completando um empreendimento que algumas pessoas ainda não nascidas, mas destinadas ao infortúnio, vão sentir seriamente”. Freud sabia (coisa que Roberto Carlos nem desconfia mergulhado em seu narcisismo primário) que ninguém domina a verdade sobre a própria vida.
Em toda a polêmica sobre as biografias, um tema que tem ficado de fora são as próprias biografias, não o gênero, mas o produto em si, o livro que conta a vida de um personagem real. Por que não ir até as biografias para lhes avaliar os méritos e riscos? O gênero está bem das pernas, tem produzido excelentes trabalhos, informado muitos leitores e aberto portas para outros formatos de estudos, sejam eles históricos, literários ou científicos. As biografias, em sua articulação do geral e do particular, em sua capacidade de desenhar o contexto e mergulhar no indivíduo, são um instrumento privilegiado de acesso ao sujeito e à sociedade. Além disso, a grande tradição das biografias literárias e históricas ganhou muito com a chegada do método jornalístico, com sua obsessão pelo fato e pela apuração exaustiva. Não se pode esquecer também que esse tipo de estudo tem sido por muito tempo um modelo de acesso ao conhecimento por quem não é especialista em algum campo do saber. Quantas vocações científicas foram despertadas pelas biografias de Darwin e Einstein?
Sem esticar ainda mais a falsa diatribe entre direito à liberdade de expressão e direito à intimidade, é bom lembrar apenas um preceito lógico que defende que, em caso de pares aparentemente contraditórios, a solução possível para ambos convivam e sejam exercidos em sua integridade é dar precedência ao que não anula o outro, permitindo que as ações a posteriori corrijam os equívocos de origem. Assim, quando se parte da preservação do direito à intimidade antes do direito à liberdade de expressão, este ficou prejudicado e não poderá ser exercido. No caso inverso, a liberdade de manifestação de pensamento pode até ferir a privacidade, mas esta pode ser retomada em função de correções legais pertinentes.
Assim, há dois caminhos que devem pautar os debates na vida prática: o bom senso que previne os enganos (que só é conquistado na prática, não no silêncio) e os mecanismos de controle e ressarcimento dos erros de fato (que aponta para instrumentos legais e para mecanismos institucionais que tornem a Justiça mais rápida e eficaz, com indenizações mais significativas). Entre duas verdades, deve-se ficar com as duas. A grande questão não é filosófica, mas processual. Isso, é claro, se se trata a questão como um problema ético (em que os dois lados têm razão) e não uma questão de mercado. Se o problema é dinheiro, a questão sai do terreno da ética para adentrar no campo das conveniências. Pelo nível dos contendores – com as exceções notáveis –, até prova em contrário, ainda não chegamos lá.
A equação é simples: uma cultura de biografias gera um mercado mais responsável, editores mais zelosos e biógrafos mais equilibrados. Por outro lado, cria um aparato jurídico mais eficiente, justo e célere. Como em todo setor, a liberdade é instrumento de aprimoramento e as restrições apenas reforçam a regressão e a desconfiança.
Por fim, há uma questão social relevante. As biografias não miram apenas artistas – que hoje se agrupam em defesa do direito da intimidade e parecem se julgar os mais interessantes tipos humanos sobre a Terra –, mas todas as pessoas, como políticos, filósofos, cientistas, esportistas, ladrões, celebridades, generais, ditadores, empresários, escritores, revolucionários, entre outros. O que, legalmente, valer para um, vale para todos, como é próprio da impessoalidade da lei. Portanto, sob o argumento de dar ao biografado ou à sua família o direito de veto de conteúdos, a sociedade não fica apenas sem informações banais ou íntimas, como por exemplo sobre a vida sexual de seus personagens, mas sem a substância histórica inegociável – inclusive acerca de situações que precisam ser denunciadas.
Revoluções O melhor argumento em favor das biografias encontra-se nas livrarias e prateleiras de bibliotecas. Apenas a título de exemplo, seguem algumas indicações de livros lançados nos últimos meses, que merecem ser lidos e refletidos pelo seu valor intrínseco e pelo que simbolizam como forma de ampliação do universo de referências do leitor. Ao ler sobre a vida de Tolstói, Jango, Malcolm X e Zhang Dai, aprendemos sobre a Rússia do século 19, sobre a política brasileira e o tabu em torno da morte suspeita de um presidente, sobre a resistência dos negros americanos e sua luta pelos direitos humanos no país, e acerca da dinastia Ming na China clássica do século 17.
Sobre a vida de Tolstói foram lançados nos últimos meses no Brasil dois livros importantes. O primeiro é Tolstói – A biografia, de Rosamund Bratlett (Biblioteca Azul, 640 páginas, R$ 69,90), um trabalho soberbo, que articula a vida e obra do escritor russo. A autora retrata a infância do romancista numa família aristocrática, a juventude impulsiva e o início de sua vida literária. A obra estuda ainda a concepção dos grandes romances, como Guerra e paz e Anna Kariênina, além de mostrar a estreita vinculação com a sociedade russa, da qual se tornaria a figura arquetípica. O livro trata ainda das ideias sociais e religiosas de Tolstói e de como elas, mais que construções ideológicas, ganharam carne em sua vida e se tornaram modelo para o mundo.
Outra excelente biografia sobre Tolstói recém-lançada no Brasil é Tolstói – A fuga do paraíso, de Pável Bassinski (Editora Leya, 480 páginas, R$ 59,90). Nesse caso, o autor partiu dos 10 últimos dias do escritor, depois que ele, aos 82 anos, em 1910, abandona suas propriedades e a família e parte em busca de sua verdade derradeira. Uma atitude tolstoiana, de fuga disparada por uma crise espiritual, que leva o homem, já combalido pela existência de dissipações, a sair para conquista de uma nova vida, mais pura e consciente. O biógrafo, no entanto, não faz uma leitura literária do gesto de Tolstói, construindo sua obra com cuidadosa pesquisa em cartas e diários do escritor e de seus seguidores na viagem final. Curiosamente, o próprio escritor se dava conta da dimensão pública de sua vida, não fazendo questão de esconder de ninguém suas ambiguidades às portas da morte. Um gigante até o último momento, capaz de viver e morrer como um homem que não teme o juízo de outros homens, já que prestava contas apenas a si mesmo.
Teria sido Jango assassinado? Jango – A vida e a morte no exílio, de Juremir Machado da Silva (Editora L&PM, 372 páginas), é outra biografia de “últimos dias”, marcada por muito mistério e capacidade de derrubar mitos. O autor, que já havia publicado uma biografia romanceada de Getúlio Vargas (Getúlio), retorna à política nacional numa investigação eletrizante sobre a vida no exílio e a morte de Jango. O presidente deposto em 1964 morreu na Argentina, com saudades do Brasil, e em circunstâncias que ainda hoje geram dúvidas. Juremir vai atrás de milhares de documentos e dos arquivos de dois personagens uruguaios, Foch Diaz e Neira Barreto, que lançaram dúvidas sobre a morte natural do ex-presidente e revelaram um complô para matá-lo. Uma investigação que se lê como um romance policial, mas que deixa o travo da verdade ainda a ser revelada à nação.
Prêmio Pulitzer de 2012, a biografia Malcolm X – Uma vida de reinvenções, de Manning Marable (Editora Companhia das Letras, 650 páginas), acompanha as metamorfoses vividas por Malcolm Little até assumir o papel de porta-voz da revolta dos descendentes de escravos no país mais rico do mundo. O historiador americano, com elegância e erudição, segue de perto o homem que foi chamado de Homeboy, Jack Carlton, Detroit Red, Big Red e Satan, até assumir a identidade islâmica como Malachi Shabazz, Malik Shabazz e El-Hajj Malik. A ligação com os movimentos de esquerda, o ativismo político e encontro definitivo com o Islã não passam por cima das dificuldades da vida de Malcom X, que o levaram a agir como ladrão, explorador de prostitutas e viciado em drogas. Uma aula de história americana contemporânea a contrapelo, mostrando o avesso de uma sociedade e a força moral de um homem capaz de se reinventar para se tornar um gigante na luta pelos direitos humanos.
O Ocidente tem o hábito de virar as costas para o Oriente. Por isso, de tempos em tempos, é surpreendido por uma cultura antiga, rica e sofisticada, que sua ignorância voluntária ajudava a esconder. Ou então, como ocorre hoje em dia, se assusta com a força econômica capaz de mudar todas as certezas dos autodenominados países do capitalismo central. Por isso é tão rica a leitura de O retorno à Montanha do Dragão, de Jonathan Spence (Editora Record, 280 páginas, R$ 40). Especialista na cultura chinesa, Spence escolhe como personagem o escritor e historiador Zhang Dai, um dos mais importantes nomes da Dinastia Ming, nascido em 1597. Há mais de 200 anos no poder, sua dinastia, marcada pela estabilidade econômica e força cultural, começava o processo inevitável de decadência, que se completa com a invasão dos manchus, em 1644. O aristocrata Zhang Dai, depois de perder a fortuna, passa a registrar sua vida, reconstruindo o que seu país via submergir com as mudanças. São esses escritos a base do trabalho de Spence. O leitor, além de aprender sobre uma cultura sofisticada, passa a compreender o sentido da mudança na China do século 17 e o papel das transformações numa escala de tempo que vai além das ideologias.
O que os adeptos do Procure Saber precisam saber é aquilo que Freud explica. Não somos os melhores juízes de nossos atos nem os melhores narradores de nossa história. O outro nome para esse reconhecimento pode ser chamado simplesmente de humildade.
Rubens Goyatá Campante-Terceirização e direitos sociais
Tramita no Congresso projeto que modifica
profundamente as regras de contratação de mão de obra no país. Na
contramão dos protestos de junho, a proposta ameaça o emprego do
brasileiro
Rubens Goyatá Campante
Estado de Minas: 02/11/2013
Rubens Goyatá Campante
Estado de Minas: 02/11/2013
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O seu emprego corre perigo. Tramita no Congresso
Nacional uma proposta que traz séria ameaça aos direitos sociais,
trabalhistas e previdenciários de milhões de brasileiros. O Projeto de
Lei nº 4.330-A, apresentado em 2004 pelo deputado Sandro Mabel
(PMDB-GO), permite ampliar as hipóteses de terceirização do trabalho
para todos os segmentos econômicos – públicos e privados – e para todas
as atividades das empresas e órgãos públicos, tornando regra o que era
exceção no ordenamento jurídico brasileiro. A proposta se encontra na
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Se aprovada,
será posta em votação na casa. Já foi requerido regime de urgência para
sua tramitação.
A terceirização permite que o empregador, público ou privado, beneficie-se do labor de funcionários sem vínculo empregatício formal com ele, mas com uma empresa fornecedora de mão de obra. Há situações específicas em que ela é permitida no Brasil: na contratação por empresa de trabalho temporário; de prestadores de serviços de vigilância, conservação e limpeza; e de trabalhadores que prestam serviços nas chamadas atividades-meio – e não nas atividades-fim.
Atividade-fim é aquela diretamente ligada ao objeto social da empresa. Já a atividade-meio auxilia a consecução desse objeto social. Assim, uma escola particular, cujo objetivo e fonte de lucro são a prestação de ensino, não pode contratar professores terceirizados, mas isso é permitido em relação ao vigia, a faxineiros, secretários, etc.
Se aprovado, o PL 4.330 permitirá que o empregador utilize o labor terceirizado em todas as atividades da empresa. Ou seja, a escola poderia dispor não só de vigias, faxineiros e secretários terceirizados, mas também dos próprios professores, caso julgasse conveniente. Boa parte dos empresários julga a terceirização conveniente. Afinal, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a média salarial dos terceirizados no Brasil é 27,1% inferior à dos trabalhadores com vínculo direto de emprego. Sua jornada semanal tem três horas a mais que a dos trabalhadores diretos; sua permanência no emprego é de 2,6 anos, enquanto a dos trabalhadores diretos é de 5,8 anos; e, o dado mais perverso de todos: de cada 10 acidentes de trabalho no Brasil, oito ocorrem com funcionários terceirizados.
Não é difícil, portanto, prever o que ocorrerá no Brasil se a terceirização for amplamente liberada. É de tal monta a gravidade da ameaça que o próprio Tribunal Superior do Trabalho (TST) enviou ofício ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, assinado por 19 dos 27 ministros. O documento afirma que o PL 4.330, ao permitir a generalização da terceirização para toda a sociedade e a economia, “certamente provocará gravíssima lesão social de direitos sociais trabalhistas e previdenciários no país, com a potencialidade de provocar a migração massiva de milhões de trabalhadores, hoje enquadrados como efetivos de empresas e instituições tomadoras de serviços, em direção a um novo enquadramento como terceirizados, deflagrando impressionante redução de valores, direitos e garantias trabalhistas e sociais”.
Vácuo Defensores do projeto lembram que há um vácuo normativo no país em relação a algo que representa a realidade econômica e social, sendo necessária, portanto, sua regulação. O vácuo normativo existe. A questão crucial da terceirização nas atividades-meio de empresas e instituições não é definida por lei, mas por uma súmula do TST que veda a terceirização nas atividades-fim. Súmulas são orientações jurisprudenciais, que, em nosso ordenamento jurídico, não são impositivas, mas sinalizam que, se o caso for submetido ao Judiciário, fatalmente tribunais superiores o julgarão de acordo com o entendimento que seguem sobre o tema.
