domingo, 27 de outubro de 2013

Sua reputação não lhe pertence - JOÃO LUIZ MAUAD

O Globo - 27/10/2013

Quando alguém escolhe a vida pública,
qualquer que seja o ramo de atividade,
deveria saber que tal escolha carrega
bônus e ônus. Não dá para depender
do voto do eleitor ou do ingresso da plateia e, ao
mesmo tempo, ter resguardada a privacidade.
Grande parte das pessoas que votam num político
quer conhecer não só as suas ideias, mas
também a sua conduta privada. Em menor medida,
o mesmo raciocínio vale para quem compra
um CD de música ou uma entrada de cinema,
teatro ou jogo de futebol, em relação aos artistas
e atletas de sua preferência.

A História é escrita ou narrada sem autorização
dos personagens nela destacados. É evidente
que a calúnia, a injúria, a difamação,
enfim, a mentira que causa dano deve ser punida
com rigor. Para isso existe a Justiça. Ademais,
a mentira é uma violação do contrato
implícito entre o escritor e o leitor, independentemente
de se uma reputação é prejudicada
ou não. Porém, se a reputação é prejudicada
por meio da verdade, é difícil reivindicar
qualquer injustiça nisso. Não dá para censurar
livros ou reportagens jornalísticas, publicando-
se somente aquilo que seja do interesse
das figuras públicas e/ou de suas famílias.
Isso não existe em lugar nenhum do mundo
dito civilizado.

A ideia de cobrar direitos autorais, então, beira
o absurdo. Já imaginaram quanto deveria ser
pago às famílias de um Churchill, de um Hitler,
de um Leonardo Da Vinci ou de um Pelé, caso
essa teoria maluca vingasse? Queiram ou não,
todos aqueles que escolhem a vida pública ou
se destacam de alguma maneira em suas respectivas
atividades passam a fazer parte do rol
de personagens históricos, e como tais serão
tratados, para o bem ou para o mal.

Outro ponto importante nessa polêmica diz
respeito à questão da reputação, algo considerado,
de forma completamente equivocada, como
uma propriedade da personagem destacada.
Na realidade, você não possui a sua reputação.
Ela é o acúmulo do que outras pessoas pensam
e acham de você. Em outras palavras, sua
reputação consiste de projeções realizadas por
outras pessoas. Você não pode controlar isso,
embora possa ter alguma influência. Simplesmente,
não há direito de propriedade em jogo
quando se fala de reputação.

Suponha que João seja um sujeito tímido,
com enorme dificuldade de relacionamento.
Ainda que seja um cara boa praça, pode acabar
sendo visto, injustamente, como arrogante, altivo,
presunçoso, vaidoso, superior, etc. pelas
pessoas com quem se relaciona. Portanto, são
as outras pessoas, principalmente aquelas com
as quais João convive, que decidem quão valiosa
é a sua reputação. Dizer que alguém é dono
da própria imagem é dizer que ele possui o pensamento
e as opiniões alheias, o que é um rematado
absurdo. Quando os marqueteiros falam
em construir uma imagem, estão falando eufemisticamente
de formar opiniões favoráveis —
de um produto, uma empresa, um político, um
artista, etc.

Por outro lado, os indivíduos podem ter má
reputação por diversas razões, a maioria das
quais plenamente justificáveis. Por conseguinte,
disseminar informações e opiniões pode ser
uma forma de evitar danos a terceiros no futuro
(novamente, supondo que não há mentiras envolvidas).
Longe de ser simplesmente algo malicioso,
falar mal de alguém pode até vir a ajudar
outras pessoas. Por exemplo, suponha que um
famoso deputado seja processado e condenado
por danos materiais e morais a um vizinho. Ou
que um certo ator de TV tenha a fama de bater
em mulher. Tais informações, longe de serem
meras fofocas maliciosas, certamente poderão
ajudar pessoas que venham a conviver com os
mesmos lá na frente.

Biografias, ainda elas - Martha Medeiros

Zero Hora - 27/10/2013

É uma discussão de difícil consenso: liberdade de expressão x direito à privacidade. Dois pilares indispensáveis para uma sociedade civilizada. Como equilibrar os interesses?

Em 2005, publiquei uma pequena novela que tratou desse tema. Em Selma e Sinatra, uma jornalista entrevista uma famosa cantora a fim de escrever sua biografia, e durante suas conversas a cantora deixa escapar que teve um rápido affair com Frank Sinatra, mas não quer que isso seja revelado, pois era casada na época. A jornalista surta com o veto. E abre-se o debate entre elas: o que torna, afinal, uma vida interessante aos olhos dos outros?

Não condeno quem tenta preservar sua intimidade. Se um engenheiro não gostaria que falassem sobre seus porres, se um desembargador evita admitir que fumava baseados na adolescência, se uma publicitária não quer que vasculhem sua sexualidade, se uma professora não deseja que saibam que ela teve um caso extraconjugal, por que um artista deveria se sentir confortável com a exposição disso tudo?

Muitos responderiam: porque ele tem uma vida pública. Como se fosse um acerto de contas: “Já que você é rico, célebre e bem-sucedido, entregue seus podres em troca”. Mas em troca de quê? De ter realizado um trabalho que o deixou em evidência? É alguma espécie de punição por ser reconhecido nas ruas?

Sou uma leitora voraz de biografias e considero que toda história de vida é ficção. Quando leio livros sobre Marylin Monroe, Patti Smith ou Nelson Rodrigues, entendo que o autor, por mais que tenha pesquisado, por maior que seja sua boa fé, não tem como saber toda a verdade: as suposições contracenam com os fatos.

O biografado se torna um personagem – bem realista, mas um personagem. Até mesmo quem escreve a própria biografia maquia um pouquinho a si mesmo. Ninguém se deixa conhecer 100%. O leitor experiente tem consciência disso e rende-se à criação e à qualidade do texto.

Ou seja, em vez de discutir legislação, o ideal seria que lêssemos mais e melhor para mudar nossa mentalidade de abelhudos, entendendo que há diferenças entre uma matéria de revista e um livro: as revelações que o livro traz situam o biografado num contexto histórico e social, ultrapassando as fofocas íntimas, que podem ser curiosas, mas não têm essa relevância toda.

Se estivesse bem clara a diferença entre um livro e a Caras, artistas cujas vidas despertam interesse editorial talvez não tivessem tantos melindres, pois confiariam na inteligência do leitor. Mas o que este prefere? Um relato com pimenta ou sem pimenta? Bem embasada ou contada com sensacionalismo? Aí é que entra a questão da mentalidade, que se não se refinar, continuará a gerar o desconforto dos biografados.

