quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Matinais - Eduardo Almeida Reis

Matinais Ligo o televisor para o noticiário das 10 horas, que já começa com um incêndio ao vivo e em cores numa favela de São Paulo


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 29/10/2014



Café tomado, jornais lidos, um suelto de 286 palavras escrito e revisado, ligo o televisor para o noticiário das 10 horas, que já começa com um incêndio ao vivo e em cores numa favela de Sapopemba, Zona Sudeste da cidade de São Paulo. Pelo menos um morto localizado entre 90 barracos queimados, apesar dos esforços dos bombeiros com seus 21 caminhões. Logo em seguida, fico sabendo que aumentou o número de mortos pelos gases e cinzas expelidos por um vulcão japonês, notícia emendada com as imagens do novo divertimento encontrado pelos brasileiros que moram às margens do Rodoanel paulista: das pontes, passarelas e barrancos altos, os brincalhões jogam pedras nos veículos. Vidros quebrados, passageiros mortos ou feridos, veículos capotados que podem ser assaltados ou não: basta o divertimento.

Se o carro é blindado, talvez o vidro e a lataria aguentem os calhaus atirados. Não sendo blindado, é torcer para o fragmento de rocha dura furar o capô ou o teto num lugar que não faça vítimas. Divertimento/assalto que já existiu na Rio-Belo Horizonte, década de 70, quando morei por lá.

Aí, você pensa desligar o imenso televisor LED, quando surge uma notícia divertida: a arquidiocese paulista considerou válidos os casamentos, batizados, comunhões e missas celebrados durante dois anos pelo falso padre condenado por estelionato em São Paulo. Falante e articulado, ele atuou durante dois anos na Paróquia São Pedro e São Paulo situada no Jardim Guedala, região do Morumbi, aproveitando para tomar dos fiéis cerca de R$ 200 mil emprestados, além do pagamento pelas cerimônias que oficiava.

Melhor que isso: condenado a um ano e dois meses de reclusão, a pena foi substituída pela prestação de serviços à comunidade, isto é, serviços parecidos com aqueles que prestava no Jardim Guedala.

Hong Kong

Estabelecido o fato de que o elemento de composição pospositivo –cracia vem do grego krátos,eos,ous e significa força, poder, autoridade, compete ao caro e preclaro leitor, ao pensar em democracia, escolher entre o demo latino e o demo grego. Se grego significa povo, se latino é espírito maligno, demônio, diabo: daemon,ónis < gr. daímón,onos 'divindade, gênio, demônio, espécie de gênio tutelar' e Novo Testamento (Mateus 8,2; Marcos 5,12; Lucas 8,29).

Morro de pena dos estudantes honcongueses plantados nas ruas de Hong Kong sonhando com uma democracia que pode resultar, e muitas vezes resulta, num Lula, numa Dilma, num Collor, numa Osmarina transformada em Marina falando mandarim.

Esta minha mania de criticar sem apresentar soluções é muito feia, mas o fato é que não consigo ver luz no fim do túnel. Por mais que me esforce, vejo as coisas cada vez piores, como se fosse possível. E tenho como comparar, porque vivi outros tempos, fui criado numa casa com muro de um metro, sem cercas eletrificadas, entre as duas maiores favelas do Rio, a Catacumba e a Praia do Pinto.

Ninguém é obrigado a acreditar, mas a hoje famosa Rocinha, transformada em "comunidade" com UPP, fazia parte do Circuito da Gávea de Fórmula 1, onde corriam Fangio, Gonzáles, Chico Landi, Carlo Maria Pintacuda (1900-1971) e uma jovem francesa, o que levava o povão, irreverente como ele só, a falar em Pintacuda francesa.