Além de ser mencionada por uma súmula do Judiciário, e não por um dispositivo legal que obrigue formalmente os empregadores, a distinção entre o que sejam atividades-meio e atividades-fim das empresas e instituições é nebulosa e controversa. É justamente nas brechas dessa indefinição e desse vazio legal que a terceirização tem se expandido no Brasil, trazendo, via de regra, a precarização dos direitos sociais e trabalhistas.
Mesmo quando a terceirização é amparada por leis específicas, caso dos serviços temporários e de vigilância, limpeza e conservação, tal precarização também ocorre. E não só porque esses setores são formados por trabalhadores de condição social vulnerável, mas pela forma como se efetivam os contratos de terceirização. Na administração pública, cada vez mais premida por imperativos de contenção e rígido controle de gastos, tais contratos são, muitas vezes, definidos somente pelo parâmetro do menor preço proposto pelas fornecedoras de mão de obra, sem se levar em conta sua capacidade técnica de adimplir os serviços contratados e sua idoneidade moral.
Vencendo as licitações pelo menor preço, às vezes até com preços inexequíveis, fornecedoras de mão de obra garantem seu lucro com o menor gasto possível com funcionários. Isso, quando não fecham as portas e desaparecem, deixando centenas de trabalhadores sem seus direitos. O próprio Judiciário trabalhista conta com milhares de terceirizados nas atividades de limpeza, vigilância e conservação. Em 2011, cerca de 300 funcionários da copa e limpeza do Palácio do Planalto enfrentaram meses de dificuldades para receber verbas de sua rescisão quando a contratante deixou de atuar junto à Presidência da República.
Capitalismo Assim, também é fato incontroverso que a terceirização é uma realidade econômica e social, triste realidade para os trabalhadores. O discurso liberal a apresenta como algo inevitável, fruto de inescapáveis tendências de desenvolvimento tecnológico e de métodos mais modernos e eficazes de gestão institucional e empresarial. Na verdade, a terceirização, enquanto inegável desorganização do mercado de trabalho e derruimento dos patamares mínimos de direitos dos trabalhadores, é fruto de escolhas macropolíticas, tomadas ao nível dos principais centros de poder do capitalismo internacional.
A principal questão foi a maneira como os Estados Unidos reafirmaram sua hegemonia mundial a partir da década de 1980, ameaçada pela crise energética dos anos 1970 e, principalmente, pelo imenso déficit interno no balanço de pagamentos, gerado por gastos militares excessivos com a corrida armamentista da Guerra Fria e pela política fiscal ultraliberal que se recusou a taxar o grande capital e a propriedade.
Os ajustes macroeconômicos empreendidos pelos EUA para fazer frente a essas ameaças, por meio de flutuações das taxas de câmbio e juros, trouxeram a expansão descontrolada do sistema financeiro privado internacional. O sistema econômico internacional, definido em Bretton Woods depois da 2ª Guerra Mundial, pretendia a “domesticação” do sistema financeiro e sua submissão aos interesses da produção e do comércio: o capital financeiro era importante, mas não essencial, sua função seria incrementar a produção e o comércio. Essa hegemonia da produção e do comércio estava umbilicalmente ligada à assunção, pelo Estado, da função de promover, dentro do capitalismo avançado, o bem-estar e a regulação da sociedade civil – algo que o mercado, por si, não cumpre. Os corolários dessas políticas de bem-estar eram o crescimento econômico e a busca do pleno emprego, tido como direito do cidadão – para tanto, o câmbio controlado e os juros baixos eram cruciais.
A questão é que os EUA nunca aderiram plenamente a esse esquema, e a “domesticação” do sistema financeiro foi sendo solapada desde a década de 1970, até se acabar de vez nos anos 1980. Com os bancos hegemônicos e os juros nas alturas, as condições de financiamento dos Estados ficaram dramáticas, agravadas pela evasão tributária estimulada por paraísos fiscais – que concentram hoje, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), metade do fluxo financeiro internacional, numa combinação perversa de evasão fiscal das grandes empresas e de dinheiro da criminalidade. O setor produtivo foi afetado pelo aumento da competitividade internacional e pela prevalência da renda financeira sobre a produtiva. A resposta foi a transformação gerencial e tecnológica na qual a desestruturação trazida por fenômenos como a terceirização se insere.
Equidade Seria inevitável, então, que as empresas, sob o peso da competitividade e da pressão financeira, aderissem a uma reestruturação produtiva que fatalmente corta postos e direitos trabalhistas? Não. É possível, sim, que a modernização produtiva e tecnológica da economia se mantenha compatível com padrões de equidade distributiva na sociedade. Alemanha, Coreia e Japão (de onde, aliás, saiu o toyotismo, modelo produtivo alternativo ao fordismo/taylorismo típico do Estado de bem-estar, sem que isso acarretasse desequilíbrios sociais como em outras partes) são países em que a presença de políticas financeiras e econômicas determinadas a partir da integração e negociação, dentro do aparelho do Estado, de bancos, grandes empresas e sindicatos, tem logrado tal compatibilização. São países de capitalismo organizado e não de capitalismo selvagem, como o Brasil.
A consequência da aprovação de um projeto como o PL 4.330 será o aprofundamento do capitalismo selvagem. Se é necessário, realmente, regular a terceirização, é para estabelecer-lhe limites mais estritos e não para transformá-la em regra. Mas tudo indica que liberá-la completamente é o objetivo de boa parte do grande capital, que, como tal, tem grande disponibilidade para financiar campanhas políticas e, assim, garantir apoio parlamentar seguro a seus interesses.
O PL 4.330 vem tramitando sob parca divulgação da grande mídia, malgrado seu potencial de impacto na sociedade. Isso num momento em que a velha e mal resolvida questão dos direitos sociais, da desigualdade social e da insatisfação que ela gera foi dramaticamente colocada em pauta pelas recentes manifestações de protesto em todo o país. Ou seja, apesar de você ter ido às ruas protestar por melhores condições de vida, o seu emprego corre perigo, e muita gente não quer que você saiba disso.
Rubens Goyatá Campante é doutor em sociologia e pesquisador do Núcleo de Pesquisas do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT/MG)
A terceirização permite que o empregador, público ou privado, beneficie-se do labor de funcionários sem vínculo empregatício formal com ele, mas com uma empresa fornecedora de mão de obra. Há situações específicas em que ela é permitida no Brasil: na contratação por empresa de trabalho temporário; de prestadores de serviços de vigilância, conservação e limpeza; e de trabalhadores que prestam serviços nas chamadas atividades-meio – e não nas atividades-fim.
Atividade-fim é aquela diretamente ligada ao objeto social da empresa. Já a atividade-meio auxilia a consecução desse objeto social. Assim, uma escola particular, cujo objetivo e fonte de lucro são a prestação de ensino, não pode contratar professores terceirizados, mas isso é permitido em relação ao vigia, a faxineiros, secretários, etc.
Se aprovado, o PL 4.330 permitirá que o empregador utilize o labor terceirizado em todas as atividades da empresa. Ou seja, a escola poderia dispor não só de vigias, faxineiros e secretários terceirizados, mas também dos próprios professores, caso julgasse conveniente. Boa parte dos empresários julga a terceirização conveniente. Afinal, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a média salarial dos terceirizados no Brasil é 27,1% inferior à dos trabalhadores com vínculo direto de emprego. Sua jornada semanal tem três horas a mais que a dos trabalhadores diretos; sua permanência no emprego é de 2,6 anos, enquanto a dos trabalhadores diretos é de 5,8 anos; e, o dado mais perverso de todos: de cada 10 acidentes de trabalho no Brasil, oito ocorrem com funcionários terceirizados.
Não é difícil, portanto, prever o que ocorrerá no Brasil se a terceirização for amplamente liberada. É de tal monta a gravidade da ameaça que o próprio Tribunal Superior do Trabalho (TST) enviou ofício ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, assinado por 19 dos 27 ministros. O documento afirma que o PL 4.330, ao permitir a generalização da terceirização para toda a sociedade e a economia, “certamente provocará gravíssima lesão social de direitos sociais trabalhistas e previdenciários no país, com a potencialidade de provocar a migração massiva de milhões de trabalhadores, hoje enquadrados como efetivos de empresas e instituições tomadoras de serviços, em direção a um novo enquadramento como terceirizados, deflagrando impressionante redução de valores, direitos e garantias trabalhistas e sociais”.
Vácuo Defensores do projeto lembram que há um vácuo normativo no país em relação a algo que representa a realidade econômica e social, sendo necessária, portanto, sua regulação. O vácuo normativo existe. A questão crucial da terceirização nas atividades-meio de empresas e instituições não é definida por lei, mas por uma súmula do TST que veda a terceirização nas atividades-fim. Súmulas são orientações jurisprudenciais, que, em nosso ordenamento jurídico, não são impositivas, mas sinalizam que, se o caso for submetido ao Judiciário, fatalmente tribunais superiores o julgarão de acordo com o entendimento que seguem sobre o tema.
Além de ser mencionada por uma súmula do Judiciário, e não por um dispositivo legal que obrigue formalmente os empregadores, a distinção entre o que sejam atividades-meio e atividades-fim das empresas e instituições é nebulosa e controversa. É justamente nas brechas dessa indefinição e desse vazio legal que a terceirização tem se expandido no Brasil, trazendo, via de regra, a precarização dos direitos sociais e trabalhistas.
Mesmo quando a terceirização é amparada por leis específicas, caso dos serviços temporários e de vigilância, limpeza e conservação, tal precarização também ocorre. E não só porque esses setores são formados por trabalhadores de condição social vulnerável, mas pela forma como se efetivam os contratos de terceirização. Na administração pública, cada vez mais premida por imperativos de contenção e rígido controle de gastos, tais contratos são, muitas vezes, definidos somente pelo parâmetro do menor preço proposto pelas fornecedoras de mão de obra, sem se levar em conta sua capacidade técnica de adimplir os serviços contratados e sua idoneidade moral.
Vencendo as licitações pelo menor preço, às vezes até com preços inexequíveis, fornecedoras de mão de obra garantem seu lucro com o menor gasto possível com funcionários. Isso, quando não fecham as portas e desaparecem, deixando centenas de trabalhadores sem seus direitos. O próprio Judiciário trabalhista conta com milhares de terceirizados nas atividades de limpeza, vigilância e conservação. Em 2011, cerca de 300 funcionários da copa e limpeza do Palácio do Planalto enfrentaram meses de dificuldades para receber verbas de sua rescisão quando a contratante deixou de atuar junto à Presidência da República.
Capitalismo Assim, também é fato incontroverso que a terceirização é uma realidade econômica e social, triste realidade para os trabalhadores. O discurso liberal a apresenta como algo inevitável, fruto de inescapáveis tendências de desenvolvimento tecnológico e de métodos mais modernos e eficazes de gestão institucional e empresarial. Na verdade, a terceirização, enquanto inegável desorganização do mercado de trabalho e derruimento dos patamares mínimos de direitos dos trabalhadores, é fruto de escolhas macropolíticas, tomadas ao nível dos principais centros de poder do capitalismo internacional.
A principal questão foi a maneira como os Estados Unidos reafirmaram sua hegemonia mundial a partir da década de 1980, ameaçada pela crise energética dos anos 1970 e, principalmente, pelo imenso déficit interno no balanço de pagamentos, gerado por gastos militares excessivos com a corrida armamentista da Guerra Fria e pela política fiscal ultraliberal que se recusou a taxar o grande capital e a propriedade.
Os ajustes macroeconômicos empreendidos pelos EUA para fazer frente a essas ameaças, por meio de flutuações das taxas de câmbio e juros, trouxeram a expansão descontrolada do sistema financeiro privado internacional. O sistema econômico internacional, definido em Bretton Woods depois da 2ª Guerra Mundial, pretendia a “domesticação” do sistema financeiro e sua submissão aos interesses da produção e do comércio: o capital financeiro era importante, mas não essencial, sua função seria incrementar a produção e o comércio. Essa hegemonia da produção e do comércio estava umbilicalmente ligada à assunção, pelo Estado, da função de promover, dentro do capitalismo avançado, o bem-estar e a regulação da sociedade civil – algo que o mercado, por si, não cumpre. Os corolários dessas políticas de bem-estar eram o crescimento econômico e a busca do pleno emprego, tido como direito do cidadão – para tanto, o câmbio controlado e os juros baixos eram cruciais.
A questão é que os EUA nunca aderiram plenamente a esse esquema, e a “domesticação” do sistema financeiro foi sendo solapada desde a década de 1970, até se acabar de vez nos anos 1980. Com os bancos hegemônicos e os juros nas alturas, as condições de financiamento dos Estados ficaram dramáticas, agravadas pela evasão tributária estimulada por paraísos fiscais – que concentram hoje, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), metade do fluxo financeiro internacional, numa combinação perversa de evasão fiscal das grandes empresas e de dinheiro da criminalidade. O setor produtivo foi afetado pelo aumento da competitividade internacional e pela prevalência da renda financeira sobre a produtiva. A resposta foi a transformação gerencial e tecnológica na qual a desestruturação trazida por fenômenos como a terceirização se insere.