Literatura nenhuma deve ser censurada, coibida, mas também não deve ser lida com avidez apenas por causa de detalhes mundanos. Houvesse segurança no discernimento do leitor, essa polêmica talvez nem tivesse iniciado.

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » No caminho da floresta‏

Estado de Minas: 27/10/2013 






No avião para o Acre, ao meu lado, um rapaz moreno lia um livro de sonetos de Pablo Neruda. Mas havia também um grupo de franceses e francesas. Quando os vi sonolentos no aeroporto de Brasília, pensei: “De onde estão vindo e para onde vão esses gringos?”. Pareciam equipados para viagens estranhas, estavam apinhados de mochilas e com um ar de hippies de meia-idade.

Embarcamos para Rio Branco. No avião, o rapaz do livro com sonetos de Neruda dormia. Só ao chegar perto da capital do Acre pegou o livro do poeta. E lia. Enquanto isso os franceses estavam agitados como colegiais em férias.

Desci em Rio Branco, onde me esperava o pintor Fernando França, que nasceu aqui, mas vive no Ceará. Os cearenses vieram para cá no final do século 19 fugindo da seca e participaram do ciclo da borracha. Fernando veio assistir a minha conferência e me mostrar a boneca do livro que fará a partir dos poemas de  O homem e sua sombra.

Enquanto almoçávamos, falei do bando de franceses que vi no avião. Falou-me então que nessa época ocorre o popular festival dos índios yawanawa, em que se bebe ayahuasca. Vocês se lembram: nos anos 1970 e 80 do século passado, aquela bebida era tomada por artistas e hippies brasileiros em busca da revelação de suas fraquezas e fortalezas.

Hospedam-me no hotel que tem o nome de Galvez, aquela figura que virou romance e novela. Revejo a história do tipo: Luiz Galvez Rodrigues de Arias (1864 – 1935), que proclamou a Republica do Acre entre 1899 e 1900 e misturou interesses pessoais, sexuais e nacionais. Figura rocambolesca.

O Brasil com essa mania de ser grande não tem bem consciência de si mesmo. Os franceses estão indo ao encontro dos yawanawas. E levei 10 horas para chegar aqui. O Brasil é longe do Brasil. E aquele desconhecido, talvez apaixonado, lê sonetos de Neruda no avião.

O que sabemos desta parte do país conquistada à Bolívia? O que sabemos dos yawanawas e dos kaxinawa? Depois da conferência na esplêndida e espaçosa biblioteca pública, a jornalista Andréa Zílio (que fez reportagens sobre a nova história do povo yawanawas) me conta coisas dessa gente. Essa gente que os franceses foram ver. Esses gringos terão que enfrentar ainda oito horas de viagem de navio. Enfim, chegarão lá na mata, onde participarão dos festivais sagrados daquela tribo.

Aqui também sou meio gringo. Enquanto autografava meus livros no imponente shopping da cidade, na Livraria Nobel, achava estranho que leitores comprassem Barroco do quadrado à elipse. Dizia a eles: o barroco parece tão distante de vocês, parece coisa de Minas e da Bahia, outro mundo. O mundo aqui é a floresta, as seringueiras e Xapuri. Chico Mendes é um símbolo.

E no restaurante onde estamos, Gregório Filho, que criou aqui tantas Casas da Leitura na floresta, me diz apontando umas árvores: “Plantei aquelas seringueiras aqui há quase 30 anos”. Levanta-se e vai abraçar uma delas, como se abraçasse uma amiga visceral. Fernando França registrou e eu digo: “Bota isto no Facebook”.

O livro e a floresta. Alguns índios dessa região foram até fazer cursos nos Estados Unidos. Algumas tribos têm internet. Querem salvar suas tradições registrando-as nas nuvens. A civilização avança sobre a floresta. Outro dia acharam uma tribo que se recusa a ser assimilada. Não deixam os indigenistas atravessarem o rio.

Nós os olhamos como índios. Em compensação, os americanos e europeus nos olham, a nós, que escrevemos livros, como índios. Vi isso há dias na Feira de Frankfurt, na Alemanha. Lembram que andaram dizendo, profeticamente, nos anos 1960, que o mundo seria uma aldeia global?

Os franceses que vi no avião devem a estas horas estar tomando da bebida sagrada dos yawanawas. Terão alucinações assustadoras, libertando seus anjos e demônios.

O seminário sobre a América no imaginário europeu não termina nunca.


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Tereza Cruvinel - Relatividades‏

É preciso relativizar as pesquisas precoces, que captam humores do eleitorado sujeito a fortes oscilações nos próximos 11 meses


Tereza Cruvinel

Estado de Minas: 27/10/2013 



Pesquisas eleitorais a 11 meses do pleito captam humores do eleitorado que ainda serão afetados por muitos fatores. Afora os econômicos, inclua-se, entre os de natureza propriamente política, o nível de conhecimento de cada candidato e a empatia criada com o eleitorado, suas propostas e prioridades, as alianças partidárias, as disputas estaduais. No curso da campanha, pesará o dinheiro e a eficiência dos programas de televisão. No fim da novela, o eleitor decidirá, pesando satisfação ou frustração, entre mudar ou manter no poder um governante ou seu partido. Por tudo isso, é preciso relativizar as pesquisas precoces, apuradas na ausência de ventos fortes sobre a opinião pública, como foram as manifestações de junho. É o caso da última pesquisa Ibope/Estadão, divulgada na semana passada, suscitando leituras precipitadas em todos os quadrantes.

Em relação à presidente Dilma, por exemplo, é açodado dar como certa sua vitória no primeiro turno, que só não ocorreria, segundo a pesquisa, se Marina Silva e José Serra, numa grande reviravolta, fossem candidatos. O PT trombeteou o resultado, mas trabalha mesmo é com o cenário de dois turnos. Mas é também precipitada a conclusão dos adversários de que Dilma já “bateu no teto” e não cresceria mais. A recuperação pós-junho de fato desacelerou-se, mas, em 11 meses, muitas águas rolarão, a favor e contra sua reeleição. No programa de TV da semana passada, o PT mostrou que irá com gana para a disputa, reivindicando o legado de 12 anos no governo, especialmente no social, e com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no papel de grande eleitor. Não é pouco, mas os ofendidos com Dilma também são uma legião, que inclui boa parte do empresariado.

