segunda-feira, 15 de abril de 2013

Entrevista - Marina Silva


Revista Época - 15/04/2013

"Os partidos detêm nacos do governo"

A provável candidata à Presidência critica o que chama de "privatização do Estado" e diz que o combate à homofobia não pode gerar uma "cristofobia"

Angela Pinho, Diego Escosteguy e João Gabriel de Lima


MARINA SILVA NÃO GOSTA DO TERMO "CAPITAL", MAS ELE É INEVITÁVEL AQUI: DONA DE um capital de 20 milhões de votos em 2010, ela é candidata quase certa às eleições presidenciais do ano que vem. Nas primeiras pesquisas de intenção de voto incluindo os quatro presidenciáveis mais prováveis, ela aparece à frente de Aécio Neves e Eduardo Campos. Para ser uma alternativa em 2014, Marina precisa primeiro superar um desafio: coletar 500 mil assinaturas para que o partido que criou, a "Rede", consiga existir. Ela recebeu a reportagem de ÉPOCA num restaurante vegetariano em Brasília. Na conversa, falou mel10s do novo partido e mais de suas ideias sobre o país.

ÉPOCA - O Estado brasileiro é um dos que mais cobram impostos no mundo. Só que grande parte do dinheiro vai para a máquina do Estado. A senhora não acha que o Brasil poderia ter menos ministérios e mais dinheiro para a área social, como a Constituição de 1988 prevê?
Marina Silva- Na campanha, a gente discutia muito, e não vi nenhum candidato que não estivesse defendendo reforma tributária, todas as reformas. Depois da campanha, a única reforma que acontece é a reforma do compromisso que foi feito durante a campanha. Em relação a nossos tributos, se a máquina pública aumenta para atender ao provimento de bens e serviços de que a sociedade precisa, tem uma lógica. Se a máquina pública aumenta apenas para atender à distribuição de cargos dentro do governo para contemplar bases políticas, isso acaba se constituindo num imenso prejuízo para aquilo que deveriam ser os investimentos públicos estratégicos. O que observo é a privatização de nacos do Estado pelos partidos.

ÉPOCA - O que a senhora chama de privatlzação do Estado?
Marina- Os partidos viraram donos de nacos do Estado. Cada partido é dono de um setor - energia, educação... Não importa o que acontecer, você sabe que pode até mudar aquela pessoa, mas o dono daquela cadeira é aquele partido. Um dia desses, vi uma notícia que não sei nem se é verdade. Dizia que o Ministério da Microempresa ninguém quer. Porque as pessoas querem ministérios mais avantajados.

ÉPOCA - Por falar em privatlzações, qual sua opinião sobre as privatizações do governo FHC e do governo Dilma?
Marina - Algumas privatizações feitas no governo anterior tiveram o problema da visibilidade e da transparência, mas tiveram resultados. Hoje, ninguém advoga que o sistema de telefonia brasileira continuasse como era antes. O Brasil, nos últimos anos, conseguiu privatizar alguns setores importantes da economia e preservar alguns que deviam ser preservados. Isso não significa que as coisas devam ser feitas sempre de cima para baixo, sem transparência, sem um envolvimento maior da sociedade brasileira.

ÉPOCA - A Petrobras atualmente atende a algumas demandas governamentais, e Isso acaba depreciando seu valor. Qual sua opinião sobre isso? A Petrobras precisa ser privatizada para se reerguer?
Marina - A Petrobras, com o controle do Estado, se não usada politicamente, cumpre seu papel. Muitas vezes, porém, empregam-se políticas de curto prazo para alongar o prazo dos políticos. A Petrobras é uma empresa importante, estratégica, que paga um preço em função dessas ações que se ligam mais a ações da conjuntura política e econômica. A gente tem de ter uma visão de longo prazo.

ÉPOCA - O que a senhora acha do pastor Marco Feliciano?
Marina - Discordo dele. Mas discordo dele discordando do governo. Quem negociou a ida de Feliciano para a comissão foi o governo, para ampliar a base política. O governo negocia a Comissão de Assuntos Econômicos? O governo negocia a Comissão de Constituição e Justiça com essa facilidade? Não. Mas as comissões de Meio Ambiente e de Direitos Humanos o governo negocia.

ÉPOCA - Feliciano foi criticado por uma parcela da sociedade por ser contra o casamento gay. A senhora é a favor?
Marina- Os direitos civis das pessoas devem ser respeitados. Somos um Estado laico, e um Estado laico é para defender os direitos dos que creem e dos que não creem. As pessoas têm o direito de ser bem tratadas em igualdade de condição perante a Constituição Federal, perante as leis. O que não se pode é fazer extrapolações. Os direitos civis das pessoas não podem cercear a liberdade religiosa. Os padres e pastores têm o direito de continuar fazendo suas preleções em relação aos princípios de seus livros sagrados.

ÉPOCA - Um pastor pode pregar contra homossexuais?
Marina- Um pastor que é de fato um pastor não prega contra homossexual. Ele não pode ser proibido, no entanto, de falar sobre aquilo que a Bíblia considera pecado. Se houver essa proibição, em vez de combater a homofobia, você está criando a cristofobia ou a religiofobia. Um padre ou um pastor dizer que homossexualismo, aborto ou qualquer outra coisa que a gente faça - beber cachaça, fumar cigarro, sei lá o quê - é pecado, para mim isso não é discriminação, isso é liberdade religiosa. Se você não acredita em pecado, se não acredita em Deus, você não está nem aí se alguém disser "é pecado você fumar, é pecado você cortar o cabelo". Então, isso não é discriminação. Se alguém vai ridicularizar alguém por ser gay, onde seja que for, até mesmo num púlpito, isso não é nem inconstitucional, isso é anticristão. Não acho que um pastor possa destratar ou satirizar ninguém por sua condição humana.

