terça-feira, 4 de junho de 2013

Como identificar o cérebro de um assassino

TIM ADAMS

DO "OBSERVER"

Em 1987, Adrian Raine, que se descreve como um neurocriminalista, mudou-se da Grã-Bretanha para os Estados Unidos. Duas coisas motivaram essa migração. A primeira foi a sensação de estar dando cabeçadas numa parede. Raine, que cresceu em Darlington e hoje é professor da Universidade da Pensilvânia, pesquisava a base biológica do comportamento criminoso, o que, ecoando a eugenia nazista, era talvez o maior tabu de todas as disciplinas acadêmicas.
Na Grã-Bretanha, só se admitia que a criminalidade tivesse causas sociais e ambientais, como resultado de uma educação perturbada ou miserável, em vez de ser um destino genético. Sugerir o contrário, como Raine sentia-se compelido a fazer, tendo sido aluno de Richard Dawkins e se convencido da "influência completa da evolução sobre o comportamento", era se condenar à ausência de financiamento.
Nos EUA, parecia haver mais abertura a essa questão e, consequentemente, mais dinheiro para explorá-la. Havia também outra boa razão pela qual Raine se dirigiu inicialmente para a Califórnia: havia mais assassinos para estudar do que na sua terra.
Quando Raine começou a fazer tomografias cerebrais de homicidas em prisões americanas, ele estava entre os primeiros pesquisadores a aplicarem a ciência dos exames cerebrais por imagem à criminalidade violenta. Seu estudo mais abrangente, em 1994, foi ainda necessariamente com uma amostra pequena. Ele conduziu exames de tomografia por emissão de pósitrons (PET) em 41 assassinos condenados, e os comparou com um grupo de controle "normal" que tinha 41 pessoas com idades e perfis semelhantes.
Por mais limitado que fosse o controle, as imagens coloridas, que mostravam a atividade metabólica em diferentes partes do cérebro, pareciam comparativamente surpreendentes. Os cérebros dos homicidas demonstravam, em especial, o que parecia ser uma redução significativa no desenvolvimento do córtex pré-frontal, a "função executiva" do cérebro, em comparação ao grupo de controle.
Os avanços no entendimento da neurociência sugeriram que tal deficiência resultaria em uma maior propensão a diversos comportamentos: menor controle sobre o sistema límbico, que gera emoções primais como a raiva; maior risco de dependências; redução do autocontrole; e dificuldades para a solução de problemas --todos eles fatores que podem predispor a pessoa à violência.
Mesmo há duas décadas, no entanto, essas eram conclusões difíceis de publicar. Quando Raine apresentou um estudo bem menos polêmico a uma revisão por pares, em 1994, mostrando que uma combinação de complicações no parto e de rejeição materna a recém-nascidos tinha correlação significativa com o fato de os indivíduos se tornarem criminosos violentos 18 anos depois, o trabalho foi denunciado como sendo "racista e ideologicamente motivado". Para a revista "Nature", isso era simplesmente mais uma prova de que "o alarido em torno das tentativas de encontrar causas biológicas para problemas sociais irá continuar".
Da mesma forma, há 15 anos, a pedido do seu amigo Jonathan Kellerman, psicólogo infantil e escritor policial, Raine montou uma proposta para um livro a respeito de algumas descobertas cientificas suas, mas nenhuma editora quis chegar nem perto. Aquele livro, "The Anatomy of Violence" [A anatomia da violência], um relato equilibrado, baseado em evidências e cuidadosamente provocativo sobre os 35 anos de estudos de Raine, só agora foi lançado.
A razão para essa demora parece radicar em inimizades ideológicas. Apesar de todo o rigor de Raine, sua disciplina de "neurocriminalística" continua manchada, para alguns, pela associação com a frenologia do século 19, a crença de que o comportamento criminoso deriva de uma organização cerebral defeituosa, que seria evidenciada pelo formato do crânio.
A ideia foi inicialmente proposta pelo tristemente famoso Franz Joseph Gall, que dizia ter identificado "órgãos" cerebrais atrofiados ou hipertrofiados que dariam origem a um caráter específico: o órgão da destruição, da cobiça e assim por diante, que eram reconhecidos pelo frenologista por saliências na cabeça. A frenologia teve ampla influência sobre o direito penal nos EUA e na Europa em meados do século 19, e foi muitas vezes usada para sustentar grosseiros estereótipos raciais e classistas acerca do comportamento criminoso.
O polêmico pensamento foi ainda mais desenvolvido em 1876 pelo cirurgião italiano Cesare Lombroso, após autopsiar um estuprador e homicida contumaz. Lombroso descobriu uma parte vazia no cérebro do assassino, onde deveria ficar o cerebelo, e a partir disso propôs que criminosos violentos são uma regressão a tipos humanos menos evoluídos, novamente identificáveis por características físicas simiescas. A manipulação política de tais hipóteses no movimento eugenista acabou fazendo com que toda a teoria fosse proscrita e desacreditada.
Por isso, depois da Segunda Guerra Mundial o comportamento criminal passou a ser atribuído a fatores econômicos e políticos, ou a perturbações psicológicas, mas não à biologia. Mas, graças a avanços na genética e na neurociência, esse consenso está cada vez mais frágil, e as implicações desses avanços científicos para o direito --e para conceitos como a culpabilidade e a responsabilidade-- só agora começam a ser testadas. Raine se baseia em uma série de estudos que mostram as ligações entre o desenvolvimento cerebral em particular --e por extensão as lesões e deficiências cerebrais-- e a violência criminal.
Advogados de defesa, especialmente nos EUA, estão usando tomografias e a neurociência como provas atenuantes em julgamentos de crimes sexuais ou violentos. Nesse sentido, Raine acredita que já passa da hora de acontecer um debate público adequado sobre as implicações da sua ciência.
Parte do que atraiu Raine para essa disciplina foi a sua própria origem. No processo de fazer tomografias dos seus homicidas, Raine também examinou seu próprio perfil PET e concluiu, com certo alarme, que a estrutura do seu cérebro parecia partilhar de mais características com os homicidas psicopatas do que com o grupo de controle.
Ele ri rapidamente quando lhe pergunto como se sentiu com a descoberta. "Quando você tem uma tomografia cerebral que se parece com a de um 'serial killer', isso lhe faz parar para pensar", diz ele. E havia outros fatores: ele sempre teve um batimento cardíaco notavelmente baixo (o que sua pesquisa demonstra ser um indicador mais real sobre a capacidade para a violência do que, por exemplo, o tabagismo em relação ao câncer pulmonar).