Outra leitura apressada foi a de que o provável candidato do PSDB, Aécio Neves, teve sua candidatura ferida pela emergência da dupla Campos-Marina. Para começar, os tucanos estranharam os 14% de referência do candidato, comparados aos 21% obtidos pela Vox Populi 10 dias antes, e aos 21% do Datafolha, 12 dias antes. Discrepâncias entre institutos podem reforçar a posição dos que, no Congresso, defendem o projeto que proíbe a divulgação de pesquisas nos 15 dias anteriores ao pleito. Aliados de Eduardo Campos (PSB) registraram também a diferença entre os 15% obtidos há 15 dias no Datafolha e os 10% apontados pelo Ibope, invertendo sua tendência de alta. Mas a primeira foi realizada em cima do lance de sua união com Marina, o que pode explicar a diferença. Mas, voltando a Aécio no Ibope, apressaram-se também os socialistas a prever que ele será ultrapassado por Campos até o fim do ano, situação em que poderia ser substituído por José Serra. A ultrapassagem, mesmo que ocorra, não muda o fato de que Aécio tem hoje pleno controle sobre o PSDB. Na hora H, a estrutura, a capilaridade e os palanques que o PSDB terá nos estados farão diferença. Hoje, o PSB/Rede é deficitário nesses quesitos.

Eduardo e Aécio têm espaços semelhantes para se tornar mais conhecidos e crescer. Ainda não está devidamente avaliado o grau de transferência de apoios de Marina para ele. Certo é que, doravante, a camaradagem inicial entre Aécio e Eduardo dará lugar à disputa pela segunda posição. Reflexo disso, a retração na tendência anterior de montarem palanques duplos nos estados. Eduardo, neste momento, viaja tentando montar uma palanque de terceira via para as disputas locais.


Agora vai?
Eleições presidenciais e insatisfações federativas nunca foram uma boa combinação. Na semana passada, depois de longa peleja, prefeitos e governadores viram finalmente aprovado o projeto que altera os juros e o indexador de suas dívidas. O governo comemorou e a medida deve beneficiar governadores e prefeitos de todos os partidos, inclusive os da oposição. Não será o bastante, entretanto, para garantir o desenvolvimento regional sem recurso à predatória guerra fiscal. O Senado retomará agora o esforço para aprovar a unificação das alíquotas do ICMS, que só acontecerá se o governo concordar com outras três medidas: a homologação dos incentivos atuais pelo Confaz, a criação do fundo de compensação para os que tiverem arrecadação reduzida, e o fundo de desenvolvimento regional para projetos estratégicos, que podem custar R$ 40 bilhões à União. “É agora ou não será no ano eleitoral de 2014. Os estados estão no limite”, avisou o senador Walter Pinheiro (PT-BA) a um faminto Guido Mantega, na sexta-feira, após quatro horas de debate. O ministro da Fazenda, porém, não se comprometeu com os fundos. Logo depois, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), anunciou a votação do projeto sobre a autonomia do Banco Central. Pode ser um bode, a ser retirado se o governo sentar para negociar os termos da minirreforma tributária.

Agenda da Rede
Amanhã e depois, os recém-casados Rede e PSB começam a discutir a plataforma política comum. Só então o acordo pragmático passará a ser programático. Marina Silva destacou o deputado Alfredo Sirkis (PSB-RJ) para representar a Rede na simultânea Conferência RioClima, preparatória da 19ª Conferência sobre Mudanças Climáticas, que será realizada em novembro, em Varsóvia. Em pauta, os temas da verdadeira agenda nova do mundo, como uma política tributária que favoreça a economia do baixo carbono e a atribuição de valor econômico aos serviços prestados pelos ecossistemas de cada país. Por exemplo, quanto vale o benefício proporcionado ao mundo pela floresta amazônica? Sua preservação não devia ser obrigação de todos?

História de uma voz - Ailton Magioli

Milton Nascimento terá sua trajetória registrada em filme do diretor Marcelo Fortaleza Flores, que vai mesclar documentário e entrevistas com cenas interpretadas por atores


Ailton Magioli

Estado de Minas: 27/10/2013 



Longa-metragem Milton
Longa-metragem Milton "A voz" acompanha a vida do artista da infância em Três Pontas ao sucesso internacional


Marcelo Fortaleza Flores ainda era uma criança quando ouviu no rádio uma música que tinha um falsete que o deixou impressionado. “O radialista não chegou a anunciar de quem era aquela voz, mas hoje dá para perceber que ela tinha mais relação com a música clássica do que com a MPB. Sem nenhuma palavra, a composição trazia todo o sentimento que a música deveria ter”, avalia o diretor de cinema, que, já nos Estados Unidos, onde foi morar, descobriu tratar-se da canção Francisco, de Milton Nascimento.

“Como todo brasileiro sou apaixonado por ele, que faz parte do nosso DNA”, afirma Marcelo, atualmente às voltas com Milton – A voz, filme híbrido de documentário e ficção, por meio do qual pretende focar vida e obra do cantor, compositor e instrumentista. Nascido no Rio de Janeiro, Bituca, como se tornou conhecido entre os amigos e fãs, fez de Minas Gerais a sua casa e fonte de inspiração para uma criação musical que, da MPB ao jazz, passando pela world music, conquista fãs no mundo inteiro. E é exatamente isso que o longa-metragem pretende mostrar.

Já aprovado pela Lei do Audiovisual, o filme, orçado em R$ 2,7 milhões, está em fase de captação de recursos. Apesar de já ter uma série de entrevistas gravadas com o artista e imagens de shows, a previsão é de que o longa só comece a ser rodado em julho do ano que vem. Diretor de Trópico da saudade, documentário com o qual refaz a expedição de Claude Lévi-Strauss a tribos da Amazônia, 70 anos depois, com direito a entrevista do antropólogo francês, Marcelo, que estudou antropologia, além de cinema, estava à procura de um novo projeto, quando se deparou com a oportunidade de acompanhar Milton Nascimento na turnê dos 50 anos de carreira.

“Como gosto muito da onda de documentários sobre MPB, percebi que ainda não havia um filme sobre ele, entrei em contato com a equipe de Milton, conseguindo inclusive ter a Nascimento Música como parceira”, comemora o diretor, salientando o fato de a questão da trilha sonora do filme, sobre um cantor-compositor, já estar resolvida. Segundo Marcelo, a princípio ele começou a explorar mais os aspectos musical e ficcional do projeto do que o documental em si. “Depois é que passei para o documentário”, acrescenta, lembrando que a ligação dele com o gênero vem da temporada em que morou na Amazônia, como ativista ecológico.