ÉPOCA - A senhora é a favor de que a lei do aborto seja mantida do jeito que está?
Marina- Do jeito que ela está, em relação à situação de risco para a mãe e para o feto, isso já é uma questão decidida e está mantida. Em relação à legalização das drogas e do aborto, defendi um plebiscito.

ÉPOCA - Voltando para a questão da educação. Um dos gargalos nessa área é uma mentalidade, dentro da universidade, um pouco avessa à cultura do mérito: fazer avaliações de desempenho e pagar salários melhores para quem cumpre determinadas metas. A senhora acha que é necessário ter uma cultura mais meritocrática na academia?
Marina - Se a gente exigir a meritocracia como um fim em si mesmo, sem dar as condições e as oportunidades para que as pessoas possam adquirir os méritos, é uma exigência injusta. Se as pessoas continuam com salários precários, sem formação continuada para desenvolver seu desempenho como profissionais, como você exigirá o desempenho? Se é concedida uma base de oportunidades para que as pessoas possam desenvolver suas potencialidades, os sistemas de avaliação são bons.

ÉPOCA - Em relação à saúde, é possível alcançar um sistema de atendimento universal com qualidade semelhante à do setor privado?
Marina - Eu pergunto: existe essa qualidade mesmo nos planos de saúde? O SUS é uma engenharia muito bemfeita que, se implementada adequadamente, pode, sim, dar um bom retorno. Existe um trabalho que pode ser feito de promoção de saúde que, infelizmente, na lógica da saúde no Brasil e em vários lugares, não acontece. A grande quantidade de agrotóxico usada nos alimentos, que prejudica a saúde das pessoas, é algo que deveria ser questionado. É preciso criar uma lógica em que a política de promoção de saúde seja tão importante quanto a política de prevenção e a política de tratamento. Não é só uma questão de investimento. É também isso.

ÉPOCA - A senhora atualmente usa o SUS?
Marina - Uso os dois sistemas. As últimas consultas que fiz pelo Incar, fiz pelo SUS. Vou àquilo que está mais acessível. Se eu estiver numa crise alérgica como tenho às vezes, vou no primeiro hospital que tiver.

ÉPOCA - Continuando na área dos programas sociais, dá para imaginar que, a curto prazo, as pessoas que hoje dependem do Bolsa Família possam viver dignamente sem essa ajuda estatal?
Marina- O Bolsa Família é cerca de 0,5% do orçamento. E as pessoas fazem um estardalhaço enorme. O Bolsa Família é um programa de transferência de renda com contrapartidas simples, muito eficiente para o combate à miséria extrema. O que a gente precisa é ter um programa de inclusão produtiva. Que possa promover com as famílias processos de avaliação das oportunidades de que elas dispõem para que possam se tornar independentes do Bolsa Família. Existem programas assim no Chile e, na campanha de 20W, propusemos isso. Porque, muitas vezes, uma família, ou por falta de informação ou por falta de tempo, por uma série de razões, não vislumbra as oportunidades de uma inclusão produtiva que lhe tire da dependência.
 
ÉPOCA - A senhora mencionou a questão da inovação. Por que, em sua opinião, a economia brasileira é menos inovadora do que deveria ser? E como fazer para tornar a economia brasileira mais inovadora?
Marina - A crise que estam os vivendo não é uma crise só econômica. É uma crise econômica, social, ambiental e, eu diria, também política e de valores. Estamos vivendo uma crise civilizacional. No meu entendimento, o Brasil é o país que reúne as melhores condições para a quebra de paradigmas sem grandes traumas. Somos um país razoavelmente industrializado. Temos uma base de recursos naturais fantástica. Somos um grande fornecedor de alimentos e de matéria-prima do mundo. É aí que a tecnologia, a inovação, o conhecimento e uma outra visão do Estado devem entrar em cena, para fazer com que, paralelamente a esse modelo que está em estagnação, a gente possa ir criando um novo modelo da economia, de baixo carbono. A mudança do modelo é uma política que deve fazer parte de uma agenda estratégica, pactuada com o conjunto da sociedade brasileira. Na Alemanha, não importa se o governo é social-democrata ou conservador. Existe uma agenda comum, que não muda quando o governo muda.

ÉPOCA - A Alemanha é um país que a senhora considera modelo para o Brasil?
Marina - Não acho que é um modelo para o Brasil. Estou dizendo é que eles têm um investimento de longo prazo para a realidade deles. Podemos ter uma agenda de longo prazo que, independentemente de quem seja o partido, deva ser perseguida e não possa ser mudada ao sabor da conjuntura. Para mim, o Brasil está para o século XXI como os Estados Unidos estiveram para o século XX. No padrão de desenvolvimento do século XX, este que está estagnado, eles conseguiram, competindo com países de cultura milenar, ser mais desenvolvidos do que eles. Hoje, a grande esperança para essa estagnação vem dos países emergentes. Entre os países emergentes, o Brasil reúne as lelhores condições.