ALARME
Ele sofria na infância com lábios rachados, indício de deficiência de riboflavina (outro marcador); ele nasceu em casa, e foi um bebê azul, todos esses fatores envolvidos em dificuldades de desenvolvimento que poderiam fazer soar um alarme para o próprio autor da pesquisa.
"Então", disse ele, "eu estava no espectro. E na verdade tive alguns problemas. Fui levado ao hospital aos 5 anos para uma lavagem estomacal, porque eu havia bebido muito álcool. Dos 9 aos 11, fui bastante antissocial, estive numa gangue, fumando, furando pneus de carros, incendiando caixas de correio e brigando muito, embora eu fosse bastante pequeno. Mas nessa idade eu de alguma forma esgotei isso. Aos 11 anos mudei de escola, me tornei mais interessado nos estudos e realmente virei um garoto diferente. E, no entanto, quando estava me formando e pensando no que iria pesquisar, olhei para os ensaios que havia escrito, e um dos melhores era sobre a biologia dos psicopatas; acho que fiquei fascinado com aquilo, em parte, porque sempre me perguntei sobre aquele comportamento inicial em mim mesmo".
Quando Raine começou a explorar mais o assunto, ele começou a examinar as razões que o levaram a se tornar um pesquisador da criminalidade violenta, e não um criminoso violento (recentes estudos sugerem que sua biologia poderia tê-lo impulsionado igualmente para outras carreiras --especialista em desativação de bombas, executivo de empresa ou jornalista-- que tendem a atrair indivíduos com esses traços "psicopatas").
Apesar da sua estrutura cerebral incomum, ele não tinha o QI baixo que muitas vezes é aparente em assassinos, nem qualquer disfunção cognitiva. Ainda assim, à medida que passava quatro anos entrevistando pessoas em prisões, muitas vezes ele pensava: o que me impediu de estar no outro lado das grades?
A biografia de Raine, portanto, era um bom corretivo para a ideia sedutora de que nossa biologia é o nosso destino, e que uma tomografia cerebral pode nos dizer quem somos. Embora ele acumule evidências de que as pessoas não são os agentes racionais e livres-pensadores que gostam de se imaginar --totalmente liberadas das limitações impostas pela nossa herança genética e por nossa neuroanatomia peculiar--, ele nunca se esquece dessa lição.
Permanece, no entanto, a seguinte dúvida: se esses "biomarcadores" existem e exercem uma influência --e você começa a ver as evidências como indiscutíveis--, então o que devemos fazer a respeito?
Talvez não devêssemos fazer nada, simplesmente ignorá-los, presumir, quando se trata de crimes, que cada indivíduo tem praticamente o mesmo cérebro, a mesma capacidade de fazer escolhas morais, como tendemos a fazer agora. Como sugere Raine: "O sociólogo diria que se nos concentrarmos nessas coisas biológicas, ou mesmo se as admitirmos, estaremos imediatamente tirando os olhos de outras causas do comportamento criminoso --pobreza, bairros ruins, má nutrição, falta de educação e assim por diante. Tudo o que precisa mudar. E essa preocupação é correta. É por isso que os cientistas sociais há tanto tempo lutam contra essa ciência".
A implicação da neurocriminalística, porém --onde ela difere da grosseira rotulagem da frenologia, digamos--, é que a opção que ela apresenta não é um "ou/ou" entre criação e natureza, e sim um entendimento mais complexo de como a nossa biologia reage com o seu ambiente. Lendo o relato de Raine sobre as pesquisas mais recentes acerca dessas reações, ainda me parece bastante novo e surpreendente que os fatores ambientais alterem a estrutura física do cérebro.
Tendemos a falar do desenvolvimento de uma criança em termos de ideias mais esotéricas a respeito da mente do que de estruturas cerebrais materiais, mas quanto mais você olha para os dados, mais claro fica que abusos, negligências, desnutrição e consumo de álcool e tabagismo pré-natais têm um efeito real sobre a formação ou não dessas conexões neurais saudáveis --que levam a um comportamento associado à maturidade, ao autocontrole e à empatia. A ciência disso se chama epigenética, a forma como o nosso ambiente regula a expressão do nosso código genético inato.
Um resultado da epigenética pode ser, sugere Raine, que "os cientistas sociais podem na verdade ganhar com isso". "Quero dizer: se uma criança experimenta um homicida no seu bairro, descobrimos que suas notas em testes sobre diversas medições caem. Há algo acontecendo no cérebro como resultado dessa experiência de violência que afeta a cognição. Então os cientistas sociais podem pegar o seu bolo e comê-lo. Eles podem dizer: olha, podemos provar que esses fatores socioambientais estão causando deficiência cerebral, o que leva a alguns problemas reais e mensuráveis."
Uma dificuldade em abraçar essa ideia "epigenética" de crime é até que ponto esses fatores devem ser levados em conta nos tribunais. Já houve nos últimos anos vários casos importantes em que distúrbios neurológicos específicos, causados por golpes no crânio ou tumores não detectados, resultaram em alterações defensáveis no caráter e comportamento --e o crime sexual ou violento é atribuído ao distúrbio, e não ao indivíduo.
Na maioria desses casos, promotores têm argumentado que os exames cerebrais por imagens são prejudiciais, que as fotos vivamente coloridas são convincentes demais para um júri, e mais emocionais do que científicas. Mas se os exames neurológicos se tornarem mais rotineiros, e se a neurociência se tornar mais precisa, não chegará o momento em que a maioria dos comportamentos violentos --dos autores do atentado de Boston, digamos, ou do assassino de Newtown-- será desqualificada nos tribunais como uma doença, em vez de um crime?
Raine acredita que isso pode acontecer. Ele inclusive compara essa tendência à nossa mudança na percepção do câncer, até bem recentemente visto com frequência como "culpa" do paciente, por causa de algum traço de caráter repressivo. "Se comprarmos o argumento de que para algumas pessoas fatores fora do seu controle, fatores na sua biologia, aumentam enormemente o risco de que eles se tornem infratores, podemos com justiça fazer vista grossa a isso?", pergunta Raine.