Além de já ter gravado entrevistas com o cantor em sua casa, no Rio, o diretor de Milton – A voz já filmou em Três Pontas, no Sul de Minas. Na agenda, está prevista passagem por Barbacena, onde, além da parceria com o grupo de teatro Ponto de Partida, funciona a Bituca Universidade de Música Popular, além de Santa Bárbara, onde está o Santuário do Caraça, em que Bituca gravou o disco Sentinela. E mais: Diamantina, onde o então iniciante Clube da Esquina se encontrou com o presidente bossa nova, Juscelino Kubitschek. A passagem por Belo Horizonte, onde o cantor morou e conheceu a família Borges, ainda está sendo avaliada pelo diretor.

Rosto para o jovem

Protagonista de Faroeste caboclo, o baiano Fabrício Boliveira, de 31 anos, viverá Milton Nascimento mais jovem no filme de Marcelo Fortaleza Flores. “Trata-se de um excelente ator, que ficou entusiasmado com o projeto e já foi inclusive levado por mim para conhecer Milton”, relata o diretor. Dois atores mirins também serão contratados, já que o longa vai retratar passagens da infância do cantor que contribuíram para a sua formação musical e inspiraram muitas de suas obras. Marcelo garante que Milton – A voz vai muito além de uma cinebiografia, compondo-se de recortes pessoais e emocionais da vida do cantor.

Brasil, Cuba e EUA
Além do próprio Milton, o diretor já entrevistou o cubano Pablo Milanés e a americana Esperanza Spalding, aguardando o momento para também ouvir Herbie Hancock, Paul Simon, Wayne Shorter e os irmãos franceses Lionel e Stéphane Belmondo. Aqui no Brasil já estão na lista de entrevistados Caetano Veloso, Márcio Borges, Gilberto Gil, Fernando Brant e Chico Buarque, entre outros. Wagner Tiso também já gravou depoimento para o filme.

Tv Paga

Estado de Minas: 27/10/2013 



 (Nat Geo/Divulgação)


Ciências Os 125 anos da National Geographic continuam inspirando os programadores do canal. Para hoje foi agendado o documentário Além do cosmos: o espaço, às 18h45. O tema desenvolvido pelo físico norte-americano Brian Greene (foto) nesse programa é a energia negra, que compõe 70% do universo mas ainda é considerada um dos mais profundos mistérios da natureza.

Intercâmbio Apresentado por Orlando Morais, o programa Lá emplaca sua terceira temporada no Canal Brasil. A estreia será hoje, às 21h30, com a presença do trio do cantor Ours, formado pelos músicos e também cantores Jhojhoa e Lieutenant Nicholson. Gravada em Paris, a série promove animados bate-papos seguidos de jam sessions que privilegiam a troca de informações musicais.

Perfil A baiana Ivete Sangalo é a personalidade da vez na série Grandes nomes, hoje, às 21h30, no Multishow, com a participação de Daniela Mercury; Bell Marques, do Chiclete com Banana; Durval Lelys, do Asa de Águia; e Saulo Fernandes, da Banda Eva, dando depoimentos sobre a colega. Às 22h30 estreia a terceira temporada de Conexões urbanas, com José Júnior, do grupo AfroReggae.

 (Multishow/Divulgação)

A infiltrada Semana agitada no Multishow. Ainda hoje a emissora estreia, às 23h, o programa Na pele. A diretora e produtora Juliana Sana (foto) encarna variados personagens, como uma boxeadora, um paparazzi à caça das celebridades e um sem-teto. Seria uma versão feminina de O infiltrado, que o jornalista Fred Melo Paiva comanda no canal History?

Caras & Bocas Simone Castro

Estado de Minas: 27/10/2013 



 (João Cotta/TV Globo)


Galã na praça

É uma cara nova na telinha. O personagem, Davi Monteiro, é um pracinha que fica paraplégico depois de lutar na 2ª Guerra Mundial, em Joia rara (Globo). O intérprete é Leandro Lima (foto), que ganha seu primeiro papel de destaque depois de breves aparições em outras produções. E já chamou a atenção de muita gente. Na trama, ele e a vedete Aurora Lincoln (Mariana Ximenes) vão se apaixonar. “Os espectadores podem esperar muito de Davi e Aurora: beijos, risadas e lágrimas”, diz o ator ao site da novela. Antes de ser escalado, Leandro estudava teatro no Instituto Lee Strasberg, em Nova York, onde conciliava os estudos e a carreira de modelo. Além disso, também é cantor e fez parte de uma banda de axé na Paraíba durante sete anos. “Agora estou aqui, feliz com o desafio”, diz ele sobre o papel na novela.

VRUM VAI MOSTRAR AS
NOVIDADES DO MERCADO


As novidades no mercado brasileiro estão na pauta do Vrum deste domingo, às 8h30, no SBT/Alterosa. A Chevrolet apresenta o novo Camaro, o Agile e uma versão do Sonic. A japonesa Nissan traz o Sentra, todo repaginado. E fique por dentro também dos lançamentos do Salão Duas Rodas.

CONFIRA AS BELEZAS DE
ALVORADA DE MINAS

O Viação Cipó desembarca hoje em Alvorada de Minas, às 10h, na Alterosa. O telespectador confere uma fazenda colonial e o modo de produção do queijo de antigamente. Acompanhe a tradição dos grupos culturais da região, o encontro de cavaleiros e a receita de uma polenta de banana.

PROGRAMA DE ROBERTO
JÁ TEM PARTICIPAÇÕES


O especial de fim de ano de Roberto Carlos, que completa 40 anos na tela da Globo, deve ser exibido na noite de Natal. Segundo o site Vírgula diversão, estão previstas as participações da cantora Anitta, do casal William Bonner e Fátima Bernardes e da atriz Tatá Werneck. A atração será gravada em 23 de novembro, no Rio de Janeiro.

CONTOS DE FADAS COM
A TURMA DO COCORICÓ

Hoje, às 15h, na Cultura, o Cocoricó conta clássicos traz mais uma adaptação dos contos de fadas tradicionais. Desta vez, a turma do paiol transforma a fábula João e Maria em “João e Mariba”, uma divertida história com tempero brasileiro. Pata Vina quer porque quer a receita que é segredo de família de Zazázilda, mãe de João e Mariba. Depois de muitas armações da vilã, os irmãos acabam presos na casa de doces, mas a tarefa não será tão fácil como ela pensava.

