O modo 'piloto automático' rege nosso comportamento e quase todas as áreas da vida, reforça novo livro sobre os últimos estudos da neurociência
LILIANE ORAGGIOCOLABORAÇÃO PARA A FOLHASubliminar é o termo para qualificar ações, informações e sentimentos que ocorrem abaixo do limite da consciência e é também o título do novo livro do físico americano Leonard Mlodinow.
Nesse novo best-seller, o autor de "O Andar do Bêbado" reúne pesquisas para atestar que até as escolhas e decisões que nos parecem mais objetivas são forjadas no inconsciente. Mais que isso, ele incita o leitor a dar mais crédito aos pressentimentos que surgem do "lado escuro da mente".
"Ex" lado escuro, melhor dizer. Na visão do físico, as tecnologias que permitem o mapeamento do cérebro -vivo e em funcionamento- estão mudando a compreensão sobre a atividade que ocorre abaixo da consciência.
A existência de uma vida inconsciente paralela e poderosa não é novidade há mais de um século. A novidade é que agora ela pode ser medida "com algum grau de precisão", como diz Mlodinow, que vê aí uma nova "ciência do inconsciente".
Para a maioria dos mortais, é difícil admitir que o inconsciente está no comando. "Somos tão frágeis que precisamos inventar justificativas lógicas para as escolhas", afirma o analista junguiano Roberto Gambini, de São Paulo.
"O melhor é aceitar que o consciente é permeado pelo inconsciente. E haverá sempre uma parte que vai permanecer misteriosa. Nem toda a tecnologia é capaz de mudar isso. Mas é possível diluir essas fronteiras e colocar essa capacidade de perceber o subliminar a nosso favor, quando prestamos atenção aos sonhos ou dedicamos um tempo para meditar."
PALPITES
Cientistas que dirigem as pesquisas de ponta consideram que o "novo inconsciente" é totalmente enraizado em funções orgânicas e essa seria a chave para compreender as emoções humanas.
Não há consenso sobre isso, naturalmente: "É absurdo pensar que entender as funções cerebrais é suficiente para lidar com os sentimentos", diz Lídia Aratangy, psicanalista formada em biologia médica.
Em um ponto os "psis" e o físico concordam: "O inconsciente é otimista", diz Mlodinow. "Ele nos torna mais completos e aptos para seguir na evolução da consciência", acredita Gambini. Aratangy completa: "Reconhecer os palpites do inconsciente pode nos ajudar a fazer escolhas melhores".
'Todos os nossos julgamentos são afetados por motivações subliminares'
COLABORAÇÃO PARA A FOLHADoutor em física e matemática, o americano Leonard Mlodinow se interessa pela mente humana e pelo acaso. Além de ensinar teoria da aleatoriedade no Instituto de Tecnologia da Califórnia, ele já escreveu roteiros para séries de TV como "MacGyver" e "Jornada nas Estrelas" e livros de divulgação científica que viraram best-sellers.
Foi assim nos casos de "O Andar do Bêbado" e "Uma Nova História do Tempo" -esse em parceria com Stephen Hawking. Em "Subliminar" (Ed. Zahar), lançado neste mês no Brasil, Mlodinow, 59, reúne dezenas de experimentos para dizer que somos comandados por dois cérebros: o consciente, que responde por 5% da capacidade cognitiva, e o inconsciente, que dá conta dos outros 95%. Os dois cérebros atuam juntos para garantir desde a mais básica sobrevivência até a escolha de um bom vinho. Nesta entrevista por e-mail, o autor tenta explicar como aquilo que não percebemos afeta as nossas escolhas.
Folha - Como o inconsciente comanda nossa vida?Leonard Mlodinow - O inconsciente governa o nosso coração, os movimentos, a visão e a audição e nos permite andar, falar e reagir sem parar para pensar a cada palavra ou movimento. Só os humanos têm essa capacidade bem desenvolvida, e os cientistas não sabem por que é assim. Todos os julgamentos são afetados por sentimentos que não percebemos.
O senhor diz no livro que processos como percepção ou julgamento são comandados por estruturas cerebrais separadas da consciência. Como sabemos isso?Por meio dos recentes avanços da neurociência nós sabemos que essas estruturas são inerentes à mente inconsciente e inacessíveis à mente consciente. Estão conectadas e todo o trabalho é feito em conjunto para criar uma experiência da realidade em termos físicos e em termos das relações sociais.