"É realmente culpa do bebê inocente cuja mãe fumou muito na gravidez que ele tenha acabado cometendo crimes? Ou se ele apanhava de todo mundo, ou mesmo se ele nasceu com um batimento cardíaco basal anormalmente baixo, com que rigor devemos puni-lo? Até que ponto devemos dizer que ele é o responsável? Há, e cada vez mais haverá, um argumento que diz que ele não é plenamente responsável, então, quando passamos a pensar em punição, não deveríamos estar pensando em instituições mais benignas do que a prisão?"
Mas aí surge outro pensamento, o de que, se começarmos a ver a criminalidade como uma doença biológica, como fica o conceito de justiça retributiva?
O próprio Raine teve de confrontar esse dilema quando foi vítima de um crime violento. Como ele conta em seu livro, durante férias na Turquia, há alguns anos, um assaltante entrou no seu quarto e, na luta subsequente, tentou cortar a garganta de Raine com uma faca. Ele rechaçou o agressor, mas, quando na manhã seguinte foi apresentado pela polícia a dois possíveis suspeitos, ele admitiu ter não só escolhido o que tinha mais aparência de assaltante [o homem depois confessou o crime, sob pressão], como também desejado infligir a ele o mesmo terror que ele próprio havia sentido.
"Não me orgulhei de descobrir que eu era um pouco Jekyll e Hyde --talvez nessa situação todos nós sejamos", diz Raine quando pergunto sobre a sua reação. "O Dr. Jekyll racional sabia que se eu pegasse a tomografia cerebral desse homem e descobrisse que ele tinha disfunção pré-frontal, baixo batimento cardíaco basal e um histórico de negligência, aí é claro que eu deveria quebrar o galho dele. Com a compreensão vem a misericórdia.
Mas o Mr. Hyde, a voz emotiva na minha cabeça, não estava dizendo nada disso: ele estava dizendo: ele cortou minha garganta, eu quero cortar a dele. Esse fato me fez mudar de alguém incondicionalmente contra a pena de morte para alguém que não seria descartado de um júri em um caso capital nos EUA. Acho agora que minha mente irá sempre ir e voltar para isso, a compreensão científica das causas do crime versus ser um humano na sociedade com todas essas reações viscerais a pessoas que cometem crimes horríveis."
Se a neurociência desperta tantas perguntas quanto respostas sobre a culpabilidade depois que um crime foi cometido, qual seria seu papel na prevenção criminal? Aqui, as questões parecem igualmente complicadas.
Uma delas foi formulada há um par de anos pelo arqui-inquisidor Jeremy Paxman a Shami Chakrabarti, diretor da ONG Liberty, no "Newsnight": "Se a ciência conseguisse prever com 100% de certeza quem iria cometer um crime violento, seria legítimo agir antes que cometessem esses crimes?".
Chakrabarti não teve dúvidas: "Eu deveria dizer que numa sociedade liberal de seres humanos, não animais, minha resposta à sua pergunta seria 'não'".
Mas se tal intervenção evitasse Newtown ou Dunblane, você se pergunta, algum de nós teria tanta certeza? O fato é que a realidade será sempre uma área muito mais cinzenta, porque até a mais nuançada neurociência jamais produzirá uma previsão perfeita do comportamento humano. Mas há algum ponto em que a ciência --ao identificar a possibilidade de uma reincidência infracional, por exemplo-- será suficientemente precisa a ponto de justificar exames de rotina em quem conste de um cadastro de criminosos sexuais?
"O fato", diz Raine, "é que as comissões de liberdade condicional todos os dias tomam exatamente esse tipo de decisão preditiva a respeito de qual prisioneiro ou jovem infrator vamos libertar antecipadamente, frequentemente com base em indícios ruins. No momento, os indicadores são fatores sociais e comportamentais, estado civil, seus antecedentes. O que não é usado são as medições biológicas. Mas acredito que, se mesmo atualmente acrescentássemos essas coisas à equação, só poderíamos melhorar as previsões".
PREVISÃO
Para corroborar isso, Raine cita dois trabalhos muito recentes com imagens cerebrais. Um deles é um estudo do Novo México em que os prisioneiros eram submetidos a exames ao serem libertados. "O que eles estão descobrindo é que se o funcionamento do cingulado anterior, uma parte do sistema límbico, é inferior ao normal antes da libertação, [o criminoso] tem o dobro de chance de ser novamente condenado nos três anos seguintes. E que esse marcador é um guia mais preciso do que todos os outros fatores sociais", diz Raine.
Um segundo estudo aparentemente mostra que, se um prisioneiro libertado tem um volume significativamente menor na amígdala cerebelar, a parte do cérebro com formato de amêndoa que é crucial para processar as lembranças e emoções, ele tem o triplo de chances de reincidir. "Agora, são só dois estudos, mas o que eles estão começando a mostrar é uma prova de conceito, que, se acrescentássemos fatores neurológicos à equação, poderíamos fazer um trabalho melhor em prever o comportamento futuro."
No final do seu livro, Raine sugere vários possíveis futuros orwellianos para essa ciência, como uma "ladeira escorregadia" de intervenções que acabem por imaginar uma sociedade que avalia o risco biológico de todos os indivíduos --uma versão ampliada de "Precisamos Falar Sobre o Kevin"-- e trancafie preventivamente aqueles que estão na extremidade da curva (uma espécie de Guantánamo baseado em provas). Ele de forma alguma defende nada disso, mas quando pergunto se ele submeteria seus próprios filhos, dois meninos de 11 anos, aos exames, ele sugere que provavelmente sim.
"Se houvesse uma oportunidade para triagem na escola ou por intermédio de um programa de medicina familiar, eu faria? Bom, se meus filhos tivessem problemas, como pai eu iria querer saber sobre eles, e iria querer saber como eu poderia lidar com eles. Se você trouxesse coisas tais quais a regulação das emoções e o controle dos impulsos, que sabemos serem fatores de risco para o comportamento, então eu, como pai, iria meio que querer saber o que se poderia fazer para ajudar com isso."
Talvez não seja tão absurdo imaginar que tais exames serão um dia tão rotineiros quanto os programas de imunização; a questão maior então será como começamos a reagir aos resultados. Raine prefere em vez disso a ideia dos programas de saúde pública como prevenção da criminalidade: "O cérebro do adolescente ainda é muito maleável. Há ótimos indícios, a partir de testes de controle aleatórios, de que o [óleo de peixe] ômega-3 tem um efeito positivo sobre jovens infratores, e que mesmo a atenção para com eles parece melhorar o comportamento e as estruturas cerebrais".
Não há como não pensar: quem dera fosse assim tão simples.
Tradução de RODRIGO LEITE.