Implicância

Estou ficando de uma implicância que vou te contar. Diante do televisor tiro o som da maioria dos entrevistados, além de fechar os olhos quando são muito feios. Tevê tem compromisso com a estética e as feiúras são tantas, que vivo sonhando com um sistema capaz de retocar automaticamente os visuais dos entrevistados, de mesmo passo em que lhes conserte as vozes. Deve ser muito simples. Já existem dispositivos que trocam as vozes dos entrevistados, quando não querem ou não podem ser identificados. Há dispositivos que escondem os focinhos dos bandidos protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Daí para a invenção de um negócio que conserte o visual e a voz deve ser muito mais fácil e um bilhão de vezes mais barato do que aquela sonda lançada para orbitar um cometa que anda próximo do Sol.

O mundo é uma bola

29 de outubro de 4004 a.C., data calculada pelo bispo irlandês James Ussher para o término da criação. Até hoje milhões de pessoas acreditam no criacionismo. Em 1810, fundação da Real Biblioteca, hoje Biblioteca Nacional do Brasil. Em 1945, deposição de Getúlio Vargas pelos militares do seu próprio ministério. Não adiantou nada: voltou cinco anos depois.

Em 1840, termina o bloqueio francês do Rio da Prata. Em 1916, primeira vitória do clube Vasco da Gama: 2 a 1 sobre a Associação Atlética River São Bento, enchendo de orgulho Marcia Lobo e Moacir Japiassu, que ainda não eram nascidos, mas já torciam pelo Vasco.

Em 1944 nasceu Nelson Motta, autor de bons livros e de bons textos jornalísticos. Em 1783 morreu Jean le Rond d’Alembert, filósofo, matemático e físico francês, que participou da primeira enciclopédia publicada na Europa. Hoje é o Dia Nacional do Livro.

Ruminanças


"Certos livros devem ser degustados, outros engolidos e uns poucos mascados e digeridos" (Bacon, 1561-1626).

Mosquitos herdam características de antigos parceiros sexuais da mãe

Pesquisa encontra evidências de que filhotes de mosquitos herdam características de machos com os quais a mãe copulou no passado


Roberta Machado
Estado de Minas: 29/10/2014



Em um estudo feito com mosquitos, cientistas australianos apontaram que filhotes podem carregar características de antigos parceiros sexuais da mãe, ainda que eles não tenham qualquer laço familiar. Essa forma de hereditariedade não genética, conhecida por telegonia, foi proposta pela primeira vez na Grécia antiga, depois esquecida e, agora, surge a primeira evidência de que a teoria pode estar correta.

“Geneticistas do século 20 rejeitaram muitas ideias e dados que eram considerados incompatíveis com as leis mendelianas, principalmente porque eles acreditavam que deveria haver um único mecanismo de hereditariedade, que era obviamente a transmissão mendeliana de genes”, ressalta Russell Bonduriansky, professor da Universidade de Nova Gales do Sul e um dos autores do estudo, publicado no periódico Ecology Letters.

O grupo de cientistas decidiu testar a velha teoria depois de pesquisar outra ideia abandonada pela ciência: a herança de traços adquiridos. Eles demonstraram que a dieta do mosquito Telostylinus angusticollis influencia não só o tamanho do macho na idade adulta, mas também o porte de sua prole. Os australianos resolveram, então, descobrir se o mesmo processo ocorria independentemente da fecundação do ovo. “Nós agora sabemos que há vários mecanismos de hereditariedade operando paralelamente, então precisamos revisitar várias ideias”, acredita Bonduriansky.

Os pesquisadores cultivaram um grupo de insetos normais e outro que recebeu doses extras de nutriente para ficar maior (veja infografia). As duas variações dos bichos foram colocadas para acasalar com fêmeas que ainda eram muito jovens para produzir ovos e, portanto, não podiam ser fecundadas. Algumas semanas depois, quando elas já estavam férteis, o experimento foi repetido com diferentes tipos de parceiros. As fêmeas que haviam acasalado com mosquitos maiores quando jovens foram colocadas com insetos menores, e as que tinham estado com os espécimes de tamanho normal foram emparelhadas com os machos mais crescidos.