Equidade Seria inevitável, então, que as empresas, sob o peso da competitividade e da pressão financeira, aderissem a uma reestruturação produtiva que fatalmente corta postos e direitos trabalhistas? Não. É possível, sim, que a modernização produtiva e tecnológica da economia se mantenha compatível com padrões de equidade distributiva na sociedade. Alemanha, Coreia e Japão (de onde, aliás, saiu o toyotismo, modelo produtivo alternativo ao fordismo/taylorismo típico do Estado de bem-estar, sem que isso acarretasse desequilíbrios sociais como em outras partes) são países em que a presença de políticas financeiras e econômicas determinadas a partir da integração e negociação, dentro do aparelho do Estado, de bancos, grandes empresas e sindicatos, tem logrado tal compatibilização. São países de capitalismo organizado e não de capitalismo selvagem, como o Brasil.
A consequência da aprovação de um projeto como o PL 4.330 será o aprofundamento do capitalismo selvagem. Se é necessário, realmente, regular a terceirização, é para estabelecer-lhe limites mais estritos e não para transformá-la em regra. Mas tudo indica que liberá-la completamente é o objetivo de boa parte do grande capital, que, como tal, tem grande disponibilidade para financiar campanhas políticas e, assim, garantir apoio parlamentar seguro a seus interesses.
O PL 4.330 vem tramitando sob parca divulgação da grande mídia, malgrado seu potencial de impacto na sociedade. Isso num momento em que a velha e mal resolvida questão dos direitos sociais, da desigualdade social e da insatisfação que ela gera foi dramaticamente colocada em pauta pelas recentes manifestações de protesto em todo o país. Ou seja, apesar de você ter ido às ruas protestar por melhores condições de vida, o seu emprego corre perigo, e muita gente não quer que você saiba disso.
Rubens Goyatá Campante é doutor em sociologia e pesquisador do Núcleo de Pesquisas do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT/MG)
Gilda Vaz Rodrigues-Real, simbólico e imaginário
Seminário do psicanalista francês Jacques
Lacan, ainda inédito em português, reflete sobre os três registros que
constituem a estrutura do inconsciente
Gilda Vaz Rodrigues
Estado de Minas: 02/11/2013
O livro Cortes e suturas na operação psicanalítica – Uma leitura do ‘Seminário R.S.I., Livro 22 de Jacques Lacan’ é uma leitura comentada sobre um dos seminários do psicanalista francês Jacques Lacan, que ainda não foi editado em português, mas ao qual se tem acesso por várias vias, inclusive pela internet. Embora seja um livro teórico, não se trata de um escrito acadêmico, e sim psicanalítico.
R.S.I. é uma sigla para dizer dos três registros que constituem a estrutura do sujeito do inconsciente: imaginário, simbólico e real. Lacan formaliza essa estrutura com a ajuda da topologia, pois se trata de um campo além da linguagem, em que a matemática oferece instrumentos mais de acordo para abordá-lo.
Durante algum tempo a psicanálise ficou conhecida como um tratamento longo, caro e de resultados pouco evidentes, ou seja, de efeitos sutis.
A meu ver, isto foi apenas uma primeira impressão, apressada, de um tratamento que floresceu no século 20 e que foi se firmando aos poucos, à medida que avançava teoricamente e demonstrava sua eficácia. A psicanálise, como a vejo hoje, é mais do que um tratamento para distúrbios emocionais: ela vai se firmando como um operador da constituição de um novo sujeito que advém como efeito desse trabalho. Quando digo um novo sujeito, quero dizer de uma nova posição de cada um nos laços que se faz com os objetos deste mundo.
A psicanálise trata essas relações como laços de discurso, uma vez que o ser humano é um ser de linguagem e o campo do psíquico se estrutura como tal. Daí ser preciso pôr as pessoas a falarem, a dizerem o que lhes vem à cabeça, num trabalho que ficou conhecido como associação livre, termo freudiano para definir o processo que coloca o inconsciente em cena.
Freud nos deixou muitas referências sobre sua técnica e o manejo para extrair dessas falas os elementos do inconsciente que detém cada um de nós no acesso a essa outra posição nas relações com o mundo, incluindo aí não só as pessoas, como também o trabalho, as ideias, sentimentos, desejos, fantasias, a cultura, enfim, um campo simbólico organizado que Lacan definiu como “o grande Outro”.
Cabe ao psicanalista a escuta desses elementos inconscientes para extrair da fala do analisante o saber do: “em que cada um se amarra”.
Análise e síntese Há uma resposta de Freud à pergunta de um jornalista em Londres, já no fim de sua vida, de que gosto muito e expressa bem esse trabalho: “A psicanálise torna a vida mais simples. Adquirimos uma nova síntese depois da análise. A psicanálise reordena um emaranhado de impulsos dispersos, procura enrolá-los em torno do seu carretel. Ou, modificando a metáfora, ela fornece o fio que conduz a pessoa para fora do labirinto do seu inconsciente”.
Vejam que a ideia de um fio, de amarrar e soltar, de corte e sutura já se insinua.
Tanto Freud como Lacan compararam o trabalho do analista ao do cirurgião, que opera por cortes e suturas, e que, para isso, é preciso reconhecer as estruturas do campo em que se vai operar. Em seu Seminário R.S.I., Lacan faz um estudo dessas estruturas constituídas de três registros: imaginário, simbólico e real.
Gilda Vaz Rodrigues é psicanalista, autora de Percursos na transmissão da psicanálise, primeiro livro da coleção Obras incompletas e A psicanálise pelo avesso – uma leitura do seminário ‘O avesso da psicanálise’ de Jacques Lacan.
CORTES E SUTURAS NA OPERAÇÃO PSICANALÍTICA – Uma leitura do seminário R.S.I., livro 22 de Jacques Lacan
• De Gilda Vaz Rodrigues
• Editora Ophicina de Arte e Prosa
• Lançamento dia 9, das 10h30 às 13h, na Livraria Ouvidor Savassi, Rua Fernandes Tourinho, 253, Savassi
Gilda Vaz Rodrigues
Estado de Minas: 02/11/2013
Para o francês Jacques Lacan, o trabalho do psicanalista pode ser comparado ao do cirurgião, com seus cortes e suturas |
O livro Cortes e suturas na operação psicanalítica – Uma leitura do ‘Seminário R.S.I., Livro 22 de Jacques Lacan’ é uma leitura comentada sobre um dos seminários do psicanalista francês Jacques Lacan, que ainda não foi editado em português, mas ao qual se tem acesso por várias vias, inclusive pela internet. Embora seja um livro teórico, não se trata de um escrito acadêmico, e sim psicanalítico.
R.S.I. é uma sigla para dizer dos três registros que constituem a estrutura do sujeito do inconsciente: imaginário, simbólico e real. Lacan formaliza essa estrutura com a ajuda da topologia, pois se trata de um campo além da linguagem, em que a matemática oferece instrumentos mais de acordo para abordá-lo.
Durante algum tempo a psicanálise ficou conhecida como um tratamento longo, caro e de resultados pouco evidentes, ou seja, de efeitos sutis.
A meu ver, isto foi apenas uma primeira impressão, apressada, de um tratamento que floresceu no século 20 e que foi se firmando aos poucos, à medida que avançava teoricamente e demonstrava sua eficácia. A psicanálise, como a vejo hoje, é mais do que um tratamento para distúrbios emocionais: ela vai se firmando como um operador da constituição de um novo sujeito que advém como efeito desse trabalho. Quando digo um novo sujeito, quero dizer de uma nova posição de cada um nos laços que se faz com os objetos deste mundo.
A psicanálise trata essas relações como laços de discurso, uma vez que o ser humano é um ser de linguagem e o campo do psíquico se estrutura como tal. Daí ser preciso pôr as pessoas a falarem, a dizerem o que lhes vem à cabeça, num trabalho que ficou conhecido como associação livre, termo freudiano para definir o processo que coloca o inconsciente em cena.
Freud nos deixou muitas referências sobre sua técnica e o manejo para extrair dessas falas os elementos do inconsciente que detém cada um de nós no acesso a essa outra posição nas relações com o mundo, incluindo aí não só as pessoas, como também o trabalho, as ideias, sentimentos, desejos, fantasias, a cultura, enfim, um campo simbólico organizado que Lacan definiu como “o grande Outro”.
Cabe ao psicanalista a escuta desses elementos inconscientes para extrair da fala do analisante o saber do: “em que cada um se amarra”.
Análise e síntese Há uma resposta de Freud à pergunta de um jornalista em Londres, já no fim de sua vida, de que gosto muito e expressa bem esse trabalho: “A psicanálise torna a vida mais simples. Adquirimos uma nova síntese depois da análise. A psicanálise reordena um emaranhado de impulsos dispersos, procura enrolá-los em torno do seu carretel. Ou, modificando a metáfora, ela fornece o fio que conduz a pessoa para fora do labirinto do seu inconsciente”.
Vejam que a ideia de um fio, de amarrar e soltar, de corte e sutura já se insinua.
Tanto Freud como Lacan compararam o trabalho do analista ao do cirurgião, que opera por cortes e suturas, e que, para isso, é preciso reconhecer as estruturas do campo em que se vai operar. Em seu Seminário R.S.I., Lacan faz um estudo dessas estruturas constituídas de três registros: imaginário, simbólico e real.
Gilda Vaz Rodrigues é psicanalista, autora de Percursos na transmissão da psicanálise, primeiro livro da coleção Obras incompletas e A psicanálise pelo avesso – uma leitura do seminário ‘O avesso da psicanálise’ de Jacques Lacan.
CORTES E SUTURAS NA OPERAÇÃO PSICANALÍTICA – Uma leitura do seminário R.S.I., livro 22 de Jacques Lacan
• De Gilda Vaz Rodrigues
• Editora Ophicina de Arte e Prosa
• Lançamento dia 9, das 10h30 às 13h, na Livraria Ouvidor Savassi, Rua Fernandes Tourinho, 253, Savassi
Importante e interessante - João Paulo
Livro reúne artigos sobre história do
Brasil escritos por especialistas, mas voltados ao leitor não acadêmico.
Trabalho faz parte de onda de valorização do conhecimento sobre o
passado
João Paulo
Estado de Minas: 02/11/2013
Num país que sempre foi considerado sem memória, a história está em alta. O interesse pelo conhecimento sobre o passado tem deixado a academia para ganhar as ruas. O que é muito bom, mas exige dos profissionais uma atenção especial ao novo público. Além de filmes, peças de teatro e narrativas ficcionais de fundo histórico, os livros de história começam a conquistar mercado e atenção do leitor. Com isso, ao lado dos profissionais da academia, jornalistas, biógrafos e escritores têm mergulhado no tema, com qualidade cada vez mais notável.
Os historiadores, percebendo o interesse, também se prepararam para atender à demanda vinda da sociedade e passaram a ocupar um território novo, com volumes de história narrativa e artigos em revistas e jornais. Além disso, publicações mais populares dedicadas exclusivamente à história – que são comuns em outros países há décadas – começaram a ser editadas no Brasil e vendidas nas bancas. E é esse cenário que recebe o livro História do Brasil para ocupados: os mais importantes historiadores apresentam de um jeito original os episódios decisivos e personagens fascinantes que fizerem o nosso país. A coletânea é organizada por Luciano Figueiredo, professor associado de história da Universidade Federal Fluminense, estudioso da história de Minas Gerais, sobretudo de temas como mulheres, família e revoltas.
O livro reúne artigos de 66 historiadores de várias universidades brasileiras, que escrevem pequenos ensaios sobre os temas de sua especialidade. Os textos são produzidos sempre de olho no leitor comum, interessado e inteligente, mas não especialista, sem jargão técnico ou querelas metodológicas. Não há notas de pé de página nem aparato acadêmico. O esforço para proporcionar uma leitura fácil é perceptível, mas não cede à simplificação. A organização é temática e não cronológica, o que evita certo risco positivista de compreender a história como uma sucessão progressiva de fases em direção ao presente.
Luciano Figueiredo dividiu o livro em seis partes: “Pátria”, que trata dos pecados de origem do país, sobretudo a violência, que marca as primeiras relações com outros povos e civilizações, como tráfico negreiro, as invasões e as bandeiras; “Fé”, que traz trabalhos sobre as cosmogonias e a religiosidade, inclusive em suas manifestações populares e de resistência; “Poder”, que reúne ensaios sobre a ordem econômica e política nacional. Os demais capítulos são “Povo”, com artigos sobre reis, sexualidade e gente comum; “Guerra”, sobre os principais conflitos nacionais e seus personagens; e “Construtores”, série de perfis de presidentes, escravos, artistas e anônimos que ajudaram a dar cara ao que chamamos hoje de Brasil.
O organizador teve a boa ideia de selecionar textos que propõem sempre um olhar diferente, trazendo lições do passado em diálogo com a sensibilidade contemporânea. Pode ser que algum leitor sinta falta de temas mais canônicos, o que se explica pela intenção de renovar o ambiente dos estudos mais convencionais. Os artigos e pequenos ensaios (entre três e 12 páginas) são sempre autônomos, o que permite uma leitura mais fluida, seguindo o interesse do leitor, como uma coleção de revistas antigas. Aliás, todos os textos foram publicados anteriormente em revistas, com destaque para a Nossa História e Revista de História da Biblioteca Nacional, que foram criadas e dirigidas por Luciano Figueiredo.