Uma mania americana - Michael Kepp

folha de são paulo

Uma mania americana


"Americanos são muito estatísticos", já dizia Caetano. É verdade.
Meus conterrâneos, obcecados por fatos, os colocam em um pedestal e os quantificam, para lhes conferir precisão e credibilidade. Números e porcentagens lhes dão o poder de prever e, às vezes, controlar os acontecimentos.
Se fosse feito um estudo, o resultado mostraria que nove em dez americanos amam estatísticas. Mas estou só 50% certo disso.
Mais estatísticas per capita são recolhidas sobre o beisebol do que sobre qualquer outra atividade humana. Já que acontece tão pouca coisa durante o jogo, os comentaristas inundam os espectadores de números sobre o desempenho de cada um dos jogadores.
Os torcedores ficam mais encantados por essas cifras do que por um jogo de futebol que acaba zero a zero.
Nas noites das eleições presidenciais, as redes de TV alimentam eleitores famintos de fatos com números constantemente atualizados de votos dados a cada candidato em cada condado de cada Estado onde a disputa esteja acirrada.
Mas duas estatísticas previram a derrota de Mitt Romney na eleição de 2012. Uma delas se destacou em um vídeo, gravado secretamente, em que ele dizia a ricos doadores de campanha que 47% dos americanos eram "vítimas... dependentes do governo".
A outra estatística --a do slogan "Nós somos os 99%", do movimento Occupy Wall Street-- era um sinal de que a maioria dos eleitores não votaria em um bilionário do 1% mais rico. Ou, no caso de Romney, do 0,006% mais rico.
Números poluem a paisagem americana. As placas de estrada que anunciam o perímetro urbano de uma cidade sempre informam a população. Os arcos dourados da rede McDonald's anunciam quantos bilhões de hambúrgueres foram servidos. E um painel eletrônico em Manhattan mostra um número constantemente atualizado, de 13 dígitos: a dívida nacional.
A imprensa americana publica fatos quantificados com valor noticioso zero. Veja essa recente manchete do "New York Times": "Donald Hornig, o último a ver a primeira bomba atômica, morre aos 92 anos".
A revista "Harper's" dedica uma página inteira a estatísticas. Entre as 39 estatísticas de maio estava este precioso dado: entre os países que produzem atores pornô, a Hungria ocupa o segundo posto. Outra revista me revela que eu nasci no oitavo melhor hospital dos Estados Unidos.
Michael Kepp
Michael Kepp, jornalista americano radicado há 28 anos no Brasil, é autor do livro "Tropeços nos Trópicos - crônicas de um gringo brasileiro" (Ed. Record). Mantém o site www.michaelkepp.com.br. Escreve às terças, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Equilíbrio".