ÉPOCA - A senhora poderia elaborar um pouco melhor o que enxerga como crise da civilização.
Marina - Vivemos uma crise que se constitui de múltiplas crises. Estamos vivendo uma crise econômica, uma crise social e uma crise política. E temos uma crise de valores. Que, no meu entendimento, é a base para as demais. Quatro grandes crises configurando uma crise é uma crise civilizatória. Primeiro, vamos considerar que não temos acervo de experiências no enfrentamento de crises civilizat rias. Os gregos entraram em crise e conseguiram sair da crise e do colapso? Os romanos entraram e conseguiram sair do seu colapso? Os egípcios entraram e conseguiram sair do seu colapso? Qual é a diferença entre nós e eles? É que, nessas crises, enquanto uma nação fenecia, outra florescia. A crise não abarcava a totalidade do planeta nem da humanidade. Estamos vivendo um momento em que mesmo a civilização ashaninka (indígenas da região do Acre e Peru), que não contribui em nada para a crise, está dentro da crise do mesmo jeito. Há um questionamento de natureza mais profunda e uma pergunta a ser feita. Não é o que queremos fazer para sair da crise. É o que queremos ser como civilização, como raça humana.

ÉPOCA - O que a Rede tem de diferente dos demais partidos?
Marina- Em primeiro lugar, pensar algo que seja para além das eleições e contribua com a mudança do sistema político e da cultura política que a gente tem. No início da jornada do PT, do PSDB, do PMDB e do PV; eles também tinham esse objetivo. Passaram-se algumas décadas, e hoje se configuram como partidos, mais baseados em estratégias eleitorais. Outra questão importante, para nós, é colocar a sustentabilidade como eixo estratégico do programa, envolvendo amplos setores da sociedade. Queremos fazer uma transformação baseada em conhecimento, tecnologia e informação.

ÉPOCA - A senhora acha que a política mudou?
Marina - A política está mudando. É . possível conseguir a mobilização de milhares de pessoas pelas redes sociais. Antigamente, para chegar a esses números, era necessário um esforço enorme, um sindicato trabalhando um ano, dois anos mobilizando.

ÉPOCA - Mas qual o efeito prático disso?
Marina - Isso vai transbordar. E já deveria transbordar. Assinatura eletrônica é um direito mesmo só dos políticos? Do presidente da República, do ministro, do deputado, do senador, do empresário, do diretor? Ou isso já deveria ser um direito de todos os cidadãos, ter uma assinatura eletrônica?
ÉPOCA - A senhora diria para as pessoas que hoje fazem abaixoassinados irem para as ruas?
Marina- A gente tem de entender que existem formas mistas de política. Quando eles sentirem necessidade de ir para as ruas, irão.

ÉPOCA - Mas ir às ruas é a forma mais eficaz de provocar mudanças concretas?
Marina - Não sei se é a forma mais eficaz, era a nossa forma. E as pessoas não percebem que, mais cedo ou mais tarde, isso transbordará. Já está transbordando. A eleição do Obama faz parte desse transbordamento. Os 20 milhões de votos que tive não são pelos meus olhos negros. É parte desse transbordamento. Para mim, as lideranças carismáticas têm uma vida curta. E olha que sou uma liderança carismática, eu acho. E resolvi usar o carisma que tenho para convencer as pessoas de que não dependam de carisma.

Diretor de escola: o protagonista esquecido - Gustavo Ioschpe

Revista Veja - 15/04/2013

Quando se fala em educação, logo se pensa em professores e alunos. Cada vez há mais indícios, porém, de que esse foco na sala de aula é o ípico caso em que não conseguimos ver a floresta por estarmos tão preocupados com as árvores. Salas de aula não flutuam por aí, afinal: o locus do ensino é a escola, uma organização bastante complexa. que precisa reter bons profissionais, interessar e estimular alunos e agradar a pais e líderes políticos. Quem rege essa orquestra toda é o diretor escolar.

Sabemos relativamente pouco sobre ele. Alguns estudos mostram que a maneira como um diretor chega ao cargo é importante: escolas que têm diretor escolhido por processos que envolvem provas seguidas de eleições, ou pelo menos via eleição, têm alunos que aprendem mais do que aquelas em que o diretor é fruto de indicação política. Como costuma acontecer no Brasil, privilegiamos o caminho errado: os últimos dados mostram que 46% dos diretores de nossas escolas chegaram ao posto por indicação de alguém.

Outro erro que cometemos é imaginar que o diretor é um mero burocrata responsável por administrar as instalações físicas da escola e passar um corretivo nos baderneiros. O bom diretor, porém, faz bem mais do que isso. No livro Organizing Schools for Improvemem. os autores definem bem as quatro áreas que o gestor escolar deve dominar: capacitação dos professores, criação de um clima propício ao aprendizado, envolvimento com a família e ensino ambicioso, visando ao ingresso na universidade.

Alguns desses quesitos são difíceis de medir e quantificar. O trabalho de um bom diretor é indireto: assim como se nota o trabalho de um bom técnico pelo desempenho de seus jogadores, a virtuosidade de um diretor se manifesta pelo trabalho de seus professores. Um bom diretor consegue criar um clima ordeiro e organizado, em que alunos e professores podem dar o seu melhor com o mínimo de interrupções. Pesquisas demonstram que alunos aprendem mais naquelas escolas em que há um clima positivo e onde os professores reconhecem a liderança do seu diretor. Pesquisas intema-cionais (todas disponíveis em twitter.com/gioschpe) comprovam que, quando o diretor tem poder para contratar e demitir professores, os alunos têm desempenho melhor. Outra pesquisa mostra que os diretores têm boa capacidade para prever, antes da contratação, quais serão os professores excelentes e quais os ruins. Faria sentido, portanto, mudar o processo de seleção de professores, que hoje se resume a um concurso público que avalia quase tudo — menos a capacidade do sujeito de ensinar um determinado conteúdo —, para um processo que envolva uma entrevista com os bons diretores escolares.