Só para dar uma ideia dos temas e autores responsáveis pelo conteúdo de História do Brasil para ocupados, podem ser destacados: “O traficante Chachá”, por Alberto da Costa e Silva; “Candomblé para todos”, de João José Reis; “Exércitos de Cristo”, de Ronaldo Vainfas; “Nos porões do Estado Novo”, por José Murilo de Carvalho; “1964; golpe militar ou civil?”, de Daniel Aarão Reis; ‘1968: um ano-chave”, de Lucília de Almeida Neves Delgado; “O indiscreto ‘Demonão’”, de Mary del Priore, “Santo ofício da homofobia”, de Luiz Mott; “Maurício de Nassau”, de Evaldo Cabral de Mello; “A invenção da MPB”, de João Máximo; e “O herói da floresta”, de Kenneth Maxwell, entre dezenas de outros textos.
Livro que pode se tornar porta de entrada para estudos mais aprofundados, História do Brasil para ocupados só teria a ganhar se, ao fim de cada artigo, trouxesse uma sucinta lista de indicações para quem queira ir adiante. Como os trabalhos são também oriundos de revistas que primam pela qualidade da pesquisa iconográfica, seria igualmente interessante trazer algumas reproduções de imagens que dialogassem com a leitura, ainda que isso apontasse para novo projeto, certamente mais caro para o leitor.
Por fim, em meio a tanta celebração da história (sobretudo em meio à polêmica das biografias no Brasil), com a incorporação de jornalistas, cineastas e escritores no segmento, a melhor notícia que História do Brasil para ocupados traz é a disposição dos historiadores profissionais em ir ao encontro do público. Ao se preocupar em escrever de maneira direta e saborosa, sem deixar de lado o rigor mas atentos às curiosidades, eles estão apresentando um convite que tem tudo para dar certo. Em matéria de conhecimento, os dois lados – a academia e a sociedade – só têm a ganhar com o diálogo.
Entrevista/Luciano Figueiredo/historiador
‘‘Temos o direito de saber’’
Como você analisa o grande interesse do público pela história no Brasil, revelado no sucesso de obras de divulgação, filmes e outros produtos culturais que se nutrem do passado?
Ao contrário do que se passou no início do século 20, com a civilização orgulhosa de suas realizações e confiante no futuro, o nascimento do século 21 assiste a uma desconfiança generalizada com o que vem pela frente. A impressão é que o futuro não promete muito: escassez, agressões ao meio ambiente, intolerância, conflitos étnicos e religiosos. Nesses ambientes é natural que o passado vire uma espécie de zona de conforto, uma experiência para onde se olha a fim de encontrar um território de coisas organizadas. Além disso, no Brasil houve nesse mesma temporalidade uma afirmação econômica e social de grupos até então fora do mercado de consumo de bens simbólicos e de conhecimento, item valorizado como capital dessa alargada mobilidade social. Surgiu um mercado de história, uma verdadeira inflação de memória. Isso é gratificante. Mas é preciso, na condição de historiador, distinguir popularização e divulgação científica, ainda que ambas cheguem ao grande público sem distinção muitas vezes. A popularização não envolve a atuação direta do especialista, quando muito como fonte de conteúdo, ao passo que a divulgação científica envolve o “cientista”, ele próprio fazendo a mediação. Considero ambas importantes mas imperioso que os acadêmicos atuem fortemente nesse processo. Inclusive para alertar falsificações grosseiras, interpretações tendenciosas do passado que são um risco à vida democrática.
De que forma o estudo da história contribui para o aprimoramento da cidadania? Como você tem acompanhado o trabalho da Comissão da Verdade?
As leituras do passado são sempre o que trazemos de mais forte. A razão de ser da história é fixar na consciência coletiva referenciais da identidade, considerados como virtudes ou não, que podem nos posicionar para agir no presente. Por isso história é disciplina obrigatória, dentro e fora da escola. O trabalho da Comissão da Verdade é um mergulho em um passado tenebroso, ao abrir uma ferida amarga que, em nossa história recente, se tentou silenciar. A maneira pública e corajosa como isso vem sendo feito, com a convocação de todas as pontas da máquina de repressão, a aproximação franca entre vítimas e algozes, sob a garantia democrática da ordem institucional, é um momento fundamental. Esconder não resolve, simular tampouco; logo, trazer para a cena pública o horror ajudará indivíduos e famílias a superar a violência à qual foram dragados e a consolidar um posicionamento para os que vivem hoje sobre o que nunca mais se quer viver.
Qual a sua opinião sobre a polêmica em torno das biografias não autorizadas?
De certo modo, assim como a Comissão da Verdade, o capricho de artistas em torno do grupo Procure Saber promoveu uma outra forma de revelar a experiência pública com a nossa história. Historiador algum pode estar de acordo com a exigência de se autorizar biografias. A Ana de Holanda, ex-ministra da Cultura, foi certeira: “Sou filha de historiador, não posso estar de acordo”. Paulo César Araújo, surrado pelos advogados do Rei que impediram a publicação de seu livro, acabou divulgando um texto-resposta registrando: “Sou historiador”. A sociedade brasileira vem também nesse processo revelando uma maturidade impressionante em seu compromisso com o valor da história. Reivindica o direito ao passado, não poupa a Justiça lenta, que deixa expostos aqueles que são vítimas da infâmia e da calúnia e denuncia aqueles que querem apenas as benesses da vida de vip. Todos queremos ver as imagens de Manuel Bandeira, ler Guimarães Rosa sem limites. Temos esse direito. Quem trabalha em outra direção será atropelado por esse trem doido. Afinal, Chico Buarque cantava em uma velha música: “A história é um carro alegre que atropela indiferente toda aquele que a negue”.
Qual é o papel da academia nesse cenário de interesse pela história? Como você vê o desafio de dialogar com a sociedade?
Professores e pesquisadores da área das ciências sociais deveriam ocupar papel dos mais relevantes, estimulando, debatendo, produzindo. Mas não é isso que ocorre. Os casos daqueles que atuam são raros. A comunicação pública de história por parte dos historiadores é precária e não faz parte do metier do historiador no Brasil. Ainda é uma convivência estranha. As políticas públicas de popularização também não dão muita bola para as ciências sociais, pois a história da divulgação científica, desde o Correio Braziliense, no início do século 19, privilegia as ciências associadas à produção de riquezas materiais. O diálogo é difícil, pois historiadores são formados para conversar com eles mesmos e lecionarem. O público mais amplo já tem professor na escola. As universidades e centros de pesquisa em nossa área precisavam ser dotadas de núcleos de divulgação, experimentarem projetos, formando junto com jornalistas, educadores e artistas uma geração sensível ao diálogo fora da sala de aula. Estamos também despreparados para lidar com o fato de a história ter se tornado uma commodity. Há aspectos éticos de que os historiadores precisam cuidar, pois ao agirem em um plano cultural mais amplo estão sujeitos a pirataria e a má-fé.
HISTÓRIA DO BRASIL PARA OCUPADOS
. Organizado por Luciano Figueiredo
. Editora Casa da Palavra, 504 páginas, R$ 49,90
João Paulo
Estado de Minas: 02/11/2013
Um jantar brasileiro, de Debret: a história que vai além dos grandes fatos e entra nas casas para revelar o modo de ser nacional |
Num país que sempre foi considerado sem memória, a história está em alta. O interesse pelo conhecimento sobre o passado tem deixado a academia para ganhar as ruas. O que é muito bom, mas exige dos profissionais uma atenção especial ao novo público. Além de filmes, peças de teatro e narrativas ficcionais de fundo histórico, os livros de história começam a conquistar mercado e atenção do leitor. Com isso, ao lado dos profissionais da academia, jornalistas, biógrafos e escritores têm mergulhado no tema, com qualidade cada vez mais notável.
Os historiadores, percebendo o interesse, também se prepararam para atender à demanda vinda da sociedade e passaram a ocupar um território novo, com volumes de história narrativa e artigos em revistas e jornais. Além disso, publicações mais populares dedicadas exclusivamente à história – que são comuns em outros países há décadas – começaram a ser editadas no Brasil e vendidas nas bancas. E é esse cenário que recebe o livro História do Brasil para ocupados: os mais importantes historiadores apresentam de um jeito original os episódios decisivos e personagens fascinantes que fizerem o nosso país. A coletânea é organizada por Luciano Figueiredo, professor associado de história da Universidade Federal Fluminense, estudioso da história de Minas Gerais, sobretudo de temas como mulheres, família e revoltas.
O livro reúne artigos de 66 historiadores de várias universidades brasileiras, que escrevem pequenos ensaios sobre os temas de sua especialidade. Os textos são produzidos sempre de olho no leitor comum, interessado e inteligente, mas não especialista, sem jargão técnico ou querelas metodológicas. Não há notas de pé de página nem aparato acadêmico. O esforço para proporcionar uma leitura fácil é perceptível, mas não cede à simplificação. A organização é temática e não cronológica, o que evita certo risco positivista de compreender a história como uma sucessão progressiva de fases em direção ao presente.
Luciano Figueiredo dividiu o livro em seis partes: “Pátria”, que trata dos pecados de origem do país, sobretudo a violência, que marca as primeiras relações com outros povos e civilizações, como tráfico negreiro, as invasões e as bandeiras; “Fé”, que traz trabalhos sobre as cosmogonias e a religiosidade, inclusive em suas manifestações populares e de resistência; “Poder”, que reúne ensaios sobre a ordem econômica e política nacional. Os demais capítulos são “Povo”, com artigos sobre reis, sexualidade e gente comum; “Guerra”, sobre os principais conflitos nacionais e seus personagens; e “Construtores”, série de perfis de presidentes, escravos, artistas e anônimos que ajudaram a dar cara ao que chamamos hoje de Brasil.
O organizador teve a boa ideia de selecionar textos que propõem sempre um olhar diferente, trazendo lições do passado em diálogo com a sensibilidade contemporânea. Pode ser que algum leitor sinta falta de temas mais canônicos, o que se explica pela intenção de renovar o ambiente dos estudos mais convencionais. Os artigos e pequenos ensaios (entre três e 12 páginas) são sempre autônomos, o que permite uma leitura mais fluida, seguindo o interesse do leitor, como uma coleção de revistas antigas. Aliás, todos os textos foram publicados anteriormente em revistas, com destaque para a Nossa História e Revista de História da Biblioteca Nacional, que foram criadas e dirigidas por Luciano Figueiredo.
Só para dar uma ideia dos temas e autores responsáveis pelo conteúdo de História do Brasil para ocupados, podem ser destacados: “O traficante Chachá”, por Alberto da Costa e Silva; “Candomblé para todos”, de João José Reis; “Exércitos de Cristo”, de Ronaldo Vainfas; “Nos porões do Estado Novo”, por José Murilo de Carvalho; “1964; golpe militar ou civil?”, de Daniel Aarão Reis; ‘1968: um ano-chave”, de Lucília de Almeida Neves Delgado; “O indiscreto ‘Demonão’”, de Mary del Priore, “Santo ofício da homofobia”, de Luiz Mott; “Maurício de Nassau”, de Evaldo Cabral de Mello; “A invenção da MPB”, de João Máximo; e “O herói da floresta”, de Kenneth Maxwell, entre dezenas de outros textos.
Livro que pode se tornar porta de entrada para estudos mais aprofundados, História do Brasil para ocupados só teria a ganhar se, ao fim de cada artigo, trouxesse uma sucinta lista de indicações para quem queira ir adiante. Como os trabalhos são também oriundos de revistas que primam pela qualidade da pesquisa iconográfica, seria igualmente interessante trazer algumas reproduções de imagens que dialogassem com a leitura, ainda que isso apontasse para novo projeto, certamente mais caro para o leitor.
Por fim, em meio a tanta celebração da história (sobretudo em meio à polêmica das biografias no Brasil), com a incorporação de jornalistas, cineastas e escritores no segmento, a melhor notícia que História do Brasil para ocupados traz é a disposição dos historiadores profissionais em ir ao encontro do público. Ao se preocupar em escrever de maneira direta e saborosa, sem deixar de lado o rigor mas atentos às curiosidades, eles estão apresentando um convite que tem tudo para dar certo. Em matéria de conhecimento, os dois lados – a academia e a sociedade – só têm a ganhar com o diálogo.
‘‘Temos o direito de saber’’
Como você analisa o grande interesse do público pela história no Brasil, revelado no sucesso de obras de divulgação, filmes e outros produtos culturais que se nutrem do passado?
