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No domingo à tarde, sentada diante da varanda do escritório, olho de viés para os prédios do outro lado da rua, enquanto leio – até me arderem os olhos – as novas traduções de O arco e a lira e Os filhos do barro, de Octavio Paz. Em edições primorosas, os livros foram lançados recentemente pela Editora Cosacnaify e já antecipam as comemorações do centenário do escritor, a se realizar no ano que vem.
Para quem não se lembra, Paz foi ganhador do Prêmio Nobel em 1990. Ele escreveu, principalmente, livros de poemas e ensaios, tendo se dedicado, ainda, à carreira diplomática. Foi um intelectual ativo, atento às questões sociais e políticas do seu tempo. Criou revistas importantes, traduziu muitas obras, ministrou cursos e conferências, ganhou prêmios, enfrentou polêmicas. Suas viagens pelo mundo o levaram a escrever sobre diferentes culturas. Passou longas temporadas na França, na Espanha, nos Estados Unidos, na Índia e no Japão. Escreveu sobre praticamente tudo, até mesmo sobre culinária, erotismo e religiões. Sua obra completa compreende 14 volumes, todos muito alentados e variados. Para não mencionar os livros de entrevistas que também deixou. No Brasil, algumas de suas obras (principalmente de ensaios) foram publicadas nas últimas décadas do século 20. Depois, sumiram das livrarias. Mas agora, com as novas traduções, seus livros finalmente voltam ao nosso país.
Tenho com Paz (ou melhor, com sua obra) um caso de amor antigo. Quem me apresentou seus escritos foi o poeta Altino Caixeta de Castro, o Leão de Formosa, grande mestre e amigo dos tempos de juventude. Foi no início da década de 80 que saiu no Brasil a primeira tradução de O arco e a lira, obra fundamental sobre poesia, que me raptou definitivamente para o mundo das Letras. Por isso, a inevitável emoção no último domingo, quando revisitei essa obra numa edição tão bem cuidada.
Digo que um dos momentos mais memoráveis de minha vida foi ter visto Octavio Paz ao vivo, no México, em 1993. Na ocasião, pude assistir à sua conferência sobre o poeta japonês Bashô, cuja obra ele havia traduzido para o espanhol. Mas o que mais me chamou a atenção nesse dia foi a firme e suave sonoridade de sua voz. Discorrendo com desenvoltura sobre as particularidades da poesia japonesa do século 17, Paz deixava transparecer nos silêncios e modulações de sua fala uma cumplicidade amorosa com as palavras, como se as afagasse pela voz. Com isso, conseguiu criar no ambiente uma atmosfera poética, quase religiosa, que todos contagiou. Nesse momento, tive a certeza de estar diante de um poeta verdadeiro, um poeta em permanente estado de lucidez e vertigem, capaz de sustentar um pacto de vida e morte com a poesia. Foi uma experiência apaixonante. E olhem que nem falei dos belos olhos azuis do escritor.
Mas voltando aos seus livros recém-lançados no Brasil, pego Os filhos do barro, na tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht, e o abro ao acaso. A página que aparece é a 184, e nas últimas linhas leio o seguinte: “As palavras não estão em parte alguma, não são algo dado, que está nos esperando. É preciso criá-las, é preciso inventá-las, como nos criamos e criamos o mundo todos os dias.”
Creio não ser preciso dizer mais nada depois disso.