Quadrinhos

folha de são apulo
CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI
ADÃO ITURRUSGARAI
BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
MALVADOS      ANDRÉ DAHMER
ANDRÉ DAHMER
MALVADOS      ANDRÉ DAHMER
ANDRÉ DAHMER
GARFIELD      JIM DAVIS
JIM DAVIS

HORA DO CAFÉ      MANDRADE
MANDRADE

Boa desculpa - Iara Biderman

folha de são paulo
Nada de enrolação: quando bem-feito, o pedido de retratação é uma forma honrosa de aproximar pessoas e refazer acordos
IARA BIDERMANDE SÃO PAULOSe você está cansado de ouvir desculpas, prepare-se. Gente que estudou o problema diz que há um "boom" desses pedidos circulando no mundo --tanto no público quanto no privado.
Sim, há especialistas em desculpas, e não são gurus de autoajuda oferecendo o manual definitivo do perdão.
"Há toda uma linha de estudos na sociologia e na ciência política sobre o assunto, por causa dos pedidos formais dos governos e das instituições", diz o sociólogo carioca Alexandre Werneck, autor de "A Desculpa" (Record, 378 págs., R$ 39,90).
Seja a Fifa se desculpando, na última quarta-feira (29/5), por problemas na retirada de ingressos da Copa das Confederações, seja o que você costuma dizer ao chegar atrasado a um compromisso, o fato é que a vida cotidiana se move numa rede de desculpas.
E isso não precisa ser ruim, segundo Werneck. Ele diz ter escrito o livro para reabilitar a desculpa, que acabou virando sinônimo de mentira.
"Um dos motivos pelos quais conseguimos viver socialmente é porque podemos pedir e aceitar desculpas. É um mecanismo para manter relações e permitir acordos."
Em tempos de relações virtuais, o mecanismo se torna ainda mais importante, segundo a escritora americana Susan McCarthy, criadora do site SorryWatch (vigilante das desculpas).
"Nas redes sociais, as pessoas dizem as coisas muito rapidamente e não há muito espaço para sutilezas. E todos querem se mostrar. Isso aumenta as chances de falarem coisas estúpidas ou malvadas. Então, têm que se desculpar mais e mais", disse McCarthy à Folha.
O site (www.sorrywatch.com) analisa pedidos de desculpas na mídia, na história, na cultura e na vida privada. E aponta quais são os mais esfarrapados, destrinchando seus argumentos.
O observatório virtual de desculpas está há quase um ano no ar. Embora a maioria dos posts sirva para criticar os piores pedidos, McCarthy defende a prática: "Pedir desculpas tem o poder de aproximar os seres humanos, resgatá-los de seu isolamento, de suas tristezas e de seus ódios", afirma.
REVELAÇÃO
Para pessoas que já estão próximas, falar de desculpas desperta uma ponta de suspeita. A associação com "mentira" pega. No melhor dos casos, seria uma forma de não ser indelicado; no pior, um jeito de esconder algo importante.
A psicoterapeuta Lúcia Rosenberg pensa de outra forma: "Pedir desculpas é se revelar ao outro". A pessoa que pede mostra ao parceiro como ela funciona e propõe que ele encare o que ela fez (ou deixou de fazer) com um outro olhar.
Mas nem sempre as pessoas querem se mostrar e fica difícil pedir desculpas.
"Existe essa coisa egoica ocidental de achar que você precisa estar sempre por cima. As pessoas não percebem quanta honra e quanta coragem é preciso ter para pedir perdão. Não percebem quanta nobreza há nesse gesto que parece humilhante", afirma a psicoterapeuta.
Retratar-se é um pedido e um sinal de respeito, que vem da palavra latina "re-espectrum', olhar novamente.
"O novo paradigma amoroso não é dizer eu te amo, mas sim eu te enxergo", acredita Rosenberg.
O pedido de desculpas é um jeito de dizer "não te vi na hora em que pisei na bola contigo, mas agora estou te vendo".
Aceitar as desculpas é jogar essa bola para frente, segundo o publicitário carioca Daniel Bovolento, 22, que considera a traição um dos pedidos de reparação mais difíceis de se aceitar.
Ele foi traído pela namorada quando estava em uma viagem de trabalho. Soube por telefone e rompeu.
Voltou ao Rio no dia seguinte, quando se encontraram para uma conversa. "Ela disse que sabia que eu não iria desculpá-la, mas que não queria ser a grande decepção de minha vida. A promessa embutida era eu não vou mais fazer isso'. Eu repensei, engoli meu orgulho e resolvi reatar o namoro", conta.
O caso ilustra o que o sociólogo Alexandre Werneck considera o ritual da desculpa. "Envolve demonstração de arrependimento, ato de contrição e aposta no futuro."
Nesse ritual, quem pede reduz a importância do passado e aumenta a do futuro. Já a pessoa que aceita o pedido faz uma revisão do passado para seguir em frente.
FORÇA TERAPÊUTICA
Pedir desculpas também tem força terapêutica. Nos "12 passos", programa de tratamento de dependência química, faz parte do tratamento: é o nono passo.
"O pedido é um exercício para treinar um novo jeito de viver. Quando peço desculpas, reforço meu propósito de mudança", diz Alexandre Araújo, presidente da ONG Intervir para dependentes químicos.