Ao contrário do que se passou no início do século 20, com a civilização orgulhosa de suas realizações e confiante no futuro, o nascimento do século 21 assiste a uma desconfiança generalizada com o que vem pela frente. A impressão é que o futuro não promete muito: escassez, agressões ao meio ambiente, intolerância, conflitos étnicos e religiosos. Nesses ambientes é natural que o passado vire uma espécie de zona de conforto, uma experiência para onde se olha a fim de encontrar um território de coisas organizadas. Além disso, no Brasil houve nesse mesma temporalidade uma afirmação econômica e social de grupos até então fora do mercado de consumo de bens simbólicos e de conhecimento, item valorizado como capital dessa alargada mobilidade social. Surgiu um mercado de história, uma verdadeira inflação de memória. Isso é gratificante. Mas é preciso, na condição de historiador, distinguir popularização e divulgação científica, ainda que ambas cheguem ao grande público sem distinção muitas vezes. A popularização não envolve a atuação direta do especialista, quando muito como fonte de conteúdo, ao passo que a divulgação científica envolve o “cientista”, ele próprio fazendo a mediação. Considero ambas importantes mas imperioso que os acadêmicos atuem fortemente nesse processo. Inclusive para alertar falsificações grosseiras, interpretações tendenciosas do passado que são um risco à vida democrática.
De que forma o estudo da história contribui para o aprimoramento da cidadania? Como você tem acompanhado o trabalho da Comissão da Verdade?
As leituras do passado são sempre o que trazemos de mais forte. A razão de ser da história é fixar na consciência coletiva referenciais da identidade, considerados como virtudes ou não, que podem nos posicionar para agir no presente. Por isso história é disciplina obrigatória, dentro e fora da escola. O trabalho da Comissão da Verdade é um mergulho em um passado tenebroso, ao abrir uma ferida amarga que, em nossa história recente, se tentou silenciar. A maneira pública e corajosa como isso vem sendo feito, com a convocação de todas as pontas da máquina de repressão, a aproximação franca entre vítimas e algozes, sob a garantia democrática da ordem institucional, é um momento fundamental. Esconder não resolve, simular tampouco; logo, trazer para a cena pública o horror ajudará indivíduos e famílias a superar a violência à qual foram dragados e a consolidar um posicionamento para os que vivem hoje sobre o que nunca mais se quer viver.
Qual a sua opinião sobre a polêmica em torno das biografias não autorizadas?
De certo modo, assim como a Comissão da Verdade, o capricho de artistas em torno do grupo Procure Saber promoveu uma outra forma de revelar a experiência pública com a nossa história. Historiador algum pode estar de acordo com a exigência de se autorizar biografias. A Ana de Holanda, ex-ministra da Cultura, foi certeira: “Sou filha de historiador, não posso estar de acordo”. Paulo César Araújo, surrado pelos advogados do Rei que impediram a publicação de seu livro, acabou divulgando um texto-resposta registrando: “Sou historiador”. A sociedade brasileira vem também nesse processo revelando uma maturidade impressionante em seu compromisso com o valor da história. Reivindica o direito ao passado, não poupa a Justiça lenta, que deixa expostos aqueles que são vítimas da infâmia e da calúnia e denuncia aqueles que querem apenas as benesses da vida de vip. Todos queremos ver as imagens de Manuel Bandeira, ler Guimarães Rosa sem limites. Temos esse direito. Quem trabalha em outra direção será atropelado por esse trem doido. Afinal, Chico Buarque cantava em uma velha música: “A história é um carro alegre que atropela indiferente toda aquele que a negue”.
Qual é o papel da academia nesse cenário de interesse pela história? Como você vê o desafio de dialogar com a sociedade?
Professores e pesquisadores da área das ciências sociais deveriam ocupar papel dos mais relevantes, estimulando, debatendo, produzindo. Mas não é isso que ocorre. Os casos daqueles que atuam são raros. A comunicação pública de história por parte dos historiadores é precária e não faz parte do metier do historiador no Brasil. Ainda é uma convivência estranha. As políticas públicas de popularização também não dão muita bola para as ciências sociais, pois a história da divulgação científica, desde o Correio Braziliense, no início do século 19, privilegia as ciências associadas à produção de riquezas materiais. O diálogo é difícil, pois historiadores são formados para conversar com eles mesmos e lecionarem. O público mais amplo já tem professor na escola. As universidades e centros de pesquisa em nossa área precisavam ser dotadas de núcleos de divulgação, experimentarem projetos, formando junto com jornalistas, educadores e artistas uma geração sensível ao diálogo fora da sala de aula. Estamos também despreparados para lidar com o fato de a história ter se tornado uma commodity. Há aspectos éticos de que os historiadores precisam cuidar, pois ao agirem em um plano cultural mais amplo estão sujeitos a pirataria e a má-fé.
. Organizado por Luciano Figueiredo
. Editora Casa da Palavra, 504 páginas, R$ 49,90
Homem com agá - Ângela Faria
Livro de ensaios estuda a constituição da
noção de masculinidade na história do Brasil e ajuda a compreender a
diversidade de papéis através dos tempos
Ângela Faria
Estado de Minas: 02/11/2013
“Quantos homens cabem num só?”, perguntam Mary del Priore e Marcia Amantino na introdução do livro História dos homens no Brasil (Editora Unesp), que reúne ensaios sobre o processo de construção da masculinidade no país. Doze capítulos abordam da saga dos escravos à virilidade nas academias de MMA do século 21, passando pelo sinhozinho da casa-grande, por padres divididos entre celibato e pecado, por pobres rapazes caçados para lutar no Exército, por guerrilheiros inspirados no mito Che Guevara e por ativos militantes do movimento gay contemporâneo.
Dividido em 12 capítulos, o livro chega em boa hora: enquanto ruas são invadidas por alegres e afirmativas paradas GLTB, páginas policiais estampam crimes de motivação homofóbica e assassinatos de mulheres por machos enfurecidos. Algozes? Vítimas? Antes de tudo, personagens da história. A virilidade é uma construção cultural – e não mero dom da natureza –, lembra Angélica Müller em seu artigo, invertendo a famosa frase de Simone de Beauvoir: “Não se nasce homem, torna-se”.
Organizadoras do livro, Mary del Priore e Marcia Amantino prestam tributo ao sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, pioneiro no estudo do universo de sinhôs, doutores, escravos, matutos e caipiras. O Brasil e sua sociedade mestiça surgiram do corpo amedrontado dos negros, mas também da valentia de aguerridos quilombos. Não há como pensar em mestiçagem sem destacar os religiosos católicos amancebados com índias, negras e mulheres livres. A figura do padre don juan só perdeu prestígio no século 19, registra Robert Daibert Jr., especialista em ciências da religião.
No século 18, o Brasil experimentou sua primeira explosão demográfica. Provocada pelo Ciclo do Ouro, ela atingiu sobretudo o Centro-Sul, com profundo impacto sobre as relações familiares e as conexões entre os universos rural e urbano. Com a chegada da corte portuguesa, o século 19 foi emblemático para o homem brasileiro: ampliaram-se oportunidades de estudo, criaram-se colégios e se difundiram práticas corporais caras à virilidade. Há 300 anos, cariocas já se dedicavam à “política do corpo”: eram adeptos da cavalaria, do remo, da ginástica.
Marco da bravura nacional – os combates se davam corpo a corpo, é bom lembrar –, a Guerra do Paraguai foi fundamental para a reorganização das Forças Armadas brasileiras. Porém, o recrutamento forçado da tropa – leia-se, de pobres – só seria proibido em 1891, 21 anos depois do encerramento do conflito.
Sociedade patriarcal, o Brasil dos anos 1800 conferia ao pai poderes que nem a maioridade dos filhos (aos 25 anos) romperia, lembra Mary del Priore. Meninos se criavam entre o chicote (em casa) e a palmatória (na sala de aula). A pedagogia do castigo físico e o despotismo paternal regravam ricos e pobres. Entretanto, muitos desses núcleos familiares eram comandados por mulheres, sobretudo onde homens se viam obrigados a buscar o sustento longe de casa. Na São Paulo colonial, calcula-se que as matriarcas dirigiam 40% dos lares.
Tirano e amoroso
Del Priore lembra que a paternidade ganhou novos contornos no século 19. Dom Pedro I simbolizou essa mudança, explicitando em público o afeto aos filhos. “Passava-se do pai tirano ao pai amoroso”, observa a historiadora. De acordo com Gilberto Freyre, a transição da vida rural para a vida urbana levou consigo o patriarca. Mas o desmantelamento da imagem paterna autoritária se consolidou, mesmo, nos anos 1970/1980, com a profunda modificação das formas de casamento, o avanço das mulheres no mercado de trabalho e a revolução comportamental do século 20.
“Tudo colaborou para o fim de modelos tradicionais, embora muito do pater familiae subsista ao lado da figura do pai divorciado, homossexual, viúvo, adotivo ou ausente, enfim, de novas realidades para uma nova ordem social. A identidade dos pais será uma conquista a ser feita todos os dias”, acredita Mary del Priore. Leitura instigante, História dos homens... bem poderia ter mais dois capítulos, dedicados ao comportamento dos índios e ao mito de Lampião, o temido cangaceiro que sabia bordar.
Espelho
Especialista no estudo da indumentária, Márcia Pinna Raspanti escreveu um dos capítulos mais interessantes de História dos homens no Brasil. Nossos machos nunca foram indiferentes ao espelho – afinal, roupa é símbolo de poder. Calções de cetim, gibões, tecidos adamascados e acabamentos bordados, além do chapéu de lã, eram apreciados por senhores de nossa sociedade colonial, enquanto aos escravos proibia-se o uso de sapato. No Brasil império, ao austero dom Pedro II se contrapunha o fashion Joaquim Nabuco, com suas casacas compridas, coletes, bengalas e colarinhos engomados. Brasileiros copiavam os franceses, depois os ingleses e, mais recentemente, os americanos.
Aliás, nasceu em Minas um dos dândis mais chiques do século 20: Santos Dumont (1897 – 1932), o Pai da Aviação, com seus ternos risca de giz e sapatos de salto para despistar a pouca altura. Foi para ele que Louis Cartier criou o relógio de pulso, até hoje objeto de desejo de nossos vaidosos metrossexuais. O baixinho fez mesmo história – e não só a bordo do 14 Bis. Usava seu chapéu-panamá estrategicamente caído, de lado, chamando a atenção ao circular assim por Paris. A moda pegou. Winston Churchill e Harry Truman aderiram. Depois vieram Humphrey Bogart, Clark Gable e – last, but not least – Michael Jackson...
HISTÓRIA DOS HOMENS NO BRASIL
. Organizado por Mary del Priore e Marcia Amantino
. Editora Unesp, 415 páginas, R$ 69
Ângela Faria
Estado de Minas: 02/11/2013
Com sua elegância a toda prova, Santos Dumont foi uma espécie de metrossexual antes do tempo |
“Quantos homens cabem num só?”, perguntam Mary del Priore e Marcia Amantino na introdução do livro História dos homens no Brasil (Editora Unesp), que reúne ensaios sobre o processo de construção da masculinidade no país. Doze capítulos abordam da saga dos escravos à virilidade nas academias de MMA do século 21, passando pelo sinhozinho da casa-grande, por padres divididos entre celibato e pecado, por pobres rapazes caçados para lutar no Exército, por guerrilheiros inspirados no mito Che Guevara e por ativos militantes do movimento gay contemporâneo.
Dividido em 12 capítulos, o livro chega em boa hora: enquanto ruas são invadidas por alegres e afirmativas paradas GLTB, páginas policiais estampam crimes de motivação homofóbica e assassinatos de mulheres por machos enfurecidos. Algozes? Vítimas? Antes de tudo, personagens da história. A virilidade é uma construção cultural – e não mero dom da natureza –, lembra Angélica Müller em seu artigo, invertendo a famosa frase de Simone de Beauvoir: “Não se nasce homem, torna-se”.
Organizadoras do livro, Mary del Priore e Marcia Amantino prestam tributo ao sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, pioneiro no estudo do universo de sinhôs, doutores, escravos, matutos e caipiras. O Brasil e sua sociedade mestiça surgiram do corpo amedrontado dos negros, mas também da valentia de aguerridos quilombos. Não há como pensar em mestiçagem sem destacar os religiosos católicos amancebados com índias, negras e mulheres livres. A figura do padre don juan só perdeu prestígio no século 19, registra Robert Daibert Jr., especialista em ciências da religião.
No século 18, o Brasil experimentou sua primeira explosão demográfica. Provocada pelo Ciclo do Ouro, ela atingiu sobretudo o Centro-Sul, com profundo impacto sobre as relações familiares e as conexões entre os universos rural e urbano. Com a chegada da corte portuguesa, o século 19 foi emblemático para o homem brasileiro: ampliaram-se oportunidades de estudo, criaram-se colégios e se difundiram práticas corporais caras à virilidade. Há 300 anos, cariocas já se dedicavam à “política do corpo”: eram adeptos da cavalaria, do remo, da ginástica.
Marco da bravura nacional – os combates se davam corpo a corpo, é bom lembrar –, a Guerra do Paraguai foi fundamental para a reorganização das Forças Armadas brasileiras. Porém, o recrutamento forçado da tropa – leia-se, de pobres – só seria proibido em 1891, 21 anos depois do encerramento do conflito.
Sociedade patriarcal, o Brasil dos anos 1800 conferia ao pai poderes que nem a maioridade dos filhos (aos 25 anos) romperia, lembra Mary del Priore. Meninos se criavam entre o chicote (em casa) e a palmatória (na sala de aula). A pedagogia do castigo físico e o despotismo paternal regravam ricos e pobres. Entretanto, muitos desses núcleos familiares eram comandados por mulheres, sobretudo onde homens se viam obrigados a buscar o sustento longe de casa. Na São Paulo colonial, calcula-se que as matriarcas dirigiam 40% dos lares.