ESCRITOR DÁ ENTREVISTA
HOJE NO ABZ DO ZIRALDO


Um dos grandes autores contemporâneos, o escritor, ilustrador e designer gráfico pernambucano Walter Moreira Santos é o convidado do ABZ do Ziraldo deste domingo, às 12h, na Rede Minas e na TV Brasil (canal 65 UHF). Ele fala sobre o processo de criação dos seus textos e desenhos. Mais: a Cia. Teatral Crias da Casa apresenta um trecho do espetáculo musical As três Marias.

MARÍLIA GABRIELA RECEBE
O ATOR ANTÔNIO CALLONI


Marília Gabriela entrevista Antônio Calloni hoje, às 22h, no GNT (TV paga). Ele conta que iniciou a carreira no teatro ainda nos anos 1980 e já participou de mais de 40 trabalhos, envolvendo também televisão e cinema, e destaca o prêmio de melhor ator no Festival de Gramado com o filme Anjos do sol. Este ano foi destaque no filme Faroeste caboclo, baseado na música de Renato Russo. Calloni é também escritor, autor de oito livros, e considera a literatura uma profissão paralela.


MINISSÉRIE O PRIMO BASÍLIO
EM REPRISE NO CANAL VIVA

 (TV Globo/Divulgação)

Estreia, amanhã, às 23h15, no canal Viva (TV paga), a minissérie O primo Basílio, baseada no clássico de Eça de Queiroz e escrita por Gilberto Braga. A trama, dirigida por Daniel Filho, retrata a burguesia portuguesa do século 19 e tem como pano de fundo uma traição, fruto de um amor proibido, que culmina em uma tragédia. É um triângulo amoroso formado por Luísa (Giulia Gam), que na adolescência namora seu primo Basílio (Marcos Paulo), mas, depois de um longo tempo de afastamento, ela se casa com o engenheiro Jorge (Tony Ramos, foto, esq). No elenco também estão, entre outros, Marília Pêra, Zilka Salaberry, Beth Goulart e Fábio Sabag.

Quase indomável - Carolina Braga

Considerado um dos principais guitarristas da história da MPB, Lanny Gordin nunca foi à escola de música. O artista criou seu próprio estilo e assume o adjetivo de emblemático


Carolina Braga

Estado de Minas: 27/10/2013 



Lanny Gordin, músico (Túlio Santos/EM/D.A Press  )
Lanny Gordin, músico


A imagem do senhor introspectivo, aparentemente calmo, muito concentrado na guitarra não é o que poderia se imaginar de Lanny Gordin. Quando pensamos no nome ligado à Tropicália, instrumentista que teve acordes gravados por Jards Macalé, Gal Costa, Gilberto Gil – só para citar os mais veteranos –, poderíamos até esperar uma postura mais robusta, visceral. É o contrário.

Aos 61 anos, Gordin fala baixo e com dificuldade. Consequência dos problemas de saúde que enfrenta desde a década de 1970. As histórias dele envolvendo abuso de LSD e internações em sanatórios contribuem para reforçar a fama de gênio indomável. De perto não é bem assim.

 “Toquei, toquei, toquei não parei mais”, diz. Não à toa é considerado pela crítica especializada como um dos principais guitarristas da história da música brasileira. O adjetivo “emblemático” é facilmente empregado a ele. “Recebo com a maior honra. Fico muito feliz de ser o guitarrista emblemático da sociedade brasileira”, brinca.

 Filho de pai russo e mãe polonesa, Alexandre Gordin nasceu em Xangai, na China, em 28 de novembro de 1951. Viveu um período em Israel antes de se mudar para o Brasil com a família. O pai era dono da casa noturna paulistana Stardust, por onde começou a carreira. Um dos momentos marcantes do início foi a participação no show de Wanderleia, ainda na década de 1960.

“Como estava muito cru, comecei o show tocando no máximo volume. Toquei uma posição só, não sabia mais nada. No fim, um pessoal chegou para a Wanderleia e falou: ‘Você é maravilhosa, canta muito bem, é divina e tal, mas manda aquele rapazinho abaixar a guitarra um pouco que não estamos aguentando mais’. No outro dia, ela me despediu”, lembra.

Depois da breve experiência com a moça da Jovem Guarda, Lanny Gordin juntou-se ao Brazilian Octopus, de Hermeto Pascoal. “Aprendi muita coisa com ele e fui me entrosando. Comecei a ficar cada dia melhor”, diz. Foi pelo empenho e pela qualidade que já apresentava que um dia foi convidado para ir à casa de Gilberto Gil. Quem o chamou foi Tony Osanah, integrante argentino dos Beat Boys, surpreso com o som que Lanny conseguia tirar.

Daquele momento o guitarrista se lembra da imagem de Gilberto Gil abrindo a porta. “Ele nos atendeu com o cabelo blackpower, uma bata indiana, super-hippie. Toquei com ele uns 20 minutos e aí ele falou: ‘Você é o guitarrista que a gente estava procurando para entrar no nosso grupo’”, recorda. Daquela época, Lanny gravou as guitarras em pelo menos quatro álbuns de Gal Costa, entre eles o antológico Fatal – a todo vapor. Com Caetano Veloso esteve no famoso Álbum branco, além de outros dois de Gil: Gilberto Gil 1969 e Expresso 2222.

Fora da Tropicália, tocou com Jards Macalé, Erasmo Carlos, Antônio Carlos & Jocáfi, Elis Regina, Tom Zé e Jair Rodrigues. “Hoje, eu me sinto muito amadurecido. Passei por tudo isso e cheguei à conclusão de que o importante na vida é muito simples. Acredito na lei da evolução. Qualquer ser humano vai chegar a ponto de realização espiritual, que vai para onde quiser”, divaga. “Hoje, me considero um guitarrista que cumpriu a missão.”

Inspiração Lanny Gordin nunca frequentou escola de música. “Criei meu estilo com o talento que Deus me deu. Foi uma espécie de inspiração que tive a todo momento. Não copiei ninguém e isso me tornou um guitarrista muito original”, diz. Segundo ele, também nunca se permitiu acomodar na criação, mesmo nos períodos de surto.

“Todo dia toco lá em casa”, conta. A moda agora é praticar uma nova técnica com liberdade total para o braço. Detalhes dessa invenção ele prefere manter em segredo. “Estou inventando da minha cabeça. Vamos ver o que vai pintar por aí. Pretendo gravar mais alguns discos. Planejo fazer um novo trio de guitarras. Vamos fazer shows por aí”, anuncia. O disco mais recente foi Auto-hipnose (2010) do projeto Kaoll & Lanny Gordin, distribuído pelo selo Baratos e Afins.