O passo ajuda o dependente em recuperação a reconstruir suas relações sociais em outras bases.
"Para chegar a pedir desculpas, a pessoa tem que ter elaborado muito a situação. A reparação é um aprofundamento e uma releitura de sua história", explica Araújo, que trabalha com membros de entidades como a AA (Alcoólicos Anônimos).
O programa dos passos, seguido pelo AA, reforça que as desculpas devem ser dadas diretamente às pessoas afetadas, sempre que possível.
É um ponto básico da boa desculpa, mas está cada vez mais difícil de se encontrar, segundo a "vigilante de desculpas" Susan McCarthy.
Um bom pedido, para ela, é quando a pessoa entende o que deu errado, explicita o que aconteceu e assume a responsabilidade por isso. A regra é a mesma para desculpas íntimas e públicas.
"Muitas pessoas não foram ensinadas a se retratar. Se não sabem fazer isso por falta de prática ou porque nunca pensaram no assunto, vão pedir desculpas como se fossem crianças autocentradas e orgulhosas, praticamente acusando a pessoa para a qual deveriam se desculpar", diz McCarthy.
    ARREPENDIMENTOS PÚBLICOS
    LANCE ARMSTRONG
    O ex-ciclista americano fez o circuito completo da busca do perdão: confissão, arrependimento e pedidos de desculpa. Tudo ao vivo, no programa de TV de Ophra Winfrey. O atleta admitiu ter usado doping e se explicou: "Eu não inventei a cultura, mas não tentei evitá-la"
    WOO-SUK HWANG
    O cientista coreano fraudou dados sobre a criação de células-tronco por clonagem e foi descoberto. Desculpou-se, dizendo: "Houve alguns enganos, erros humanos". Hwang foi condenado pela justiça coreana por desvio de recursos e compra de óvulos, mas não foi preso.
    MADONNA
    Ao receber um buquê de flores de um fã, durante entrevista coletiva em 2011, a cantora não se conteve: "Odeio hortênsias!". Depois, Madonna compartilhou um vídeo na internet em que lamenta ter magoado o admirador. Mas, no fim, reafirma detesta a espécie
    PRÍNCIPE CHARLES
    Em 1994, quando vieram a público as aventuras extraconjugais do herdeiro do trono britânico com Camila Parker Bowles, Sua Alteza disse: "Vocês realmente esperavam que eu fosse o primeiro príncipe de Gales a não ter amante?"
    NEYMAR
    Em uma partida em 2010, o jogador confrontou o então treinador do Santos, Dorival Jr., e o capitão da equipe, Edu Dracena. Gritos e palavrões fizeram parte do show. No dia seguinte, deu uma coletiva de duas horas, na qual repetiu a palavra 'desculpas' oito vezes
    LUANA PIOVANI
    A atriz quis fazer graça com os corintianos no Twitter após uma derrota do time. A torcida reagiu e ela voltou atrás. "Me arrependi da grosseria", tuitou. Em seguida, anunciou sua saída da rede social: "dou um passo a frente assumindo minha fraqueza"
    CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
    Em maio, boatos sobre o fim da bolsa-família causaram tumultos em 13 Estados. Um dia antes, a Caixa alterou, sem avisar, o calendário de pagamentos do programa. Uma semana depois, veio a desculpa: "Tivemos uma informação equivocada em relação a data", disse Jorge Hereda, presidente do banco
    BILL CLINTON
    Em 1998, surgem evidências do envolvimento sexual do presidente dos EUA Bill Clinton com a estagiária da Casa Branca Mônica Lewinsky. Clinton teve que enfrentar um processo de impeachment e pediu perdão em rede nacional à esposa e ao povo americano
    BEATLES
    Eles proclamaram que eram mais populares do que Jesus Cristo. Mas não foram tão onipotentes a ponto de ignorar as reações da população crente e organizaram uma entrevista coletiva na qual John Lennon pede desculpas pela frase de efeito
    ADÃO E EVA
    Ao ser acusado por Deus de desobediência por ter comido a maçã da árvore proibida, Adão jogou a batata quente para Eva: "Foi a mulher que pusestes ao meu lado que me deu de comer da árvore". Já Eva acusou a serpente, que a provocou com a maçã
      O BÁSICO É A MELHOR ESTRATÉGIA
      USE A PALAVRA
      Diga com todas as letras: desculpas. Se soar natural para você, pode usar o termo perdão. Mas "foi mal" não serve
      SEJA ESPECÍFICO
      Diga o que você fez concretamente. Não seja vago ("sinto muito pelo o que aconteceu") nem dê o truque do condicional (desculpe-me se o que fiz foi errado)
      FALE DE CONSEQUÊNCIAS
      Reconheça que a situação criada por você teve efeitos em outra(s) pessoa(s). É por isso que você está se desculpando com ela(s)
      EXPLIQUE-SE
      Conte as causas e as circunstâncias envolvidas na situação, sem se colocar na defensiva nem se desresponsabilizar ("foi fulano, é a sociedade, é genético")
      NÃO TERCEIRIZE
      O pedido tem que ser feito pessoalmente. Recursos como mandar recado ou comunicar por porta-voz podem até manter as aparências, mas não dãop certeza de que a desculpa foi efetivamente dada e aceita