Tirano e amoroso
Del Priore lembra que a paternidade ganhou novos contornos no século 19. Dom Pedro I simbolizou essa mudança, explicitando em público o afeto aos filhos. “Passava-se do pai tirano ao pai amoroso”, observa a historiadora. De acordo com Gilberto Freyre, a transição da vida rural para a vida urbana levou consigo o patriarca. Mas o desmantelamento da imagem paterna autoritária se consolidou, mesmo, nos anos 1970/1980, com a profunda modificação das formas de casamento, o avanço das mulheres no mercado de trabalho e a revolução comportamental do século 20.
“Tudo colaborou para o fim de modelos tradicionais, embora muito do pater familiae subsista ao lado da figura do pai divorciado, homossexual, viúvo, adotivo ou ausente, enfim, de novas realidades para uma nova ordem social. A identidade dos pais será uma conquista a ser feita todos os dias”, acredita Mary del Priore. Leitura instigante, História dos homens... bem poderia ter mais dois capítulos, dedicados ao comportamento dos índios e ao mito de Lampião, o temido cangaceiro que sabia bordar.
Espelho
Especialista no estudo da indumentária, Márcia Pinna Raspanti escreveu um dos capítulos mais interessantes de História dos homens no Brasil. Nossos machos nunca foram indiferentes ao espelho – afinal, roupa é símbolo de poder. Calções de cetim, gibões, tecidos adamascados e acabamentos bordados, além do chapéu de lã, eram apreciados por senhores de nossa sociedade colonial, enquanto aos escravos proibia-se o uso de sapato. No Brasil império, ao austero dom Pedro II se contrapunha o fashion Joaquim Nabuco, com suas casacas compridas, coletes, bengalas e colarinhos engomados. Brasileiros copiavam os franceses, depois os ingleses e, mais recentemente, os americanos.
Aliás, nasceu em Minas um dos dândis mais chiques do século 20: Santos Dumont (1897 – 1932), o Pai da Aviação, com seus ternos risca de giz e sapatos de salto para despistar a pouca altura. Foi para ele que Louis Cartier criou o relógio de pulso, até hoje objeto de desejo de nossos vaidosos metrossexuais. O baixinho fez mesmo história – e não só a bordo do 14 Bis. Usava seu chapéu-panamá estrategicamente caído, de lado, chamando a atenção ao circular assim por Paris. A moda pegou. Winston Churchill e Harry Truman aderiram. Depois vieram Humphrey Bogart, Clark Gable e – last, but not least – Michael Jackson...
. Organizado por Mary del Priore e Marcia Amantino
. Editora Unesp, 415 páginas, R$ 69
Antônio Maria Reis-Cânticos para Aleijadinho
Antônio Maria Reis
Estado de Minas: 02/11/2013
Há dois séculos os profetas do Aleijadinho contemplam, lá embaixo, a cidade de Congonhas. Ao fundo, o anfiteatro das montanhas resiste bravamente às frentes de extração de minério de ferro, que vão abastecer o mercado nacional e o de inúmeros países. A natureza bucólica de outrora, com o verde antes intocado cobrindo os montes e as montanhas, vai pouco a pouco dando lugar a uma terra desgastada e estéril, invadida dia e noite pela poeira de minério.
Os profetas que antigamente apenas exultavam o povo ao arrependimento e à equidade, agora, parecem lançar seus olhares severos advertindo a cidade de Congonhas: Quo vadis? Para onde vais? Vencerás a poluição, o avanço impiedoso das máquinas que destroem as campinas, derrubando montes e montanhas? A poesia e a beleza estética do berço natural em que nos colocou o grande Mestre e criador subsistirão para a posteridade ou restarão, em um dado momento de nossa história, apenas uma lembrança deste cenário espetacular, patrimônio da humanidade?
Congonhas passa, atualmente, por profundas transformações sociais, culturais e econômicas. A vida pacata de outrora, em vários aspectos, se altera aceleradamente. O município passou a lutar contra o tempo, tentando adequar sua infraestrutura às crescentes necessidades atuais. Para agravar o problema, calcula-se que quase a metade da população atual, se origina de outras localidades. A maioria não possui laços afetivos, sentimentais e de origens com a cidade.
Congonhas convive ainda com um processo de descaracterização brutal de seu casario. Substituiu-se, gradualmente, o Barroco pela arquitetura contemporânea, tirando do município o seu formato original, quando era visto como um grande presépio a céu aberto. E é neste cenário que ostenta o título de patrimônio mundial. Neste momento, entretanto, em que se lembra o aniversário do bicentenário da morte do grande mestre, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, vale a pena refletir sobre sua passagem por Congonhas, bem como o significado de sua obra grandiosa.
Antônio Francisco Lisboa já estava na casa dos 66 anos, quando foi contratado para esculpir as imagens dos Passos e os profetas do adro da basílica. Vivendo no lugar por quase uma década, já bastante debilitado pela enfermidade que se manifestou aos 47 anos, o artista realizou por aqui sua obra-prima, inspirada nos santuários portugueses do Bom Jesus de Matosinhos e do Bom Jesus de Braga.
Por aqui, do alto da montanha, os profetas do Aleijadinho gesticulam solenes. Numa grandiosidade teatral, apontam e mostram a cidade. Parece que conspiram, que tramam segredos e advertem. Lá embaixo, as pessoas permanecem em seu labor diário. Há sempre um olhar de fé atiçado em direção ao alto do morro Maranhão. Religiosidade, arte e trabalho se mesclam. Se entrelaçam, proporcionando o clima exato da espiritualidade que transpira no entorno da basílica. Realmente, há algo de mágico na colina do santuário do Bom Jesus de Matosinhos. A tocante sensação de paz, que envolve o local, parece resultar de um suave encantamento.
Vozes do tempo
A música que apareceu no período parece ter sido feita para enriquecer e dar voz ao patrimônio. Elemento artístico e cultural da história de nosso estado, a música colonial alcançou o seu apogeu em Minas, na segunda metade do século 18. Sua organização e profissionalização acontecem durante a formação de nossas primeiras vilas e arraiais, e no apogeu do ciclo do ouro. Estima-se que na região mineradora havia 15 mil pessoas dedicando-se às atividades musicais, dentre as quais 5 mil eram profissionais.
As irmandades ligadas à Igreja Católica disputavam entre si o mérito de possuírem magníficas igrejas e de promoverem os mais concorridos eventos religiosos. Este procedimento fazia com que contratassem renomados compositores da época, os melhores músicos, arranjadores e maestros para abrilhantarem os eventos. Era preciso proclamar a fé in hynnis et canticis”(com Hinos e cânticos), fazendo vibrar os espaços das igrejas, do chão até o teto. Dessa maneira, a música entoada nas igrejas no período colonial, acrescentava uma beleza toda especial às cerimônias religiosas.
Entre os mestres normalmente convocados pelas irmandades, destacam-se: Manoel Dias de Oliveira, Marcos Coelho Neto, Padre João de Deus de Castro Lobo, José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, entre outros. A música colonial mineira, em vários momentos da história de nosso estado, alcançou enorme notoriedade e uma grande beleza. Com o final do ciclo de ouro, as cidades mineradoras se empobreceram, havendo um reflexo natural na música, que passou a ser cantada mais pelo prazer, pelo amor a arte e o desejo de se manter a tradição. Os músicos tiveram que procurar outras atividades. E isto ocorreu em praticamente toda a região histórica do estado.
O trabalho do Coral Cidade dos Profetas surgiu justamente para divulgar este legado musical do passado. Fundado em 1988, por um grupo de pessoas interessadas em aprender o repertório, o coral teve, desde o início, a preocupação em aliar a arte musical à arte arquitetônica barroca, grande patrimônio de Congonhas. Ao se especializar na interpretação de música sacra antiga, notadamente a colonial mineira, o grupo se tornou um dos principais protagonistas da divulgação deste patrimônio. É reconhecido como uma das mais belas manifestações culturais do interior.
O coral participa, rotineiramente, de diversas atividades culturais e religiosas, sempre divulgando a música sacra do período. No dia 9, inicia uma nova série, os Concertos coloniais, em homenagem ao bicentenário da morte de Aleijadinho. A proposta é fazer entoar o repertório colonial para a atual geração e inaugurar uma nova opção turística na região, com a realização mensal de grandes concertos nas igrejas barrocas de Congonhas. De agora em diante, sempre no segundo sábado de cada mês, às 11h, num dos cenários históricos mais belos do país, os sons antigos de Minas estarão de volta.
. Antônio Maria Reis é pesquisador e membro do Coral Cidade dos Profetas.
O Brasil-Colônia nos arquivos históricos de Portugal: roteiro sumário
. De Caio C. Boschi
. Editora Alameda, 254 páginas
Estado de Minas: 02/11/2013
Profeta do Santuário do Bom Senhor de Matosinhos, em Congonhas: obra-prima do barroco brasileiro |
Há dois séculos os profetas do Aleijadinho contemplam, lá embaixo, a cidade de Congonhas. Ao fundo, o anfiteatro das montanhas resiste bravamente às frentes de extração de minério de ferro, que vão abastecer o mercado nacional e o de inúmeros países. A natureza bucólica de outrora, com o verde antes intocado cobrindo os montes e as montanhas, vai pouco a pouco dando lugar a uma terra desgastada e estéril, invadida dia e noite pela poeira de minério.
Os profetas que antigamente apenas exultavam o povo ao arrependimento e à equidade, agora, parecem lançar seus olhares severos advertindo a cidade de Congonhas: Quo vadis? Para onde vais? Vencerás a poluição, o avanço impiedoso das máquinas que destroem as campinas, derrubando montes e montanhas? A poesia e a beleza estética do berço natural em que nos colocou o grande Mestre e criador subsistirão para a posteridade ou restarão, em um dado momento de nossa história, apenas uma lembrança deste cenário espetacular, patrimônio da humanidade?
Congonhas passa, atualmente, por profundas transformações sociais, culturais e econômicas. A vida pacata de outrora, em vários aspectos, se altera aceleradamente. O município passou a lutar contra o tempo, tentando adequar sua infraestrutura às crescentes necessidades atuais. Para agravar o problema, calcula-se que quase a metade da população atual, se origina de outras localidades. A maioria não possui laços afetivos, sentimentais e de origens com a cidade.
Congonhas convive ainda com um processo de descaracterização brutal de seu casario. Substituiu-se, gradualmente, o Barroco pela arquitetura contemporânea, tirando do município o seu formato original, quando era visto como um grande presépio a céu aberto. E é neste cenário que ostenta o título de patrimônio mundial. Neste momento, entretanto, em que se lembra o aniversário do bicentenário da morte do grande mestre, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, vale a pena refletir sobre sua passagem por Congonhas, bem como o significado de sua obra grandiosa.
Antônio Francisco Lisboa já estava na casa dos 66 anos, quando foi contratado para esculpir as imagens dos Passos e os profetas do adro da basílica. Vivendo no lugar por quase uma década, já bastante debilitado pela enfermidade que se manifestou aos 47 anos, o artista realizou por aqui sua obra-prima, inspirada nos santuários portugueses do Bom Jesus de Matosinhos e do Bom Jesus de Braga.
Por aqui, do alto da montanha, os profetas do Aleijadinho gesticulam solenes. Numa grandiosidade teatral, apontam e mostram a cidade. Parece que conspiram, que tramam segredos e advertem. Lá embaixo, as pessoas permanecem em seu labor diário. Há sempre um olhar de fé atiçado em direção ao alto do morro Maranhão. Religiosidade, arte e trabalho se mesclam. Se entrelaçam, proporcionando o clima exato da espiritualidade que transpira no entorno da basílica. Realmente, há algo de mágico na colina do santuário do Bom Jesus de Matosinhos. A tocante sensação de paz, que envolve o local, parece resultar de um suave encantamento.
Vozes do tempo
A música que apareceu no período parece ter sido feita para enriquecer e dar voz ao patrimônio. Elemento artístico e cultural da história de nosso estado, a música colonial alcançou o seu apogeu em Minas, na segunda metade do século 18. Sua organização e profissionalização acontecem durante a formação de nossas primeiras vilas e arraiais, e no apogeu do ciclo do ouro. Estima-se que na região mineradora havia 15 mil pessoas dedicando-se às atividades musicais, dentre as quais 5 mil eram profissionais.
As irmandades ligadas à Igreja Católica disputavam entre si o mérito de possuírem magníficas igrejas e de promoverem os mais concorridos eventos religiosos. Este procedimento fazia com que contratassem renomados compositores da época, os melhores músicos, arranjadores e maestros para abrilhantarem os eventos. Era preciso proclamar a fé in hynnis et canticis”(com Hinos e cânticos), fazendo vibrar os espaços das igrejas, do chão até o teto. Dessa maneira, a música entoada nas igrejas no período colonial, acrescentava uma beleza toda especial às cerimônias religiosas.