Participação em outros discos

• Brazilian octopus (1968)
• Gilberto Gil (1969)
• Le Gal (Gal Costa) (1969)
• Erasmo Carlos (1971)
• Gal a todo vapor (Gal Costa) (1971)
Expresso 2222 (Gilberto Gil) (1972)
• Jards Macalé (1972)
• Araçá azul (Caetano Veloso) (1972)
• Build up (Rita Lee) (1972)
• Aguilar e a banda Performática (1982)
• Aos vivos (Chico César) (1995)
• Vange Milliet (1995)
• Cuscuz clã (Chico César) (1996)
• Catatau (1997)
• O Q faço é música (Jards Macalé) (1998)

Papo reto de Zuza - Carlos Herculano Lopes

Ex-menina de rua, Maria de Jesus da Silva lança Divã de papel, que expõe suas memórias sem espaço para lamentações. Livro já foi objeto de estudos universitários no Brasil e no Canadá



Carlos Herculano Lopes


Estado de Minas: 27/10/2013 



Hoje trabalhando como manicure, Zuza conta sem rodeios as dificuldades por que passou e sua luta para superar as adversidades sem perder o prazer de viver (Ângelo Pettinati/Esp. EM/D.A Press)
Hoje trabalhando como manicure, Zuza conta sem rodeios as dificuldades por que passou e sua luta para superar as adversidades sem perder o prazer de viver

No primeiro capítulo de Divã de papel, como porta de entrada para o que vem em seguida, Maria de Jesus da Silva, a Zuza, dá voz à irmã, Veva, que, numa sinceridade desconcertante vai narrando, passo a passo e sem cair na lamúria, como se deu a traumática vinda da família para Belo Horizonte. No fim dos anos 1950, depois de amargar a miséria em Guanhães, no Vale do Rio Doce, a mãe, abandonada pelo marido, partiu de jardineira para tentar a vida na capital com seus oito filhos.

O espaço aberto para a irmã, que era a mais velha dos filhos de um casal de lavradores, é explicado pelo fato de que, à época da mudança, Zuza tinha apenas 11 meses. Daquela fase, a mulher de olhar determinado diz não se lembrar de nada. “Nunca mais voltei a Guanhães, nem tenho vontade. Foi sofrimento demais para a minha família”, diz.

Toda a história de vida de Zuza, com tantos e inacreditáveis desdobramentos, nos quais vai sendo mostrada uma trajetória de pobreza que o Brasil, desde sempre, faz questão de ignorar ou jogar para debaixo do tapete, está contada em Divã de papel, que a escritora lança terça-feira em Belo Horizonte. Sem forçar comparações, é uma saga parecida com a de dois outros brasileiros vindos da pobreza e que conseguiram documentar suas vidas em palavras: a escritora Carolina Maria de Jesus, autora de Quarto de despejo, e o contador de histórias Roberto Carlos Ramos.

A história de Maria de Jesus, ex-menina de rua que aos 4 anos foi jogada num orfanato, para sair aos 14 e voltar para a dura realidade das ruas e favelas de Belo Horizonte,  começou a ser registrada quando, no seu trabalho como manicure, ficou conhecendo Vera Lúcia Felício Pereira. Impressionada com os relatos de Zuza, enquanto esta ia fazendo suas unhas, a professora de literatura da PUC Minas conta que um dia não resistiu e entregou a ela alguns cadernos e disse: “Exijo que escreva suas histórias”.

Qual não foi a sua surpresa quando, alguns meses depois, recebeu os cadernos recheados de textos escritos à mão e que, levados por ela para a universidade, logo chamaram a atenção de professores e alunos, a ponto de a professora Ivete Walty ter feito dos relatos de Zuza o tema do seu pós-doutorado. Apresentado na Universidade de Ottawa, no Canadá, com o título de Testemunha estomacal, fome e escrita, o texto vem em anexo no livro.

“As memórias de Zuza não são apenas suas confissões e reflexões pessoais, são o testemunho de alguém que resistiu à fome, com outra fome; não só a de ganhar dinheiro, como ela mesma diz, mas a fome de viver, ou mais do que isso, a de viver com o outro e para o outro”, escreveu. O livro foi também motivo de estudo feito pela professora Vera Felício Pereira e de dissertação de mestrado de Gislene Ferreira da Silva. O jornalista Rogério Zola Santiago auxiliou a escritora na montagem final do livro.

Cabeça de porco Reconhecimento acadêmico à parte, quem se lançar à inesquecível e triste aventura de ler o livro de Zuza – que se hoje não tem muita coisa além de casa própria, em Venda Nova, e uma disposição incrível para o trabalho – vai se encantar com a história de uma mulher rica em relação à realidade vivida na infância e adolescência. Algumas passagens são surpreendentes. Numa das mais terríveis de Divã de papel, que daria uma ótima minissérie ou documentário para TV, a autora volta ao Mercado Central de Belo Horizonte, no qual às vezes a família ia revirar lixo ou tentar encontrar algo para matar a fome.

É o seguinte o relato de Zuza: “Eu estava procurando algo para colocar na minha latinha, quando vi ou ouvi algo que me chamou a atenção. Sabe, estava acontecendo uma disputa entre minha mãe e outros pedintes. Nós todos corremos para ver de perto, estavam disputando uma cabeça de porco. Minha mãe puxava pra cá e a dona puxava pra lá, a disputa estava feia, minha mãe sozinha. Mas surgimos todos nós ao mesmo tempo e fomos ajudar a nossa mãe, a nossa turma era mais esperta e ganhamos a disputa. Ela guardou a cabeça do porco na sacola e saímos dali urgente, cada um por um caminho”.

Igualmente comoventes são as páginas que Veva, na abertura do livro, e Zuza, em outros capítulos, dedicam a uma de suas irmãs, Conceição. Alegre, despachada e líder da turma, também no primeiro momento internada no orfanato, no qual nunca conseguiu se adaptar, um dia ela simplesmente desapareceu, depois de ter ido à procura de um namorado. Nunca mais tiveram notícias dela, sendo esse, até hoje, um dos maiores traumas da família. No final do depoimento, Veva registra: “Conceição, eu não tenho mais o que falar, só tenho que chorar porque nada está ao meu alcance, pois só existe esperança enquanto há vida. Paro por aqui e deixo o resto para a minha irmã desabafar no seu divã”.

