RENATO CASAGRANDE
Direito é para ser respeitado
A decisão tomada pelos constituintes de 1988 de garantir aos Estados e municípios produtores de petróleo uma parcela maior dos royalties pagos pela atividade tinha razões claras e objetivas.
Destinava-se a compensar os entes federados diretamente envolvidos pelos enormes impactos sociais, ambientais e logísticos que acompanham a exploração dessa commodity. Em contrapartida, a cobrança de ICMS sobre produtos derivados, como gasolina e diesel, passaria a ser feita no destino e não na origem. Nada mais justo.
Essa determinação constitucional permaneceu sólida e incontestável por mais de 20 anos, até a descoberta de reservas na camada pré-sal, quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs novo modelo de partilha, para contratos futuros.
Mesmo contestada por especialistas, a proposta encontrava justificativa no potencial estimado para essas reservas. Só que, uma vez aberta a possibilidade de revisão dos critérios de distribuição, representantes dos Estados não produtores divisaram a possibilidade de ganhos imediatos e passaram a acenar para suas bases com tal perspectiva. Desde então, o debate ganhou ares de total irracionalidade.
Com argumentos demagógicos copiados das campanhas nacionalistas da primeira metade do século passado, determinações constitucionais, normas legais e princípios federativos foram ignorados, para atropelar direitos legítimos e consolidados do Espírito Santo, do Rio de Janeiro e de São Paulo.
E usando o poder da maioria de modo autoritário e intempestivo, colocou-se em risco não apenas o equilíbrio financeiro e fiscal de três Estados da Federação, mas também a garantia de estabilidade de contratos e o próprio ambiente de negócios no país.
No momento em que o Brasil enfrenta redução de atividades econômicas e busca alternativas para ampliar a atração de investimentos produtivos, o desrespeito à Constituição e a quebra de contratos juridicamente perfeitos emitem sinais de alerta para todo o mercado mundial.
Esses, aliás, foram alguns dos motivos apontados pela ministra Cármen Lúcia para suspender liminarmente os efeitos da decisão tomada pela maioria do Congresso Nacional, até o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade que impetramos no Supremo Tribunal Federal.
Para nós, do Espírito Santo, a revisão dos critérios de partilha em contratos futuros é um debate pertinente, que pode e deve ser travado com equilíbrio e responsabilidade, sob a liderança do governo federal.
Mas não podemos aceitar que o interesse de maiorias formadas ao sabor de circunstâncias jogue por terra o equilíbrio financeiro e fiscal que lutamos tanto para alcançar e manter.
Temos contratos, planos de investimentos, obras e serviços vinculados a uma receita que encontra nos royalties do petróleo um importante componente. Abrir mão desses recursos seria incorrer na inadimplência e renunciar a boa parte do futuro que contratamos para nosso Estado e para nossa gente.
Nenhum país pode crescer e aspirar ao pleno desenvolvimento econômico e social sem garantir a inviolabilidade de sua Constituição, a segurança de contratos juridicamente perfeitos e a prevalência dos direitos legítimos das minorias sobre interesses circunstanciais da maioria. Sem essas garantias, o que resta é o arbítrio, a flacidez institucional, a lei da selva.
O Brasil não pode e não vai permitir que movimentos insensatos e demagógicos nos levem a tal situação. Essa é a nossa convicção e esse é o entendimento que esperamos encontrar no Supremo Tribunal Federal.
WILSON MARTINS
Uma riqueza de todos os brasileiros
Um número é tradutor do tamanho da injustiça: dois Estados ficam com 96% dos recursos gerados pelos royalties do petróleo; 4% são divididos entre as outras 25 unidades. Só isso já seria suficiente para afirmar que a redistribuição dos royalties reduz um pouco da enorme desigualdade e injustiça que existem neste país carente de um novo pacto federativo.
Os que defendem a perpetuação dessa situação absurda argumentam que são "Estados produtores" -o que os coloca como uma espécie de donos do petróleo. Nada mais inapropriado.
São produtores os Estados dos quais são extraídos petróleo do seu território, como Bahia, Sergipe, Alagoas, Rio Grande do Norte e Amazonas. Quando a Petrobras vai a Mossoró (RN), perfura um poço e extrai óleo, dizemos que Mossoró é um município produtor e que o Rio Grande do Norte é um Estado produtor de petróleo.
Mas quando a Petrobras vai lá no meio do oceano Atlântico, perfura um poço e extrai petróleo, quem é o produtor? Não se está extraindo do território de nenhum Estado em particular, mas em área da União. O produtor é a União.
A Constituição Federal é clara quando diz que são bens da União os recursos naturais da plataforma continental, da zona econômica exclusiva e do mar territorial. É automática a ilação de que esses recursos pertencem a todos os 195 milhões de brasileiros e não apenas a alguns.
Apesar da clareza do termo constitucional, fabrica-se um confronto que coloca de um lado os Estados "produtores" -Rio de Janeiro, Espírito Santo e parte de São Paulo- e, de outro, os 23 Estados e o Distrito Federal, identificados como "não produtores". Esse conflito é, de fato, um falso problema.
Aqueles três Estados são apenas confrontantes com os campos de petróleo em alto mar. No entanto, a eles cabe quase todo o bolo das receitas da extração de petróleo no mar, em uma relação absurdamente desigual. Não há aqui a mínima obediência ao princípio da razoabilidade e sim o paroxismo da irracionalidade.
Somente para ilustrar: no ano passado, o município de Campos (RJ) recebeu de royalties mais que a soma do repasse do Fundo de Participação dos Municípios para todas as 224 cidades piauienses.
É preciso chamar a atenção para o fato de que, se a Lei Vital do Rego por acaso vier a cair no Supremo Tribunal Federal, essas distorções serão potencializadas, ampliando as desigualdades.
O Rio de Janeiro e o Espírito Santo alegam que não pode haver quebra de contrato e que só se poderia repartir as receitas dos futuros campos. Com a primeira parte estamos todos de acordo: ninguém quer quebrar contrato. E nenhum contrato será quebrado, pois foram firmados entre a Agência Nacional de Petróleo, representando a União, e a petroleira que paga royalties e participação especial, mediante termos de exploração.
O que a nova lei faz é dividir o produto do contrato.
Não é demais lembrar que, desde a sua criação em 1953, a Petrobras tem consumido grandes somas de recursos de todo o povo brasileiro, na sua luta vitoriosa na busca de nossa autossuficiência.
Segundo os técnicos, de dez poços perfurados, apenas um produz petróleo. Conclusão: todos os brasileiros pagam a conta dessa exploração, mas na hora de dividir os resultados, apenas dois Estados, que contribuíram na mesma proporção que os demais, ficam com quase toda a riqueza.
Isso é uma injustiça gritante. E a luta para corrigi-la é uma luta por um país mais igual, mais fraterno, mais harmonioso. É para isso que lutamos.