O bom diretor escolar é um líder pedagógico, além de ser um bom gestor. Nas escolas de primeiras séries, há evidências de que o conhecimento do diretor sobre as matérias ensinadas e sua intervenção nas práticas dos professores — especialmente aqueles com dificuldades — melhoram o desempenho dos alunos. Nos anos mais avançados, é impossível para um diretor dominar todas as áreas, de forma que seu impacto precisa ser indireto, mas não por isso ele é menos importante. Pesquisas sugerem, por exemplo, que em aulas de linguagem uma estratégia em que os alunos se engajam através de questionamentos e uma postura interativa facilita o aprendizado, enquanto em aulas de matemática ocorre o oposto: estratégias em que o professor passa mais tempo explicando conceitos, formalizando o conhecimento, têm melhores resultados. O mau diretor acha que cada professor deve fazer o que bem entender. O bom diretor julga que todos precisam de orientação e que a escola deve ter um padrão. Por isso é que normalmente não se veem escolas com resultados muito díspares entre séries ou disciplinas. Ainda faltam pesquisas para esmiuçar esse fenômeno, mas em minhas andanças por escolas Brasil afora ficam claros dois fatores. Primeiro, os semelhantes se atraem: professor descompromissado procura escola de diretor idem, e bons diretores fazem o possível para afastar os maus professores e atrair os bons. Uma diretora arretada de escola pública de Fortaleza me contou que uma de suas professoras tirava ücença médica atrás de licença médica. Ela também trabalhava em uma escola particular, só que a essa comparecia sempre. Quando a professora estava de licença, a diretora ligava para a escola particular e descobria se ela estava trabalhando. Depois de alguns meses em que teve seu comportamento desmascarado, a professora malandra pediu para sair. O segundo mecanismo é através do exemplo. Quando um professor sabe que seu diretor está batalhando e que vai cobrá-lo, isso é motivador. E vice-versa: visitei uma escola em Goiânia em que a diretora resolveu afrouxar as cobranças sobre alunos e professores porque queria se candidatar a vereadora e não convinha antagonizar ninguém. Os professores ficaram tão desmotivados, e trataram seus alunos com tanta indiferença, que logo a escola saiu do controle: os alunos, enraivecidos, começaram até a riscar o carro de professores.

Outra marca do bom gestor escolar é a relação com a comunidade. Em linhas gerais, os bons diretores atraem os pais, trazendo-os para peno da escola. Só assim um pai ou mãe poderá monitorar, cobrar e ajudar os filhos. Os maus gestores só se lembram de que os pais existem quando precisam culpar alguém pelo insucesso da escola. Eles costumam tratar os pais com menosprezo e distância: para um pai marcar uma reunião com um diretor desses, é missão impossível. Bem diferente de uma marca freqüente do bom diretor: ele espera pais e alunos no portão da escola, todos os dias, na entrada e na saída. É uma oportunidade de estreitar o contato com os pais. comentar os problemas do dia a dia antes que cresçam e simplesmente se colocar à disposição de todos.

Ainda estamos longe de desvendar todos os mistérios da boa gestão escolar, mas a pesquisa traz três achados encorajadores. O primeiro é que, no Brasil, onde a bagunça administrativa é generalizada, iniciativas muito simples para pôr a casa em ordem têm efeito significativo. Um programa de intervenção na gestão das escolas estaduais de São Paulo que se encontravam entre as 5% piores trouxe melhoras no aprendizado dos alunos de até incríveis 40%. Resultados que vêm com medidas simples como oferecer mais aulas de reforço, coibir faltas de professores e passar mais tempo visitando e acompanhando as salas de aula. O segundo é que o salário do diretor está diretamente relacionado com o aprendizado dos alunos, ao contrário do salário dos professores. É bem mais barato e eficaz mexer no salário de diretores (menos de 200.000 pessoas) do que no de professores e funcionários (mais de 5 milhões). Terceiro, o impacto da gestão escolar é enorme: pesquisas americanas sugerem que um quarto da disparidade de desempenho entre escolas é diretamente atribuível a diferenças de gestão. Depois das ações dos professores em sala de aula (que respondem por um terço), esse é o quesito mais importante na determinação do sucesso acadêmico dos alunos.