Além dos desabafos, que faz desse livro um documento impressionante, mas nem por isso amargurado, Zuza narra passagens alegres, como a sua ligação com a Escola de Samba Cidade Jardim e o seu amor pelo carnaval. Sem deixar de lado a política: ela foi candidata a vereadora de BH pelo Partido Verde, recebendo 300 votos. Em outros momentos, mesmo discretamente, fala ainda de alguns amores, afinal de contas ninguém é de ferro. Para concluir com as seguintes palavras: “Aqui não tem uma mentira, não tem ficção, é tudo realidade, pode botar fé em minha escrita terapêutica. Tenho 63 anos de janela e 106 de experiência”.
 (Anome Livros/Reprodução)

Divã de papel
• De Maria de Jesus da Silva, a Zuza
• Anome Livros, 418 páginas, R$ 40
• Lançamento terça-feira, a partir das 18h30, na Academia Mineira de Letras, Rua da Bahia, 1.466. Informações: (31) 3222-5764.


Outros tempos

Em 1960, um livro escrito em primeira pessoa por uma mulher que vivia numa favela de São Paulo sacudiu a literatura brasileira. Quarto de despejo – Diário de uma favelada, despertou grande interesse por sua autora, Carolina Maria de Jesus, mineira de Sacramento, nascida em 1914, que se mudou para São Paulo em 1947. Além de descrever com força e crueza o dia a dia de comunidades pobres da metrópole, Carolina foi considerada uma das pioneiras da escrita feminina no Brasil. Quarto de despejo foi traduzido para 13 idiomas e adaptado para o cinema, TV e teatro. Carolina Maria de Jesus morreu em 1977.



Três perguntas para...

Maria de Jesus da Silva
Escritora

O que ficou para você de toda essa história de vida?

Disso tudo me ficou um aprendizado muito grande, mas não ficou revolta, porque consegui, graças à minha luta, transformar o limão em limonada e o sofrimento em graça.

Você chegou a estudar?

É claro que no orfanato aprendi alguma coisa, apesar da grande discriminação que eu e minhas irmãs sofremos, pelo fato de sermos negras. No mais, fui me virando por mim mesma. Na vida, a gente aprende a caminhar no amor ou no sofrimento. No meu caso, foi na dor e nos tropeços.

No livro você contou tudo?
Digamos que quase tudo. Só algumas coisinhas que não. Afinal de contas, todos nós temos segredos, que são inconfessáveis, e que devem ser levados para o túmulo.

Varicocele mexe com a fertilidade masculina‏

Varicocele mexe com a fertilidade masculina Doença que atinge testículos é como as varizes nas pernas: há dilatação da veia na região e represamento do sangue 

Augusto Pio

Estado de Minas: 27/10/2013





Mais de 60 milhões de pessoas na faixa dos 18 aos 35 anos sofrem  algum problema de fertilidade, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). No Brasil, embora não usem métodos anticoncepcionais, 2 milhões de brasileiros não conseguem ter filhos depois de um ano de relações sexuais com o mesmo parceiro. Entre os homens, uma das principais causas da queda da fertilidade é a varicocele, doença que se caracteriza pela dilatação das veias dos testículos, processo semelhante ao das varizes. Isso ocorre porque o sangue fica represado ao redor dos testículos, ocasionado o aumento da temperatura no local e prejudicando o processo de formação dos espermatozoides. “Além disso, o sangue retido leva a um aumento de algumas substâncias tóxicas e, consequentemente, à diminuição da produção, movimentação e funcionamento dos espermatozoides”, explica o urologista Sílvio Pires, de São Paulo.

O que ocorre durante o processo da doença é uma insuficiência das veias de drenagem dos testículos, que leva a um represamento sanguíneo e à dilatação venosa. O especialista diz que estima-se que a doença atinja cerca de 20% dos homens no mundo inteiro. “Por isso, o diagnóstico precoce é importante, uma vez que o aparecimento da varicocele se dá entre os 14 e 15 anos de idade”, alerta.


O urologista mineiro Tácito Ferreira Guimarães acrescenta que há três tipos da varicocele. “A patologia é classificada em três graus: grau I (as veias ainda são pequenas e palpáveis com a manobra de aumento da pressão abdominal), grau II (moderadas e palpáveis facilmente sem esta manobra) e grau III (detectadas por visualização). Não existe uma causa bem definida. Acredita-se que a angulação da veia gonadal esquerda na artéria renal e ausência de válvulas sejam fatores facilitadores do surgimento da varicocele. A tendência da doença é de progredir para um grau mais acentuado. Ela é rara em crianças, e normalmente surge na adolescência”, acrescenta.


Sílvio Pires diz que no primeiro estágio a varicocele é pequena, sendo palpável apenas com o aumento da pressão abdominal. “No segundo, ela é facilmente palpável, e no terceiro estágio, se torna palpável e visível. Ela se forma quando as válvulas de dentro das veias do cordão espermático impedem que o sangue flua adequadamente. Isso faz com que o sangue retroceda, causando inchaço e alargamento das veias. A doença, apesar de não provocar queixa na maioria dos casos, pode trazer dor no escroto, atrofia dos testículos e diminuição da fertilidade”, explica. Vale ressaltar que nem todo homem infértil tem varicocele, e nem todo portador da doença é infértil.


Pires acrescenta que a varicocele é uma doença genética e ocorre devido à falência ou deficiência das válvulas da veia testicular. “Quando o sangue circula perfeitamente nessa área, ele passa pelas válvulas e elas se fecham para que o líquido não retorne. Mas quando está deficiente, gera acúmulo de sangue nos testículos, forçando de maneira acentuada as veias e provocando a dilatação”.


Por isso é importante que o homem faça o autoexame do saco escrotal. “Ele deve procurar observar a diminuição do tamanho de um dos testículos, sobretudo, o do lado esquerdo, que, por uma questão anatômica, é o mais acometido pela doença. Ficar atento ao surgimento de nódulos e dilatações anormais das veias dos testículos, assim como realizar visitas periódicas ao especialista, são hábitos preventivos.” Os exames que auxiliam o diagnóstico são a ultrassonografia, a ecografia testicular e a cintilografia dos testículos.


Sobre o tratamento, o urologista explica que o uso de um suspensório escrotal e medicamentos por via oral podem melhorar os sintomas, porém, se for comprovada a relação da doença com a infertilidade a cirurgia denominada varicectomia, é indicada. “Há a cirurgia aberta; a cirurgia laparoscópica, com anestésico local; e a embolização de varicocele, procedimento semelhante a um cateterismo.”
 
Infertilidade Tácito Guimarães esclarece que a varicocele não causa ejaculação precoce nem impotência sexual. “O tratamento é indicado quando a doença é de moderada a acentuada e há infertilidade por alteração do líquido seminal, dor crônica no testículo e redução do tamanho do testículo.”