Entre os mestres normalmente convocados pelas irmandades, destacam-se: Manoel Dias de Oliveira, Marcos Coelho Neto, Padre João de Deus de Castro Lobo, José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, entre outros. A música colonial mineira, em vários momentos da história de nosso estado, alcançou enorme notoriedade e uma grande beleza. Com o final do ciclo de ouro, as cidades mineradoras se empobreceram, havendo um reflexo natural na música, que passou a ser cantada mais pelo prazer, pelo amor a arte e o desejo de se manter a tradição. Os músicos tiveram que procurar outras atividades. E isto ocorreu em praticamente toda a região histórica do estado.
O trabalho do Coral Cidade dos Profetas surgiu justamente para divulgar este legado musical do passado. Fundado em 1988, por um grupo de pessoas interessadas em aprender o repertório, o coral teve, desde o início, a preocupação em aliar a arte musical à arte arquitetônica barroca, grande patrimônio de Congonhas. Ao se especializar na interpretação de música sacra antiga, notadamente a colonial mineira, o grupo se tornou um dos principais protagonistas da divulgação deste patrimônio. É reconhecido como uma das mais belas manifestações culturais do interior.
O coral participa, rotineiramente, de diversas atividades culturais e religiosas, sempre divulgando a música sacra do período. No dia 9, inicia uma nova série, os Concertos coloniais, em homenagem ao bicentenário da morte de Aleijadinho. A proposta é fazer entoar o repertório colonial para a atual geração e inaugurar uma nova opção turística na região, com a realização mensal de grandes concertos nas igrejas barrocas de Congonhas. De agora em diante, sempre no segundo sábado de cada mês, às 11h, num dos cenários históricos mais belos do país, os sons antigos de Minas estarão de volta.
. Antônio Maria Reis é pesquisador e membro do Coral Cidade dos Profetas.
O Brasil-Colônia nos arquivos históricos de Portugal: roteiro sumário
. De Caio C. Boschi
. Editora Alameda, 254 páginas
Tv Paga
Estado de Minas: 02/11/2013
Noite de estreias
Telecine Premium e HBO jogam pesado para conquistar audiência nas noites de sábado. O duelo de hoje será respetivamente entre Daniel Day-Lewis e Tom Cruise. Ou melhor, entre os longas Lincoln e Rock of ages: o filme, ambos programados para as 22h. O primeiro leva vantagem por ter na direção ninguém menos que Steven Spielberg, além do próprio Daniel Day-Lewis (foto), ganhador do Oscar e do Globo de Ouro com sua interpretação mediúnica do presidente norte-americano Abraham Lincoln. Embora Tom Cruise também esteja muito bem como o roqueiro Stacee Jaxx.
Muitas alternativas na
programação de filmes
Outros dois atores de primeira estão no Telecine Action: Robert De Niro e Edward Norton, em Homens em fúria (20h) e A cartada final (22h) – este último conta ainda com Marlon Brando, em seu último trabalho para o cinema. No Universal Channel, o interminável Halloween continua com Luzes do além (20h), Atividade paranormal (22h) e Alma perdida (23h30). O A&E também aposta no terror, com Eu sei o que vocês fizeram no verão passado, igualmente às 22h. No mesmo horário, o assinante tem mais 10 opções: Cleópatra, no Canal Brasil; O homem que copiava, no Sony Spin; Em algum lugar esta noite, no Futura; Piaf – Um hino ao amor, no Telecine Cult; 007 – Operação Skyfal, no Telecine Pipoca; Jogos vorazes, na HBO HD; O corvo, no Max Prime; Guerra dos mundos, na MGM; Sex and the city – O filme, na Warner; e Amigas com dinheiro, no Comedy Central. Outras atrações: Meu nome não é Johnny, às 21h, no AXN, e O plano perfeito, às 22h30, no FX.
Brincar com jacarés na
Flórida não é saudável
No segmento dos documentários, o Nat Geo exibe duas produções inéditas em sequência, a partir das 20h30. O primeiro programa, Encontro animal, estreia o episódio “Ataque mortal”, relatando dois incidentes com jacarés, ocorridos na Flória (EUA), em julho de 2004 e em julho de 2012, em que as vítimas perderam um braço. Em Os mais perigosos, “Assassinos velozes” mostra como agem predadores que podem matar em um piscar de olhos, como leopardos e alguns peixes e serpentes.
Arte 1 mostra recital do
pianista Nelson Freire
Entre as atrações musicais, alguns destaques estão na tela da Cultura: o grupo Tosskera e a dupla Daniel Garnet e Peqnoh em Manos e minas, às 17h; a banda Cérebro Eletrônico, às 18h, em Cultura livre; o terceiro episódio da série Batuques, às 23h; e o segundo Ensaio especial em homenagem a Vinicius de Moraes, às 23h30. Às 21h30, o canal BIS exibe o especial Spectacle: Elvis Costello with... Lou Reed, em homenagem ao guitarrista e fundador da banda Velvet Underground. À meia-noite, no Arte 1, será apresentado um recital do pianista mineiro Nelson Freire no Festival Verbier, na Suíça, em 2007, tocando peças de Bach, Beethoven e Schumann.
Bem Simples promove
maratona do maracujá
Os chefs do canal Bem Simples vão fazer hoje maratona para ensinar receitas com maracujá, fruto que muitos acreditam ter efeito calmante. Em dois episódios de A confeitaria, Bruna Di Túllio e outros confeiteiros mostram como fazer infusão de maracujá e torta de chocolate branco com maracujá. Na sequência, os rapazes de Homens gourmet preparam uma mousse de maracujá. E para finalizar, em Cozinha caseira, Carola Crema dá a receita de carpaccio de goiaba com coulis de maracujá. No ar às 19h30.
Noite de estreias
Telecine Premium e HBO jogam pesado para conquistar audiência nas noites de sábado. O duelo de hoje será respetivamente entre Daniel Day-Lewis e Tom Cruise. Ou melhor, entre os longas Lincoln e Rock of ages: o filme, ambos programados para as 22h. O primeiro leva vantagem por ter na direção ninguém menos que Steven Spielberg, além do próprio Daniel Day-Lewis (foto), ganhador do Oscar e do Globo de Ouro com sua interpretação mediúnica do presidente norte-americano Abraham Lincoln. Embora Tom Cruise também esteja muito bem como o roqueiro Stacee Jaxx.
Muitas alternativas na
programação de filmes
Outros dois atores de primeira estão no Telecine Action: Robert De Niro e Edward Norton, em Homens em fúria (20h) e A cartada final (22h) – este último conta ainda com Marlon Brando, em seu último trabalho para o cinema. No Universal Channel, o interminável Halloween continua com Luzes do além (20h), Atividade paranormal (22h) e Alma perdida (23h30). O A&E também aposta no terror, com Eu sei o que vocês fizeram no verão passado, igualmente às 22h. No mesmo horário, o assinante tem mais 10 opções: Cleópatra, no Canal Brasil; O homem que copiava, no Sony Spin; Em algum lugar esta noite, no Futura; Piaf – Um hino ao amor, no Telecine Cult; 007 – Operação Skyfal, no Telecine Pipoca; Jogos vorazes, na HBO HD; O corvo, no Max Prime; Guerra dos mundos, na MGM; Sex and the city – O filme, na Warner; e Amigas com dinheiro, no Comedy Central. Outras atrações: Meu nome não é Johnny, às 21h, no AXN, e O plano perfeito, às 22h30, no FX.
Brincar com jacarés na
Flórida não é saudável
No segmento dos documentários, o Nat Geo exibe duas produções inéditas em sequência, a partir das 20h30. O primeiro programa, Encontro animal, estreia o episódio “Ataque mortal”, relatando dois incidentes com jacarés, ocorridos na Flória (EUA), em julho de 2004 e em julho de 2012, em que as vítimas perderam um braço. Em Os mais perigosos, “Assassinos velozes” mostra como agem predadores que podem matar em um piscar de olhos, como leopardos e alguns peixes e serpentes.
Arte 1 mostra recital do
pianista Nelson Freire
Entre as atrações musicais, alguns destaques estão na tela da Cultura: o grupo Tosskera e a dupla Daniel Garnet e Peqnoh em Manos e minas, às 17h; a banda Cérebro Eletrônico, às 18h, em Cultura livre; o terceiro episódio da série Batuques, às 23h; e o segundo Ensaio especial em homenagem a Vinicius de Moraes, às 23h30. Às 21h30, o canal BIS exibe o especial Spectacle: Elvis Costello with... Lou Reed, em homenagem ao guitarrista e fundador da banda Velvet Underground. À meia-noite, no Arte 1, será apresentado um recital do pianista mineiro Nelson Freire no Festival Verbier, na Suíça, em 2007, tocando peças de Bach, Beethoven e Schumann.
Bem Simples promove
maratona do maracujá
Os chefs do canal Bem Simples vão fazer hoje maratona para ensinar receitas com maracujá, fruto que muitos acreditam ter efeito calmante. Em dois episódios de A confeitaria, Bruna Di Túllio e outros confeiteiros mostram como fazer infusão de maracujá e torta de chocolate branco com maracujá. Na sequência, os rapazes de Homens gourmet preparam uma mousse de maracujá. E para finalizar, em Cozinha caseira, Carola Crema dá a receita de carpaccio de goiaba com coulis de maracujá. No ar às 19h30.
CARAS & BOCAS »
Sertanejo sensação
Simone Castro
O De frente com Gabi deste domingo, à meia-noite, no SBT/Alterosa, recebe o cantor e compositor Michel Teló. Nascido no Paraná, ele é um dos maiores fenômenos da nova música sertaneja brasileira. Antes de estourar com seu primeiro álbum solo, ele integrou o grupo Tradição. “Há 10 anos eu tocava em bailes no Mato Grosso do Sul. Fazer sucesso em um país continental como o Brasil já é absurdo”, comenta em relação ao sucesso internacional. Ano passado, ele foi para 18 países e realizou 240 shows. “Sou viciado na estrada”, admite. “Japão foi o país para onde eu mais gostei de ter viajado, tudo lá é muito diferente.” Para cuidar da voz, ele chega dos shows e fica uma hora no nebulizador, “fazendo exercícios para a garganta”. Já do corpinho, exercício só no palco, dançando. “Tento comer certinho e o certo seria fazer aeróbico, mas me falta tempo.” Sobre o sucesso internacional, Michel Teló tem os pés no chão: “Querer que isso aconteça de novo, uma música em português cantada no mundo inteiro, é muito difícil. Tem que ter consciência de que isso passa, essa ‘ressaca” é natural”, avalia sobre repetir o sucesso de Ai se eu te pego. A vida amorosa vai bem, obrigado. O cantor namora a atriz Thaís Fersoza. “Nós dois temos uma vontade imensa de ter uma família, mas não tem uma data (para casamento)”. Com tudo nos eixos, o cantor só tem a agradecer: “Não vou à igreja pela correria do dia a dia, mas rezo e agradeço a Deus todos os dias. Sou católico sim.”
‘FENÔMENOS DA INTERNET’
ESCOLHE VÍDEO NA FINAL
No programa Eliana, amanhã, às 15h, o quadro “Fenômenos do YouTube” conta com a presença da vocalista da banda Babado Novo, Mari Antunes. Ela vai ajudar os jurados Rodrigo Fernandes, Camilla Uckers, Dicésar e Tiago Barnabé a escolher qual vídeo vai para a final. Ainda na atração, um pedido de casamento. A namorada de Felipe está no programa achando que é para fazer número na plateia, mas acabou surpreendida. Eles participam do quadro “Quer casar comigo?”. O pedido mais emocionante e o casal mais entrosado ganham móveis para mobiliar a casa e uma viagem especial.
TRAJETÓRIA DE SUCESSO DOS
PROFISSIONAIS DA CULINÁRIA
O Programa especial deste sábado, às 10h30, na Rede Minas e na TV Brasil (canal 65 UHF), apresenta a rotina dos profissionais que atuam no ramo da culinária. A atração destaca a trajetória de sucesso das pessoas com deficiência que trabalham com alimentos e bebidas. No Projeto Ver o Vinho, a reportagem encontrou pessoas com deficiência visual que conhecem diferentes tipos de vinho e seus aromas. O sushiman João Akira ensina a fazer comida japonesa, enquanto Lucídio Siqueira, que é deficiente auditivo, sonha em se tornar chef.
DODGE DURANGO GARANTE
CONFORTO PARA A FAMÍLIA
Uma picape inédita no nosso mercado, a Strada cabine dupla de três portas, lançamento da Fiat, é um dos destaques do Vrum, amanhã, às 8h30, no SBT/Alterosa. Acompanhe, ainda, uma aula sobre os filtros do carro e a manutenção que merecem. Confira também os variados tipos de moto. E Emílio Camanzi testa o Dodge Durango, um espaçoso para levar a família com todo o conforto.
LEMBRANÇAS DO PRIMEIRO
PROGRAMA COM DON E JUAN
No Don & Juan e sua história, amanhã, às 9h30, na TV Alterosa, os cantores relembram seu primeiro programa. Com os pais, eles voltam à infância e entram no clima de recordações. A atriz Júlia Lemmertz pede a música Não aprendi dizer adeus. No roteiro, ainda, Porta-retrato, Minha pequena, Menino da porteira e Cadê você.