Pode dar um exemplo de como a razão sai de campo na hora das decisões?Em um estudo feito em um supermercado da Inglaterra, dispuseram nas prateleiras vinhos franceses e vinhos alemães. Música francesa e alemã eram alternadas no alto-falante. Nos dias com trilha sonora francesa, 77% dos vinhos escolhidos eram franceses; nos dias de hits germânicos, 73% das garrafas vendidas eram da Alemanha. Mas só um em cada sete consumidores declarou ter sido influenciado pelo som.
E na hora de escolher parceiro, o inconsciente comanda?Isso é um pouco mais complicado. Existem elementos sutis. Por exemplo, o rosto ou a voz da pessoa nos parecem familiares. Pode ser um sorriso ou músculos bem torneados. Experimentos mostram que o nome de uma pessoa pode influenciar o coração, caso ele combine com o nosso. Em questões financeiras também acontece: em Wall Street, ações com nomes fáceis de pronunciar são mais procuradas por investidores.
Assumir que somos guiados pelo subliminar nos torna mais ou menos lúcidos?Quanto mais compreendermos as motivações subliminares, melhor nossa mente consciente poderá fazer julgamentos acertados.
De que maneira a compreensão da fisiologia do cérebro ajuda a lidar com medo, raiva?Quando encontro algo perigoso no ambiente -um animal feroz, uma pessoa agressiva- imediatamente isso é registrado pelo inconsciente e o corpo responde com mudanças no nível de adrenalina ou na pulsação.
Essa resposta acontece em grande parte na região do cérebro chamada amígdala. A mente consciente percebe a resposta corporal um ou dois segundos depois e leva isso em conta para interpretar o que está acontecendo. Depois disso percebemos que estamos sentindo é medo. Com a raiva é semelhante. Outras emoções menos primárias como angústia ou embaraço funcionam de um modo um pouco mais complicado -mas, basicamente, é o mesmo mecanismo.
Essa maneira de sentir é útil para tomar a atitude necessária rapidamente, deixando para pensar sobre o ocorrido depois.
O senhor diz que não choramos porque nos sentimos tristes, mas, ao contrário: tomamos ciência de que estamos tristes porque choramos. Fingir um sorriso pode, de fato, despertar um estado feliz?Há muito tempo os professores de ioga dizem: "Acalme seu corpo, acalme sua mente". A neurociência social, agora, dá evidências disso. De fato, estudos sugerem que assumir o estado físico de alguém feliz pode fazer você se sentir mais feliz.
Nessa era do 'novo inconsciente', o divã nada pode?Tanta gente faz anos de psicanálise e não chega a lugar algum. Claro, Freud teve o mérito de ter descoberto o inconsciente usando métodos imprecisos, o que produziu um conhecimento difuso, mas, mesmo assim, a origem das emoções permaneceu obscura. Hoje, o intercâmbio entre neurociência e psicologia experimental e os avanços da tecnologia nos permitem, pela primeira vez, construir uma ciência do inconsciente.
Se você quer entender o mundo social, se quer mesmo entender a si e aos outros e deseja ser capaz de superar muitos obstáculos que o impedem de viver uma vida plena e mais rica, precisa entender a influência do mundo subliminar que se esconde em cada um de nós.
A noção de que não estamos cientes da causa de parte do nosso comportamento é difícil de aceitar. Embora Freud e seguidores acreditassem nisso, entre os cientistas, até há pouco, a ideia de que o inconsciente é importante para o comportamento era descartada como psicologia popular.
O inconsciente divisado por Freud, nas palavras de um grupo de neurocientistas, era "quente e úmido: fervilhava de ira e luxúria; era alucinatório, primitivo e irracional", enquanto o novo inconsciente é "mais delicado e gentil que isso e está mais ligado à realidade". Nessa nova visão, os processos mentais são considerados inconscientes porque há parcelas da mente inacessíveis ao consciente por causa da arquitetura do cérebro, não por estarem sujeitas a formas motivacionais, como a repressão. A inacessibilidade do novo inconsciente não é vista como um mecanismo de defesa ou como algo não saudável. É considerada normal.
A mosca-das-frutas e a tartaruga estão no nível mais baixo na escala de potência cerebral, mas o papel do processamento automático não se limita a essas criaturas primitivas. Os seres humanos também desempenham inúmeros comportamentos automáticos, mas tendem a não perceber isso porque a interação entre nossa mente inconsciente e a consciente é muito complexa.