      Mulheres aprendem a 'desmunhecar' em curso para 'atrair partidão'

      folha de são paulo
      Como ser 'magnética'
      Mulheres pagam R$ 1.000 para ouvir conselhos anacrônicos sobre conquista como 'não fazer sexo no primeiro encontro' e 'deixar a iniciativa para o homem'

      MARIANNE PIEMONTE
      COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

      Uma manhã cinza de sábado em São Paulo é um convite à preguiça, a um livro e àquela esticada na cama.
      Mas só pode se dar a esse luxo quem não quiser se tornar "magnética" para conquistar um partidão, promessa do treinamento intensivo oferecido pela agência de relacionamentos Eclipse Love.
      Dezenove mulheres a R$ 1.000 por cabecinha estavam lá, em uma sala da avenida Paulista, diante de um "powerpoint" que anunciava mudar suas vidas. Eram secretárias, arquitetas e psicólogas com idades entre 30 e 60 anos.
      A criadora do programa, a psicóloga Eliete Amélia de Medeiros, 47, há 15 anos trabalha unindo casais e há dois abriu uma agência. Ela diz ser a primeira "heart hunter" (caçadora de corações) e chega a cobrar R$ 12 mil pelos seus serviços, que, segundo afirma, têm êxito de até 70%. Atualmente, diz, 2.500 pessoas contam com seu auxílio para ter sorte no amor.
      SUTIÃ DA DISCÓRDIA
      Na abertura do curso, Eliete explica que, como a Lua, as mulheres têm fases e é preciso respeitá-las. Pelo menos uma vez por mês, a mulher deve tomar um banho mais demorado e tirar um dia para apenas ingerir líquidos, cuidados que, avisa, se perderam com o tempo.
      Avener Prado/Folhapress
      A psicóloga e cupido Eliete de Medeiros, em seu escritório em São Paulo
      A psicóloga e cupido Eliete de Medeiros, em seu escritório em São Paulo
      Após esse breve prólogo, dá-se início a um capítulo sobre etiqueta. Na tela está uma imagem de um sutiã em chamas. A professora diz: "Não foi nossa culpa que elas fizeram isso, mas precisamos resgatar a feminilidade e a tolerância se quisermos relacionamentos duradouros".
      Nessa aula, as mulheres aprendem que não devem falar com o garçom durante um jantar romântico; que homens reparam se a pedicure está em dia e que é proibido comer muito em um primeiro encontro.
      Para a psicóloga Ana Letícia Pereira, 30, o capítulo foi bastante proveitoso. Ela acredita que perdeu um partidão por ter feito um pedido diretamente para o garçom durante um jantar. "Demonstrei ser independente demais."
      O que se fala à mesa também é importante: nada de tagarelar sobre trabalho. "Deixe esse assunto para eles, que já se sentem muito inferiorizados", ensina.
      Um dos slides mostra que 50% das pessoas não querem parceiros acima do peso. A própria Eliete costuma rejeitar gordos em sua agência. "Sou carinhosa e assertiva, digo que se ela emagrecer aumentará seu leque de oportunidades", explica. Mas há gordos magnéticos, não?, a reportagem pergunta. "Não é o que dizem as pesquisas."
      Depois de um breve curso de maquiagem --porque cara lavada é sinal de desleixo--, Eliete volta com um guia prático do magnestismo. Todas as participantes estão com caneta em punho.
      A primeira regra é a pontualidade. "Qual o problema em deixar um pretendente com uma Mercedes esperando na porta da sua casa por 15 minutos?" "Todos", responde a plateia. São Paulo é uma cidade perigosa, além de ser sinal de falta de respeito, segundo as participantes.
      Outro item elementar é o salto alto. "Sei que rasteirinhas e sapatilhas estão na moda, mas para atrair devemos usar salto", diz Eliete. Ela mesma não descansou um segundo do seu salto 12.
      FORÇA NO REQUEBRADO
      As magnéticas são maleáveis, "batem cabelo" (jogo de cabeça para os lados), quebram os pulsos (sim, desmunhecar) e movem os quadris enquanto conversam.
      Quem quer relacionamentos duradouros não deve transar na primeira noite, e o homem é quem paga o primeiro jantar. Mas a magnética também pode ser ousada e ligar no dia seguinte para agradecer o passeio, diz a professora, que informa estar há um ano e meio com um novo amor, após o divórcio.
      Por volta das 15h acontece o segundo momento leve do curso, com dicas de como se vestir. Lembra a regra do salto? Então, ela vale também para praia ou piscina. "Como você não usa sapato nessas ocasiões, deve andar na ponta dos pés. Além de chamar atenção e olhares, gordurinhas e celulites ficam disfarçadas", afirma Eliete. Nesse instante, ela demonstra como deve é esse andar. As alunas a seguem com o pescoço.
      Para finalizar, a mestra pede que as mulheres fechem os olhos: vai começar uma técnica de relaxamento que, de quebra, promete aumentar a (estava faltando esta palavra) autoestima. Elas têm de visualizar uma "cena positiva" com o homem dos sonhos e guardar esse retrato. Depois, devem pensar numa pessoa muito especial, alguém que amem acima de tudo. Nessa hora, Eliete toca o ombro de cada uma, sinal para que abram os olhos. Um espelho está diante delas. Algumas não resistem e choram.
      A bancária Milena Jorge, 35, do interior de São Paulo, foi uma. Depois de 14 anos de namoro, três de casamento e um bebê de um ano, descobriu a traição do marido em uma mensagem no celular.
      Há cinco meses separada, resolveu acelerar a volta por cima. O caminho mais breve foi a agência e o curso.
      "Sou caseira, não conseguiria me expor nas baladas. Tenho filho, por isso preciso de alguém que faça a primeira triagem. Vai que me deparo com um ladrão?" Se o curso fez diferença na vida dela? Absolutamente.
      Naquele mesmo sábado, ela foi a um "happy hour" promovido pela agência. Conheceu um rapaz e colocou seu magnetismo à prova. Ela não era o perfil que o cara buscava --ele queria mulher sem filhos. Mas o rapaz não resistiu. No próximo fim de semana, Milena receberá o pretendente em sua cidade.
      Eliete programa a versão do curso para homens no próximo semestre, com dicas de culinária, dança e enologia.