LIÇÕES DE ELKE
Neste sábado, o Estrelas (Globo) aceita o convite de Elke Maravilha que abre as portas de sua casa. O apartamento tem as paredes repletas de fotos da carreira e objetos trazidos de vários cantos do mundo. De origem russa, Elke relembra a vinda da família para Itabira, interior de Minas Gerais. “Em russo não existe o verbo ‘ser’, o que eu acho muito bom porque ninguém é. A gente está”, declara, fazendo referência à língua materna. Ela se casou oito vezes e considera o bom humor a melhor saída para as dificuldades: “Eu rio até de fratura exposta”, revela, com sua risada característica. Outras convidadas da atração são a cantora Roberta Miranda e a atriz Maria Casadevall, a Patrícia de Amor à vida (Globo).
VIVA
Tatiana Alvim, a Socorro, que praticamente se tornou uma protagonista nos últimos capítulos de Sangue bom (Globo) e deu conta do recado direitinho.
VAIA
Dramalhão de Gina (Carolina Kasting) e Hebert (José Wilker) em Amor à vida não tem nada de mais e é uma história boba que se repete à exaustão nas novelas.
Simone Castro
O De frente com Gabi deste domingo, à meia-noite, no SBT/Alterosa, recebe o cantor e compositor Michel Teló. Nascido no Paraná, ele é um dos maiores fenômenos da nova música sertaneja brasileira. Antes de estourar com seu primeiro álbum solo, ele integrou o grupo Tradição. “Há 10 anos eu tocava em bailes no Mato Grosso do Sul. Fazer sucesso em um país continental como o Brasil já é absurdo”, comenta em relação ao sucesso internacional. Ano passado, ele foi para 18 países e realizou 240 shows. “Sou viciado na estrada”, admite. “Japão foi o país para onde eu mais gostei de ter viajado, tudo lá é muito diferente.” Para cuidar da voz, ele chega dos shows e fica uma hora no nebulizador, “fazendo exercícios para a garganta”. Já do corpinho, exercício só no palco, dançando. “Tento comer certinho e o certo seria fazer aeróbico, mas me falta tempo.” Sobre o sucesso internacional, Michel Teló tem os pés no chão: “Querer que isso aconteça de novo, uma música em português cantada no mundo inteiro, é muito difícil. Tem que ter consciência de que isso passa, essa ‘ressaca” é natural”, avalia sobre repetir o sucesso de Ai se eu te pego. A vida amorosa vai bem, obrigado. O cantor namora a atriz Thaís Fersoza. “Nós dois temos uma vontade imensa de ter uma família, mas não tem uma data (para casamento)”. Com tudo nos eixos, o cantor só tem a agradecer: “Não vou à igreja pela correria do dia a dia, mas rezo e agradeço a Deus todos os dias. Sou católico sim.”
‘FENÔMENOS DA INTERNET’
ESCOLHE VÍDEO NA FINAL
No programa Eliana, amanhã, às 15h, o quadro “Fenômenos do YouTube” conta com a presença da vocalista da banda Babado Novo, Mari Antunes. Ela vai ajudar os jurados Rodrigo Fernandes, Camilla Uckers, Dicésar e Tiago Barnabé a escolher qual vídeo vai para a final. Ainda na atração, um pedido de casamento. A namorada de Felipe está no programa achando que é para fazer número na plateia, mas acabou surpreendida. Eles participam do quadro “Quer casar comigo?”. O pedido mais emocionante e o casal mais entrosado ganham móveis para mobiliar a casa e uma viagem especial.
TRAJETÓRIA DE SUCESSO DOS
PROFISSIONAIS DA CULINÁRIA
O Programa especial deste sábado, às 10h30, na Rede Minas e na TV Brasil (canal 65 UHF), apresenta a rotina dos profissionais que atuam no ramo da culinária. A atração destaca a trajetória de sucesso das pessoas com deficiência que trabalham com alimentos e bebidas. No Projeto Ver o Vinho, a reportagem encontrou pessoas com deficiência visual que conhecem diferentes tipos de vinho e seus aromas. O sushiman João Akira ensina a fazer comida japonesa, enquanto Lucídio Siqueira, que é deficiente auditivo, sonha em se tornar chef.
DODGE DURANGO GARANTE
CONFORTO PARA A FAMÍLIA
Uma picape inédita no nosso mercado, a Strada cabine dupla de três portas, lançamento da Fiat, é um dos destaques do Vrum, amanhã, às 8h30, no SBT/Alterosa. Acompanhe, ainda, uma aula sobre os filtros do carro e a manutenção que merecem. Confira também os variados tipos de moto. E Emílio Camanzi testa o Dodge Durango, um espaçoso para levar a família com todo o conforto.
LEMBRANÇAS DO PRIMEIRO
PROGRAMA COM DON E JUAN
No Don & Juan e sua história, amanhã, às 9h30, na TV Alterosa, os cantores relembram seu primeiro programa. Com os pais, eles voltam à infância e entram no clima de recordações. A atriz Júlia Lemmertz pede a música Não aprendi dizer adeus. No roteiro, ainda, Porta-retrato, Minha pequena, Menino da porteira e Cadê você.
LIÇÕES DE ELKE
Neste sábado, o Estrelas (Globo) aceita o convite de Elke Maravilha que abre as portas de sua casa. O apartamento tem as paredes repletas de fotos da carreira e objetos trazidos de vários cantos do mundo. De origem russa, Elke relembra a vinda da família para Itabira, interior de Minas Gerais. “Em russo não existe o verbo ‘ser’, o que eu acho muito bom porque ninguém é. A gente está”, declara, fazendo referência à língua materna. Ela se casou oito vezes e considera o bom humor a melhor saída para as dificuldades: “Eu rio até de fratura exposta”, revela, com sua risada característica. Outras convidadas da atração são a cantora Roberta Miranda e a atriz Maria Casadevall, a Patrícia de Amor à vida (Globo).
VIVA
Tatiana Alvim, a Socorro, que praticamente se tornou uma protagonista nos últimos capítulos de Sangue bom (Globo) e deu conta do recado direitinho.
VAIA
Dramalhão de Gina (Carolina Kasting) e Hebert (José Wilker) em Amor à vida não tem nada de mais e é uma história boba que se repete à exaustão nas novelas.
Pesquisa detalhada do agente infeccioso da Aids deve ajudar a criar vacina
Para entender o inimigo
Pesquisadores apresentam na revista Science o modelo da proteína usada pelo HIV para invadir as células de defesa do corpo humano. A façanha permitirá o estudo detalhado do agente infeccioso e deve facilitar a criação de vacinas contra a Aids
Isabela de Oliveira
Estado de Minas: 02/11/2013
A estrutura do conjunto de proteínas Env: chance de estudar a chave usada pelo HIV para invadir as células |
Um dos princípios para ganhar uma guerra, segundo o general chinês Sun Tzu, a quem foi atribuída a autoria de A arte da guerra, é conhecer muito bem o inimigo. Talvez isso explique por que a luta contra o vírus da Aids ainda não foi vencida. Apesar de muitos avanços conquistados em anos de estudo, a estrutura e o comportamento do vírus que causa a doença ainda têm vários pontos obscuros. Dois estudos independentes publicados nesta semana na revista Science devem ajudar a mudar essa situação e fornecer um caminho para o desenvolvimento de vacinas contra o HIV.
O feito das equipes responsáveis pelas novas pesquisas foi reconstituir, em nível atômico, uma estrutura presente no envelope do vírus (a camada que recobre o micro-organismo) conhecida como Env. Essa combinação de proteínas é fundamental para que o HIV consiga invadir as células de defesa do corpo humano. Com isso, os cientistas passam a ter um modelo estável dessa importante parte do vírus e poderão estudá-la detalhadamente. Até agora, isso era impossível, porque o Env se mostrava muito frágil. “Ele tende a se desmanchar, mesmo na superfície do vírus. Por isso, tivemos que desenvolver um modelo mais estável”, explica Andrew Ward, autor de um dos estudos e pesquisador do The Scripps Research Institute, em La Jolla, Califórnia.
Para alcançar a façanha, o grupo de Ward utilizou uma técnica chamada de cristalografia, que consiste em criar um cristal com a estrutura estudada e, depois, atravessá-la com um feixe de raios X. Já o outro grupo, encabeçado por Dmitry Lyumkis, também do The Scripps Research Institute, optou pela microscopia crioeletrônica, na qual as amostras são observadas em temperaturas muito baixas e vistas com resoluções altíssimas. Os dados obtidos em ambos experimentos mostraram o complexo processo pelo qual o Env muda de formato para iniciar a infecção.
As primeiras análises mostram que a estrutura se compara às proteínas do envelope de outros vírus perigosos, como as da gripe e do ebola. Os pesquisadores acreditam que os resultados ajudarão a projetar anticorpos a ser utilizados no desenvolvimento de vacinas. A professora da Universidade Católica de Brasília, Paula Andreia Silva, que não participou do estudo, concorda. “Esse trímero de proteínas do envelope viral têm sido alvo de estudos porque é o responsável pela entrada do vírus na célula hospedeira e é alvo da ação de anticorpos que neutralizam a partícula viral impedindo a infecção. O impacto desse trabalho está na possibilidade de desenhar novos imunógenos para serem usados como vacinas contra o HIV”, afirma Silva, pós-doutora em virologia pela Humboldt Universitat e Robert Koch Institute, em Berlim.
Avanço Segundo Lívia Vanessa R. Gomes, médica infectologista e chefe do Núcleo de Infectologia do Hospital de Base do Distrito Federal, existe um grande número de estudos relacionados à determinação estrutural do HIV, incluindo a estrutura de superfície e até as proteínas das próprias células infectadas, utilizadas para formar os novos vírus formados. “A novidade é que estamos cada vez mais próximos de compreender todos os mecanismos físico-químicos envolvidos na entrada do vírus nas células humanas. Esse é um importante avanço, uma vez que permite a descoberta de novas alternativas terapêuticas que possam potencializar as já existentes e, inclusive, colaborar para o desenvolvimento de uma provável vacina, pois delineia os principais sítios antigênicos reconhecidos pelo sistema imune”, acredita a médica.
Apesar, do grande passo que o estudo representa, Gomes lembra que isso, infelizmente, não significa que a cura esteja muito próxima. “Ainda não podemos afirmar que esse é um determinante de cura ou de que teremos uma vacina viável para administração em seres humanos de forma imediata. A guerra contra o HIV ainda está sobre os alicerces da prevenção e do uso de medicações antirretrovertais, que inibem a replicação do vírus.”
Presença do vírus reduzida em macacos
Um dos avanços mais expressivos da busca por uma vacina contra o HIV foi o isolamento e a caracterização de anticorpos que possuem uma grande capacidade de neutralizar a maioria das estirpes do vírus em circulação. As estratégias de ação desses potentes anticorpos humanos, chamados de monoclonais amplamente neutralizantes (mAb), envolvem o reconhecimento e o bloqueio de peças fundamentais do envelope viral. Por serem direcionados para atacar regiões muito específicas, esses anticorpos aparecem em menor quantidade no sistema imunológico, fazendo com que sua ação seja reduzida. O que tem tornado muito difícil a tarefa de gerar uma vacina ou terapia eficiente a partir dos mAbs.
Isso não significa, contudo, que os benefícios trazidos por esses anticorpos está relegado a um futuro distante. Dois estudos publicados na edição desta semana da revista Nature demonstram como combinações de tais ferramentas do sistema imunológico são capazes de reduzir notavelmente os níveis do vírus em macacos rhesus cronicamente infectados com o HIV. Os resultados obtidos por dois grupos de pesquisa, formados por universidades norte-americanas e europeias, foram consistentes.
A administração de coquetéis com dois ou mais tipos de mAbs conseguiu suprimir a presença do vírus no sangue (viremia), que chegou a ficar abaixo do nível de detecção. A redução da quantidade de vírus no organismo dos animais persistiu durante semanas. No entanto, os níveis de mAb permaneceram estáveis. A equipe de pesquisa liderada por Dan H. Barouch, da Escola de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos, provou que um anticorpo chamado PGT 121 foi capaz de fornecer uma supressão viral prolongada mesmo quando administrado sozinho.
“A viremia só conseguiu se restabelecer no organismo da maioria dos animais após uma média de 56 dias, quando a quantidade de mAbs no soro sanguíneo caiu para níveis indetectáveis. Esses dados demonstram um efeito terapêutico profundo dos mAbs em macacos infectados e um poderoso impacto nas respostas imunológicas do hospedeiro. Nossos resultados incentivam fortemente a investigação da terapia com esses anticorpos em seres humanos”, diz Barouch.
Combinação Louis Picker, pesquisador da Universidade de Saúde e Ciência do Oregon, também nos EUA, destaca que o trabalho deve ser analisado com cautela. Afinal, os testes ainda não foram realizados em humanos e a elevada mutabilidade do HIV dificulta o uso dos mAbs terapêuticos . No entanto, o especialista acredita que os resultados podem revolucionar os esforços para combater a Aids.
A junção da terapia convencional e da abordagem com mAbs poderia reduzir a replicação viral de forma mais eficiente. “No mínimo, esses resultados vão catalisar colaborações entre as equipes de especialistas que têm, por décadas, trabalhado com linhas diferentes de prevenção e tratamentos contra o HIV”, completa o pesquisador, que não participou dos estudos. (IO)
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