A classe política, do alto de seu
elitismo, acreditava que só devia dar atenção ao povo de dois em dois
anos, nos períodos eleitorais
Frei Betto
Estado de Minas: 04/09/2013
Reduzidas as
manifestações de rua, cujo auge se atingiu em junho, temos agora, em
vários pontos do país, ocupações de espaços públicos: câmaras
municipais, assembleias legislativas, calçadas da casa de políticos etc.
Nossas autoridades estão surpresas e assustadas. Antes, contavam com o
concurso da grande mídia, que não dava importância a manifestações
pontuais ou criminalizava-as, e a polícia agia contra elas com ação
preventiva e repressiva.
Agora, novos atores, difíceis de serem
controlados, entraram em cena. É o caso das mobilizações convocadas
através de redes sociais. Fura-se o bloqueio da grande mídia por meio de
iniciativas como a rede Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e
Ação).
O que há de novo é a inversão do poder político. O
contrapoder popular. Até junho, autoridades e partidos ditavam a pauta
política na qual a população devia ser enquadrada. A classe política, do
alto de seu elitismo, acreditava que só devia dar atenção ao povo de
dois em dois anos, nos períodos eleitorais. Considerava a política uma
roda gigante movida pelo mecanismo de alianças e pactos partidários e
cujos ocupantes miravam de cima a plebe ignara.
Súbito,
movimentos sociais decidiram recorrer à democracia direta e ocupar
espaços que, de direito, são “casas do povo”, frequentemente usurpados
por aqueles que deveriam nos representar, como no caso da CPI das
empresas de ônibus no Rio, na qual a maioria dos vereadores que a
integram foi contra a sua instalação. É a raposa investigando quem ataca
o galinheiro.
Eis o incômodo: o movimento social escapa do
controle governamental. O poder público o ignorava ou, quando muito, o
cooptava. Os raros representantes desses movimentos nas esferas
legislativas e executivas não tinham vez nem voz. Basta conferir a
paralisação dos projetos de reforma agrária no Congresso Nacional e no
governo federal.
Os movimentos sociais buscaram, então, uma
alternativa: a pacífica insurreição popular. Por vezes violada por
vândalos que são policiais infiltrados ou fazem o jogo da direita, e
cujas máscaras deveriam ser arrancadas por quem prefere a não violência
ativa. Minha geração foi para as ruas, de cara limpa, se manifestar
contra a ditadura.
O risco político desse processo (e protesto)
popular é confundir o saudável suprapartidarismo com o nefasto
antipartidarismo. Partidos políticos são, como o Estado, um mal
necessário. Se é fato que muitos traem suas origens e discursos,
chafurdam na corrupção, estabelecem alianças promíscuas, fazem na vida
pública o que fazem na privada, a saída não é virar-lhes as costas e
torcer o nariz, erguendo a bandeira do voto nulo.
Quem tem nojo
de política é governado por quem não tem. E tudo que desejam os maus
políticos é que haja bastante nojo, para que eles fiquem à vontade com a
rapadura nas mãos. O que temem é a interferência de novos atores na
esfera política e, nas eleições, a dança das cadeiras.
A
alternativa é a reforma política. Eis uma demanda urgente. Não apenas
para decidir se o voto será distrital ou misto e se as campanhas poderão
ou não ser financiadas por recursos privados. A reforma precisa
abranger também exigências como o fim do voto secreto no Legislativo, do
sigilo dos cartões de crédito dos poderes da República, das parcerias
público-privadas, dos empréstimos de recursos públicos na boca do caixa e
na calada da noite, da privatização de bens estatais e públicos etc.
A
reforma política, se não for profunda, permitirá que continuemos a ter
eleições viciadas pelo poder econômico, pelo toma lá dá cá, pelos
conchavos de cúpula, pelo percentual de votos dados ao candidato honesto
que acabam contabilizados para eleger o corrupto. A reforma política
terá ainda que incluir mecanismos de transparência no exercício da
atividade política, de modo que a soberania popular possa exercer
controle sobre o desempenho dos políticos e das instituições públicas.
Pior
do que aquele presidente-ditador que não gostava do cheiro de povo é o
político que se diz democrata e detesta a proximidade do povo,
preferindo que ele seja mantido à distância pelas forças policiais.