JC Teixeira Gomes
Jornalista, membro da
Academia de Letras da Bahia
jcteixeiragomes@hotmail.com
Rendo-me com euforia à admirável categoria da nossa orquestra de jovens e conclamo os organizadores do Mundial que a incluam na programação
Não vou causar constrangimento aos melômanos, afirmando que a Bahia não tem tradição no cultivo da música clássica. É uma verdade inquestionável, mas lembremos que houve duas exceções: a fase áurea da Sociedade de Cultura Artística da Bahia (Scab), com o memorável patrocínio de Alexandrina Ramalho, e o rico mecenato de Edgard Santos à frente da Universidade Federal da Bahia.
Um dos mais relevantes momentos da Ufba dos anos 50 foi a criação dos Seminários Livres de Música, que ajudaram a universidade a aglutinar numerosas orquestras. Já o trabalho de Alexandrina Ramalho era um milagre: numa época em que Salvador não dispunha sequer de hotéis, ela trouxe para nossa capital os maiores músicos clássicos dos anos 40 e 50. É pena que esses dois mágicos momentos estejam hoje esquecidos, pois a Bahia não possui instrumentos de preservação do seu passado cultural, numa omissão que lança no mesmo vácuo governantes e imprensa.
Não sei se surpreenderei os leitores, ao dizer que agora Salvador atravessa uma fase elogiável no campo da música clássica e na execução de concertos, com o desempenho de duas orquestras que preenchem com grande dignidade musical os seus espaços: refiro-me à Orquestra Sinfônica da Bahia, sob a batuta do maestro Carlos Prazeres, e sobretudo a Orquestra Juvenil da Bahia, sob a regência do pianista Ricardo Castro, nascido em Vitória da Conquista. Sobre a primeira já me detive em artigo anterior. Quero hoje, pois, estender-me um pouco mais sobre o trabalho que Ricardo Castro vem desenvolvendo à frente do programa Neojiba, sigla que abriga os Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia.
Destaquemos, em primeiro lugar, que Ricardo Castro conseguiu extrair pepitas de ouro, onde antes parecia haver apenas um sáfaro deserto de vocações musicais (no campo, naturalmente, da música clássica na Bahia). Essas “pepitas” são os jovens que, em tão pouco tempo, ele formou e congregou em torno da Orquestra Juvenil da Bahia, fundada em 2007 e hoje uma realidade incomparável no panorama musical brasileiro.
Confesso que tendo acompanhado com intermitência esse trabalho desde o seu surgimento, pois morava no Rio de Janeiro, rendo-me hoje com euforia à admirável categoria da nossa orquestra de jovens. Estou convencido de que esse sentimento é partilhado pelo crescente público que comparece ao TCA para ouvir as apresentações do Neojiba, que começa a deitar fama no mundo com as execuções já realizadas, através do trabalho pertinaz de Ricardo Castro, em grandes salas de concerto na Europa e nos Estados Unidos. Desejo, com este artigo, cravar uma marca na atenção dos atuais e futuros governantes da Bahia, para que o legado já construído não seja prejudicado com as interrupções habituais em nossa terra, onde a cultura costuma sofrer imperdoáveis mutilações, sob o eterno e falso argumento da escassez das verbas que nunca faltam para coisas menores. O Neojiba precisa urgentemente pousar numa sede própria para crescer ainda mais.
Ricardo Castro, que poderia prosseguir apenas na sua carreira de aplaudido pianista e mestre em Lausanne, deu ênfase ao projeto Neojiba com uma determinação de verdadeiro paladino da cultura musical. Numa terra que se vinha destacando apenas pelos altos decibéis carnavalescos dos seus percussionistas, Ricardo descobriu talentos antes inimagináveis em plagas baianas, congregando na Orquestra Juvenil harmoniosos naipes de jovens virtuoses, que arrebatam o público com interpretações primorosas dos clássicos mundiais e arranjos do nosso cancioneiro. Convoco os leitores aos próximos concertos para que o comprovem.
Se o Brasil quer exibir a diversidade da sua vida cultural durante a próxima Copa, como país que não tem apenas carnaval para oferecer aos visitantes, conclamo os organizadores da programação do Mundial que incluam a orquestra Neojiba da Bahia como maravilhoso exemplo da integração racial brasileira, enriquecido pelo legado de variados extratos sociais, e da excelência da vocação musical da sua juventude.