Universidades paulistas planejam aumentar para 50% a participação de estudantes vindos da rede pública
Programa lançado ontem prevê que meta seja atingida em 2016; alunos poderão optar por curso intermediário
FÁBIO TAKAHASHIDE SÃO PAULOEDUARDO VASCONCELOSCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O governo de São Paulo apresentou ontem seu projeto para aumentar para 50% a presença de estudantes de escolas públicas nos cursos das universidades paulistas (USP, Unicamp e Unesp).
A proposta não prevê reserva direta de vagas. O aluno só será beneficiado se demonstrar alto desempenho acadêmico, ainda que haja risco de que o posto não seja ocupado por um egresso da rede pública de ensino.
O modelo é diferente do adotado nas universidades federais, onde 50% das vagas da graduação serão garantidas a alunos da rede pública -mesmo que as notas deles na seleção sejam mais baixas.
Na proposta desenhada pelos reitores paulistas, os 50% aparecem como uma meta, a ser atingida até 2016 e que pode deixar de ser cumprida caso as políticas de auxílio não tenham o efeito esperado.
A expectativa é que 35% dos beneficiados sejam pretos, pardos e indígenas.
AÇÕES
Para atingir a meta de 50%, o projeto prevê duas ações.
A primeira é a criação de curso preparatório semipresencial, de dois anos, oferecido a alunos selecionados pelo Enem ou pelo Saresp.
Ao final do curso, chamado de "college", o aluno com o equivalente a nota 7 receberá um diploma superior. Quem quiser seguir os estudos poderá entrar nos cursos de graduação, sem vestibular.
Além disso, será dada uma bolsa mensal de R$ 311 aos alunos de baixa renda participantes desse curso.
O "college" terá 2.000 vagas (sendo mil para pretos, pardos e indígenas). Caso todos os alunos se formem e queiram entrar nas universidades, eles representarão cerca de 40% da meta para 2016.
Os outros 60% deverão ser preenchidos com política de atração de bons alunos da rede pública, cujas ações não estão definidas. Algumas estratégias existentes, como bônus nos vestibulares a esses estudantes, serão mantidas.
A proposta foi elaborada pelos reitores a pedido do governador Geraldo Alckmin (PSDB), que está pressionado pela política federal de inclusão no ensino superior.
A ideia é reduzir a distorção do sistema educacional: enquanto mais de 80% dos alunos do ensino médio estudam na rede pública, eles são minoria nessas universidades.
A proposta terá de ser aprovada pelos Conselhos Universitários. A previsão é implantar as regras em 2014.
Modelo de ingresso mudará perfil dos calouros
DE SÃO PAULOSe aprovado, o Programa de Inclusão com Mérito causará grande impacto no perfil dos novos ingressantes, principalmente nos cursos mais concorridos das universidades, como medicina.
A proposta prevê que todas as metas sejam alcançadas em cada curso. Ou seja, em 2016, 50% das vagas devem ser ocupadas por alunos vindos de escolas públicas. E já em 2014 a proporção deve chegar a 35%.
Na USP, por exemplo, o novo modelo causará mudança no perfil de calouros de cursos como engenharia (hoje com 12% de egressos de escolas públicas), medicina (15%) e direito (16%).
"A universidade ganhará. Ela deve ser universal não só no conhecimento, mas também na abrangência social", disse o governador Geraldo Alckmin (PSDB).
"A preocupação é de inclusão com qualidade, com baixa evasão, com bom aproveitamento do curso."
QUALIDADE
Diretor da Escola Politécnica da USP, José Roberto Cardoso diz que a qualidade dos cursos não deve cair com as mudanças causadas pelo programa. "O estudante entra no ritmo. Já hoje há vários grupos de estudo, os alunos se ajudam", afirmou o diretor.
Sobre a dificuldade em se atingir as metas do modelo, Carlos Vogt, assessor especial do governador Alckmin, disse que as universidades podem ir acelerando as ações, caso os resultados anuais intermediários não sejam os ideais. Podem, por exemplo, aumentar os bônus.
Um dos riscos é que sejam altas a evasão e a reprovação do curso superior semipresencial, o que diminuiria o número de alunos de escolas públicas nas graduações.
"Neste momento não estamos pensando o que faremos se não conseguirmos. Estamos pensando que conseguiremos", disse Vogt, reitor da Univesp (universidade virtual, responsável pelo curso) e articulador da proposta entre governo e universidades.
Um outro ponto positivo do projeto, de acordo com Vogt, é que uma política de Estado pode atrair aos vestibulares os alunos de escolas públicas que hoje acabam nem prestando o exame.
DIFERENÇAS
O governador apresentou uma avaliação diferente de outros envolvidos em relação à implementação do projeto.
Ele afirmou que é "automático" o preenchimento de 35% das vagas por alunos do ensino médio público no primeiro ano (uma espécie de reserva de vaga), mesmo que eles não tenham as melhores notas nos vestibulares (em 2014 ainda não haverá estudantes formados no curso preparatório semipresencial).
Vogt e o reitor da Unicamp, Fernando Costa, disseram que o número é uma meta a ser atingida-mesmo termo usado no material explicativo distribuído no evento.
A pró-reitora de graduação da USP, Telma Zorn, afirmou que estuda duas novas ações para aumentar o número de alunos de escolas públicas na universidade: elevar o bônus no vestibular e retomar um cursinho pré-universitário, mantido pela instituição.
Atualmente, um estudante da rede estatal pode ganhar um acréscimo de até 15% na nota na prova da Fuvest. "Já vi que há espaço para aumentar esse percentual." Ela não disse para quanto poderia ir o benefício no exame.
Zorn disse que será necessária uma ação mais incisiva principalmente para que os cursos mais concorridos atinjam as metas esperadas.
Em outra frente, a pró-reitora afirmou que trabalha para recriar uma espécie de cursinho pré-universitário para estudantes promissores da rede pública (modelo adicional ao apresentado ontem pelos reitores, que prevê curso superior semipresencial). Segundo ela, podem ser beneficiados bons alunos treineiros de escolas públicas.
A ideia é que o projeto entre em funcionamento no ano que vem. Mas ainda há dúvidas sobre o financiamento.
Proposta semelhante foi adotada em 2004, quando a universidade ofereceu cursinho a 5.000 estudantes da zona leste da capital.
O projeto durou apenas um ano, após apenas 1% dos beneficiados terem sido aprovados na Fuvest. O resultado foi um dos motivos para o governo ter cortado o orçamento do programa.