'Nunca foi tão fácil começar algo', diz criador do Twitter; leia entrevista

folha de são paulo

ALEXANDRE ARAGÃO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Jack Dorsey, 36, lê três coisas: livros de ficção, seus diários e o Twitter. No primeiro caso, ele usa um iPad; no segundo, o aplicativo Day One --e o Twitter ele criou em 2006, ao lado de dois amigos.
O executivo também criou o Square, que transforma smartphones em máquinas de cartão de crédito, e comprou o Vine, rede social de vídeos de até seis segundos.
Durante uma rápida passagem pelo país na semana passada, Dorsey recebeu a Folha no escritório do Twitter em São Paulo.
Stephen Lam/Reuters
Jack Dorsey, fundador do Twitter e do Square, esteve no Rio e em São Paulo na semana passada
O fundador do Twitter e do Square Jack Dorsey, 36, esteve brevemente no Rio de Janeiro e em São Paulo na semana passada
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Folha - A confusão causada pela oferta inicial de ações (IPO) do Facebook fez com que o Vale do Silício ficasse mais cuidadoso em relação a IPOs?
Jack Dorsey - De modo geral, o que criou a confusão foi o falatório em volta do assunto. Não acho que tenha mudado algo para qualquer empresa, do Vale do Silício ou não, que esteja pensando em fazer uma oferta pública. Talvez tenha dado algumas coisas para se pensar, mas nós não estamos correndo em direção a um IPO como objetivo final. Estaríamos apenas querendo ganhar dinheiro, e isso não é quem somos.
Considere o seguinte: meses atrás todos estavam falando do Facebook. Para mim, não faz diferença em como estamos falando sobre o Facebook hoje e sobre como estávamos falando do Facebook antes da oferta pública de ações. É a mesma conversa: "Eles acabaram de lançar o Home, acabaram de fazer tal coisa". Não vejo a diferença.
Como você analisa o uso político do Twitter?
A coisa mais incrível é que o Twitter faz com que essas pessoas que colocamos em pedestais tornem-se mais humanas. Quando Obama estava em campanha, em 2008, ele tuitou sobre o que estava comendo de café da manhã. Você se lembra que ele é humano e toma café da manhã.
Mas, para políticos, o Twitter costuma ser mais importante durante as eleições.
Depende. Não faria essa generalização. Já vimos governantes usando o Twitter de modo efetivo, não só para contar o que estão fazendo, mas também para ouvir.
Em Newark, após uma nevasca, muita gente ficou presa em casa e tuitou. O prefeito, Cory Booker, atendeu a alguns pedidos, entre eles o de uma mãe que estava sem fraldas para o bebê. Quando tentar se reeleger, ele vai ter pelo menos um voto.
Parte do negócio de tecnologia é descobrir start-ups antes que façam sucesso e comprá-las. Você vê o Twitter seguindo esse caminho?
Bem, nós não começamos o Vine, nós o compramos. Talvez quando descobrimos ótimos produtos ou equipes, os compremos. É a realidade do nosso mundo, nunca foi tão fácil começar algo.
[Um dia após a entrevista, o Twitter anunciou a compra da We Are Hunted, empresa de streaming de música.]
O Vine pode ficar parecido com o Instagram, com um monte de imagens de comida e filhotes?
O que há de errado com comida e filhotes? [Risos.]
É sobre isso que é a internet...
Talvez seja sobre isso que as pessoas são [risos]. Comer é algo que fazemos todos os dias. Por que deveríamos nos sentir mal de falar sobre isso? Não se pode julgar as pessoas por fazer isso, porque elas podem ter em mente algo significativo. As pessoas irão colocar no Vine comida e filhotes, mas também colocarão muitas outras coisas bonitas. Há muita beleza em comida.
Você acha que essa é a beleza de uma experiência centrada no usuário?
Talvez uma das belezas. As pessoas têm liberdade para interpretar as coisas como elas quiserem. Posso fazer dois riscos de caneta nesta mesa e cada pessoa diria que são uma coisa diferente.
No Vine, não há nome de usuário. É preciso encontrar as pessoas por meio da busca. Por que essa escolha foi feita?
Um nome de usuário não faz tanto sentido nesse caso. A busca do Vine é muito boa, assim como é muito boa a lista de contatos para encontrar pessoas. Tem funcionado.
Mas as pessoas não podem conectar-se ao Facebook.
Sim, o Facebook desabilitou essa opção.
Por quê?
Você precisa perguntar ao Facebook [risos].
O modo como as pessoas ficaram desconfiadas em relação a bancos, principalmente com as crises financeiras, pode ajudar o Square a se popularizar?
Não acho que precisamos diminuir a confiança nos bancos para estabelecer confiança no Square. Ele estabelece confiança e popularidade porque as pessoas estão usando, em vez de ser culpa dos bancos. O que quer que os bancos façam, eu não ligo.
O fato de muitos executivos do Vale do Silício terem largado a faculdade, inclusive você, significa que há um problema com as universidades hoje em dia?
Eu larguei duas vezes, não apenas uma. Não acho que é um problema para todos. Algumas pessoas preferem aprender da maneira tradicional, outras aprendem rapidamente fora da faculdade.
Estava aprendendo muito mais rapidamente fora da faculdade. Assim, decidi que sairia para aprender com mais velocidade. Acho que qualquer professor que deseje educar alguém também preferiria essa opção.
A educação está mudando, há muito mais maneiras de ser autodidata e de aprender trabalhando. Mas múltiplos caminhos levam a múltiplas conclusões.
Isso se relaciona a o que você disse durante sua palestra aos alunos da FGV, sobre aprender o que for útil para o objetivo que cada um tem?
Certamente. Sem dúvida as pessoas querem aprender coisas que vão usar [risos]. Acho que programas universitários podem ser feitos sob medida para cada um, não acho que ir à universidade significa aprender coisas sem um objetivo. Há potencial para aprender algo inesperado que dê uma perspectiva diferente sobre o trabalho real.
Há algo em particular que você gostaria de aprender?
Não dá para eu determinar isso. Quando criamos o Square, eu não sabia nada sobre finanças e sobre como o dinheiro é trocado. Mas eu aprendi, bem rápido. Não é algo que eu acordei, quando tinha 14 anos, e pensei: "Quero aprender como o dinheiro se movimenta". E tem sido surpreendente aprender.
Quando a Margaret Tatcher morreu, no início da semana passada, uma hashtag ficou muito popular: #nowthatcherisdead. Ela causou um pouco de confusão entre os fãs da cantora Cher, porque pode ser lida como "Now that Cher is dead", em vez de "Now Thatcher is dead". Você já considerou utilizar outros sistemas de tags, em vez de hashtags?
Há algumas maneiras de adicionar sintaxe às hashtags para fazer com que fique mais fácil de se ler. Às vezes vai acontecer alguma confusão, mas é belo desse jeito. No passado, pensamos em várias outras formas, mas essa é gerada pelo uso das pessoas --isso tem mais significado.

