O Judiciário e o turbilhão
DE SÃO PAULO
Nós, o povo, se dermos mais atenção ao Poder Judiciário, verificaremos que a agitação encontrada nos dois outros Poderes Constitucionais não é estranha à magistratura, ainda que em modo muito mais discreto. O que é bom. Podemos até pensar em aspecto que agita o debate em São Paulo. Antes se deve lembrar que, na Justiça bandeirante, se criou confronto de correntes para a escolha do presidente de sua Corte de Justiça. Por assim dizer, são políticas.
Aconteceu quando o atual presidente do TJSP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo) admitiu a possibilidade de ser candidato à reeleição. Alheio aos meandros judiciais, o leitor achará a coisa mais natural do mundo. Não é.
O desembargador Sartori, o atual presidente, tem boa gestão. Olhando as coisas do ponto de vista da disputa, a recondução ao cargo daquele que cumpre sua missão no Executivo e no Legislativo (Constituição, arts. 44 e 46) é natural. Até porque, segundo a Folha noticiou, Sartori tem apoio de expressiva parcela do funcionalismo, circunstância inusitada. Além disso, conta com longa folha de serviços prestados à Justiça.
Há, porém, um pormenor com o qual o grande público não deve ter muita intimidade. É o seguinte: o TJSP é o maior do Brasil, com mais de trezentos desembargadores. É certo ainda que a Tribunal do Estado possa ter um Órgão Especial submetido, no caso de São Paulo --entre outros--, ao máximo de 25 desembargadores que o comandam.
Se a reeleição do presidente não for proibida aqui, como quer uma parte dos desembargadores, a minoria se dirá afastada do pleito. Assim: os atuais desembargadores --ainda que excluídos os próximos dos setenta anos-- de aposentação obrigatória dificilmente terão esperanças de disputar a presidência se aberta a todos, no futuro, a reeleição presidencial. Permitida, dobrará o número de possíveis candidatos frustrados, multiplicados durante decênios. Só Deus sabe quantas vezes.
Mesmo em tribunais menos numerosos, a porta de acesso estará fechada para muitos. Enfim: é, razoável que segmentos oposicionistas estejam perguntando: "e nós, como ficaremos?".
A pergunta é compreensível, mas tem seu "porém". Um dos problemas da magistratura está em que o encastelamento no controle dos tribunais (ou seja, os que só se aposentam no último dia) faz com que, mesmo hoje, as substituições nos cargos mais importantes das cortes de Justiça fiquem confiadas a um número restrito de titulares. Dentre estes, alguns alcançam tal domínio da situação que se transformam, desculpada a linguagem não jurídica, numa espécie de "donos de seu tribunal", controlando o mecanismo operacional. Em certas hipóteses influem até na formação da jurisprudência.
Por menos que o leitor saiba da ordem interna dos tribunais, certamente não tem dúvida sobre a variada pluralidade de efeitos em assunto aparentemente tão corriqueiro, em especial no turbilhão, que não para, dos processos em andamento.
Outro lado da mesma situação estaria no meio termo, nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Ocorre que, nesse campo, os interesses a respeito do acesso à presidência de cada tribunal são muito intensos e diferentes de Estado para Estado, na variável força política local. O meio termo é necessário.
Walter Ceneviva é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. Assina a coluna Letras Jurídicas, publicada em "Cotidiano" há quase 30 anos. Trata, com cuidado técnico, mas em linguagem acessível, de assuntos de interesse para a área do direito. Escreve aos sábados na versão impressa de "Cotidiano".