Embora a varicocele não seja considerada uma doença grave, pode levar à infertilidade. Se for diagnosticada precocemente e tratada adequadamente, com acompanhamento médico, não oferece riscos graves ao paciente. A doença surge na maioria dos casos na adolescência, sendo que o pico de incidência é até os 25 anos. “A doença tem cura. É importante ressaltar que pacientes tratados cirurgicamente, mas que não tiveram melhora, devem ser referenciados para a reprodução assistida caso desejem ser pais”, diz Sílvio Pires.



Definição
Termo usado pelos médicos para descrever a dilatação das veias que drenam o sangue venoso dos testículos. Pode-se dizer que a varicocele é a formação de varizes dentro da bolsa testicular. O lado mais afetado é o testículo esquerdo, porém, frequentemente, é bilateral, ou seja, acomete ambos os testículos. 


Número
1/4 dos         adolescentes     tem varicocele


Sintomas
Como o processo é lento e gradual, geralmente não há sintomas, e como o adolescente dificilmente procura um urologista, o diagnóstico somente será feito na fase adulta, por volta dos 35 anos.


Como ocorre o processo

Todas as partes do corpo recebem sangue arterial, que vem direto do coração e é rico em oxigênio. Depois de esse sangue passar por determinada estrutura ou órgão, ele perde oxigênio e ganha gás carbônico, recebendo  o nome de sangue venoso, que precisa voltar ao coração para, em seguida, ser enviado aos pulmões, receber novo oxigênio e recomeçar o ciclo novamente.


Quando o sangue arterial sai do coração em direção ao testículo, ele percorre um trajeto de descida e tem a força da gravidade a seu favor. O sangue arterial atinge o testículo com facilidade e pouco esforço. Mas quando o sangue venoso deixa o testículo e procura chegar até o coração, esse é um trajeto longo, quase vertical e totalmente contra a força da gravidade. O organismo tem que lançar mão de vários mecanismos.


Além disso, à medida que nos desenvolvemos, a massa muscular aumenta, assim como a pressão sobre o abdômen, dificultando ainda mais o retorno do sangue venoso.


Para ocorrer a varicocele, basta apenas que as válvulas que existem nas veias se tornem insuficientes. O sangue venoso voltará para o testículo e será acumulado ao redor dele em forma de varizes.



Tratamento

Não há tratamento com medicamentos. O procedimento é cirúrgico e visa a ligadura dos vasos (amarração) via microscópio. É uma técnica minimamente invasiva, feita com anestesia geral, e leva em média duas horas. Deve ser feita por profissional habilitado em treinamento microscópico. 


SeqUelas

Diminuição da massa muscular     nos testículos (especialmente     do lado esquerdo)
Menor produção e qualidade inferior de espermatozoides
Infertilidade masculina

Cuidados ao fazer plástica‏

Operar por modismo ou para agradar os outros não é boa ideia



Alexandre Meira - Cirurgião plástico do Hospital Mater Dei, preceptor de residência médica do Hospital Universitário São José e Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig)


Estado de Minas: 27/10/2013 


Nos dias atuais, em que a exigência do bem-estar e do belo visual se tornam cada dia mais importantes em nossas vidas, a cirurgia plástica registra aumento de procedimentos significativo a cada ano. Difícil achar quem nunca fez e, se ainda não a fez, gostaria de fazer. Aí se iniciam as dúvidas de cada um: riscos, o que fazer, se vale ou não a pena, onde e com quem operar. Em primeiro lugar, deverá fazer uma cirurgia estética aquela pessoa que se sente realmente incomodada com algumas de suas características, o que não implica obrigatoriamente em ser um defeito. Saúde é o bem-estar físico, social e emocional. A “doença” a ser tratada dessa pessoa está em cuidar de seu bem-estar social e emocional. Não opere por modismo, não opere para agradar aos outros, não opere seu corpo para resolver outros problemas que não o desconforto com a parte do corpo que realmente incomoda.

Segundo: achar o médico para operar você. Sem dúvida, cirurgia estética deve ser realizada por um cirurgião plástico, que, obrigatoriamente, deverá estar ligado à Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (www.cirurgiaplastica.org.br). Esse profissional deverá ter feito dois anos de cirurgia geral e mais três de cirurgia plástica e ter sido submetido a uma prova para obter o título de especialista em cirurgia plástica. O profissional, além da formação técnica, deve ter formação nos aspectos psicossociais e humanos que envolvem a cirurgia estética e deverá ter capacidade suficiente para, junto ao paciente, avaliar suas queixas e analisar o que poderá e deverá ser feito. Isso é muito importante, pois observamos que muitas queixas no pós-operatório estão relacionadas à insatisfação com os resultados, que muitas vezes estão bons, mas insuficientes dentro daquilo que o paciente desejava e esperava. Isso somente poderá ser prevenido com uma orientação adequada e bem entendida pelo paciente no pré-operatório, orientando sobre o biótipo de cada pessoa, características da pele, cicatrizes, limitações das próprias técnicas cirúrgicas. Enfim, informações completas e verdadeiras para que o paciente não seja iludido com possibilidades e resultados milagrosos, o que realmente o deixará infeliz posteriormente caso esse “milagre” não seja alcançado. O cirurgião plástico, que deverá ser o avaliador e sabedor de tudo isso, será o responsável por todo esse esclarecimento, pois é normal e comum o paciente chegar ao consultório do cirurgião muitas vezes com sonhos fora da realidade. Isso deverá ser avaliado e ponderado antes da cirurgia. Depois de feita, não há volta. 

Enfim, onde operar. O ambiente deverá ser hospitalar, seja um hospital propriamente dito ou uma clínica que tenha centro cirúrgico com toda a estrutura hospitalar para atendimento de qualquer intercorrência. Jamais em um consultório médico ou clínica que não tenha a estrutura básica exigida pelos padrões do Conselho Federal de Medicina e Vigilância Sanitária. Muitíssimo importante também o acompanhamento sempre do anestesista, profissional que deverá fazer a avaliação pré-anestésica, acompanhar o paciente durante toda a cirurgia e nas primeiras horas do pós- operatório na sala de recuperação pós- anestésica. Cabe ao cirurgião assistente ponderar junto ao paciente em que ambiente deverá realizar a sua cirurgia, levando em consideração os fatores de riscos do próprio paciente, o tamanho da cirurgia, equipe disponível e também onde o paciente e seus familiares se sentirão mais seguros.