Ao examinarem os filhotes que nasceram do experimento, os pesquisadores descobriram que o tamanho da prole era determinado pelo primeiro macho que havia acasalado com a fêmea, e não pelo inseto que de fato a fecundou.

Os cientistas australianos acreditam que, embora os primeiros machos não tenham transmitido seus genes para os filhotes, os ovos imaturos da fêmea absorveram substâncias presentes no líquido seminal, que poderiam ter influenciado no crescimento da prole. Apenas 5% do conteúdo ejaculado pelos machos é constituído de esperma. Sabe-se que há componentes, por exemplo, que fazem a fêmea colocar mais ovos, mas os cientistas ainda não conhecem todas as propriedades desse material, nem como ele pode afetar os filhotes.

EXCLUSIVO  Os autores do estudo não sabem dizer se a transmissão não genética de características é exclusividade dos mosquitos. Já existem evidências, por exemplo, de que a alimentação de um homem ou o uso de drogas possa afetar a saúde dos seus filhos e netos. Mas especialistas afirmam que esse processo é exclusivo de pais para filhos.

De acordo com o especialista em embriologia Wellerson Rodrigo Scarano, o sistema reprodutivo humano não permite a transmissão de características de um indivíduo a um filho de outra pessoa. “O sêmen humano vai sofrendo uma degradação durante o trajeto que o espermatozoide faz até o sítio de fecundação, que é a tuba uterina. Dessa forma, o meio para a movimentação do espermatozoide no trato genital feminino vai sendo substituído por secreções do próprio sistema genital da mulher”, ensina Wellerson, que é professor de embriologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Diferentemente dos mosquitos, as mulheres também só liberam um ovócito a cada mês, mantendo as células imaturas dentro dos ovários, protegidas de qualquer substância que chegue ao trato genital feminino. No caso dos insetos, as fêmeas levam ovos maduros e imaturos ao mesmo tempo, o que permitiria a influência não paterna em qualquer fase reprodutiva dos bichos.

Questionado sobre a controvérsia de resgatar uma teoria desacreditada há mais de 100 anos, Russell Bonduriansky descreveu os resultados como “bastante convincentes”. Mas alguns especialistas ainda têm ressalvas sobre a teoria de transmissão de características não genéticas. “Temos uma máxima em ciência de que afirmações sensacionais demandam dados sensacionais. Nesse caso, eu acho que ainda há mais a ser feito, mas a pesquisa tem potencial”, diz Reinaldo de Brito, professor de genética de populações da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e membro da Sociedade Brasileira de Genética (SBG).

Brito ressalta que os mosquitos contam com uma espermateca, onde armazenam o material genético de diferentes machos para produzir filhotes melhores. O mecanismo de controle da fêmea, de acordo com o especialista brasileiro, pode ter alguma influência na característica da prole. “Ela pode usar marcadores para definir qual macho é bom e se vale a pena gastar energia produzindo o filho dele”, explica Brito. “Acho que o modelo é teoricamente viável, mas não acho que isso seja definitivo.”

Transmissão

Mendel foi o primeiro a descobrir um conjunto de princípios relacionados à transmissão hereditária das características de um organismo a seus filhos e que se tornaram a essência da genética clássica. Ele estudou a hibridização de plantas para observar suas diferentes linhagens e como elas variavam de acordo com as características dos seus progenitores.

Saiba mais
Casamento criticado
A teoria de que os filhos poderiam ter características de parceiros anteriores da mulher recebeu o nome de telegonia e foi mencionada pela primeira vez pelo filósofo grego Aristóteles. Em 1361, a ideia foi usada como justificativa para criticar o casamento do príncipe Edward, de Gales, com Joana de Kent, que já havia sido casada. No século 18, foram registradas supostas evidências do processo no mundo animal, de uma égua que teria gerado um cavalo listrado porque havia cruzado anteriormente com uma zebra. O caso chegou a ser investigado pelo próprio Charles Darwin. No entanto, os estudos modernos de genética no século 20 levaram pesquisadores a descartar
a ideia.