      O alívio de fazer xixi - Suzana Herculano-Housel

      folha de são paulo
      NEURO
      Esvaziar a bexiga é como contar um segredo e deixar de sofrer a respeito: relaxa o corpo e o cérebro
      O tema é prosaico, eu sei, mas quem não conhece o alívio, quase prazer, de deixar sua bexiga se esvaziar quando ela já está mais do que esticada? A razão é que segurar o xixi dá trabalho para o cérebro, além de deixar a gente ansioso e sem conseguir pensar em outra coisa.
      Urinar é algo que o cérebro consegue fazer sem precisar de controle atento. Conforme a bexiga se enche de urina, a informação sobre o seu estado de distensão é repassada pelos nervos para a medula espinhal e dali para o centro de controle da micção na ponte do cérebro. Assim que a bexiga fica cheia demais, esse centro inicia automaticamente seu esvaziamento.
      Mas fazer xixi a qualquer momento, simplesmente porque a bexiga ficou cheia, não é considerado civilizado. Humanos e cachorros aprendem rapidamente que xixi tem hora e lugar graças à possibilidade de reconhecer a sensação da bexiga cheia e exercer controle cognitivo sobre o centro pontino da micção.
      Se a bexiga ficar cheia demais, não tem jeito: os mecanismos de segurança falam mais alto e lá se vai a urina. Mas, até lá, o centro pontino da micção fica sob o controle do córtex pré-frontal, que só permite a micção quando, além de necessária, ela for socialmente aceitável e puder acontecer em lugar seguro.
      O córtex pré-frontal, por sua vez, exerce seu controle informado pelo córtex da ínsula, que representa, entre outras sensações fisiológicas, a sensação da bexiga se enchendo. A ínsula também repassa essa informação para o córtex cingulado, que monitora a situação e dá o alerta para outras regiões do cérebro quando a coisa começa a ficar crítica. Daí em diante, tudo em que se consegue pensar é no banheiro mais próximo, enquanto o córtex pré-frontal segura as pontas, literalmente, mantendo o centro pontino inibido.
      Já no banheiro, e com bênção pré-frontal, o centro pontino troca a atividade simpática, que mantém a bexiga distendida e o esfíncter contraído, por ativação parassimpática, que contrai a bexiga e relaxa o esfíncter, permitindo a passagem da urina.
      Por isso fazer xixi é tão bom: além de ser um estado de ativação parassimpática, que relaxa o corpo, ainda alivia seu córtex cingulado e o pré-frontal, que estavam dando duro para mantê-lo tenso, no controle e em busca de um banheiro. Daí o alívio mental de poder soltar o xixi. É como poder contar um segredo e parar de sofrer a respeito. Aaaaah...
      NA PRÓXIMA SEMANA
      Denise Fraga

        Sim, eles crescem - Rosely Sayão

        folha de são paulo
        Os pais reclamam das demandas incessantes dos filhos, mas sofrem quando essa situação começa a mudar
        A mãe de um garoto de nove anos vive uma crise que ela não percebe como tal e pode ser interessante pensar a esse respeito, principalmente para quem tem filhos com idade acima dos seis anos.
        Essa mãe diz que o filho sempre solicitou a presença dela para tudo, mas que agora está bem mudado.
        Até dias atrás, o menino ligava para ela perguntando o que deveria comer, se poderia ver tal filme e deixar a lição de casa para fazer à noite em companhia dela. Também pedia que a mãe escolhesse a roupa dele etc.
        Em casa, no fim de semana, o garoto vivia atrás da mãe para decidir do que brincar, o que fazer e quem convidar para jogar bola.
        Muitas mães vivem situações semelhantes e reclamam, porque gostariam de poder ler o jornal sem interrupções, de ir ao banheiro em paz e de passar ao menos uns dez minutos em casa ocupadas com as tarefas domésticas sem precisar se responsabilizar por cada uma das atividades dos filhos.
        Pois a mãe do garoto citado acha que ele está entrando na adolescência precocemente porque a tem procurado menos. Ela, que confessou ter desejado ardentemente alguns momentos de sossego, agora sente falta das demandas incessantes do filho.
        A mãe de uma adolescente se debate com situação parecida: diz que ela e a filha sempre foram muito próximas, mas já não sente mais essa proximidade.
        Antes, trocavam confidências, a filha lhe confiava segredos típicos de adolescentes e sempre pedia a opinião da mãe a respeito das amigas. Mas, de repente, segundo a mãe, tudo mudou.
        Quando ela se aproxima da filha durante uma conversa da garota ao telefone com amigas, percebe que ela muda de assunto rapidamente.
        Segredos, então, que anteriormente eram confidenciados por ambas, agora nem pensar: parece que, repentinamente, as duas ficaram sem assunto.
        Será que esse menino de nove anos e essa adolescente estão em crise? É provável que não, porque os filhos não precisam da constante proximidade dos pais.
        Quem consegue prestar atenção aos filhos se dá conta de que eles alternam com regularidade fases em que buscam a proximidade dos pais (da mãe, em especial) e o distanciamento deles.
        Os filhos têm o direito de identificar quando precisam dos pais e os querem muito próximos e quando já não querem isso.
        E quando mães, como as duas citadas, percebem pela primeira vez que seus filhos se afastam, o que está em jogo pode ser a angústia delas e não a mudança de comportamento dos filhos. E que angústia seria essa? A de se separar dos filhos.
        Pelo menos em teoria, criamos os filhos para que eles cresçam, não é? Não criamos nossas crianças para que permaneçam crianças para sempre. O crescimento resulta em assumir a própria vida e, portanto, separar-se dos pais.
        Talvez uma questão importante para reflexão de muitas mães da atualidade seja a dificuldade de suportar essa separação que, lembremos, ocorre desde o nascimento. Como atualmente os laços afetivos entre adultos estão frágeis e se rompem por qualquer motivo, por mais fútil que seja, a busca de um relacionamento próximo perene com os filhos parece oferecer alguma segurança aos pais.
        Mas com um custo demasiadamente alto para os filhos, que ficam, dessa maneira, impedidos de crescer e atingir a maturidade.
        Não é aos nove anos ou na adolescência que os filhos se afastam dos pais pela primeira vez. Mas pode ser a primeira vez que as mães reconheçam essa dor. A separação pode ser uma experiência dolorosa, mas suportável.
        E deve ser. Mães não são feitas de cristal e filhos precisam crescer.