Democracia Política e novo Reformismo: Renato Janine Ribeiro - A vaidade e os políticos
A vaidade foi um dos temas maiores do pensamento humano durante uns bons dois mil anos. Esse período vai dos primeiros filósofos gregos, meio milênio antes de Cristo, e o Eclesiastes bíblico, um tanto mais tardio, até o começo do século XIX. Depois disso, o assunto some do pensamento sofisticado. A psicologia moderna mal estuda a vaidade. Ela virou uma espécie de buraco negro. Para entender o indivíduo, damos importância ao sexo. Para compreender a política, priorizamos os interesses. Mas este é um erro. A vaidade é um dos combustíveis dos políticos.
Estamos num momento oportuno para falar dela. Eleições e trocas de governo são uma festa para a vaidade de quem ganha cargos, um desespero para quem os perde. É claro que a felicidade de uns e a tristeza de outros se deve - em parte - a outros motivos, como ideais genuínos, compromissos assumidos e interesses. Mas não esqueçamos a vaidade.
A legislação regula as formas de tratamento entre autoridades. Quando fui diretor da Capes, certa vez tive que assinar um ofício para um importante senador. Coloquei um "atenciosamente" no final. Fui avisado de que não podia. Há um manual de formas de tratamento no governo: a senadores, deve-se dar o "respeitosamente". Embora não sentisse respeito por ele, tive de obedecer à legislação. Ora, imagine-se o que é o poder público regular os níveis de vaidade a que cada um de seus integrantes tem direito.
A vaidade é a exaltação que sentimos diante do respeito ou admiração dos outros. Os clássicos distinguem glória e vanglória. As duas têm a ver com nossa imagem pública. Mas a glória corresponde a uma percepção verdadeira: temos uma noção de nosso valor, só que é justa, não estando exagerada nem diminuída. Já a vaidade ou vanglória, ou vã glória, é um orgulho sem base na realidade. Acreditamos valer mais do que de fato. E esta crendice se baseia em fatores superficiais, efêmeros ou externos.
Hoje, reservamos a vaidade para as celebridades do entretenimento e as revistas semanais que as celebram. Passa despercebida a vaidade dos ocupantes do poder - inclusive privado, inclusive nas empresas. Assim acabamos tendo um conhecimento superficial de como funcionam as organizações do Estado e as corporações privadas. Acreditamos que sejam mais racionais do que na verdade são.
Ora, a vaidade é um problema. Os pensadores a denunciaram por bons dois milênios porque ela induz o vaidoso em erro. Ele acredita que os elogios que recebe são verdadeiros e sinceros. Obviamente, a grande maioria não o é. Aduladores, uma praga denunciada desde a Antiguidade, pululam nos corredores. Daí, um final que se pode chamar "o meu mundo caiu". Quando se perde o poder, em especial após a derrota numa eleição ou uma demissão ordenada de cima, o entorno se esvazia. Muitos se deprimem. Filósofos como Pascal e La Bruyère alertaram para esse perigo e a fragilidade de quem acreditou demais na própria imagem.
Vejam a adulação. O papa Francisco, um grande papa, fez um comentário infeliz: disse que daria um soco em quem xingasse sua mãe. Uma frase infeliz, porque em tais casos Cristo manda oferecer a outra face. Mas, na hora em que o papa diz isso, vemos um colaborador seu rindo, em concordância. É o que faz quem serve aos poderosos. Tudo é motivo de aplauso, até as bobagens do chefe. Quem diz a verdade ao superior muitas vezes paga caro por isso. Daí, no par vaidade-bajulação, uma inconsistência profunda.
Talvez, na verdade, quem está no poder tenha a noção de que ele é efêmero; de que com o cargo se irão os aduladores, as vantagens materiais e psicológicas. Por isso muitos veem o poder como uma bicicleta. Muito ocupante de cargo não quer perdê-lo. Sabe que, se parar de pedalar, cai no chão e se machuca. Há pessoas que circulam anos a fio, de cargo em cargo, de ministério em ministério. Não é só dinheiro ou poder efetivo. É prestígio. Sabem que, se não tiverem uma posição, correm o risco de ser rapidamente esquecidos.
Daí, dois traços curiosos, que pude perceber. O primeiro é que a mesma mão que demite alguém de um cargo de confiança muitas vezes arranja um novo lugar para o demitido. Ele não era bom para determinada tarefa, mas quem sabe em outra... Parece haver um pacto tácito de que o perdedor não vai ficar desamparado. O segundo, numa Federação como a brasileira, consiste em usar uma instância de poder para abrigar quem perdeu em outra. Candidatos derrotados a governador se tornam ministros. Ex-ministros ganham jetons entrando para os conselhos de estatais paulistas.
Deveríamos estar mais atentos a esta dimensão da política que vai além das coisas objetivas e entra na psicologia. Durante dois mil anos, os melhores pensadores alertaram: fazer a felicidade depender do aplauso alheio é a porta mais segura para sua vida dar errado. Ou você vai acreditar nessa ilusão, e um dia descobrirá que nada disso era real, ou saberá o tempo todo que sua posição é frágil, depende dos outros e não de você, e viverá na ansiedade. Para ambos os casos, reduzir a vaidade é a melhor saída.
Se posso dar um conselho aos políticos que hoje estão em festa pelo cargo que ganharam, ou aos que neste momento se deprimem pela posição que perderam, é este: política é, sim, estar o tempo todo sendo julgado pelos outros. É depender o tempo todo da avaliação do eleitor ou do chefe. Mas é bom preservar, disso, a vida pessoal. É bom pensar na imagem pública como uma roda da fortuna. Nem seu êxito é prova de mérito, nem sua derrota significa demérito. A vida será melhor se for mais pessoal. A política será melhor se for menos fogueira de vaidades.
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Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.