André Conti

folha de são paulo

Despedida da LucasArt


Pra mim, a LucasArts acabou em 1998. Não chegou a ser um final melancólico, uma vez que o último título da empresa que me interessou, o gargantuesco "Grim Fandango", representava o auge técnico e criativo de uma equipe que, em pouco mais de dez anos, já havia feito alguns dos melhores jogos de todos os tempos.
"Grim Fandango" foi o último adventure da LucasArts, gênero que dominou os primórdios da computação. Mas a LucasArts não foi exatamente uma pioneira no ramo, papel que coube a outra produtora lendária, a Sierra.
Foi a Sierra que colocou gráficos e comandos relativamente mais simples nos adventures de texto, onipresentes até então. Mas as séries da Sierra, como "King's Quest" e "Space Quest", eram voltadas a um público acostumado com jogos difíceis, arcanos e infernais.
Num jogo típico da Sierra, você podia passar 200 horas achando que havia feito tudo corretamente apenas para descobrir que, caso tivesse esquecido de pegar aquele tijolo do chão na primeira cena, não conseguiria passar do último labirinto e chegar ao final. Mais que isso, era possível morrer em inúmeras cenas, invalidando todo o progresso de quem não tivesse salvado o jogo.
A sacada da LucasArts foi abrir o adventure ao grande público. Era impossível morrer nas produções da casa. Você podia jogar despreocupadamente, sabendo que seu dever era apenas resolver os quebra-cabeças, sem a chance de cair num precipício ou tomar uma flechada.
O principal, no entanto, era o design inteligente, que impedia aquele cenário em que você empacava irremediavelmente, como nos jogos da Sierra. Os quebra-cabeças eram bolados de um jeito que, independentemente do que você havia feito até ali ou deixado para trás, sempre havia uma solução.
Nada disso é garantia de um jogo bom, diga-se. Mas a LucasArts injetou também humor e leveza nos jogos, um tipo de linguagem que repercutiu imediatamente entre o público e que rendeu clássicos como "Maniac Mansion", "Monkey Island", "Indiana Jones and the Fate of Atlantis" e "Sam & Max'.
No final da década de 1990, com chegada aos cinemas de "Star Wars: A Ameaça Fantasma", a LucasArts se especializou em jogos baseados no universo de "Guerra nas Estrelas". Com raríssimas exceções, eram jogos genéricos, desinteressantes e sem um átimo do brilho imposto por criadores como Tim Schafer, Ron Gilbert e Dave Grossman.
O baixo desempenho de "Grim Fandango" abriu a cova dos adventures, que perdiam espaço para a popularização de outros gêneros e passaram os dez anos seguintes morrendo, pelo menos de acordo com a imprensa especializada.
Mas o adventure venceu, ou pelo menos encontrou o seu lugar ÐTim Schafer levantou U$ 3,3 milhões pelo Kickstarter e está fazendo um pela sua produtora, a Double Fine. Outra empresa, a Telltale Games, vem lançando adventures de sucesso com frequência que lembra os tempos áureos de LucasArts (como o recente "Walking Dead").
Entendo a tristeza simbólica em torno do fechamento da LucasArts, anunciado pela Disney na semana passada. Mas, enquanto houver alguém disposto a combinar uma galinha a uma manivela, haverá adventures. Está bom demais.
André Conti, formado em jornalismo, é editor na Companhia das Letras. Sua coluna mistura coisas antigas e jogos velhos com novidades e curiosidades da tecnologia. Escreve às segundas, a cada duas semanas, na versão impressa do caderno "Tec".

Quadrinhos

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CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI
ADÃO ITURRUSGARAI
BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
MALVADOS      ANDRÉ DAHMER
ANDRÉ DAHMER
GARFIELD      JIM DAVIS
JIM DAVIS
JULIO E GINA      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO

KLEDIR RAMIL - Lindinha

Zero Hora - 15/04/2013

Quando nasceu minha filha Julia, eu estava despreparado para ser pai. Despreparado no pior sentido em que um músico-cantor-compositor pode estar: eu não conhecia canções de ninar.

Na falta de um repertório específico, comecei a cantar mantras indianos para fazer a pequena dormir. Em especial, os Cantos de Yogananda, que são pérolas preciosas. Fui improvisando com aquilo que eu considerava ser o mais adequado para uma alma pura, recém-chegada a esse mundo.

A verdade é que não funcionava. Muitas vezes virei noites sacolejando aquela coisinha linda nos meus braços e nada. Ela lá, com os olhinhos arregalados, à espera daquilo que amava e era o que efetivamente a fazia adormecer: o seio materno.

Meu repertório, na época, não apresentou o resultado esperado. Ela se acalmava, mas não dormia. Por outro lado, acredito que alguma coisa boa deve ter ficado no subconsciente de minha filha. Hoje, olho pra ela já crescida, uma entusiasmada praticante de yoga e meditação, e fico imaginado que talvez aqueles mantras sagrados tenham deixado algumas sementes espalhadas.

É impressionante como, das formas mais inusitadas, a gente vai marcando a vida dos filhos. Eu, por exemplo, sou um sujeito friorento até hoje por culpa do “sapo-cururu”.

Voltando ao começo, às minhas tentativas de botar a guria pra dormir. No embalo de muitas noites acordado com Julia no colo, comecei a compor uma valsinha, aproveitando o ritmo em ¾ que minha mão reproduzia naquele bumbum protegido por uma fralda descartável.

Agora, mais recentemente, quando a canção foi gravada no CD Par ou Ímpar, o som dessa percussão insólita, mais afetiva do que efetiva, foi registrado com o nome de Bundolone. É claro, Julia já está crescidinha e não usa mais fraldas, completou 25 anos. Mesmo assim, fizemos em estúdio uma simulação do som das palmadinhas do papai acompanhando a melodia e, por pouco, ela não pegou no sono. O que só confirma o que eu já sabia, a música funciona bem para os seus objetivos, ou seja, realmente faz dormir.

Lindinha surgiu assim, espontânea. É uma canção de ninar carregada de carinho e de pureza. É a manifestação de amor de um artista aprendendo a ser pai.

Bactérias resistentes abrem a possibilidade de uma era pós-antibióticos

folha de são paulo

MARIANA VERSOLATO
ENVIADA ESPECIAL A UPPSALA (SUÉCIA)

"O mundo está prestes a perder essas curas milagrosas", já disse a diretora da OMS (Organização Mundial da Saúde), Margaret Chan, sobre os antibióticos.
Chan se referiu a um futuro tenebroso --e possível-- no qual infecções comuns não terão cura. É o que especialistas chamam de era pós-antibióticos.
Esses remédios têm como alvo as bactérias, mas esses micro-organismos sempre acham uma forma de sobreviver e se tornarem resistentes, o que pede o uso de novos medicamentos. Por isso, antibióticos têm um tempo determinado de validade.
O problema é que o arsenal terapêutico e o desenvolvimento de novas drogas só diminuiu nas últimas décadas. A última classe de antibióticos foi descoberta em 1987.
O mal uso dos antibióticos (seja sem necessidade ou por tempo e dose incorretos) e o maior tráfego global de bactérias resistentes pioram o cenário.
Neste ano, um relatório dos Centros de Controle de Doenças dos EUA chamou a atenção para o problema da gonorreia resistente às cefalosporinas, classe de antibióticos usados no tratamento dessa doença sexualmente transmissível.
Para retardar o surgimento de uma superbactéria resistente, os CDCs mudaram as diretrizes do tratamento, que agora deve combinar um remédio oral e outro injetável.
As bactérias causadoras da tuberculose também geram preocupação, assim como a KPC, resistente à maioria dos medicamentos e que normalmente atinge pessoas hospitalizadas.
Na semana passada, o Hospital de Clínicas da Unicamp anunciou que teve 11 casos de infecções pela KPC entre dezembro e março.
FALTA DE INVESTIMENTO
O corte em investimentos em pesquisa e desenvolvimento de antibióticos pelos laboratórios multinacionais se deve, em parte, a fusões recentes entre as grandes empresas do setor.
Segundo a OMS, 8 das 15 maiores farmacêuticas que tinham programas de descoberta de antibióticos abandonaram essa área --outras duas reduziram seus esforços.
Anna Sara Levin, coordenadora do grupo de controle de infecção hospitalar do Hospital das Clínicas da USP, lembra que drogas antigas para hipertensão e diabetes, desenvolvidas nos anos 1950, ainda funcionam, ainda que existam opções mais modernas.
"Já com os antibióticos, a resistência vai aparecer de qualquer maneira. Como as pesquisas são caras e levam tempo, a indústria vê isso como um mau negócio."
É nesse "vácuo" que médicos, pesquisadores e autoridades de saúde da Suécia veem "uma oportunidade e a responsabilidade" de oferecer soluções, segundo Linus Sandegren, pesquisador do departamento de bioquímica médica e microbiologia da Universidade de Uppsala, no norte da Suécia.
O país tem uma taxa baixa de resistência a antibióticos, mas cinco universidades na região de Estocolmo e Uppsala desenvolvem mais de 30 projetos de estudo nessa área.
"O país percebe que a resistência é um problema enorme e que é preciso investir dinheiro agora para evitar uma catástrofe depois", afirma Anna Zorzet, diretora-executiva-assistente do ReAct, uma rede global independente contra a resistência a antibióticos, sediada na Universidade de Uppsala.
Em 2012, o primeiro-ministro sueco anunciou um investimento de US$ 220 milhões para os quatro anos seguintes em pesquisas nessa área.
As investigações incluem o desenvolvimento de novas drogas e a revisão de medicamentos antigos ou que foram descartados anteriormente.
Um dos estudos clínicos, no Hospital Universitário de Uppsala, pretende determinar regimes de dosagem ideais de antibióticos e testar combinações de drogas existentes contra bactérias multirresistentes.
NOVA GERAÇÃO
Mas só o lançamento de novos antibióticos no mercado não vai resolver o problema da resistência a antibióticos, segundo Diarmaid Hughes, professor de bacteriologia molecular médica da Universidade de Uppsala.
"É necessário antes aprender sobre o uso e o abuso de antibióticos das últimas décadas que fizeram o problema da resistência chegar nesse estado atual; chegar à raiz do problema antes do possível mau uso de uma nova geração de antibióticos."
Anna Sara Levin, do HC, toca no mesmo ponto. "Para não vivermos uma situação catastrófica no futuro, a solução é a prevenção. Isso inclui o uso racional dos antibióticos e o controle das infecções hospitalares."
Segundo ela, a maior parte do problema no Brasil não está na geração desses micro-organismos resistentes mas sim na sua transmissão.
"Cada 'monstro' gerado é disseminado para outros pacientes e outros hospitais. Por isso, é primordial melhorar a qualidade dos serviços de saúde."
Editoria de arte/Folhapress

Novo presidente terá a economia e o chavismo como obstáculos

folha de são paulo

ANÁLISE
ESTHER BINTLIFFDO "FINANCIAL TIMES"
Os venezuelanos escolheram um presidente ontem pela segunda vez em menos de um ano. A Presidência será um cálice envenenado; veja seis razões para isso.
1) O chavismo: as pessoas falam de Chávez com intimidade, como pai e protetor. Uma vez instalado no cargo, é bem possível que o novo presidente venezuelano ache sufocante a devoção da população ao antigo líder.
2) A economia: a popularidade de Chávez dependia de sua mão aberta, mas o dinheiro está acabando. A Venezuela tem deficit fiscal enorme, inflação de dois dígitos, desabastecimento de produtos e taxas de câmbio múltiplas.
3) Produção petrolífera: a Venezuela possui as maiores reservas de petróleo do mundo, mas sua produção está estagnada. A estatal PDVSA foi esvaziada após a nacionalização. Com boa parte da receita do petróleo sendo direcionada aos programas sociais de Chávez, os investimentos e a inovação dentro da companhia encolheram.
4) Ineficiência governamental: em artigo de opinião para o "New York Times", Rory Carroll descreve Chávez como, "em última análise, péssimo administrador".
Ele argumenta que Chávez não apenas deixou de investir nas instituições do Estado como permitiu que o país se tornasse vítima de "uma nova elite com conexões no governo, os chamados boligarcas', que manipulavam contratos governamentais e a teia de controles de preços e câmbio para financiar seus estilos de vida luxuosos".
5) Forças Armadas: estreitamente vinculadas ao "fator chavismo". Enquanto Chávez era ex-comandante, Maduro não tem o mesmo relacionamento com os militares.
6) Criminalidade: o índice de homicídios na Venezuela triplicou enquanto Chávez esteve no poder. O vencedor da eleição terá de enfrentar problemas sérios de criminalidade e de corrupção.

Médici às avessas - Rubens Ricupero

folha de são paulo

Os regimes sul-americanos mais identificados com as aspirações das massas têm piores índices econômicos
"O Brasil vai bem, mas o povo vai mal", a frase com que o general Médici definiu o milagre econômico brasileiro, foi pronunciada quando o PIB chegava a crescer 14% ao ano em meio a aumento da desigualdade. Hoje, fica-se tentado a dizer que o povo vai melhor, enquanto vão mal o Brasil, a Argentina, a Venezuela.
Sucede que esses países são justamente os que se definem pela prioridade de redistribuir e transferir renda. Haveria relação de causa e efeito entre redistribuição e queda do crescimento? Seria incompatível manter pleno emprego e inflação baixa, melhoras salariais e avanços em competitividade?
Há uma coincidência perturbadora: os três regimes sul-americanos que melhor se identificaram às aspirações de melhoria de vida e dignidade das massas das periferias ostentam os piores indicadores econômicos da região. Em todos, o panorama se caracteriza por inflação em alta, crescimento em baixa, deterioração da posição fiscal e das contas externas, competitividade precária. Em compensação, seus índices sociais são tão favoráveis que até agora lhes vêm garantindo elevado apoio eleitoral, apesar da mediocridade da economia.
Trata-se de mera coincidência ou uma coisa seria consequência da outra? Trágico seria se assim fosse. Não se justifica, porém, atribuir as falhas dessas economias às conquistas sociais. Não só porque Bolívia e Equador, de semelhante orientação social, conseguem números econômicos razoáveis. Ademais, Chile e Peru, menos ideológicos, também dependentes de commodities, combinam os resultados econômicos mais brilhantes do continente com avanços sociais comparáveis aos distributivistas.
O desempenho insatisfatório dos maiores parece derivar, portanto, não de um compromisso maior com as causas populares, mas de defeitos no desenho e na execução de políticas públicas que se estendem além das estritamente econômicas.
No Brasil, é o que se vê no vasto cemitério de desgoverno que vai da proliferação de ministérios ao atraso de obras bilionárias, da crise do programa do etanol ao retrocesso na matriz energética, da politização e corrupção das agências reguladoras à inexplicável obsessão do trem-bala. Como o dinheiro do trem aliviaria muito mais o sofrimento dos trabalhadores se aplicado em metrô e trens urbanos, o exemplo revela que a preocupação social está longe de ser decisiva.
Esses governos erram pelos motivos usuais: incompetência, idiossincrasias e caprichos de dirigentes, excessiva indulgência com fisiologismo político, corrupção. Desculpá-los com nobres motivações sociais e ideológicas equivale a afirmar que o preço do combate à desigualdade e à pobreza passa pelo desgoverno e pelo desperdício. E constitui, no fundo, um desserviço a esses mesmos regimes.
Com efeito, eles só se salvarão se corrigirem suas políticas e voltarem a crescer, a fim de assegurar a sustentabilidade dos avanços sociais.
Do contrário, a combinação dos maus resultados econômicos com a saída de cena de Nestor Kirchner, Hugo Chávez e Lula cedo ou tarde encerrará mais um ciclo desapontador na história das frustrações sul-americanas.